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O caso dos surdos e da Libras: Algumas considerações etnográficas sobre o discurso da etnicidade relativo à surdez
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Publicado em 2008
Ariús - Revista de Ciências Humanas e Artes (UFCG), v. 14, p.51-60
César Augusto de Assis Silva
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Resumo

O objetivo deste artigo é refletir sobre a recente afirmação de particularidades étnicolinguísticas referentes à surdez, o que produziu o reconhecimento jurídico-político do estatuto de língua da língua brasileira de sinais (libras). Para tanto, primeiramente explicito o contexto empírico de minha investigação, constituído por múltiplos locais de produção da surdez ancorados tanto no espaço urbano como em espaços virtuais de debate. Em seguida, analiso as principais questões que estruturam esse discurso étnico, demonstrando o modo como determinadas agências nomeiam o grupo, afirmam o estatuto de língua da libras, produzem uma história oficial da surdez e reivindicam uma cultura particular. Por fim, problematizo esse discurso, demonstrando a sua arbitrariedade e as controvérsias que o seu aparente consenso silencia.

Nas últimas décadas do século XX emergiu uma configuração social que permitiu a produção de um discurso sobre a surdez afirmado em termos de particularismo étnico-lingüístico, que se constitui na contraposição aos discursos que até então estavam relacionados à surdez, caracterizados, sobretudo, pelas idéias de falta e deficiência. Esse processo histórico-político, que envolveu múltiplos agentes, resultou na promulgação da lei federal 10.436, de 24 de abril de 2002, e na sua regulamentação pelo decreto federal 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que reconhece a língua brasileira de sinais, também denominada pela sua abreviação libras, como um meio legal de comunicação e expressão oriundo das comunidades de pessoas surdas do Brasil. De acordo com a regulamentação dessa mesma lei, considera-se pessoa surda aquela que expressa sua cultura principalmente por meio dessa língua.

A regulamentação da referida lei define uma série de reformas institucionais a serem executadas no prazo de dez anos após a sua promulgação. A educação em seus diversos níveis constitui a área de fundamental intervenção dessa regulamentação, visando à produção de um contexto escolar bilíngue. Entre as reformas institucionais previstas, destaca-se a inclusão da libras como disciplina curricular obrigatória em cursos de magistério, normal superior, pedagogia, licenciaturas e fonoaudiologia. Além disso, a regulamentação determina também a formação de cursos superiores de letras-libras, letras-libras/português e interpretação-português/libras, o que já está em curso em diferentes regiões do Brasil. Ademais, define como obrigatória a presença de cotas de funcionários que saibam essa língua em instituições públicas e agências concessionárias de serviço público, para que as pessoas surdas tenham um atendimento específico que supra suas necessidades especiais. Ainda de acordo com essa regulamentação, o Estado deve promover o uso e a difusão das libras, bem como garantir o acesso das pessoas surdas à educação, à informação e à comunicação por meio dessa língua.

Essa lei pode ser vista como o coroamento de um processo amplo em que múltiplas agências intervieram. Certamente, a entrada de intelectuais forjando um campo de debate institucional e político acerca da surdez foi um fator decisivo para que se formulassem demandas que se traduziram no dispositivo jurídico citado. Linguistas tornaram-se árbitros legítimos para a afirmação do estatuto de língua de uma determinada forma de comunicação atribuída às pessoas que não ouvem. Alguns pedagogos e psicólogos também têm tido um papel crucial ao argumentar em favor de uma educação voltada para a surdez que seja bilíngüe, isto é, que tenha a libras como primeira língua, e o português em sua modalidade escrita como segunda língua. Além disso, juntamente com esses intelectuais, pessoas politicamente engajadas, representadas por meio de associações, traduziram essa visão acerca da surdez, legitimada por recentes produções científicas, em reivindicações políticas.

Antes da emergência dessa configuração social, práticas discursivas relativas às pessoas que não ouvem eram pautadas pela concepção de falta – falta de audição e da capacidade de aprendizado espontâneo de língua oral. A educação voltada para a surdez tinha em seu cerne o ensino da articulação oral e a proibição da comunicação gestual-visual como meio legítimo de comunicação e educação, pois essa forma de comunicação não era vista como língua. Essa filosofia educacional, que perdurou por praticamente todo o século XX, ficou conhecida como o oralismo. De outro modo, esse recente processo histórico-político tem produzido um discurso relativo à surdez que rejeita as idéias de falta, patologia e deficiência, e exalta particularidades linguísticas e culturais atribuídas às pessoas que não ouvem. Nesse sentido, categorias que apontam para a etnicidade – como por exemplo, “cultura”, “identidade”, “língua”, “povo”, “comunidade” e “história”, que não estavam presentes em configurações discursivas anteriores, – passaram a ganhar centralidade quando a surdez passa a ser vista como diferença.

Antes de avançarmos em nossa reflexão, algumas questões de fundo precisam primeiramente ser explicitadas, sobretudo ao que concerne à questão da etnicidade no mundo contemporâneo. O processo de recrudescimento do que se habituou a chamar de globalização, isto é, o aumento significativo em escala global do fluxo de bens, informações e pessoas nas últimas décadas do século XX, não foi acompanhado pelo processo de homogeneização ou ocidentalização do mundo, o que alguns teóricos temiam. Ao contrário, esse processo levou a uma intensificação da produção da diferença, tendo as categorias “identidade” e “cultura” passando a desempenhar papéis centrais na afirmação de novas particularidades, o que Sahlins (1997) denomina “indigenização da modernidade”.

De maneira semelhante, Agier (2001) e Kuper (2002) também analisam como algumas categorias do pensamento antropológico moderno têm sido amplamente apropriadas por movimentos sociais diversos, desempenhando a linguagem da etnicidade um papel decisivo na produção de novas formas de pertencimento coletivo e no processo de reivindicação na esfera do direito. Assim, grupos até então tidos como assimilados, puderam se figurar como sujeitos de direito, permitindo a emergência de novas etnicidades. Os remanescentes dos quilombos certamente constituem um dos casos mais explícitos desse processo (ARRUTI, 2006), assim como o fortalecimento de um discurso étnico dos movimentos negros em geral. É justamente esse o contexto que parece ter permitido a emergência de um discurso étnico plausível relativo à surdez.

Diante desse problema teórico-político, o principal objetivo deste artigo é realizar uma reflexão que explicite as bases que estruturam tal discurso étnico relativo à surdez. Nesse sentido, nesta análise, a surdez é menos entendida como um dado biológico, do que como um produto de múltiplas configurações discursivas. Como ouvir ou não ouvir não significam muita coisa a priori, é necessário compreender quais são as relações históricas que produzem pessoas diferenciadas pela audição e no que consistem essas diferenças. De modo que a questão que nos cabe responder é quais as principais características desse discurso étnico que podem emergir a partir de uma determinada configuração formada por múltiplas agências.

Para levar a cabo esse objetivo, o presente trabalho divide-se em três partes. Dada a profusão de fluxos comunicativos que caracterizam o mundo contemporâneo, a produção de discursos identitários não pode evidentemente estar referida a um único local. Por essa razão, a minha etnografia pretende ser multilocalizada, em termos de Marcus (1991). A primeira parte deste texto visa explicitar o contexto empírico de minha investigação, que consiste em uma complexa rede social formada por equipamentos urbanos, espaços virtuais, dicionários, manuais de evangelismo, pessoas que se diferenciam quanto à ausência/presença de audição, profissão, instituições religiosas, etc. A segunda parte deste texto visa explicitar quais são os principais elementos que compõem esse discurso étnico sobre surdez que tem ganhado legitimidade social. A partir de minha etnografia, procuro demonstrar como algumas questões centrais parecem conformar uma visão acerca da surdez, questões essas que são controversas, mas que não se apresentam como tais. Conforme argumento a seguir, esses elementos são essenciais na consolidação de um discurso homogêneo e coeso, e categorias que apontam para a etnicidade, como “grupo”, “língua”, “história” e “cultura”, são fundamentais. Na terceira parte, influenciado por Bourdieu (1998), problematizo a homogeneidade desse discurso, demonstrando a arbitrariedade que está subjacente a sua produção como discurso legítimo.

Os Múltiplos Locais de Produção da Surdez

Quando iniciei minha etnografia, em 2001, com a intenção de analisar a rede de sociabilidade das pessoas que não ouvem 1 e que se comunicam por sinais gestuais-visuais, esse meio se apresentava como algo bastante desconhecido. Para além de conhecer o alfabeto manual – algo bastante popularizado por meio de uma canção de uma famosa apresentadora infantil intitulada O abecedário da Xuxa – não tinha praticamente outros dados que poderiam me orientar. Acreditava que esse alfabeto consistia na totalidade da forma de comunicação das pessoas que não ouvem, ou seja, sequer sabia que havia uma determinada forma de comunicação que começava a adquirir estatuto de língua 2. Ademais, acreditava, como pude atestar em meu caderno de campo, que a categoria “surdo e mudo” era uma categoria possível para nomear esse “grupo”. De modo que a minha inserção etnográfica no “mundo dos surdos” ou na “comunidade surda”, ou ainda na “surdolândia”, como as pessoas geralmente denominam, implicou o aprendizado de uma série de questões. Antes de entrarmos propriamente nessas questões que compõem a minha inserção etnográfica nesse meio, a minha intenção é fazer uma breve explicitação do universo empírico que constitui essa complexa rede social que produz a surdez.

A minha etnografia se iniciou de fato quando por um acaso tomei conhecimento de que várias pessoas que não ouvem e que se comunicam por sinais gestuais-visuais se encontram sempre às sextas-feiras à noite em um shopping localizado no bairro do Tatuapé, na cidade de São Paulo. Após o fechamento desse shopping, essas pessoas geralmente vão para alguns bares, que se localizam nas imediações do lugar e ficam batendo papo durante a madrugada. O estranhamento, tão constitutivo do ofício do antropólogo, foi imediato, ao tomar conhecimento de que havia um grande número de pessoas que exerciam sua sociabilidade por meio de uma forma de comunicação até então desconhecida por mim e que naquele momento ainda não tinha muita visibilidade.

Ao adentrar nesse meio, logo tomei conhecimento que esse não era o único shopping da cidade onde pessoas que não ouvem se encontram. Outros shoppings em diferentes bairros e cidades constituem um circuito de pontos de encontro dessas pessoas em dias de semana alternados. Tomamos conhecimento ainda que, geralmente em pequenas e médias cidades, terminais rodoviários urbanos costumam desempenhar também esse papel de pontos de encontro. Além disso, ficamos sabendo que a rua Vieira de Carvalho, tradicionalmente freqüentada por um público gay, também possui um bar que consiste em ponto de encontro de pessoas que não ouvem, que se definem como “surdos gays”.

Além dessas apropriações de espaços da cidade para o exercício da sociabilidade, essa rede também é formada por instituições voltadas exclusivamente para esse público. Como exemplo, tem-se a Associação de Surdos de São Paulo e a Federação de Nacional de Educação e Integração dos Surdos, modelos de associações presentes em diversas cidades brasileiras, sendo a primeira mais recreativa e a segunda tendo um importante papel de mediação entre movimento social e o Estado, a mídia, empresas e diversos outros âmbitos da sociedade. Além disso, associações esportivas, como a Confederação Brasileira de Desportos dos Surdos, e uma ampla rede de competições esportivas em âmbito local e internacional compõem esse universo de sociabilidade.

Ademais, considerando que a maioria das pessoas que não ouvem nasce em famílias de pessoas que ouvem, as escolas especiais voltadas para a surdez constituem local de fundamental aglutinação e sociabilidade primeira para pessoas que não ouvem. Essas escolas acabam por ser local de referência e sociabilidade para além do período escolar das pessoas que não ouvem. Como descrito por Magnani (2007), fazem parte do calendário anual dessa rede de sociabilidade as tradicionais festas juninas em escolas especiais, que reúnem pessoas que não ouvem de diferentes gerações e de diversas cidades do Brasil, inclusive de outros países.

Por meio de minha etnografia, percebi que essa rede também é formada por algumas instituições religiosas que se dedicam a atividades de catequese e evangelização específicas voltadas para a surdez. Entre elas, destacam-se algumas paróquias católicas que possuem Pastoral dos Surdos; igrejas protestantes que possuem Ministério com Surdos – com especial proeminência das igrejas batistas de tradição histórica ligadas à Convenção Batista Brasileira; além de Congregações em língua de sinais em alguns Salões do Reino das Testemunhas de Jeová. Como temos verificado por meio de nossa etnografia e levantamento de documentos históricos, as instituições religiosas têm tido papéis históricos decisivos na fundação de escolas ligadas à surdez (neste caso, somente a Igreja Católica e a Igreja Evangélica Luterana), na produção de diversos materiais impressos, dicionários e vídeos em sinais, na formação de intérpretes, isto é, ouvintes que realizam tradução simultânea entre português e o que hoje se denomina libras; e também produzindo lideranças e palestrantes surdos.

Além disso, algumas manifestações públicas de caráter diverso compõem o universo empírico em que estamos realizando nossa etnografia. Encontros políticos em formato de congresso para debater demandas de políticas públicas, assim como passeatas em grandes avenidas com fins específicos também constituem performances públicas importantes da produção discursiva da surdez. Mostras de teatro e cinema que tenham por tema a surdez também cumprem esse papel.

Com a emergência de um campo de debate intelectual envolvendo diversas áreas do conhecimento, como a linguística, a pedagogia, a psicologia, teorias sobre interpretação/tradução e a fonoaudiologia, passaram a fazer parte dessa rede de congressos, simpósios e encontros científicos que debatem a surdez, a educação bilíngüe, a prática de interpretação/tradução e características das línguas de sinais. Justamente por essa razão, nesse meio circula uma crescente bibliografia sobre surdez e línguas de sinais, o que recentemente tem ganhado o nome de Estudos Surdos 3, inspirado nos Deaf Studies norte-americano, incluindo sobretudo trabalhos de pedagogos, psicólogos e linguistas, material de fundamental importância para conferir estatuto científico a esse debate.

Embora até aqui tenha citado, sobretudo, lugares que estão referidos a espaços urbanos de produção da surdez, como pontos de encontro, bares, shoppings, escolas, associações, instituições religiosas, universidades, é necessário considerar que há uma infinidade de espaços virtuais de sociabilidade que são fundamentais para conformar essa rede. Mídias como a televisão – que naturalizou a performance da interpretação português/libras, primeiramente em programas religiosos e depois em propagandas oficiais do Estado; revistas – como Sentidos e Revista da FENEIS; e a internet constituem locais de elevada relevância para a produção de debates relativos à surdez. Embora não tenha a pretensão de dar conta da totalidade do universo empírico citado, cada vez mais difuso e amplo, a minha intenção foi explicitar minimamente o contexto que possibilitou a emergência de um discurso étnico relativo à surdez que apreendi por meio de minha etnografia.

As Questões que Estruturam o Discurso da Etnicidade Relativo à Surdez

Ao iniciar a minha etnografia, o suposto de que eu estava diante de um universo a ser revelado, isto é, um grupo desconhecido que possui especificidades lingüísticas e culturais, norteou as minhas investigações. O discurso de uma particularidade étnico-lingüística relativa à surdez é algo bastante partilhado por pessoas que ouvem e que não ouvem e que transitam no contexto que descrevi acima, sendo essa a razão pela qual ele é constantemente reiterado. Esse discurso está estruturado sobre uma série de questões controversas que não se apresentam como tais, pois estão silenciadas em um aparente consenso. O referido discurso tem um papel importante para selar a concepção de que pessoas que não ouvem constituem um grupo específico, por isso trata de temas como: i) a correta nomeação do grupo; ii) o estatuto de língua atribuído a uma determinada forma de comunicação gestual-visual; iii) uma história da surdez; e por fim iv) um discurso étnico aplicado à surdez. São precisamente essas questões que pretendo analisar.

Como comentado, ao iniciar a minha etnografia, acreditava que uma categoria possível para nomear as
pessoas que não ouvem era “surdo e mudo”. Mas, tão logo entrei nessa rede de sociabilidade e tomei conhecimento das reivindicações políticas, compreendi que a categoria que se impunha como correta para nomear o que as pessoas acreditam ser um grupo é a categoria “surdo”. Outras categorias como “surdo-mudo”, “mudo” e “mudinho” eram veementemente rejeitadas, pois as pessoas com as quais interagi em meu campo afirmavam que “os surdos” não têm problemas em seu aparelho fonador, portanto não são “mudos”. Embora de fato muitos não falem, não há nada de biológico que os impeça de falar. Eles podem falar desde que sejam instruídos para tal, por meio de uma instrução oralista 4.

Outras categorias como “deficientes auditivos” e “d.a.”, embora bastante utilizadas no meio médico, fonoaudiológico e pedagógico, também são rejeitadas, pois são vistas como pejorativas. De modo que a categoria dominante para nomear pessoas que não ouvem torna-se “surdo”; e, no negativo, a categoria dominante para nomear pessoas que ouvem torna-se “ouvinte”. É bem verdade que estamos falando dessas classificações em língua portuguesa. Em libras, o sinal utilizado para o conceito “surdo” continua fazendo referência à idéia de “surdo-mudo”, já que esse sinal consiste em tocar com o indicador primeiramente na orelha direita e depois nos lábios, como que dizendo primeiro “surdo” e depois “mudo” (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001, p. 1223).

Em síntese, nessa rede social, utilizar as categorias “normal”, ao invés de “ouvinte” e “deficiente”, ou “mudo”, ao invés de “surdo”, constituem equívocos que geram críticas, até mesmo repreensões. A utilização das categorias vistas como mais legítimas, “surdo” e ouvinte”, objetiva produzir uma certa igualdade entre pessoas que se diferenciam pela audição, ressaltando que a diferença é somente da ordem da ausência/presença de audição, que se desdobra em diferenças de ordem linguística. Assim sendo, não há sentido na utilização de categorias que apontam para normalidade/anormalidade, deficiência e mudez 5.

Se a questão central com a qual me deparei ao iniciar a minha etnografia foi que estava diante de um grupo que tinha uma correta nomeação, “os surdos”, a segunda questão, também bastante fundamental, era a concepção de que o que havia de mais substantivo, característico e constitutivo desse grupo não era a ausência de audição das pessoas que o constituem, mas sim a existência de uma língua particular. De modo que é necessário elucidar uma série de questões relativas ao que passou a ser visto como língua.

O que de fato tem reformulado o debate teóricopolítico relativo à surdez é o reconhecimento de que uma determinada forma de comunicação gestual-visual possui estatuto de língua natural (no sentido empregado por linguistas). Ou seja, as línguas de sinais não constituem mímicas ou pantomimas, mas são línguas que emergem espontaneamente de coletividades e são passíveis de análise lingüística em todos os níveis, do fonético ao discursivo. De acordo com a linguística das línguas de sinais, elas se estruturam de maneira análoga às línguas orais. Contudo, o seu meio de expressão é gestual-visual e não, oral auditivo. Por serem línguas, não há uma língua de sinais universal, elas tendem a ser nacionais, de acordo com suas histórias específicas.

É atribuído a Willian C. Stokoe o reconhecimento científico do estatuto de língua das línguas de sinais. Em seu célebre livro Sign Language structure, Stokoe (1960) analisa as propriedades fonológicas da American Sign Language (ASL), demonstrando que partes do corpo como configuração manual, localização e movimento desempenham papéis de fonemas nessa língua. Embora sejam finitos e destituídos de significados, a configuração da mão, a localização e o movimento se organizam de maneiras infinitas, distinguindo significados, sendo essa a maneira como se constitui o léxico da ASL 6. Essa análise pioneira teve um papel fundamental para que, décadas mais tarde, outros linguistas passassem a analisar línguas de sinais de diversos países, constituindo a linguística das línguas de sinais.

Em meu contexto empírico de investigação, a língua que passei a estudar e que se tornou condição necessária para a minha inserção etnográfica é a língua brasileira de sinais, denominada também por sua abreviação libras. Ela possui sua história, que constitui o seu mito de origem, o qual logo é aprendido por aqueles que adentram nessa rede. De acordo com essa história, Hernest Huet, um educador surdo francês, veio para o Rio de Janeiro em 1855 e, em 1857, fundou o Imperial Instituto de Surdos Mudos, a pedido de Dom Pedro II. Essa escola, a primeira escola especial referente à surdez no Brasil, hoje denominada Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), teve um papel fundamental para a consolidação do que viria a ser denominado libras. Por conta da influência desse educador francês, afirma-se que a libras guarda semelhanças com a língua de sinais francesa. Durante muitos anos, esse colégio funcionou como um internato, e várias crianças oriundas de diferentes estados do Brasil aprenderam essa língua nesse espaço e a disseminaram ao retornar aos seus estados de origem.

Essas considerações gerais estavam presentes nos diversos cursos que realizei para o aprendizado dessa determinada forma de comunicação que começava a ganhar estatuto de língua. Entre as opções disponíveis, realizei aulas particulares, cursos em associações e procurei melhorar a minha fluência com falantes nativos em diversos contextos de interação e por meio do estudo de dicionários e apostilas. Além disso, minha etnografia em instituições religiosas que desenvolvem atividades específicas de evangelização nessa língua – Igreja Católica, Igreja Batistas e Testemunhas de Jeová – foi importante para aumentar a minha fluência. Essas instituições oferecem cursos nessa língua e a interação mediada por intérpretes, assim como estudos bíblicos e debates, fazem desses espaços locais fundamentais para o aprendizado dessa língua e também local de formação de intérpretes por excelência.

Se a língua tem esse papel fundamental para sedimentar a concepção de que há um grupo com existência objetiva, certamente a história não tem papel menor, visto que ela também é bastante constitutiva desse discurso étnico relativo à surdez. Diversamente de outros grupos, pessoas que não ouvem não estão associadas desde o nascimento, pois geralmente nascem em famílias em que todos ouvem (SKLIAR, 2000, p. 129). Por conta disso, as escolas especiais têm um papel fundamental na história da surdez, por permitir a associação de crianças que não ouvem e por constituir-se como local de sociabilidade primeira. É inclusive muito provável que formas de comunicação gestual-visual que, posteriormente, passaram a ser vistas como línguas de sinais tenham emergido fundamentalmente do contexto escolar. Dada a centralidade que a educação escolar desempenha na produção da surdez, a história da educação relativa à surdez é, em grande medida, narrada como sendo a própria história da surdez.

De acordo com a bibliografia norte-americana sobre o tema (LANE, 1984; SACKS, 1998), que foi incorporada pelos Estudos Surdos no Brasil, a história da educação dos surdos se inicia no século XVI, com Pedro Ponce de Leon (1520-1584), na Espanha, e Abade de l’Épée (1712-1780), na França, e até o final do século XIX é narrada como um período de ouro, isto é, um momento em que essa educação apenas avançava, com crescente número de professores utilizando as línguas de sinais nas salas de aula, inclusive professores surdos, na Europa e nos Estados Unidos. Em 1864 foi fundada a primeira escola de educação superior para surdos, em Washington DC, hoje denominada Gallaudet University.

Contudo, esse processo em ascensão passou por uma grande queda, que foi o Congresso de Milão, realizado em 11 de setembro de 1880, o grande divisor de águas na história da surdez. Esse evento, que reuniu educadores de diferentes países, acabou por definir que a educação das pessoas que não ouvem deve focar prioritariamente a aquisição de língua oral, devendo ser banidas das salas de aula as línguas de sinais. Desde então, a história que se seguiu foi uma história catastrófica e de muito sofrimento, em que as pessoas que não ouvem tiveram suas mãos amarradas, ou tiveram que se sentar sobre elas nas salas de aula, ou apanhavam nas mãos para que não utilizassem qualquer meio de comunicação gestual-visual.

Essa queda que justifica a origem de um sofrimento na história, e por conta disso evoca a expulsão do Jardim do Éden, perdurou todo o século XX, mas começou a se transformar a partir da década de 1980, quando a educação especial da surdez começou a deixar de ser oralista e educadores passaram a realizar experimentos de comunicação total, filosofia pedagógica em que se utilizava toda e qualquer forma de comunicação no ensino de crianças surdas, o teatro, o desenho, a articulação oral e, inclusive, a língua de sinais. A partir dos anos 1990, inicia-se uma outra etapa dessa educação, quando passa-se a idealizar e reivindicar uma educação bilíngüe, em que a primeira língua seja a libras, e o português em sua modalidade escrita como segunda língua. Desde então, a filosofia de educação oralista e da comunicação total são referidas como coisas do passado que devem ser superadas. A utilização conjunta da língua oral e da língua de sinais, prática bastante presente na comunicação total que os pedagogos chamam de bimodalismo, é vista como algo que deforma as duas línguas, devendo as duas línguas ser usadas separadamente, no que consiste a educação bilíngüe.

Desse modo, a história constitui a narrativa fundamental para a consolidação de um ideal de grupo, narrativa essa que compõe a história mundial e/ou a história nacional dos surdos. É uma história de etapas de ascensão: a “idade de ouro”, a fase atual de reconhecimento jurídico-político; etapas de queda: o oralismo por excelência; etapas intermediárias: a comunicação total. Uma história de datas marcantes: 11/09/1880 (Congresso de Milão); 26/09/1857 (a fundação do INES e, atualmente, data do Dia Nacional dos Surdos); 1855 (vinda do surdo francês Hernest Huet para o Brasil); 1960 (publicação do trabalho de Stokoe); 2002 e 2005 (respectivamente, ano da aprovação da lei de libras e ano de sua regulamentação). Uma história que possui também os seus heróis, aqueles que contribuíram para a educação de surdos e para o reconhecimento da língua de sinais: Ponce de Leon, Abade l’Epée, Huet, Stokoe, Gallaudet, entre outros; e possui também os seus carrascos, pensadores que duvidaram da capacidade de pensamento dos surdos-mudos e/ou foram favoráveis à oralização: Aristóteles, Alexandre Graham Bell, entre outros.

Se o reconhecimento do estatuto de língua do que passou a se denominar libras e a emergência de uma história da surdez são elementos fundamentais para a consolidação de um discurso em que “os surdos” constituem um grupo com língua e história, certamente foi o amplo uso de categorias como “cultura”, “identidade” e “povo”, para marcar diferenças entre pessoas que ouvem e que não ouvem, que tornou o discurso étnico relativo à surdez mais explícito.

A produção de um discurso étnico sobre surdez guarda semelhanças com a maneira como Barth (1997) conceitua a etnicidade. De acordo com esse autor, traços distintivos que são percebidos de maneira situacional, contrastiva e política compõem a etnicidade que diferencia os grupos em relação. No caso da surdez, traços que poderiam ser características tanto de “surdos” como de “ouvintes”, são atribuídos a um grupo e negados a outro, produzindo, como em um jogo de espelhos, os elementos que compõem a “cultura surda” e a “cultura ouvinte”. Para exemplificar, algumas características são atribuídas como exclusividades dos surdos: utilizar libras; ser gestual-visual; pensar por imagens; ser naturalmente teatrais; ter uma grande expressividade corporal e facial; ter uma outra concepção de tempo e espaço, o que faz com que atrasem sempre; ter uma sexualidade aguçada; ter um talento natural para as artes cênicas e plásticas, assim como para as ciências exatas; ter uma relação singular com a língua portuguesa; possuir um determinado repertório de piadas; etc. Essas características, assim como outras produzidas de maneira bastante situacional, compõem a “cultura surda” e, no negativo dela, a “cultura ouvinte”.

Em síntese, de acordo com o discurso étnico da surdez apreendido por minha etnografia, as pessoas que não ouvem constituem um grupo que se autodenomina “os surdos”, e que, no caso do Brasil, se caracteriza fundamentalmente por se comunicar por meio de uma língua natural passível de análise lingüística, denominada libras. Essa língua possui uma história, assim como os próprios “surdos”, que é uma história opressiva a que foram submetidos ao longo do século XX, até que a libras fosse reconhecida juridicamente e se pudesse desenhar uma política pedagógica bilíngüe relativa à surdez. Além disso, as agências que produzem esse discurso afirmam que esse grupo não apenas tem uma língua e uma história, mas também uma outra cultura, que se caracterizaria por uma série de traços que diferenciam os “surdos” dos “ouvintes”.

Problematizando esse Discurso

Esse discurso referente à surdez tem ganhado bastante legitimidade, haja vista o seu reconhecimento jurídico e as reformas institucionais que estão em curso em diversos âmbitos, sobretudo pedagógico. Contudo, longe de querer esgotar o assunto, gostaria de explicitar brevemente algumas controvérsias que esse discurso aparentemente silencia.

Comecemos pela categoria que nomeia o grupo, “surdo”. Embora esteja cada vez mais se naturalizando, tornando-se uma categoria empírica auto-evidente – “surdo” perde o seu sentido de adjetivo que classifica pessoa que ouve mal e torna-se um substantivo que nomeia a pessoa que utiliza libras – é necessário explicitar que essa é uma categoria histórica que está se impondo como nomeação necessária. O caráter arbitrário dessa classificação fica evidente quando outros agentes que também não ouvem reivindicam o retorno de categorias como “deficientes auditivos” e “surdos-mudos”, como modos de nomear legitimamente pessoas que não ouvem, já que não vêem problemas nessas formas de classificação. Ou então, quando líderes políticos que se denominam “surdos” e que rejeitam o qualificativo “deficiência” para conceber a surdez se aliam aos “deficientes” para fortalecer reivindicações conjuntas – como o passe-livre em transporte público e benefícios de impostos reduzidos aos deficientes – e falam em uníssono “nós deficientes”. Apesar desses ruídos, até então, a categoria dominante tem sido “surdo” para denominar a pessoa que não ouve e que utiliza libras. Contudo, ainda hoje, o termo mais utilizado pelo senso comum (por assim dizer, ou pelas pessoas que estão fora dessa rede que investigo) para se referir às pessoas que não ouvem seja “mudinho”.

Entretanto, outras categorias não cessam de surgir para diferenciar pessoas pela audição. Quando “surdo” torna-se a pessoa que se comunica por libras, surge a categoria “surdo oralizado” para se referir à pessoa que não ouve, que foi submetida ao processo de oralização e que, portanto, utiliza o português, realizando a leitura labial e a articulação oral. Assim como surge também o “surdo-implantado”, pessoa que foi submetida à cirurgia de implante coclear, que consiste na produção de um ouvido cibernético. Geralmente o “surdo implantado” é também um “surdo oralizado”, não se tornando ele um “ouvinte” por conta de sua cirurgia. Além disso, é bastante freqüente a utilização do termo “surdo lobo” para nomear a pessoa que não ouve e que não aprendeu língua alguma.

Se a categoria “surdo” foi constituída nesse processo histórico-político como legítima, a produção da categoria “libras” é parte desse mesmo processo. Quando a forma de comunicação gestual-visual atribuída às pessoas que não ouvem não era vista como língua, ela era denominada “mímicas” ou “gestos”. Em um primeiro dicionário dessa forma de comunicação, publicado em 1969 por padre Eugênio Oates, essa forma de comunicação passou a se chamar “linguagem das mãos”. Em uma publicação luterana (HOEMANN, H.; OATES; HOEMANN, S., 1981), a categoria utilizada tornou-se “linguagem de sinais do Brasil”. Quando essa língua passa a ser analisada por linguistas e referida pelos Estudos Surdos, ela se torna “língua de sinais dos centros urbanos”, “língua de sinais brasileira”, com abreviação “lsb”, até se tornar “língua brasileira de sinais”, com abreviação “libras”, termo que tem se naturalizado após a publicação de lei e sua regulamentação. Evidentemente que não é apenas a correta nomeação dessa língua que está em disputa, mas, além disso, o próprio conteúdo do que será denominado “libras”.

Sem dúvida, a base fundamental do discurso étnico da surdez é esse reconhecimento político-científico linguístico. Se há uma língua natural passível de análise linguística em todos os níveis, por dedução, certamente há uma coletividade que a produziu na história. Ora, se a produção coletiva e a transmissão na história entre gerações de falantes são condições sine qua non de qualquer língua, não haveria porque ser diferente nessa nova língua nacional gestual-visual. De modo que o processo de produção de um discurso legítimo da língua implicou a produção de uma história e de um grupo. Como já comentado, essa história geralmente é narrada, demonstrando a opressão a que esse grupo foi submetido. Ao produzir um discurso vitimizador, em que um “eles”, “os ouvintes”, oprimiram esse “nós” coletivo, “os surdos”, essa história guarda muitas semelhanças com a história de outras minorias sociológicas. É diante dessa opressão que se reivindica tanto uma igualdade, que funda essa coletividade, como alteração jurídica para fazer frente ao déficit a que foram submetidos na história. Além de esse discurso estar diretamente vinculado à dimensão de reconhecimento na esfera do direito, é necessário considerar que ele se consolida também no desenho de um espaço institucional acadêmico que reflete sobre a surdez e as línguas de sinais, os Estudos Surdos e a linguística das línguas de sinais. Esse contexto político-acadêmico faz com que o arbitrário da educação bilíngüe torne-se necessidade por ratificação científica.

Se o contexto contemporâneo tem autorizado o amplo uso de categorias como “identidade” e “cultura” – já que essas categorias parecem ter se tornado o denominador comum no processo de produção de diferença – é necessário revelar que no caso da surdez há uma outra questão que justifica esse uso. Em nosso entendimento “moderno ocidental” do mundo, há uma certa relação de equivalência entre as categorias “língua”, “cultura”, “sociedade”, “povo” e “território”. Alguns antropólogos revelam que essas equivalências estiveram presentes em boa parte da produção antropológica moderna (GUPTA; FERGUNSON, 2000). Kuper (1988) sugere que a invenção das sociedades primitivas é, em grande medida, uma projeção do Estado-Nação europeu sobre as demais partes do mundo. Dadas essas relações de equivalências, parece ter sido a produção de um discurso científico que reconhece uma língua natural relativa à surdez que precisou fazer emergir o uso de categorias étnicas como “povo surdo”, “cultura surda” e “identidade surda”.

Considerações Finais

Este artigo constituiu uma reflexão preliminar sobre o discurso étnico relativo à surdez. A despeito de a surdez estar historicamente associada à deficiência, procurei demonstrar como o discurso da etnicidade, que parece ter ganhado centralidade na produção da diferença no mundo contemporâneo, está repercutido inclusive nessa questão.

Por meio de minha etnografia em diversos contextos que produzem a surdez, locais ancorados no espaço urbano como também em espaços virtuais, procurei descrever quais são as principais questões que estruturam esse discurso, que tem se tornado um aparente consenso traduzido em um recente dispositivo jurídico. Na última parte que se seguiu, procurei demonstrar a arbitrariedade de tal discurso, demonstrando o caráter histórico dessas categorias, e como esse processo tenta silenciar controvérsias que não cessam de surgir.

Apesar dessa dimensão arbitrária, ou precisamente por conta dela, é inegável que, ao desenhar o discurso étnico da surdez e traduzi-lo em contornos institucionais como a educação bilíngüe e a obrigatoriedade dos intérpretes em agências concessionárias de serviço público, pode-se constituir uma realidade sociológica bem próxima aos reclamos desses que se afirmam como um grupo diferenciado linguística e culturalmente. É inegável também que essa produção da diferença na surdez pautada em categorias que apontam para etnicidade, algo que era da ordem do impensável em outra configuração discursiva, tem cada vez mais ganhado substância.

Certamente esse processo que se desenha tem cada vez mais garantido que o que era um sonho do movimento social, a surdez como orgulho, ou como algo da ordem da diferença e não da deficiência, ganhe seus meios de expressão, produção e reprodução, permitindo, inclusive, a emergência de um desejo em casais surdos por filhos surdos, já que agora essa diferença é da ordem da “cultura” e não da deficiência 7. Contudo, esse processo está bem longe de ser totalizante. As configurações discursivas que produzem a surdez como deficiência não cessam, como é o caso das novas ondas de medicalização, como a cirurgia do implante coclear — algo que tem tornado o debate político da produção da surdez ainda mais agudo.

Notas

1 Utilizo a categoria “pessoas que não ouvem” por ser um termo menos marcado, isto é, diferentemente das categorias “surdo”, “surdo-mudo”, “mudo”, “mudinho”, “deficiente auditivo”, etc. Essa categoria não está referida do mesmo modo a um contexto histórico-comunicativo.
2 O alfabeto manual é utilizado para a digitação de palavras que não possuem sinais em língua de sinais, não sendo portanto a própria língua de sinais. Tanto o alfabeto manual como a língua de sinais não são universais. Geralmente, as configurações de mão que compõem um determinado alfabeto manual estão relacionadas a uma determinada língua de sinais.
3 Os trabalhos de Skliar (1998, 1999, 2000) parecem ser a influência decisiva para a constituição dos Estudos Surdos no Brasil, mas é necessário considerar outros trabalhos de linguistas, pedagogos e psicólogos, como levantamento parcial: Capovilla e Raphael, 2001; Góez, 1999; Leite, 2004; Luchesi, 2003; Moral, 2005; Quadros, 1997; Souza, 1998 e Ferreira-Brito, 1995.
4 É necessário considerar que há uma questão de perspectiva nesse processo de nomeação. Provavelmente a mudez só se figura como questão para pessoas que ouvem, de modo que não faz sentido uma autonomeação por parte das pessoas que não ouvem que faça referência à mudez. Assim, estão justificadas nessa perspectiva as razões pelas quais há uma preferência da categoria “surdo” às outras que remetem à mudez.
5 No Deaf Studies norte-americano utliza-se o termo Deaf (com a letra “d” em caixa-alta) para diferenciar o caráter sócio-cultural do ser Surdo em relação à condição biológica do ser surdo (PADDEN; HUNPHRIES, 1988).
6 Xavier (2006) faz uma notável análise das unidades do nível fonético-fonológico da língua de sinais brasileira, descrevendo os segmentos que constituem os sinais dessa língua.
7 A Revista Veja de 17/04/2002 trouxe uma reportagem sobre um casal de lésbicas surdas americanas, Sharon Duchesneau e Candice Mccullough, que decidiram realizar uma inseminação artificial. Fizeram uma única exigência: que a criança também fosse surda. Contaram com a ajuda de um doador de sêmen, um amigo surdo, que já é o pai da filha mais velha, também surda, do casal de lésbicas.

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