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Neiva de Aquino Albres
Neiva de Aquino Albres
Fonoaudióloga
Leitura e tradução: duas faces da mesma tarefa na educação de surdos
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Publicado em 2016
Revista Espaço. Rio de Janeiro. v. 1, nº 46, p. 61-75
Neiva de Aquino Albres
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Resumo

Este trabalho discute aspectos constitutivos do processo de leitura de português por meio da língua brasileira de Sinais (LIBRAS) por surdos, em educação bilíngue. A partir de interações discursivas em Libras, os sujeitos constroem conceitos sobre o texto em português e enunciam em Libras, como uma interação, única marcada discursivamente, no qual o eu se completa dialogicamente na(s) relação(ões) com o(s) outro(s). As discussões realizadas neste estudo apontam para a necessidade de um repensar a leitura como processo de tradução. Pretende-se com este trabalho expor como a tradução pode ser usada de maneira positiva no ensino de português escrito para surdos.

Situando a discussão

O conceito de leitura avançou com as contribuições de diferentes áreas. O que antes se compreendia meramente como atividade de decodificação, atualmente, se tem uma compreensão mais abrangente, coma a de que ler "é fazer uso de um instrumento cultural e ideológico que permite ao sujeito refletir, elaborar o conhecimento e tomar consciência ideológica de si e do mundo que o rodeia" (ARCOVERDE, 2006, p. 255).

A educação de surdos também tem buscado novas práticas pedagógicas, pautadas nos estudos culturais, no conhecimento construido em linguística aplicada e em uma pedagogia visual, usufruindo da tecnologia e das novas mídias.

O tema abordado neste texto surgiu do questionamento de professores surdos sobre o processo de ensino-aprendizagem de leitura para alunos surdos em escola bilingue. A questão central era: "Educação bilíngue: leitura em Libras ou leitura em português?".

Desta forma, este texto tem como objetivo refletir sobre práticas pedagógicas que possibilitem ao alunos surdos a construção do português escrito mediado pela Libras e aproximar esta discussão dos estudos da tradução. Em síntese, refletir sobre práticas pedagógicas que possibilitem aos alunos surdos a construção de sentido sobre o texto em português, tendo a Libras como essencial para significação do português.

1. Leitura em segunda língua em uma perspectiva enunciativo-discursiva

A palavra signo só existe materializada no discurso, tornando-se enunciado, delimitado e constituído por outros enunciados em uma corrente de interação verbal impregnada pelas relações dialógicas de indivíduos históri­ca e socialmente determinados (BAKHTIN, 1929/2009). A interação verbal mais significativa para surdos se dá por meio da Libras, como apontam estudos recentes (LODI, 2013).

No processo de leitura, o sujeito ativo constrói conceitos sobre o tex­to escrito, dialoga com o autor, relaciona o discurso escrito com outros dis­ cursos, com vivências e experiências. Pode-se afirmar que a educação de sur­dos esteve marcada por uma pedagogia "a conta gotas", em que primeiro se aprendia as palavras, depois as frases e só depois o texto. Contudo, a visão atual da educação aponta para o trabalho com o texto.

Nesse sentido, a compreensão leitora é um processo complexo que envolve o que o leitor conhece sobre a sua própria língua, sobre a vida, sobre a natureza dos textos a ler e sobre processos e estratégias específicas para obtenção do significado registrada através da escrita (SILVA, 2016, p. 42).

Dessa forma, a leitura envolve a compreensão do texto de forma mais ampla, do discurso marcado por um tempo histórico e social, do autor e do sujeito que lê. Da compreensão que há diferentes tipos de discursos e cada qual marcado por algumas características.

Os géneros do discurso são formas relativamente estáveis de enuncia­ dos, determinados por condições específicas da atividade discursiva e incluem desde um bilhete curto, um diálogo cotidiano, uma carta, até uma exposição científica ou uma obra clássica literária. Sua riqueza e variedade são infinitas, porque também são inesgotáveis as formas de atividade humana (BAKHTIN, 1979/2003).

O texto escrito é repetível em sua forma, as palavras foram fi­xadas no papel. Entretanto, despertam no leitor várias possibili­dades de sentidos e, neste aspecto, o texto é também irreprodu­zível. [...] Cabe ao leitor, ao ler, construir sentidos. Nessa con­ cepção, os sentidos são produzidos na enunciação (FAVARO, 2009, p.11).

O campo da linguística aplicada apresenta evidências de que um ensi­no voltado para a apropriação de estratégias de leitura constitui-se em uma importante forma de instrumentalizar o aluno na busca de uma boa compreensão leitora tanto na língua materna, quanto em língua(s) estrangeira(s). Indi­ca que as estratégias são: deliberação, orientação de problema/objetivo e con­ trole por parte do leitor; como também as competências envolvidas no pro­cesso de compreensão: competência gramatical, sócio-linguística, discursiva e estratégica. "A questão da transferência de estratégias que funcionam na leitu­ra em L1 [primeira língua] pode ser responsável, ao menos em parte, pelas diferenças individuais na leitura estratégica em L2 [segunda língua]" (SAN­ TORUM; SCHERER, 2008, p.3).

Além da importância dada à intenção comunicativa e à construção de sentido, outra importante percepção ganha luz na nova perspectiva de compreensão leitora: ler em uma língua es trangeira envolve duas ou mais línguas, por isso as análises de­veriam ser translinguísticas, explorando ambas as características de língua materna (Ll) e da L2 como possíveis fontes de dife­ renças individuais no desenvolvimento da leitura em L2 (SANTORUM; SCHERER, 2008 p.6).

Um ponto importante é que, em aulas de leitura, deve-se considerar no planejamento a escolha de passagem, texto ou livro apropriado para o nível linguístico do aluno, como tratar o vocabulário. Pesquisas indicam que leitores iniciantes ao ler um texto e encontrar uma palavra difícil ou um pará­grafo confuso perdem o desejo de continuar, a leitura se torna enfadonha.

Assim, o professor organiza a aprendizagem desde o planejamento ao acompanhamento da leitura, ou seja, da leitura compartilhada, comprometen­do-se com a pluralidade de discursos existentes e oportunizando a adequação do uso de cada um destes aos devidos contextos (FERNANDES, 2006). O professor, proficiente nas duas línguas (primeira e segunda do aprendiz), é um modelo de leitor que transita nas duas línguas e culturas e conduz o aluno no processo de construção de sentidos em Libras a partir do texto escrito em português.

A seguir, apresentamos como as reflexões aqui foram desenvolvidas, embasadas em uma perspectiva qualitativa do fazer ciência em educação.

2. Percurso da pesquisa

Qual o compromisso social e político da pesquisa acadêmica? Até que ponto as pesquisas realizadas nas instituições acadêmicas estão, de fato, voltadas para encontrar soluções para os problemas enfrentados no cotidiano, e que dizem respeito aos modos de vida individual e coletivos?
(FREITAS; SOUZA; KRAMER, 2007).

Observa-se, a partir do que foi exposto aoma, que o conhecimento que o falante tem da Ll inter-relaciona-se com as habilidades de leitura na L2 o que leva à questão de como os leitores surdos usuários de Libras leem por­tuguês, uma L2. A leitura em Libras do português escrito compreenderia também um processo de tradução?

Neste estudo, desenvolvemos uma pesquisa bibliográfica. Utilizamos o procedimento de análise documental para construir uma reflexão sobre o ensino de leitura para surdos.

A análise de uma fonte documental é debruçar-se sobre um instru­mento para a interpretação, assumido como peça fundamental para compre­ ender determinado fenómeno; é um texto (discurso) materializado em docu­mento. É no processo de leitura, reflexão e busca da totalidade, do questio­namento e da busca pela contradição que se pode desvendar o texto como discurso profícuo para compreensão dos sentidos construídos sobre o fenóme­no em questão. O documento pode ser de leis, decretos, projetos de lei; no âmbito da escola: fontes documentais do arquivo da escola, currículos, proje­tos de cursos, planos de aula, relatórios, diários; em diferentes mídias: textos verbo-visuais, entre outros (FORQUIN, 1993).

Selecionamos as pesquisas fundamentadas em uma abordagem históri­co-cultural e/ ou enunciativo-discursiva que tratem de práticas pedagógicas em sala de aula com alunos surdos. Estas pesquisas distinguem-se por terem um caráter analítico-propositivo, com vistas à transformação social e ao apontamento para inovações educativas (GÓES, 2008).

A partir desses textos, de produção intelectual, apreendemos sentidos construídos sobre a educação de surdos, a educação bilíngue, a formação de leitores surdos, mais especificamente sobre suas estratégias leitoras mediadas pela Libras.

Dentre os desafios de se fazer pesquisa com análise documental está a busca pela totalidade do contexto sócio-histórico que envolve o documento. A linguagem materializada no documento teve uma intenção, foi escrita, des­tinada a alguém e por alguém, ocupantes de espaços sociais distintos (ou não), expressando significados circulantes à espera de interpretação. Assim, o pesquisador, para entender o discurso, precisa compreender o contexto. Para Kramer (2007, p. 58), "a compreensão implica não só a identificação da linguagem formal e dos sinais normativos da língua, mas também os subtextos, as intenções que não se encontram explícitas".

Cabe ao pesquisador considerar a pluralidade de sentidos presentes e as consequências que aquele texto/documento pode gerar pelo lugar que ocupa nas relações sociais. Do conjunto de considerações desta ordem, emer­giram eixos de análise possíveis de serem estudados, que espera, com esta análise, favorecer novas formas de compreensão do problema abordado, ofer­tando à comunidade académica reflexões que possam gerar outras, na busca de ampliar o que se conhece sobre o objeto estudado.

Não há intenção de fechamento, de compreensão absoluta de cada documento analisado, mas intenção de conhecer significações que possam produzir ainda novas significações sobre a leitura em Libras e sua relação com o processo de tradução.

3. Leitura em L2, mediação e tradução

A Educação de surdos no Brasil desde os anos 90 passa a incorporar a língua de sinais como meio comunicação com os alunos surdos na esfera esco lar, ainda com uma visão instrumental (ALBRES, 2010). A concepção de lingua(gem) como código, quando desconsidera a língua de sinais, fortalece o ensino do português para surdos como um código linguístico, mas o despertar das pesquisas em neurolinguística e linguística sobre a língua de sinais favore­ceu o reconhecimento linguístico da Libras (SOUZA, 1998b). Assim como a concepção da lingua(gem) como atividade discursiva e constituidora da iden tidade dos indivíduos surdos, com bases em estudos psicológicos e linguísti­cos, contribuiu para o fortalecimento social e cultural dos surdos, sua deno­minação como comunidade e minoria linguística e a implementação da polí­tica educacional bilíngue (ALBRES e OLIVEIRA, 2013).

Pesquisas pautadas em diferentes perspectivas indicam a importância da Libras como Ll para o ensino-aprendizagem de L2. Desde abordagens cognitivistas:

A Língua de Sinais é altamente eficaz como metalinguagem pa­ra compreender o significado das palavras por meio do mapea­mento semântico da estrutura profunda dessas palavras (i.e., a análise de sua composição morfêmica). Também é altamente útil como modelo de mapeamento ponto a ponto para ancorar as unidades de significado (Morfemas) que compõem as pala­vras nas unidades de significado, os quais compõem os sinais [...] (CAPOVILLA e TEMOTEO, 2014, p.103).

A indicação do apoio da Libras para a aprendizagem do português também está instaurada em pesquisas cognitivistas.

[...] o domínio da leitura é possível para a pessoa surda se fun­damentalmente ela se apoiar no fato de dominar uma língua. Não importa a língua na qual o ensino da leitura se baseie, o importante é que exista uma língua adquirida e que a pessoa se­ ja capaz de pensar no funcionamento das duas línguas (PE­ REIRA; KARNOPP, 2003, p.5).

Um conjunto de pesquisadores brasileiros, pautados na abordagem enunciativo-discursiva, busca compreender as relações constitutivas da/na língua de sinais também pelas pessoas surdas relacionada ao processo de aprendizagem de leitura do português escrito (SOUZA e MENDES, 1987; SOUZA, 1998a; GESUELLI, 2000; LODI, 2004, 2005, 2006; DIZEU E CAPOLARI, 2005; LODI e MOURA, 2006; LACERDA e LODI, 2006, LODI, 2013).

Podemos, então, afirmar ser consenso de que a Libras desenvolve um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem, em especial o da língua portuguesa escrita. Assim, para uma mediação pedagógica o professor utiliza a Libras e para a análise metalinguística o aprendiz também faz uso da Libras.

Mais especificamente, no processo de leitura é importante compreen­der o papel do leitor, pois as palavras causam uma atividade única em direção à compreensão que depende exclusivamente da capacidade do leitor, nesse momento o autor depende do leitor.

[...] nenhum leitor comparece aos textos desnudados de suas contrapalavras de modo que participam da compreensão cons­truída tanto aquele que lê quanto aquele que escreveu, com predominância do primeiro porque no dialogo travado na lei­tura o autor se faz falante e se faz mudo nas muitas palavras cu­jos fios de significação reconhecidos são reorientados segundo diferentes direções impostas pelas contrapalavras da leitura (GERALDI, 2010, p. 279).

A leitura é um processo de nos fazer falantes, falamos em nossa men­te, falamos internamente e construímos contrapalavras. As contrapalavras não são no sentido contrário, diverso, mas no sentido de ir ao encontro, de busca pelo sentido pretendido permeado pelo sentido possível de ser construído a partir da nossa subjetividade (língua, história, etc) como leitores. No processo de leitura, somos o outro do texto que estabelece conexões irrepetíveis e baseadas na língua pela qual nos constituímos (nossa primeira língua).

Pode-se dizer, desta forma, que a valorização da LIBRAS e seu uso no espaço de oficinas de leitura tiveram um papel funda­ mental na (re)constituição do eu (surdo) de cada sujeito e, por­ tanto, em uma transformação relativa à forma pela qual passaram a se olhar e a serem olhados pelo outro. Isso porque as atividades foram desenvolvidas em grupo, considerando-se a LI­ BRAS como lócus de construção de sentidos, o que possibili­tou uma interação de ordem discursiva com textos, com suas histórias e com o grupo. Além disso, leituras realizadas a partir de temas envolvendo aspectos específicos da surdez e do ser surdo possibilitaram uma transformação dos sujeitos em suas re­lações sociais, nas diferentes esferas de atividade humana (LO­ DI, 2006, p. 202).

A leitura é o processo de atribuir significado ao texto, de construir sentido. Contudo, o modelo de leitura em língua materna é diferente do leitor de uma segunda língua. Em projetos de educação bilíngue para surdos, professores relatam práticas pedagógicas de uso da Libras como instrumento de mediação para conduzir a apropriação da língua portuguesa.

[...] deve considerar a dinâmica dialógica estabelecida entre as duas línguas, possibilitando ao aprendiz a vivência da língua por meio de sua inserção em um contexto e em situações concre­ tas. Esta aprendizagem terá na L1 a base para a compreensão e significação dos processos socioculturais, históricos e ideológi­cos que perpassam a L2, na medida em que a palavra em língua estrangeira não é considerada como sendo ideologicamente "vazia": ela transporta consigo forças e estruturas distintas da­ quelas subjacentes à L1 (LODI, 2004). Compreendido dessa forma, usar outra língua significa encontrar-se num território desconhecido de signos e significações, razão pela qual o aprendiz de uma L2 tende a transferir os signos da L1 como se eles fossem apropriados a todo contexto, na medida em que, nos processos iniciais, há uma certa dificuldade em deslocar-se do contexto em L1. Além disso, se os aspectos sócio-culturais em jogo e as diversas leituras e compreensões de mundo envol­vidas forem desconsideradas ou negligenciadas, não haverá en­ sino-aprendizagem de língua. (LODI, 2010, p.5)

Lodi, no decorrer de suas pesquisas, vai amadurecendo o conceito de leitura da língua portuguesa por crianças surdas usuárias de Libras, indicando ser um processo de diálogo entre línguas.

Inicialmente temos que entender que as duas línguas em jogo neste processo diferenciam-se quanto à estrutura e ao modo de funcionamento: apropriar-se da linguagem escrita exige da cri­ança um alto grau de abstração em relação ao mundo e aos objetos, alcançado, unicamente, no decorrer do desenvolvimento da Libras. A escrita é assim entendida como uma linguagem no pensamento, nas ideias, estabelecendo, desse modo, uma rela­ção com a linguagem interior construída no processo de apro­priação da primeira língua [...] (LODI, 2013, p.172).

Para a autora, o diálogo em Libras favorece o trabalho pré-texto em português por meio de leitura de figuras, de notícias que contenham concei­tos que serão generalizados para outros contextos, conduzindo os alunos a colocar o seu conhecimento de mundo "na roda" para compartilhar e sedi­mentar o texto a ser trabalhado. O professor favorece o trabalho com o tex­to propriamente dito, quando, no processo de leitura, conduz uma discussão sobre os diversos significados das palavras e dos sentidos possíveis, sobre as partes das palavras, sobre elementos já estudados, sobre o género discursivo e seu funcionamento. Desta forma, o diálogo em Libras com os alunos sobre a apreensão/compreensão, sobre as interpretações construídas e as relações des­ses textos e o que se desenvolveu de conhecimento a partir dele, permeada pela mediação dos outros (professores e colegas) é o "ponto chave" da ques tão.

Professores de escolas de surdos têm adotado práticas pedagógicas si­milares na busca por uma educação bilíngue e pelo respeito ao surdo usuário da Libras (LODI e LACERDA, 2009).

Eu também compartilho dessa prática em minhas experiências como professora de crianças surdas e, mais recentemente, no ensino superior. Na formação de tradutores surdos, me deparei com uma prática pedagógica simi­lar à empregada em escolas bilíngues de surdos, a prática de leitura comparti­lhada mediada pela Libras. O objetivo, nesse contexto, não é ensinar a ler e sim ensinar a traduzir. Dessa experiência, desenvolvi reflexões sobre o papel da tradução no processo de leitura de surdos adultos (ALBRES, 2015).

Consideramos que quando se solicita uma "leitura silenciosa" do por­tuguês, por vezes, o sujeito surdo pode não utilizar da tradução, propriamente dita. O grau de elaboração e de precisão de pensamento sobre aspectos for­mais das línguas são diferentes de quando se solicita uma enunciação em Li­bras. Na "leitura silenciosa", detém-se uma compreensão genérica do texto. Todavia, quando a atividade pedagógica solicita a leitura "com mãos em mo­vimento" (compreensão do português e expressão em Libras), pode-se afirmar que as atividades de leitura e tradução se fundem e exigem mais elaboração linguístico-cultural do sujeito leitor.

Para Larrosa e Skliar (2001), o pensamento contemporâneo estende a definição de traduzir/interpretar a qualquer fenómeno comunicativo e trans­cende aspectos de técnicas de verter entre línguas. Quando esse processo en­volve duas línguas e duas culturas, a perspectiva de ler como tradução se con­solida.

O conceito de leitura em uma segunda língua não pressupõe necessa­riamente uma tradução daquilo que se lê, no sentido técnico do termo. O processo de leitura se completa quando o leitor apreende a informação que abstraiu do registrado pelo autor por meio de um texto escrito. Contudo, em uma perspectiva filosófica, traduzir para além da técnica é compreender, é dominar a dinâmica da linguagem. Lendo-se além de palavras, todo signo interpretável que envolve a relação entre os seres é possível de ser lido.

Nessa direção também seguem as colocações de Steiner (2005, xii):

After Babel fundamenta-se no postulado de que o ato de tradu­zir está implícito, formal e pragmaticamente, em todo e qual­quer ato de comunicação, na emissão e recepção de todo e qualquer modo de significação. [...] Compreender é decifrar. Entender significados é traduzir. [...] A tradução entre línguas diferentes é uma aplicação particular de um modelo fundamen­tal da comunicação humana através da linguagem[...].

Alves e Karnopp (2002) discutem algumas das práticas e processos que surdos utilizam para contar e recontar histórias a partir de textos (histórias) da cultura ouvinte, recriando novos textos em Libras. Os autores configuram esse processo como uma forma de tradução e adaptação. "A construção de histórias por surdos implicam na interação, na construção de sentidos do tex­to, com base no diálogo com outros surdos e na tradução de uma língua e de uma cultura para outra" (KARNOPP, 2005, sp.).

Podemos ponderar, então, que a atribuição/interpretação de significados envolve a tradução, seja ela realizada por meio de signos da mesma língua, de signos de outra língua ou de siste­mas de símbolos não verbais CTAKOBSON, 1975). A tradução acontece no universo da linguagem: envolve línguas e outros sistemas semióticos, aspectos sociais e culturais, que caracteri­zam o processo de ensino aprendizagem (RODRIGUES, 2015, sp.).

Refletindo sobre os dois contextos, penso que ensinar a ler o portu­guês em Libras pode configurar um processo complexo que envolve leitura e tradução. Buscamos sintetizar, a seguir, estudos sobre o lugar da tradução no ensino de segunda língua.

Tradicionalmente, adotou-se uma abordagem denominada Gramática tradução, em que a primeira língua era suporte para a aprendizagem da L2. "É uma abordagem dedutiva, partindo sempre da regra para o exemplo" (LEF­ FA, 1988, p.212). Métodos dessa abordagem foram criticados em favor de métodos diretos e comunicativos, desfavorecendo o uso da língua materna e indicando o uso da segunda língua, pois o aluno deveria "pensar na segunda língua" (ALMEIDA-FILHO, 1993, 2009).

Contudo, como apontamos anteriormente, pesquisadores debruçados sobre ensino de português para surdos valorizam a mediação da primeira lín­ gua (Libras).

É a língua de sinais, como primeira língua (Ll), que deve ser tomada como meio de mediação simbólica, base para a compreensão e significação dos processos sócio-histórico-culturais e ideológicos da segunda língua (L2) (FORMÁGIO e LACER­ DA, 2016, p.172).

Nesse sentido, a tradução não poderia ser concebida, de certa manei­ ra, como um instrumento pedagógico de grande eficácia, principalmente em circunstâncias especiais, como quando a L2 é ensinada para 'fins específicos', usufruindo do conhecimento construído no método Gramática tradução?

Richards e Rodgers (2001) indicam haver características específicas que marcam o método Gramática tradução, em que a língua materna tem um papel fundamental no ensino. A primeira língua é o meio de instrução usado para explicar vocabulário e pontos gramaticais novos, bem como serve de comparação com a língua alvo. O trabalho tem seu foco na tradução de sen­ tenças, uma vez que nessa concepção os textos seriam muito complexos para os aprendizes. Esse método deixa de ser usado pela negação da língua materna em sala de aula, mas os princípios da educação de surdos estão justamente no uso da primeira língua. Não seria profícuo retomar algumas práticas pedagógi­ cas mais sistematizadas do uso da tradução em sala de aula para fins de apren­dizagem de uma segunda língua para surdos (português-por-escrito)?

Não estou indicando a adoção de métodos gramática tradução uni­ camente, mesmo porque penso que já desenvolvemos uma visão mais ampla da constituição da língua com abordagens funcionalistas e enunciativo­ discursivas, e também porque acredito que os professores fazem uso de estra­ tégias pedagógicas com uma gradação de práticas que se filiam a diferentes métodos. Considero que vivemos uma época do pós-método, na qual pensar em aplicação de um único método é uma visão reducionista de uma atividade tão complexa como o ensino (SILVA, 2004).

O método gramática tradução trabalhava apenas com frases e na atua­ lidade "há a necessidade de um trabalho contextualizado, decorrente do uso da escrita em atividades sociais significativas, propiciando à criança surda imergir neste universo e assumir um papel na dialogia da língua e do discur­ so" (FORMÁGIO e LACERDA, 2016, p.173). Assim, o aluno vai aprender a transitar entre ambas as línguas e interpretá-las dentro dos sentidos e da di­mensão social e discursiva em que cada qual se inscreve.

Segundo Hurtado Albir (1988 apud LÁZARO, 2004), a tradução no ensino/aprendizagem de línguas pode ser interiorizada, pedagógica ou expli­ cativa. A tradução interiorizada é usada por todos os aprendizes de língua, presente predominantemente em estágios iniciais, sem necessariamente inter­ferências do professor. Por outro lado, a tradução pedagógica é usada como exercícios didáticos com a principal função de favorecer a aquisição da segunda língua.

Desta forma, levantamos aspectos da tradução no ensino de língua que justifiquem, por meio de respaldo teórico, o emprego da tradução como ferramenta didática para o desenvolvimento das habilidades linguísticas indispensáveis à compreensão da L2 e, por extensão, da L1.

Considerações Finais

Compreendemos que a leitura de uma segunda língua envolve a atividade de tradução, como um processo quase espontâneom por isso, a teorização, sobre o uso da tradução em atividades de ensino de leitura deve ser tratada cinio tema em especial a ser investigado em práticas pedagógicas na educação de surdos.

Chegamos a uma fase que a Libras já é reconhecida o seu status, mas as afirnativas de que a Libras contribui ou instrumentaliza a aprendizagem são por demais genéricas para quem está em sala de aula e precisa diariamente fazer uso de atividades pedagógicas para o ensino da leitura. Precisamos avançar em pesquisas em educação e linguística aplicada, criando subsídios para os processos envolvidos no ensino/aprendizagem de leitura de português-por-escrito para surdos.

No processo de ensino a tradução, pode configurar como um elemento constitucional, desde que devidamente trabalhado. A partir da revisãode literatura, destacamos o uso da primeira língua (Libras) e da tradução como um recurso pedagógico, que quando empregado de forma sistemática contribui significativamente no processo de aprendizagem de leitura do português. Tradução vivida que constitua o sujeito bilingue em transitar entre línguas/cultura/fenômenos ideológicos para além da simples diferença lexical ou gramatical.

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