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Neiva de Aquino Albres
Neiva de Aquino Albres
Fonoaudióloga
Cultura Escolar: Proposições Oficiais para Ensino da Leitura e Escrita para Alunos Surdos
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Publicado em 2008
RVCSD - Revista Virtual de Cultura Surda e Diversidade, Edição nº 02
Neiva de Aquino Albres
Resumo

Este texto apresenta reflexões sobre o ensino de leitura e escrita para alunos surdos, considerando as proposições oficiais para o ensino. O foco desse artigo é analisar: quais concepções de língua e de cultura escolar constituem o imaginário do documento do CENESP/MEC de 1979, MEC 1997 e MEC 2002. No início a Língua de Sinais é ignorada e o objetivo principal é o ensino da fala aos alunos surdos, período que vigora a integração, assim os alunos deviam estar adaptados para a convivência em sociedade, a concepção de linguagem segue de certa maneira o proposto pela educação geral, da língua como código para língua como atividade discursiva e constituidora da identidade dos indivíduos. Consideramos que destacado está o estudo dos aportes lingüísticos, pelas concepções de linguagem e da necessidade de uma língua para que ocorra o processo de aprendizagem; a língua que se deve ensinar e em que momento, fundamentalmente, encontrava-se como discussão privilegiada nos documentos.

Introdução

A escola trabalha com o pressuposto que a escrita da língua portuguesa é uma escrita alfabética, onde há uma correspondência entre a produção da fala e da escrita; uma equivalência; e no que se refere à educação dos surdos, ainda é, extremamente insatisfatória. Há um grande número de crianças surdas que fracassam no processo de aprendizagem da língua portuguesa na modalidade escrita, pois percorrem um desenvolvimento diverso do proposto pela escola, e este se dá por signos gestuais-visuais.

Até o presente momento, os projetos educacionais implementados no Brasil configuram modelos diversos de orientação sobre o processo de ensino/aprendizagem de leitura e escrita para surdos.
Esta pesquisa propõe-se a resgatar e sistematizar a história das orientações metodológica de ensino de língua portuguesa para alunos surdos registradas nos documentos oficiais do Brasil. Para tal o exame, os documentos constituíram o princípio orientador da análise, visto que estes registram as concepções do contexto socioeconômico do país e os pressupostos epistemológicos.

Consideramos os documentos analisados neste trabalho como produções de textos que induzem a apropriação, reprodução e posicionamento dos sujeitos (educadores), o que leva a estruturação do discurso pedagógico. “As características que criam a especificidade da prática interativa (isto é, a forma da relação social) regulam as orientações relativamente aos significados, essas últimas geram, através da seleção, produções textuais específicas” (BOURDIEU, 1996: p. 32). O que é corroborado pela divisão social do trabalho propiciando o controle simbólico, com suas agências e agentes especializados.
Nos documentos da nação está impressa uma objetividade que já é cultura escolar, permite observar, na proposta de ensino e aprendizagem a elitização do conhecimento, pois a língua é ponto fundamental e super valorizada na escola, quanto mais ao sujeito que é considerado um deficiente da áudio-comunicação.

Levamos em conta, por outro lado, que a construção de uma investigação histórica é elemento subjetivo no conhecimento, da forma como os conceitos se organizam, como tratamos os materiais que nos servem, da forma como tratamos o objeto, até mesmo dos próprios materiais selecionados, a seguir:

BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Centro Nacional de Educação Especial – CENESP. Proposta curricular para deficientes auditivos. Brasília, DF: MEC, 1979. (9 volumes: 1a série, 2a série, 3a série, 4a série, 5a série, 6a série, 7a série, 8a série e o manual). BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Educação de surdo. Brasília: MEC/SEESP, 1997. (três volumes: 1 – Deficiência auditiva; 2- A educação dos surdos; 3- Língua Brasileira de Sinais). BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Programa Nacional de Apoio à educação de Surdos. Ensino de língua portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Brasília: MEC/SEESP, 2003. (dois volumes).

Estas são nossas fontes, como no dizer de Schaff (1987) nossa matéria-prima, nossa substância bruta de onde selecionamos os materiais disponíveis, que abrigam os códigos, estes como princípios regulativos, que carregam significados, realizações e contextos determinados (BEIRSTEN, 1996); e a ideologia é construída nesses e a partir destes documentos.

A unidade básica de análise é a linguagem, concebida aqui como processo de construção histórico-cultural, assim os indivíduos se constituem pela “palavra” e pelo outro no processo de construção da civilização dos alunos surdos. Algumas questões foram levantadas para análise inicial: Qual a concepção de linguagem flagrada nesses discursos pedagógicos? Quais os paradigmas que geram o que se pode chamar de discursos/práticas pedagógicas oficiais? Qual a língua legítima para a escola? Quais as concepções de ensino de língua portuguesa? Como são indicadas as proposições para a prática pedagógica?

Entende-se, então, que investigar aspectos relacionados ao ensino da Língua Portuguesa para surdos nos documentos referenciadores do MEC, possibilita também o estudo da cultura escolar, podendo ser feito por meio dessas obras, quando considerado o recorte histórico e político, pois se sabe que os fenômenos da sociedade são constituídos por diferentes determinações, contradições e forças antagônicas. Entretanto, JULIA (2001) nos alerta ao discutir a cultura escolar como objeto histórico:

… eu gostaria de fazer uma dupla advertência, o manual escolar não é nada sem o uso que dele foi realmente feito, tanto pelo aluno como pelo professor. Por outro lado, não temos tido a tendência, muito freqüente, de fazer uma análise puramente ideológica desses manuais, que frisa o anacronismo? [...] é conveniente, portanto, recontextualizar muito precisamente os manuais em sua circunstância histórica. (JULIA, 2001, p. 26).

A leitura das fontes oficiais contribuiu tanto para a classificação dos elementos constitutivos, quanto para o reagrupamento, baseado em analogias, assim delimitamos as categorias explicativas, para posterior aprofundamento e a ampliação da análise. Para este artigo apresentaremos especificamente conceito de língua e proposição de ensino, alguns aspectos da cultura escolar, dentre elas, conceito de escola, suas funções; como também a análise dos papéis e práticas esperados para o professor e outros agentes.

Contornos da Cultura Escolar: Concepção de Linguagem, Proposição de Ensino de Língua Portuguesa e Agentes para Educação de Surdos

O movimento do campo educacional em direção à democratização do ensino ocorreu em ritmos diferentes segundo as sociedades e as esferas dessa sociedade, conforme a característica particular dos sujeitos a que se destinava, proporcionando uma sucessão de alunos excluídos. O desenvolvimento do sistema de produção de bens simbólicos reside principalmente na diferenciação de destinatários desses bens, cujas condições de possibilidades de acesso a determinado produto reside na própria natureza imaginária de composição de classes. Mas BOURDIEU (1996: p. 26-27) alerta que “as classes sociais não existem (…). O que existe é um espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer”.

Num determinado espaço social, a escola; destinada a pessoas deficientes, provindas de diferentes classes econômicas; constroe, ou melhor, é levada a construir o “Abdus” desenvolvido para e por tais indivíduos. Isso é o que procuramos identificar, descrever e analisar, ou seja, a determinação de estrutura de posições diferenciadas, definidas para os agentes que desenvolverão um papel (professores e alunos), pelo lugar que ocupam na distribuição de um tipo específico de capital (capital cultural, lingüístico, etc.), assim as classes são construídas na história das relações sociais, consideramos que a escola é, fundamentalmente, formada pela classe docente e discente.

O conceito de cultura veio enriquecer os estudos sobre a escola, possibilitando uma percepção que leva em consideração os aspectos humanos de que são constituídos. Esses estudos tomam por base conceitos oriundos da Antropologia Cultural e Sociologia, derivados de diferentes correntes. Pois, “a cultura perpassa todas as ações do cotidiano escolar, seja na influência sobre os seus ritos ou sobre sua linguagem, seja na determinação de suas formas de organização e de gestão, ou na constituição dos sistemas curriculares” (SILVA, no prelo p.3).

Por intermédio das práticas culturais no ambiente da escola, vão-se constituindo os grupos, cada qual com sua identidade. Nesse sentido, CERTEAU (1995) defende a idéia de que a verdadeira cultura não depende só das práticas sociais, mas é necessário que estas tenham significado para aqueles que as realizam, pois “a cultura não consiste em receber, mas em realizar o ato pelo qual cada um ‘marca’ aquilo que outros lhe dão para viver e pensar”. (CERTEAU, 1995, p. 11). Assim, a escola é um espaço nuclear das práticas culturais.

Podemos considerar, então, que esta análise compõe uma das diferentes variáveis que constituem a cultura escolar, nos debruçamos, portanto na cultura acadêmica, entendida como:

A seleção de conteúdos destilados da cultura pública para seu trabalho na escola: o conjunto de significados e comportamentos cuja aprendizagem se pretende provocar nas novas gerações através da instituição escolar. A cultura acadêmica se concretiza no currículo que se trabalha na escola em sua mais ampla acepção: desde o currículo como transmissão de conteúdos disciplinares selecionados externamente à escola, desgarrados das disciplinas científicas e culturais, organizados em pacotes didáticos e oferecidos explicitamente e maneira prioritária e quase exclusivamente pelos livros-textos, ao currículo como construção ad hoc e elaboração compartilhada no trabalho escolar por docentes e estudantes (PÉREZ-GOMEZ, 2001, p. 259).

Delimitar-nos-emos na primeira condição de análise da cultura acadêmica, que se embasa nos livros-textos, sobre o que conseguimos abstrair dos documentos referenciadores do MEC.

Buscamos as evidências da cultura escolar. A esse respeito, JULIA (2001, p.9) considera que a cultura escolar é “[...] conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, [...] práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”. Buscamos nos documentos as nuances dessas indicações.
Há códigos presentes nessas orientações, ou seja, “princípio regulativo, tacitamente adquirido, que seleciona e integra significados, realizações e contextos” (BERNSTEIN, 1996, p.29). Consideramos que todo trabalho pedagógico tem a função de enquadramento de seus agentes e de suas condutas.

TEIXEIRA (2002) afirma que

… a cultura interna das escolas varia como resultado da negociação que dentro delas se dá entre as normas de funcionamento determinadas pelo sistema e as percepções, os valores, as crenças, as ideologias e os interesses imediatos de administradores, professores, funcionários, alunos e pais de alunos (TEIXEIRA, 2002, p.40).

Apresentamos a seguir as propostas de ensino de surdos publicadas no Brasil

a) Área de Comunicação e Expressão na proposta curricular para deficiente auditivo de 1979

Até os anos 60 e início dos 70, na escola se discutia a gramática da língua, algo comum ao corpo discente e docente, essa proposta caminhava de forma mais ou menos tranqüila já que atingia os setores médios da sociedade, assim as crianças chegavam à escola com um padrão de língua aceitável pela mesma, mas quando há uma democratização, aumento de vagas para as camadas populares, (MEC-PCN, Língua Portuguesa, 1998), há uma diferenciação dos padrões e a imposição da norma culta com referencia na gramática, nesse ensino a ação pedagógica se torna uma violência simbólica porque impõe um arbitrário cultural, ou seja, impõe uma concepção cultural de grupos e classes dominantes e esta imposição tem no sistema de ensino seus sustentáculos. (BOURDIEU, 1996)
Nos anos 70 há uma “nova” concepção de ensino de língua no país, ficando expresso pelo então Conselho Federal de Educação as alterações significativas na proposição de Currículo Nacional.

Trata-se da resolução CFE no 8 e do Parecer CFE no 853, de 1o de dezembro de 1971. A disciplina até então denominada Português ou Língua Portuguesa passa a denominar-se, no ensino de 1o grau, Comunicação e Expressão, nas séries iniciais, e Comunicação em Língua Portuguesa, nas séries finais, e estabelece-se que seu ensino deve ter “função instrumental”.(SOARES, 2001: p. 67).

Nesse período já existe instituições especializadas em educação de surdos, como o Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, que nos anos 50 e 60 como instituição federal publicou orientações para educadores de surdos, pautavam seu trabalho em técnica Alemã e Belga. (DORIA, 1961)
O Plano Nacional de Educação Especial, visando à expansão e qualificação da educação especial no Brasil, priorizou a reformulação do currículo e a capacitação de recursos humanos. Assim, no Plano de Ação de 1975/1979, acrescentando-se no plano de 1977/79 o serviço de educação precoce e o atendimento a educandos com problemas de aprendizagem (BUENO, 1993)
A primeira proposta de educação, veiculada como diretriz para educação de surdos, registrada pelo Ministério da Educação e Cultura do Brasil, data de 1979 e teve, em sua produção, o suporte da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação − DERDIC − entidade ligada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo − PUC/SP e, antes, denominado Instituto Educacional de São Paulo, fundado em 18 de outubro de 1954, mas somente doado à fundação de São Paulo em 2 de junho de 1969, o atual DERDIC, considerado um centro de referência de pesquisa e ensino de surdos.

Os principais campos de fundamentação da educação de surdos são: a lingüística e a psicologia, consideradas, principalmente pelos seus aspectos de ciência positiva, onde há uma formalização dos princípios teóricos aplicáveis e “invariáveis” para diferentes indivíduos surdos. Neste documento um paradigma estruturalista da lingüística para alicerçar a prática de ensino de língua; no campo da psicologia o comportamentalismo revela-se presente, espera-se que o desenvolvimento do aluno seja como previsto, tendo como base a estrutura do currículo pautado em pré-requisitos.

Ensino da língua portuguesa escrita para surdos é considerada como língua materna. A primeira condição seria que a criança surda deveria aprender a falar (modalidade oral da língua portuguesa), para, assim, aprender a escrever. Esta, atualmente, mais timidamente defendida, perpassa as ações pedagógicas na história da educação dos surdos, orienta o trabalho pedagógico a partir de aspectos fonológicos, propõe a seleção de elementos mínimos e sua sistematização, requerendo um esforço total da criança, todos os dias do ano, requer equipamentos especializados, como aparelhos de amplificação de sons, grupais e individuais, não podendo coexistir com meios de comunicação não orais. (BRASIL, MEC, 1997)

Estes atos levam a criança a compreender o ambiente pessoal, perceber o preconceito imposto a sua expressão e iniciativa à comunicação, a partir desses procedimentos e relações na escola, vai construindo suas representações e assume o papel de “bom falante”, pois a língua portuguesa oral é a língua de maior valor.

Na proposta curricular para deficientes auditivos (MEC, 1979), optou-se pela experiência de colocação da clientela em classes especiais anexas a escolas regulares, ou em escolas especiais para deficientes auditivos; definindo escola como espaço de instrução dos educandos, mas, não só isso, pois consideram que cabe a ela:

… determinar as experiências que sejam mais significativas para o desenvolvimento e formação máximos, completos e harmoniosos da personalidade integral (permitindo-lhe alcançar a auto-realização) ao mesmo tempo em que estejam em harmonia com as necessidades da sociedade e os fins mais elevados da humanidade em geral (TRALDI, 1972 apud MEC 1979/v2, p. 31).

Nesses apontamentos, a definição de escola se dá em consonância com os anseios da sociedade, mas, em relação ao espaço dessa escola que os surdos poderiam ocupar, se dá em relação direta com as diferenças impostas pela surdez. O documento de 1979 apresenta que o traço característico dessa deficiência liga-se ao atraso no desenvolvimento lingüístico ou mesmo cognitivo do indivíduo, destaca a emergência de espaço especial para as ações educativas diferenciadas.

Assim, analisaremos uma porção da cultura docente, principalmente na definição dos papéis e funções que deveriam desempenhar. Isto posto, trata-se de averiguar o modo pelo qual se define quem é o professor a quem se destinam os documentos analisados, ou mesmo o que se espera desse professor de surdos, o que se institui como ação legítima.

Na proposta curricular, para deficientes auditivos (MEC, 1979), há um tópico que apresenta os recursos humanos necessários para a execução da proposta, desde: médicos, psicólogos e coordenadores pedagógicos. Vamos nos deter nos agentes que desenvolvem ação de ensino direto com o aluno, assim, a equipe de execução se constitui por dois elementos, sendo, um professor de classe e outro profissional especializado na reabilitação individual.

Nessa proposta, os professores têm uma formação tecnicista influenciada pelo modelo clínico, acreditando-se no ensino da língua oral como situação ideal para integração do surdo na comunidade geral. Faz-se necessária uma investigação de como se desenvolveu a relação social de transmissão dessas idéias pedagógicas, de transmissão e aquisição, e de que forma os agentes foram submetidos a um controle.

b) Ensino da disciplina de Língua portuguesa do Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental de 1997

As diferenças ficam mais marcantes no trânsito de uma escola especial para a escola comum, assim surgem os conflitos de culturas, pois, nos documentos da escola, ela é considerada um espaço para todos, mas não está preparada para atendê-los.

As “relações de classe” (via poder e controle) demandam que o MEC reinvente estratégias e táticas para orientar seus professores. O MEC, não tendo nada determinado para o momento solicita que o próprio campo da Educação Especial compartilhe suas experiências, contribuindo com textos que revelem as condições da prática pedagógica com alunos surdos. Verificamos, no documento de 1997, que “a seleção, criação, produção e transformação de texto constituem os meios pelos quais o posicionamento dos sujeitos é revelado, reproduzido e transformado”. (BERNSTEIN, 1996, p.32).

O documento de 1979 destinava-se, especialmente, aos profissionais da escola especial, para desenvolverem seu trabalho curricular com orientações e estratégias clínico pedagógicas. Parece haver uma lacuna de 18 anos sem novas proposições, mas podemos refletir que a proposta anterior atendia às necessidades da sociedade, com objetivo normalizador e as crianças estavam em escolas especiais, principalmente.

O documento de 1997 consiste de fascículos impressos, com informações detalhas ao professor para que ele desenvolva o atendimento educacional a alunos com deficiência auditiva, e faz parte do Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental, composto por três volumes: Volume 1 – Deficiência Auditiva; Volume 2 – A Educação dos Surdos; Volume 3 – Língua Brasileira de Sinais. O documento foi elaborado com o apoio das Secretarias Estaduais de Educação, Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – Feneis, Instituto de Educação de Surdos – INES RJ, Instituições de Ensino Superior e pelo Centro Educacional de Audição e Linguagem “Ludovico Pavoni” – CEAL – LP/Brasília, em parceria com o MEC/SEESP.

Este programa de capacitação destinado a todos os professores, tanto de escolas especiais como do ensino comum, traz no segundo volume: A educação dos surdos (1997) e orientações sobre alfabetização, ou seja, o trabalho de ensino de Língua Portuguesa. Esse trabalho diverge do Parâmetro Curricular Nacional, proposta para crianças ouvintes, onde a discussão é sobre letramento, já, na orientação para educação de surdos há textos que discutem alfabetização e, outros, o letramento. Constatamos, neste fato, a diferença da cultura acadêmica destinada a crianças surdas e ouvintes.
Referindo-se à abordagem de educação de surdos, traz proposições novas em relação ao documento de 1979, pois considera que as crianças surdas têm o direito de serem bilíngües. “Sua educação de propiciar-lhes o desenvolvimento da linguagem que inclua o aprendizado da língua Portuguesa e a aquisição da Língua Brasileira de Sinais” (BRASIL, MEC, 1997, p. 26)

Somente em 1997, com o documento do Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental (MEC, 1997), a Comunicação Total é apresentada como uma possibilidade de educação em paralelo ao Bilingüismo. Neste material não identificamos uma apresentação ou conceituação do que vem a ser escola, visto que ele não se configura como uma proposta curricular. Nele está impressa a orientação que “o aluno surdo deve freqüentar o sistema regular de ensino porque é cidadão com os mesmos direitos de qualquer outro” (MEC, 1997/v2, p. 298).

A cultura na organização das unidades escolares do ensino comum é algo complexo e, muitas vezes, divergente. Consideramos que, principalmente nesse período de inclusão, não podemos mais falar sobre cultura escolar, a não ser quando ela estava apenas a encargo de uma única escola especial, talvez, então, pudéssemos empregar esse conceito, “mas diante de uma perspectiva histórica parece mais frutífero e interessante falar, no plural, de culturas escolares” (VINÃO-FRAGO, 2001, p. 33).

Quando é lançado o Programa (MEC, 1997), nesse movimento de inclusão, já são previstos outros agentes para a execução da tarefa da escola, e conflitos por conta de espaço no mercado de trabalho foram identificados.

O que se observa é um conjunto de proposições diversas que se aglutinam em torno do ensino/aprendizagem de leitura e escrita para surdos. Ao dizermos que há uma gama de propostas, ressaltamos que, apesar da variedade, há três grupos nesta gama de formulações que, justamente, garantem diferentes vinculações teórico-metodológicas. Cabe lembrar que o documento de 1997 foi construído com a contribuição de diferentes pesquisadores e instituições de ensino de surdos.
Constituem-se de, basicamente, de treze textos sobre alfabetização de surdos, e os subdividimos em: ensino da competência comunicativa no modelo oral como língua materna; ensino da Língua Portuguesa escrita como língua materna; e proposição da Língua Portuguesa escrita como segunda língua.
O que fica claro, nesse documento, é o ecletismo da escola, assim, identificamos as concepções de língua como código, e língua como processo e espaço de interação, mas isso não está explícito nos diferentes artigos que compõem o documento.

Há um capítulo do documento argumentando a necessidade de se manter o professor de treinamento de fala, justificando que ele não se dirige à patologia da linguagem como na concepção médica e da ciência fonoaudiológica. Que “não se pode abrir mão do professor de treinamento de fala, numa prática que antecede a própria fonoaudiologia” (MEC, 1997/v.1, p.319). Este professor se mantem, principalmente, nos programas de educação infantil, cabendo-lhe o treinamento auditivo por meio da estimulação multissensorial, estimulação da leitura orofacial e treinamento da expressão oral.

O Professor da classe especial trabalha “com os alunos que não apresentam condições de freqüentar a classe comum, com um rendimento mínimo satisfatório devem ser integrados em classes especiais das escolas regulares” (MEC, 1997/v.2, p.304).

Ao professor da escola regular ‘compete desenvolver o processo ensino-aprendizagem com o aluno surdo, adotando a mesma proposta curricular de ensino regular com adaptação [...]” (MEC, 1997/v.1, p.323).

“Essas adaptações devem estar contextualizadas e justificadas em registros documentais que integram a pasta do alunos (ibid, p.324)”. Conforme o documento, o professor deve ser capacitado em serviço”.
Ao professor de sala de recursos “cabe colaborar com os professores do ensino regular, orientando-os quanto a estratégias e quanto à avaliação a serem utilizadas com o aluno surdo” (ibid, p.324). Identificamos uma contradição com relação à atribuição do professor da sala de recursos, visto que, em certa parte do documento, orienta que “compete ao professor, que atua em sala de recursos, “[…] viabilizar o aprendizado da Língua Portuguesa, em sua modalidade oral e/ou escrita, através das complementações curriculares específicas para portador de deficiência auditiva, quais sejam: treinamento auditivo, treinamento fono-articulatório/fala, treinamento rítmico e linguage.” (MEC, 1997/v.1, p.324). Em outro volume do mesmo programa, constatamos que “para atuar em salas de recursos que atendam alunos a partir da 5a série do Ensino Fundamental, sugere-se que o professor tenha formação em Letras/Português, uma vez que lhe compete oferecer ao aluno surdo um curso de Português Instrumental, semelhante aos cursos de língua estrangeira” (MEC, 1997/v.2, p.303).
Destaca-se a diferenciação de atribuição, conforme o ano de escolaridade do aluno, na Educação Infantil. Nos primeiros anos do Ensino Fundamental, o Português oral é ensinado, e, quanto mais avançada a série mais exigências se faz ao uso do Português escrito. Contudo, em todas as perspectivas de atuação do professor, lhe é atribuído o papel de orientador, facilitador, ou mesmo, aquele que organiza as experiências de aprendizagem, perspectiva, essa, recente na educação.
Apesar de, nesse momento, a Libras não ser reconhecida oficialmente como língua no Brasil, ela ganha visibilidade no ambiente educacional com a presença do instrutor/professor surdo e do intérprete de Libras e Português.

O documento (MEC, 1997) assegura que “as atividades na Língua Brasileira de Sinais) – Libras deverão ser desenvolvidas na vida cotidiana para possibilitar o acesso ao currículo e a literatura infantil por meio de um instrutor surdo ou professor que domine a Libras” (MEC, 1997/v.2, p.73). Não delimita uma formação para o instrutor somente determina que ele tenha fluência em Libras.

c) Ensino de Língua Portuguesa para surdos do Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos de 2002

O documento de Ensino de Língua Portuguesa para surdos datado de 2002, estando vigente com o Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos. Esse novo programa tem como objetivo a divulgação e ensino da Língua Brasileira de Sinais, a formação de tradutores-intérpretes de Língua Brasileira de Sinais e formação de professores de Língua Portuguesa. Como consta no título do trabalho, propusemo-nos a analisar as orientações até o ano de 2005, assim, para esta pesquisa, nos ativemos, principalmente, nas publicações do programa de 2002 referentes ao ensino de Língua Portuguesa.
O documento de 2002 considera a Língua de Sinais como uma língua com estrutura e gramática própria, ideal para aquisição, como primeira língua, pelo surdo, devido à sua característica espaço-visual, devendo ser respeitado o período crítico para sua aquisição e do desenvolvimento das habilidades cognitivas.

Porém, o fator mais importante, é que a criança precisa ter um desenvolvimento normal de sua primeira língua. Logo, precisam estar em um ambiente rico e Língua de Sinais corrente que respeite e valorize sua língua, cultura, identidade e potencialidades.
O desenvolvimento normal da primeira língua é primordial para o desenvolvimento da segunda língua e da leitura e escrita. Entretanto, o documento referencia a oralidade de forma divergente. A “aquisição da língua oral como segunda língua pela pessoa surda é, portanto, natural, mas tem características especiais, dadas as especificidades das condições de aquisição” (BRASIL, MEC, 2002/v.1, p. 73, grifo do autor).

O termo natural empregado no documento é apresentado coerente com a concepção de que a língua é inata, precisando, apenas, de estímulos externos. Verificamos que o documento de 2002 indica a necessidade de um trabalho de nível fonológico e prosódico, mas não há orientações para que o professor desenvolva esse trabalho, como o apresentado nos documentos de 1979 e de 1997. Parece que o trabalho de desenvolvimento de habilidades lingüísticas na língua oral fica restrito à área da saúde, ou seja, para as terapias fonoaudiológicas, paralelo ao trabalho pedagógico. Já, o ensino de Língua Portuguesa escrita, como segunda língua, é encargo da escola. Aponta caminhos para a construção de uma metodologia de ensino de uma segunda língua com base na primeira língua do indivíduo, utilizando uma abordagem metalingüística.

No documento do MEC, 2002, também não identificamos uma definição explícita do que se entenda por escola, mas constatamos o movimento inclusivo e a delimitação de espaços e tempos dentro dessa escola.

Como princípio norteador, tem-se a concepção de uma escola inclusiva, que garanta o atendimento às diferenças humanas. Para tanto, a legislação prevê que os serviços de educação sejam ofertados no ensino regular (…), em classes comuns, ou em classes especiais em qualquer etapa ou modalidade da educação básica, devendo a escola oferecer professores capacitados com o apoio de professor da educação especial (MEC, 2002/v.1, p. 59-60)

Assim, a escola é um espaço que deve atender a todos, considerando, ainda, que “a escola faça o diagnóstico das necessidades educacionais dos alunos surdos, a fim de orientar suas ações” (MEC, 2002/v.1, p. 132)

No documento de 2002, intitulado Ensino de Língua Portuguesa para Surdos: Caminho para a Prática Pedagógica do Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos, identifica-se um refinamento na indicação da formação desses professores. Tais orientações, dentro da perspectiva da educação inclusiva, prevêem os professores capacitados e especializados.
Diante da legislação vigente, cita-se a lei Federal no 9.394, de 20/12/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, especificamente em seu Art. 59, destacando-se: “III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como, professores do ensino regular capacitados para a integração desses educando nas classes comuns” (MEC, 2002, p. 61).

Considerações Finais

Nessa perspectiva inclusiva, são várias as instituições escolares que devem receber as crianças surdas, públicas, municipais e estaduais; privadas, religiosas ou não; de diferentes níveis de ensino. O que VINÃO-FRAGO (2001) nos propõe como reflexão é se existiria a cultura escolar ou culturas escolares, indicando: “Umas diferenças que em relação com os centros de docentes se apreciam tanto em sua estrutura acadêmica e disciplinar como em sua organização interna, forma de organizar as classes, e relações entre os professores e entre estes e os alunos e pais” (VINÃO-FRAGO, 2001, p. 34).

Por mais que o movimento seja de inclusão, a educação especial e a educação geral reforçam-se mutuamente, porque, para a educação, o fracasso escolar é inerente ao aluno, os transtornos são identificados através do diagnóstico realizado especificamente pela educação especial e o progresso educativo se dá pelo diagnóstico e ensino (técnicas adequadas à “deficiência” do aluno), até então, pautado em uma racionalidade organizativa da escola especial que responde ao processo civilizador desses sujeitos. Então:

As teorias da discapacidade, baseadas na suposição da homogeneidade e da integração social, definem como disfuncionais os comportamentos que interferem no desenvolvimento harmônico da sociedade e avaliam de desviadas ou ‘discapacitadas’ as pessoas que manifestam esse comportamento disfuncional. Por isso, estas teorias concedem enorme importância aos programas e aos tratamentos que façam as pessoas ‘discapacitadas’ mais funcionais para a sociedade. (MATA, sd, p. 46).

Assim a equação, educação comum e educação especial, estão determinadas, respectivamente, como: presença e participação do aluno surdo em classe comum, via matrícula, em qualquer nível, etapa ou modalidade da Educação Básica e apoio pedagógico especializado recebido junto a serviço de sala de recursos para surdos, oferecido em caráter transitório. O intérprete de Língua de Sinais e Língua Portuguesa é apresentado, nesse momento, como uma possibilidade de viabilizar o acesso ao conhecimento proferido em sala de aula do ensino comum.

A inclusão deliberada usurpa a oportunidade de crianças surdas filhas de pais ouvintes terem um espaço para aquisição de Língua Brasileira de Sinais como primeira língua, pois, pelo impedimento auditivo, mesmo participando em ambiente educacional comum, não conseguem desenvolver de forma natural a língua falada e sofrem conseqüente um atraso lingüístico, se não secundário também, podem surgir os de ordem cognitiva e afetiva.

Na perspectiva de um balanço geral das orientações do MEC a respeito dos procedimentos de ensino ao aluno com surdez, identificamos que, embora apresentem diferenças entre si, grande parte dos estudos, voltados para a escolarização do surdo, têm em comum o fato de considerarem o desenvolvimento de língua como fator de aprendizagem, isto é, de que esta última seria dependente e deveria se adequar às habilidades com a língua. No primeiro documento (1979), língua oral; e nos dois últimos (1997, 2002), Língua Brasileira de Sinais.

Consideramos que os documentos do MEC (1979, 1997, 2002) não instituem a cultura escolar, o discurso no âmbito da escola pode ser alterado, mas as práticas nem sempre o são, pois são influências, a depender da interpretação dos professores e das condições estruturais da escola. A implementação de tais propostas não ocorre imediatamente e, sim, mediada por outros processos.
Como implementar essa proposta (MEC, 2002) que demanda professores competentes em Língua Brasileira de Sinais e com especialização em Lingüística, para aplicação da interação educativa do ensino de língua, sendo que os professores do Ensino Fundamental, período de maior importância para alfabetização, em sua maioria, têm formação pedagógica e esta mal consegue habilitá-los ao ensino de língua materna?

Para SILVA (2004, p. 3), “se essas possibilidades continuarem a ser construídas na ausência da experiência e da reflexão que são os pilares da constituição do indivíduo, é improvável uma outra constituição social”. Considera que, no processo de inclusão, tal como está sendo implementado, será impossível falar em indivíduos com autonomia de consciência, refere-se, também, ao medo da indiferenciação, pois o ideal da adaptação social leva à perda da individualidade.

Consideramos que os agentes da escola, de formas distintas, interpretam e implementam tais orientações. Assim, tais documentos não são absorvidos e transmitidos passivamente, mas a escola como um espaço de promoção do ensino de habilidades necessárias para o desenvolvimento do aluno faz uma seleção da cultura e desta propõe experiências aos mesmos. Constatou-se, porém, que tanto as práticas pedagógicas, quanto a habilitação desses agentes não são claras. Concluiu-se ainda, que a linguagem pôde ser tomada como função da educação, quanto marca constitutiva nas proposições didáticas.

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