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Elielson Sales
Elielson Sales
Professor de Matemática
A Visualização no Ensino de Matemática: uma Experiência com Estudantes Surdos
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Publicado em 2012
V Congresso Brasileiro de Educação Especial (V CBEE) / VII Encontro Nacional dos Pesquisadores da Educação Especial (VII ENPEE) (UFSCar/São Carlos/SP)
Elielson Sales
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Resumo

O eixo central da pesquisa surgiu da necessidade de dirigir o olhar ao cenário que compõe o contexto da educação de surdos, para investigar de que forma a visualidade da pessoa surda pode contribuir para o ensino e aprendizagem de matemática por meio de recursos que privilegiem os aspectos da visualização em matemática. A presente proposta foi conduzida em uma escola da rede pública municipal de Rio Claro/SP, com estudantes 8 surdos usuários da Língua Brasileira de Sinais (Libras), matriculados no 5º ano do Ensino Fundamental. Como estratégias de produção de dados, utilizamos algumas atividades de geometria, observações em sala de aula, registro por meio de filmagens, entrevista semi-estruturadas com os pais e estudantes surdos. Os dados estão sendo discutidos tendo em vista dois aspectos: o processo metodológico envolvido no trabalho com estudantes surdos; as aquisições conceituais apresentados pelos alunos em relação aos conteúdos propostos. Constatamos, até o momento, a importância da utilização dos recursos visuais nas atividades de matemática, bem como o desenvolvimento de uma língua compartilhada a fim de minimizar as desigualdade linguística, entre surdos e ouvintes. Contexto que está contribuindo para as evidências apresentadas pelos participantes que demonstraram indícios de envolvimento e de aprendizagem.

Introdução

A partir de uma experiência de 12 anos, como professor de matemática, trabalhando com estudantes surdos, pude verificar aspectos importantes que permeiam o seu processo de ensino e aprendizagem, por meio de interações visuais, que indicavam caminhos para que os surdos pudessem apreender e apresentar conhecimentos. Aspectos que, de certa forma, tornaram-se evidentes nos resultados de minha pesquisa de mestrado, cujos resultados revelaram que o ambiente proporcionado pela resolução de problemas aditivos, por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras), associados a alguns recursos didáticos, principalmente os visuais, permitiu estabelecer um canal de comunicação favorável para que os estudantes interagissem com seus pares e também com o grupo. E consequentemente promoveu aos mesmos apropriarem-se de conceitos matemáticos relativos ao conteúdo trabalhado (SALES, 2008).

Segundo Sacks (1998) quando a audição está comprometida os problemas de aprendizagem e a adaptação ao meio se multiplicam. Fenômeno que, de certa forma, colabora para a emersão de “novas” trocas interativas que contribuem para o desenvolvimento dos sentidos remanescentes: visão, olfato, tato e paladar. Neste sentido, o autor enfatiza a importância de despertar no surdo, por meio de outros canais sensoriais, o desejo de aprender, vencendo o isolamento social, em que o indivíduo coloca-se à margem do contato social.

Contudo, quanto ao que é possível esclarecer acerca do processo de ensino e aprendizagem da pessoa surda, Sacks prevê que a acentuada visualidade do surdo inclina estas pessoas a formas de memória especificamente “visuais” (SACKS,1998, p. 118), onde uma das principais fontes de estímulo concentra-se na própria necessidade de comunicação por meio da língua de sinais que faz a vez das palavras, e é uma língua viso-espacial. Os surdos tendem a organizar seus pensamentos segundo uma ordem lógico-espacial, portanto, esta forma de pensamento, segundo o autor, se promove no espaço tridimensional facilitando certas habilidades, destacando como exemplo, o grande número de arquitetos e engenheiros surdos, entre outros que possuem “grande facilidade para imaginar e pensar no espaço tridimensional” (SACKS, 1998, p. 119).

Nesse sentido, fundamentados na marcante visualidade do surdo, pensamos em atividades que privilegiassem os aspectos visuais dos conceitos matemáticos com objetivo de analisar como se dá a relação com estudantes surdos, e como eles se desenvolvem durante essas atividades.

A investigação está fundamentada em aspectos teóricos metodológicos da visualização em matemática e da área da educação de surdos. Para tanto, é necessário conhecermos os problemas de adaptação e as dificuldades fundamentais com as quais o surdo se depara. A saber, o canal sensorial predominante na atividade comunicativa é o visual, que lhe permite superar as limitações de ordem auditiva para construir seu conhecimento de mundo, relacionando-o à linguagem, imaginação e realidade.

Com licença, quero ver!

Diversamente do que o senso comum poderia afirmar, o surdo é uma pessoa diferente como outra qualquer, com suas capacidades e potencialidades específicas. Nesse sentido, todas as pessoas, ouvintes ou não, deveriam ter condições de acesso, estímulos e atenção no decorrer de seu desenvolvimento cognitivo, levando em consideração às especificidades da “diferença”. Os conteúdos curriculares podem ser os mesmos, mas a forma e o método de ensinar devem ser diferentes, visando a aprimorar o desenvolvimento das habilidades do individuo, pois, de acordo com suas necessidades, será necessário aplicar métodos de ensino particulares e específicos.

O surdo percebe o mundo por meio dos sentidos remanescentes: o olfato, o tato, o paladar e, obviamente, visão. Todos esses sentidos, agora muitíssimos intensificados, possibilitam que a sensações do mundo cheguem por outras vias não comprometidas. Segundo Sacks (1998), além dos sentidos “tradicionais”, podemos considerar, também, os sentidos acessórios, um notável exemplo seria o de

Lucy K., embora profundamente surda, é capaz de avaliar de imediato um acorde como “dominante” colocando a mão sobre o piano, e consegue interpretar vozes em telefonemas em telefones com grande amplificação; em ambos os casos, o que ela parece perceber são vibrações, e não sons. O desenvolvimento da percepção de vibrações como um sentido acessório guarda certas analogias com o desenvolvimento da “visão facial” (que usa o rosto para perceber uma espécie de informação de sonar) nos cegos (p.21).

No cenário da discussão dos sentidos remanescentes, haveria, ao contrário do estudante ouvinte, uma predisposição ou uma maior facilitação para o estudantes surdos, à medida que seus sentidos visuais normalmente são mais acurados, mais atentos que os das outros. A apreensão e a decodificação de imagens se processam, assim, de forma mais “natural”. Na monografia intitulada “A imagem no ambiente logo enquanto elemento facilitador da aprendizagem com crianças surdas”, Sales (2004), afirma que:

O elemento visual configura-se como um dos principais facilitadores do desenvolvimento da aprendizagem dos surdos. As estratégias metodológicas utilizadas na educação devem necessariamente privilegiar os recursos visuais como um meio facilitador do pensamento, da criatividade e da linguagem viso-espacial (p.10).

A partir dos processos visuais o surdo pode então estruturar sua aprendizagem, comunicação e língua visuo-espacial, por meio de imagens mentais.

Na busca de fundamentação teórica para a abordagem, sobre a importância da visualização e imagens para o processo de aprendizagem do estudante surdo, utilizamos como referencial teórico as obras de Carvalho (1997); Katz (1999); Fernandez (1996); Nogueira (1996); Gotti (1997) e Kelman (1996).

Visualização no ensino e na aprendizagem de matemática

A pesquisa sobre visualização em Educação Matemática é extensa e tem sido associada à habilidade especial, ao conceito de imagery (refere-se a imagens mentais), as representações gráficas e também à intuição (VILLARREAL, 1999, p.35).

Compartilhando com a ideia de Villarreal (1999), podemos citar alguns tópicos relacionados com visualização que têm suscitado várias pesquisas na Educação Matemática, são eles:

  1. Visualização como forma de pensamento no processo de produção matemática e no processo do seu aprendizado (Zazkis, Dubinsky & Dautermann, 1996; Davis, 1993; Presmeg, 1992; Poincare, 1905/1995);
  2. As vantagens e desvantagens de abordagens visuais no ensino e na aprendizagem da Matemática (Souza, 1996; Bishop, 1989; Fishbein, 1987; Presmeg, 1986b; Lean & Clements, 1981);
  3. As relações entre visualização e performance matemáticas (Presmeg, 1986a; Lean & Clements, 1981).

Considerando a amplitude teórica do tema, no ensino de matemática, poderíamos dizer que visualização é forma de representação em termos de uma figura ou representação de um objeto, porém a nossa proposta é fazer uma abordagem mais ampla, e tratar a visualização como um processo capaz de auxiliar na construção do fazer matemático e como elemento facilitador da comunicação de conceitos nas diversas áreas do conhecimento matemático. Nesse sentido, a visualização em matemática não pode ser vista, apenas, como uma forma de representar objetos matemáticos. “Visualização matemática é o processo de formação de imagens (mentalmente, ou com papel e lápis, ou com o auxílio da tecnologia) e utilização dessas imagens para descobrir e compreender matemática.” (ZIMMERMANN E CUNNINGHAM, 1991, p. 3).

Autores como Bishop possuem pesquisas acerca dos impactos da visualização no currículo escolar que destacam a importância da visualização em matemática não apenas para a transmissão de conhecimentos matemáticos, mas também para a formação de conceitos em matemática. O autor não descarta a realidade da existência de estudantes que possuem uma habilidade para a visualização mais desenvolvida em relação a outros. E ainda, que o conceito de visualização está ligado às ideias de imaginação e habilidade espacial, diagramas e intuição, que constituem ideias importantes para a Educação Matemática. (BISHOP, 1989, apud LEIVAS, 2008).

Os tipos de visualização que os estudantes necessitam, tanto em contextos matemáticos como em outros, estão relacionadas à capacidade de: criar, manipular e "ler" imagens mentais que orientam as investigações matemáticas, auxiliando na constituição de conexões lógicas e demonstrações; visualizar informação espacial, quantitativa, e interpretar visualmente a informação que lhe seja apresentada; rever e analisar passos anteriormente dados com objetos que podiam tocar e desenhar e interpretar.

Metodologia

A pesquisa será de natureza exploratória e descritiva e de caráter qualitativa, que possibilite a criação de cenários que possam promover uma aprendizagem de conhecimentos matemáticos.

Serão organizadas atividades em matemática a serem desenvolvidas nos pressupostos teóricos dos experimentos de ensino, que se configura numa proposta de pesquisa que proporciona ao pesquisador um “olhar” mais próximo e detalhado do processo de aprendizagem dos participantes nos conteúdos propostos no decorrer das atividades (COBB & STEFFE, 1983; STEFFE & TOMPHSON, 2000), visto que tais atividades podem ser trabalhadas com pequenos grupos de estudantes, em espaços distintos da sala de aula, superando alguns obstáculos que possam surgir, como: dificuldade em acompanhar mais próximo a produção matemática dos estudantes, mudanças na dinâmica da sala de aula, etc.

A intenção é desenvolver um cenário que contribua para que os participantes desta pesquisa possam ter uma produção matemática valorizada, por meio de um envolvimento do pesquisador com os participantes, ampliando a compreensão dos conteúdos já pesquisados sobre a forma de apreensão, de pensamento e de resultados desse tipo de estudo.

O Campo da Pesquisa: a escola Rio Claro - ERC 2

Sobre o campo de pesquisa, acreditamos na importância de uma abordagem descritiva, para que os leitores possam ter noções de como se constituiu o ambiente onde se efetivou a realização dessa investigação.

Sobre o campo de pesquisa, acreditamos na importância de uma abordagem descritiva, para que os leitores possam ter noções de como se constituiu o ambiente onde se efetivou a realização dessa investigação.

Em uma reunião do Grupo Épura 3 minha orientadora - Profa. Dra. Miriam Godoy Penteado - mostrou-me um recorte de jornal com uma matéria que relatava o processo de inclusão de 9 crianças surdas em uma escola do ensino regular. Aproximei-me da escola, e no dia 24 de agosto de 2010 participei da primeira reunião com o diretor para apresentação da proposta de pesquisa, momento que o diretor fez uma breve explanação e avaliação do atendimento desenvolvido pela escola aos estudantes surdos, além de ter demonstrado um grande interesse pela proposta de pesquisa.

A pesquisa foi desenvolvida durante três semestres, entre os meses de setembro de 2010 e dezembro de 2011 e teve como campo uma escola de ensino fundamental, que fica localizada num bairro da periferia de município de Rio Claro/SP.

A Produção dos Dados

Foi realizada a partir de registros em caderno de campo, filmagens, entrevistas e documentos escritos. Dentre as diversas formas de produção dos dados destaco as filmagens que foram realizadas no ano letivo de 2011 e foram dividias em duas etapas, a primeira ocorreu no intervalo dos meses de março a junho, e aconteciam nos dois encontros semanais com duração aproximada de 1h40min cada, a segunda ocorreu no intervalo dos meses de agosto a dezembro, e aconteciam em um único encontro semanal com duração aproximada de 2h30min.

Atividades Propostas

O conjunto de atividades propostas aos estudantes foi bastante diversificado e estava relacionado com plano de intervenção denominado "Para Além do Olhar". O número de atividades desenvolvidas por encontro foi bastante variável, e estava ligada diretamente ao interesse pela atividade e ao ritmo de trabalho dos estudantes. É importante destacar que o período de aplicação de uma determinada atividade variava conforme o interesse dos estudantes, um exemplo foram as atividades com o Tangram, que inicialmente foram pensadas para 2 encontros, porém com o grande envolvimento dos estudantes e seu desenvolvimento aconteceu em 4 encontros. Algumas atividades assumiram a forma de fichas de trabalho e outras foram propostas oralmente.

A Análise dos Dados

A partir das filmagens selecionei algumas situações de ensino, nas quais serão considerados os momentos mais significativos referentes a atuação dos estudantes nas atividades matemáticas, e outros momentos que envolviam o conhecimento matemático em sala de aula.

O material a ser analisado trata-se, inicialmente, situações de ensino que permitem discutir como os estudantes atuavam no desenvolvimento das atividades matemáticas por meio da L1 e L2 e que evidenciam as dinâmicas das trocas interativas entre estudantes e professores.

Esses momentos de interação foram escolhidos, quando chamavam a nossa atenção por mostrarem alguma relação aos questionamentos levantados pela pesquisa: discussões matemáticas, discussões relacionadas à realização das atividades etc.

Apresentação e análise preliminar dos dados

As situações de ensino que foram originados das observações participantes e dos recortes dos vídeos das atividades de sala de aula. A seleção de tais situações se deu com base o processo de ensino e aprendizagem com o olhar direcionado, principalmente, para as atividades que contemplam os aspectos visuais dos conceitos matemáticos para analisar como se dá a relação com estudantes surdos, e como eles se desenvolvem durante essas atividades.

As interações em destaque nas situações de ensino analisadas são predominantemente dos estudantes surdos e dos professores envolvidos na pesquisa, considerando serem suas ações o foco de nossa atenção.

Negociando Sinais para Triângulos

As situações de ensino fazem parte das atividades que ocorreram nas sessões dos dias 14, 16 e 28 de março de 2011 respectivamente, no horário das 13 às 15h30min, e estavam relacionadas com algumas noções iniciais de geometria inerentes às etapas do plano. Onde os objetivos das atividades eram: analisar as habilidades e os conhecimentos prévios do grupo de estudantes surdos acerca de geometria em Libras; trabalhar por meio da língua de sinais as noções de ponto, reta, plano, ângulos, figuras planas (quadrado, triângulo, círculos e outros polígonos); classificar as figuras planas; identificar as formas geométricas em objetos presentes nos ambientes escolares e não escolares entre objetos do espaço físico e objetos geométricos.

No inicio da atividade percebemos que o grupo de estudantes surdos possuíam pouco conhecimento acerca de geometria, e quando apresentamos algumas figuras geométricas - triângulo, círculo, retângulo, losango, trapézio, etc. - não sabiam nomeá-las em língua portuguesa e em língua de sinais apoiavam-se apenas nos classificadores 4.

[...]
1. Professor: [prestem atenção, vocês lembram da aula passada?]
2. Estudante 1: LEMBRAR
3. Professor: [O que nós fizemos aqui? Lembram?]
4.Estudante 1: (sinaliza utilizando o classificador para representar um círculo)
[...]

Além dos classificadores os estudantes surdos se apoiavam em outros tipos de sinais, não compartilhados com o grupo (Figura 1), na representação das figuras geométricas, fato que contribuía para a constituição de um cenário bastante confuso no que diz repeito à comunicação dos conceitos matemáticos...

Uma das interações que pode ilustrar a situação é o momento que, indicamos um triângulo que esta desenhado no quadro e perguntamos para a turma que figura era aquela, nesse momento a Estudante 2 tenta representar um triângulo com as duas mãos, unindo os dois dedos polegares e os indicadores (Figura 1).

Na sequência da mesma atividade, Estudante 2, utiliza um classificador e faz a marcação do triângulo no espaço, quando questionada acerca de duas sinalizações para representar a figura a estudante não sabe explicar o porquê de suas opções.

É importante destacar que antes de problematizar e/ou discutir, com o grupo de estudantes, qualquer sinal de conceitos matemáticos realizávamos consultas em dois dicionários de Libras 5, e ainda que não foram encontrados sinais específicos para alguns conteúdos de geometria, inclusive de triângulo.
Até então, a ausência da negociação de sinais específicos, em Libras, para representar alguns elementos da geometria, se apresentava como um obstáculo e desafio a ser superado. Pois, no desenvolvimento das atividades precisávamos de uma língua compartilhada que permitisse uma melhor interação, a fim de minimizar as desigualdade linguística, entre surdos e ouvintes, dentro da sala de aula.

A utilização de classificadores, nas atividades iniciais foi ganhando espaço e mais frequência e passou a apresentar-se como um possível caminho para a ausências dos sinais em Libras, no entanto os estudantes passaram a utilizar em todos os casos, de identificação de figuras, apenas um classificador para cada figura geométricas. Para os triângulos, por exemplo, existia apenas o classificador de triângulo agudo e, possivelmente, os estudantes iriam utilizar o mesmo classificador para os demais triângulos. Porém, em uma atividade de identificação de figuras quando perguntamos para a turma que figura (triângulo retângulo) era aquela que estava representada no quadro, a discussão gerada foi:

[...]
5. Estudante 2: T-R-I-A-N-G-U-L-O (datilologia)
6. Estudante 1: (faz uma representação espacial, por meio de um classificador, porém sua marcação é específica para um triângulo retângulo e difere das outras representações já realizadas, Figura 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9)
7. Professor: [nome da figura?] (perguntando para o Estudante 1)
8. Estudante 1: [não sei!]
9. Professor: [olha para o quadro e veja as outras figuras]
10. Estudante 1: [não tem nenhuma igual]
11. Professor: [não tem aqui?!]
12. Professor: tá vendo o problema de um único classificador para representar as figuras geométricas... O Estudante 1 está dizendo que esta figura não tem aqui, esse é um triângulo diferente desse.
13. Professor: Aí um único classificador pode limitar, pois não diz qual é o triângulo, temos que ter um classificador para cada triângulo. Se eu fizer esse no espaço (triângulo agudo) e diferente desse (triângulo retângulo), pois esse (triângulo retângulo) no espaço é isso aqui.

Com base nas discussões promovidas, em sala de aula, pelos professores e estudantes acerca dos elementos apresentados nas atividades pudemos encontrar um caminho para minimizar o entrave, ilustrado na situação a seguir:

[...]
14. Professor: [vamos ver a próxima figura que será projetada no quadro]
15. Estudante 2: (com as duas mãos faz uma representação no espaço de triângulo)
16. Estudante 1: (com as duas mãos faz uma representação no espaço de triângulo)
17. Professor: [tem sinal para triângulo?]
18. Estudante 3: TRIÂNGULO (propõe um sinal para triângulo, que era constituído por uma configuração de mão em "t" que delimitava no espaço a figura de um triângulo agudo, infelizmente no momento da interação em sala de aula, não percebemos sua ação. Vale ressaltar que o novo sinal replicado, aceito e utilizado pelos seus colegas até o final das atividades, Figura 10, 11, 12 e 13)
19. Estudante 3: (perde a paciência, pois continua fazendo marcações espaciais e tenta chamar a atenção, porém ninguém interage com ele)
20. Estudante 1: (utiliza o sinal criado pelo Estudante 3)
21. Intérprete: [você quer mudar o sinal?]
22. Professor: como era o sinal?
23. Intérprete: [era o "T" e o classificador de triângulo]
24. Professor: [era o "T" e o classificador de triângulo] (falando com o Estudante 1)
25. Estudante 4: [agora é assim professora?] (fazendo o sinal criado pelo Estudante 3 e falando com a Intérprete)
26. Intérprete: Não sei
[...]

Considerações preliminares

Dessa análise, até o momento, constatamos que é importante a utilização dos recursos visuais nas atividades de matemática, por meio de atividades onde os estudantes surdos possam visualizar, discutir e significar os conceitos dos sinais específicos da matemática em Libras. E ainda que o processo de inclusão do surdo é de extrema complexidade, exigindo da comunidade de aprendizagem a busca dos canais de comunicação por meio de uma língua compartilhada a fim de minimizar as desigualdade linguística, entre surdos e ouvintes. Pois, não havendo tal canal, as possibilidades de interações são mínimas. Em termos metodológicos, é de fundamental importância que o professor desenvolva possibilidades de uso diferenciado dos artefatos pedagógicos de maneira a possibilitar a abertura de canais de comunicação entre ele e os estudantes e entre os estudantes.

Contexto que está contribuindo para as evidências apresentadas pelos participantes que demonstraram indícios de envolvimento e de aprendizagem.

Notas

2 Para proteger a identidade da escola, ela receberá um nome fictício ao longo da pesquisa.
3 Grupo vinculado ao Grupo de pesquisa em processos de formação e trabalho docente (http://www.rc.unesp.br/igce/pgem/gfp/) do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP de Rio Claro. Estuda sobre o ensino e a aprendizagem de matemática para pessoas com deficiências.
4 Classificadores são sinais que utilizam um conjunto específico de configurações de mãos para representar objetos incorporando ações. Tais classificadores são gerais e independem dos sinais que identificam tais objetos. É um recurso bastante produtivo que faz parte das línguas de sinais (FERREIRA-BRITO, 1995).
5 Dicionário Enciclopédico Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira (Português, Inglês e Língua de Sinais), elaborado pelo professor Fernando César Capovilla, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e o Dicionário Digital da Língua Brasileira de Sinais do Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES).

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