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A comunicação matemática e os desafios da inclusão
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Publicado em 2009
Arqueiro (Rio de Janeiro). , v.17, p.7-18
Francisco Hermes Santos da Silva
Elielson Sales
Norma Silvana dos Santos Bentes
  Artigo disponível em versão PDF para utilizadores registados
Resumo

Neste artigo, são analisados alguns aspectos referentes às interações por meio da comunicação, no contexto da educação de surdocegos, como um dos fatores fundamentais para o processo de inclusão. Como categorias de análise foram considerados conteúdos de resolução de problemas aditivos. O sujeito da pesquisa foi uma aluna surdacega da 2a série do ensino fundamental de uma escola especializada em educação de surdos e usuária da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. O método utilizado foi o estudo de caso. A abordagem dos dados foi qualitativa. Tais dados foram coletados em sete encontros de ensino de resolução de problemas aditivos – abordados por meio da LIBRAS e de materiais didáticos diversificados. Constatou-se a importância da comunicação para a interação e inclusão da criança surdacega, bem como a relevância de se diversificar a utilização de materiais didáticos no processo de ensino e aprendizagem, contexto que contribuiu para as evidências apresentadas pelo sujeito, que demonstraram indícios de envolvimento e de aprendizagem.

1. Introdução

As discussões, principalmente nas últimas décadas, sobre a aceitação e a adaptação das pessoas com necessidades educativas especiais, estão se difundindo cada vez mais em nosso meio. As atitudes de inclusão e exclusão ainda estão ligadas aos modelos de “seres humanos perfeitos e/ou normais”, contribuindo no reforço da idéia de segregação, incapacidade e anormalidade. Durante algum tempo, buscou-se a educação individual da pessoa com necessidades educativas especiais como forma de aproximação com os sujeitos ditos normais, objetivando desenvolver sua normalidade e facilitar o processo de integração por meio da aprendizagem. "A idéia inicial foi, então, a de normalizar estilo ou padrões de vida, mas isto foi confundido com a noção de tornar normais as pessoas deficientes" (SASSAKI, 1997, p.32).

Algumas estratégias desenvolvidas para minimizar esse tipo de segregação foram as novas denominações, como excepcionais, deficientes, portadores de deficiência, portadores de necessidades especiais, portadores de necessidades educativas especiais. No entanto o problema vai além das nomenclaturas atribuídas, passando pelo viés político-ideológico e social, impregnado por concepções e práticas de um passado que privilegiava a segregação em detrimento da integração. Segundo Wanderley (2001, p.17), esta segregação está atrelada a “rótulos de inúmeros processos e categorias, uma série de manifestações que aparecem como fraturas e rupturas no vínculo social – ou seja: a exclusão social...”.

Devemos considerar o processo de inclusão da pessoa especial como um dos novos paradigmas da educação, no caso brasileiro, legalmente amparado pela Lei nº 9.394/96, a qual delega à família, à escola e à sociedade o compromisso com efetivação de uma proposta de escola para todos.

Nesse sentido, a sociedade e o poder público deverão despertar para várias prioridades que permitam efetivar os pressupostos básicos da escola inclusiva: a aceitação, a compreensão, o respeito, a educação de seres humanos especiais. A inclusão desses indivíduos supõe uma superação dos preconceitos, metodologias de trabalho e conhecimento científico.

2. Comunicação: Um caminho para a inclusão

O paradigma da inclusão, para Veríssimo (2001), caracteriza-se por um processo no qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com deficiências e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. É um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.

Segundo Smith e Ryndak (1999), tal processo, contudo, não ocorre por acaso. Somente a proximidade com esses alunos não garante o seu desenvolvimento acadêmico; é necessário um ensino sistemático como também de interações cuidadosamente planejadas. É fundamental ao desenvolvimento nos domínios acadêmico e social a capacidade do aluno de se comunicar e interagir com os colegas e com os adultos. A comunicação é a chave para o sucesso nos ambientes escolares, pois é o meio de interação fundamental no qual os alunos, “deficientes e normais”, podem indicar aos professores se os objetivos curriculares são ou não alcançados.

A linguagem oral e a escrita são as principais formas que utilizamos para estabelecer comunicação na escola. Mas em se tratando de alunos especiais, essas formas de comunicação podem configurar-se em obstáculo, principalmente se nos apoiarmos apenas nessas vias tradicionais de comunicação. Nesse sentido, Smith e Ryndak (1999, p.112) afirmam:

As deficiências de comunicação receptiva (compreensão) e expressiva (oral/escrita) têm um enorme impacto sobre a atuação de um aluno. Os resultados de avaliações formais e informais podem ser comprometidos porque um aluno pode ter capacidade limitada ou incapacidade para demonstrar a extensão do seu conhecimento ou de suas habilidades.

Não faz muito tempo que as condições especiais dos alunos eram boas razões para serem mantidos apenas no universo familiar, vivenciando situações de aprendizagens aleatórias e não formais voltadas para as suas necessidades básicas. Entretanto essa situação vem mudando a cada dia, à medida em que mais familiares e profissionais tomam consciência do processo educativo dessas pessoas. De acordo com Smith e Ryndak (1999), as adaptações são necessárias para que nos comuniquemos eficientemente nas salas de aula com tais alunos. Felizmente, os progressos na tecnologia de apoio e na comunicação aumentativa intensificaram a qualidade e a quantidade de opções disponíveis para maximizar a comunicação grupal com alunos especiais.

Nesse contexto e considerando que a matemática possui uma linguagem especial com simbologia própria para domínio de seus conceitos, fazem-se necessários estudos que produzam processos adaptativos de comunicação entre os atores do processo ensino-aprendizagem desta ciência que, longe de promover inclusão, é comumente usada para se promover a exclusão social mesmo daqueles alunos ditos normais.

3. Comunicação Matemática

Comunicar suscita a possibilidade de haver interação entre pessoas com o objetivo de compartilhar algo. Porém a comunicação positiva, no sentido de resultar de fato num ganho real para todos daquilo que está sendo compartilhado, é seguramente o Diálogo que se configura como “a troca ou discussão de idéias, de opiniões, de conceitos, com vista à solução de problemas, ao entendimento ou à harmonia” (FERREIRA, 2004). Essa definição sugere a negociação de significados, o que nos remete, no caso da Educação Matemática, para um processo de Discussões Matemáticas, que, segundo Bussi (1998), numa perspectiva vigotskiana, é o drama protagonizado por professor e alunos envolvidos em alguma atividade matemática, cada um com seu papel, porém engajados em uma mesma atividade indivisível. Professor e alunos não falam por si sós, mas trazem, em suas falas, suas experiências em outros contextos socioculturais. As vozes dos diferentes atores se encontrariam, de forma harmoniosa, na atividade matemática, exigindo a negociação de significados.

3.1 Negociação de Significado

Segundo Voigt (1994), objetos, eventos e conhecimentos em sala de aula são concebidos de formas diferentes pelas pessoas e estas constroem, diferentes significados matemáticos. Um significado considerado-como-compartilhado pode ser construído por meio da negociação de significados entre professores e alunos. Porém Alro e Skovsmose (2008), afirmam que o significado matemático não é transmitido nem construído autonomamente por cada indivíduo, mas emerge entre os participantes na interação do processo ensino-aprendizagem.

Um aspecto que assume relevância quer para as interações que se estabelecem numa sala de aula quer para o processo de negociação de significados é a diversidade de linguagens e culturas dos intervenientes. Como afirma Hirigoyen (1997), esta diversidade, quando revelada, torna o discurso produzido mais rico. Este autor sugere, como forma de fazer emergir essa diversidade, a aceitação de diferentes notações como válidas.

De acordo com Alro e Skovsmose (2008), a comunicação matemática se dá no compartilhamento e negociação de perspectivas e definem algumas delas: 1. Em uma sala de aula de matemática pode acontecer que a perspectiva do professor domine a dos alunos quando, por exemplo, o professor corrige a atividade, apontando o que está errado e orientando os alunos a refazer o exercício; 2. Que professor e alunos compartilhem a perspectiva de que o objetivo das atividades seja dominar técnicas de cálculo; 3. Há, também, a possibilidade de que professor e alunos tenham perspectivas diferentes, sem que, por algum momento, haja o domínio de uma sobre a outra, estabelecendo-se assim obstáculos para a comunicação.

Havendo, então, a aceitação e o respeito mútuo das diferentes perspectivas, é possível haver negociação de significados entre professor e alunos e, por meio do diálogo, que cada um possa avaliar sua compreensão das falas dos outros.

Alro e Skovsmose (2008), alertam sobre o fato de que diálogo é diferente de discussão. Segundo esses autores, discussão, em sua origem, no latim, significa quebrar em pedaços, enquanto diálogo objetiva a construção de um novo significado em um processo colaborativo de investigação. Poderíamos pensar, então, que, enquanto a primeira quebra (e destrói), o segundo constrói. Entretanto esses mesmos autores utilizam em seu trabalho o verbo discutir de uma forma que não traz sentido algum de destruição. Discutem um modelo teórico proposto por eles e discutem a concepção de aprendizagem de matemática que possuem. Corroborando com tais autores, cremos que discussão pode ser entendida como uma forma de analisar para examinar, compreender, mas também como um primeiro passo em direção a um diálogo. Fazemos uma analogia, então, com a noção de negociação de perspectivas apresentadas por Alro e Skovsmose (2008): é importante que as pessoas que pretendem se comunicar busquem compreender e negociar suas perspectivas, ou seja, que discutam suas experiências, seu conhecimento etc., para que juntas, dialogando, construam significados.

4. Método

Este estudo é resultante de uma pesquisa maior devido a ter sido observado que, embora não previsto, estávamos diante de um fato-fenômeno que mereceria uma análise específica. Tal análise enquadra-se no estudo de caso, com aproximações da pesquisa participante, dado que os pesquisadores participaram interagindo com os sujeitos ao longo do processo. Quanto à abordagem, é de natureza qualitativa, tendo em vista o tipo de produção material.

Estávamos desenvolvendo uma pesquisa em uma UEES 1 com o propósito de verificar se o quadro de escrever seria um artefato pedagógico importante para a comunicação entre o professor e os alunos surdos, dado que sua principal via de comunicação é a visão. Isto porque Segundo Miccione (2006a), o quadro de escrever apresenta as funções de: 1. Acompanhar o raciocínio lógico dos alunos; 2. Facilitar a interação entre professor e aluno; 3. Promover aprendizagem em clima de interação social em sala de aula; 4. Poupar tempo e energia no processo de ensino e aprendizagem; 5. Possibilitar o desenvolvimento da linguagem matemática dos alunos; 6. Servir de “memória auxiliar” ao aluno. Diante disso, levantamos a hipótese de que o quadro de escrever poderia, se trabalhado de forma diferenciada como propõe Miccione (2006b): ser um artefato pedagógico poderoso para a comunicação matemática do professor e dos alunos surdos. Foi montada toda uma metodologia como segue abaixo.

A UEEs trabalha com a abordagem bilíngüe em sua metodologia de ensino de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS como primeira língua – L1 e a língua portuguesa como segunda língua – L2. Quanto aos sujeitos, a pesquisa envolveu um grupo de seis alunos surdos e uma aluna surdacega, sendo cinco do sexo feminino e um do sexo masculino. Os sujeitos são portadores de surdez bilateral profunda, e em 2008 encontram-se na 2a série do Ensino Fundamental. Com idade entre 7 e 13 anos, todos usuários da LIBRAS.

A abordagem Matemática voltou-se para a resolução de problemas aditivos, todos contextualizados e trabalhados em LIBRAS com auxílio de vários artefatos didáticos. Foram utilizados material dourado, jogos matemáticos, retroprojetor, câmera fotográfica, câmera filmadora e demais materiais didáticos como papel A4, lápis, borracha, régua, lápis de cor, etc.

A coleta de dados ocorreu por meio de observações e filmagens, em sete atividades de Matemática. Os encontros com as crianças ocorreram nos meses de fevereiro e março. Em que pese a metodologia descrita, não esperávamos o que passamos a observar em uma das alunas, que chamaremos aqui de Carolina.

Carolina é surda e possui baixa visão e já se comporta como uma cega total. Dessa forma não mantém contato visual, uma habilidade de comunicação básica para os surdos que geralmente utilizam-se de uma língua visoespacial (língua de sinais), para se comunicarem.

Propusemo-nos a investigar se a Comunicação Matemática com o auxílio do retroprojetor e do quadro de escrever poderia contribuir para o processo de inclusão do surdo e, principalmente, do surdocego, facilitando o processo de ensino e aprendizagem da Matemática para esses sujeitos. Nossa hipótese foi de que o retroprojetor poderia ser um auxiliar poderoso para chamar a atenção dos alunos surdos e em especial de Carolina, uma vez que o grupo de alunos que estávamos trabalhando tinha uma grande dificuldade de concentração. Até então nós só conseguíamos trabalhar de forma individualizada e os demais alunos ficavam sempre muito agitados, criando um ambiente desfavorável ao processo de ensino e aprendizagem.

5. Resultados e Discussões

A hipótese original de que o quadro de escrever como artefato mediador na resolução de problemas ajudaria na aprendizagem matemática dos alunos não se comprovou. Justamente por ser a visão o canal de comunicação dos alunos surdos, estes precisam desse canal em tempo real para a comunicação face a face, dificultando uma comunicação efetiva em grandes grupos. Conseqüentemente essa comunicação não acontecia na sala, pois no momento em que a professora chamava um dos alunos para o quadro e estabelecia comunicação com ele, interrompia a comunicação com os demais, que voltavam para uma comunicação face a face.

Foi aí que começamos a observar que Carolina não se integrava no grupo, qualquer que fosse a atividade. Não conseguia dar nenhuma resposta satisfatória quando era chamada ao quadro para resolver os problemas aditivos. Associado a isso, percebemos como já dito, que somente o quadro também não ajudava no processo de interação social do grupo todo, isto é, não acontecia o trabalho colaborativo. Decidimos por apresentar os problemas no retroprojetor associado ao quadro para então discuti-los com os alunos.

Na primeira aula com a mediação do retroprojetor associado ao quadro, notamos uma alteração significativa quanto à participação coletiva. Todos deixaram a postura de dialogar a dois e passaram a prestar atenção no desenrolar da discussão matemática entre a professora e o aluno que estava no quadro. Mas foi Carolina que nos surpreendeu de forma expressiva. Sua postura de cego foi alterada. Levantou a cabeça e percebemos que, mesmo de sua carteira, observava atentamente o diálogo da professora com a colega. Nesse sentido Smith e Ryndak (1999) nos dizem que “uma vez conhecidos os problemas de comunicação associados às várias deficiências, é essencial que se busquem alternativas aos métodos tradicionais de interação com alunos portadores de deficiência que tenham a comunicação afetada”.

Na sua vez, Carolina iniciou o diálogo com a professora e, após alguns minutos de negociação de significados entre as duas, eis que deu a primeira resposta significativa para a professora que, em LIBRAS, deu a entender-lhe que havia acertado a solução. Carolina então explodiu de alegria e saiu por toda a sala pulando e comemorando com todos os presentes, inclusive conosco. Segundo Cardano (apud SACKS, 2005, p. 29), é possível estabelecer comunicação com o surdo por meio da leitura e da escrita e, semelhantemente à comunicação oral, pode ser usado para significar coisas diferentes, objetos e palavras. Esse episódio marcou a diferença na pesquisa, pois nos demos conta que Carolina era uma excluída dos excluídos. Seus pares, por serem surdos já eram os excluídos de aulas dos ditos “normais”, mas, no ambiente dos surdos, não havia espaço para um surdocego. Essa exclusão, porém, não se dava somente pelos pares de Carolina. Ao analisar o material audiovisual percebemos que ela sequer aparecia na maioria dessas imagens e, quando aparecia, estava deslocada do grupo que interagia, embora muitas vezes parecendo querer participar. Tomamos a decisão de analisar o fato observamos três momentos significativos do processo de inclusão de Carolina, que passaremos a relatar.

O primeiro foi o processo de rejeição: O grupo rejeitava Carolina, não de forma consciente, mas porque não havia um canal de comunicação que pudesse facilitar sua inclusão no meio dos colegas. Com a associação do retroprojetor ao quadro de escrever, Carolina pôde ter a oportunidade de penetrar no mundo dos colegas, fato observado pela professora percebido nas imagens. Após o episódio acima, os colegas passaram a interagir com Carolina de forma espontânea, evidenciando assim que o grupo incluiu-a e ela se incluiu no grupo.

O segundo momento foi da dificuldade de aprendizagem apresentada por Carolina, justamente por não possuir o canal de comunicação matemática. No momento em que esse canal foi aberto, através das imagens aumentadas pelo retroprojetor, permitindo-a aumentar sua capacidade visual, pôde interagir com a professora, isto é, dialogar e efetivamente negociar significados matemáticos e assim, pôde revelar sua capacidade de aprendizagem e, percebendo que isso era possível, teve um momento de auto-estima elevado, revelado pela explosão de alegria em descobrir poder aprender o que os colegas aprendiam. Isto nos permitiu constatar que

Ninguém aprende se não estiver motivado para isso (...) A motivação para aprender, em qualquer momento, é que permitirá a construção de vínculos positivos, adequados com o objeto de conhecimento, construindo sempre na direção do desejo de aprender para o prazer de aprender e finalmente para o prazer de mostrar que aprendeu (Weiss, 2007) (grifos da autora)

O terceiro momento foi o de isolamento, revelado pelas imagens, que quase nunca registrava sua presença. Esse isolamento não era consciente, haja vista que estávamos interessados em filmar os momentos de interação dos alunos na aula de matemática. Como Carolina não interagia com os presentes, não lhe era dada a devida atenção. Mas a superação desse isolamento se deu de forma plena, quando, a partir da abertura do canal de comunicação, as crianças passaram a interagir com ela que correspondia de forma plena, chegando ao ponto de uma das colegas “darlhe” uma aula.

6. Considerações Finais

Nosso objetivo nesta pesquisa foi investigar se a Comunicação Matemática trabalhada com o auxílio do retroprojetor poderia contribuir para o processo de inclusão do surdo e, principalmente, do surdocego, facilitando o processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Para tanto, levantamos a hipótese de que o retroprojetor poderia ser um auxiliar poderoso para chamar a atenção dos alunos surdos e em especial de surdocegos, em virtude de estes apresentarem a característica de desatenção em grandes grupos. Nosso objetivo foi atingido e superado, pois os dados permitem-nos concluir que o retroprojetor, associado ao quadro de escrever, possibilitou atitudes de inclusão do surdocego no ambiente de aprendizagem. Tais atitudes só foram possíveis quando um canal de comunicação matemática foi estabelecido entre a aluna surdacega e os seus pares, promovendo a superação da rejeição, do isolamento e da dificuldade de aprendizagem dos conceitos matemáticos evidenciados na resolução de problemas aditivos (SMITH E RYNDAK, 1999).

Dessa análise, podemos concluir que o processo de inclusão é de extrema complexidade, exigindo da comunidade de aprendizagem a busca dos canais de comunicação necessários entre o grupo e o sujeito excluído. Não havendo tal canal, as possibilidades de inclusão são mínimas, pois é necessário que haja algo em comum entre o sujeito a ser incluído e o grupo ao qual deve ser incluído. É de fundamental importância que o professor desenvolva possibilidades de uso diferenciado dos artefatos pedagógicos de maneira a possibilitar a abertura de canais de comunicação entre ele e os alunos e entre os alunos (SMITH E RYNDAK, 1999).

Segundo Sacks (2005), na França, o abade Charles Michel de l’Épée foi pioneiro na valorização da língua de sinais na educação dos surdos e aprendeu a língua de sinais quando se inseriu nos grupos de surdos que vagavam pelas ruas de Paris. Afinal, os deficientes não estão na escola apenas para aprender os conteúdos escolares, mas para nos ensinar como incluí-los na comunidade de aprendizagem. O cego nos ensina a vê-lo, pois estamos cegos para ele. O surdo nos ensina a ouvilo, pois estamos surdos para ele. Em suma, se não penetrarmos no mundo do deficiente, jamais poderemos incluí-lo em nosso mundo. Isto foi o que aprendemos com Carolina, ao tentarmos ensiná-la, como evidencia Freire (1996).

Notas

1 Escola Especializada em Educação de Surdos

Bibliografia

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