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Gladis Perlin
Gladis Perlin
Professora e Investigadora
Histórias de vida surda: Identidades em questão
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Publicado em 1998
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre
Gladis Perlin
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Resumo

Desde que surgiram os estudos culturais, a identidade surda tem sido reespacializada e reinvestida em novas formas. Não é mais a visão do indivíduo surdo sob o ponto de vista do corpo, da normalidade. É o sujeito surdo do ponto de vista da identidade. A identidade não é em uma visão que “universaliza” o sujeito. E trata o sujeito na alteridade e na diferença representável dentro da história e da política. Diante desta possibilidade, a pesquisa foi feita no sentido de se olhar as histórias de vida de surdos, questioná-las, perceber e refletir sobre suas resistências e chegar à política da identidade surda. Talvez eu não tenha conseguido perceber, neste trabalho, todas as nuanças que estão implicadas na temática da identidade surda e comunidade, mas as identidades surdas representadas estão aí para que questionem as pesquisas ainda pouco realizadas dentro da perspectiva dos estudos surdos.

Apresentação

Ao iniciar a apresentação deste trabalho, penso ser importante contar um pouco de minha história de vida, declarar minha identidade e dizer que foi através de minhas vivências como surda, mulher, gaúcha, que cheguei até um curso de pósgraduação e, mais especificamente, a interessar-me em investigar as identidades surdas 1 sob a perspectiva dos estudos surdos.

Saliento que este trabalho representa um longo e sofrido processo pessoal de construção e desconstrução de valores, conceitos, visões de mundo, cultura, língua, etc. Toda a reflexão aqui contida, foi o resultado de leituras novas, que me fizeram pensar o sujeito surdo relacionado com referenciais móveis constituídos pelos discursos. As relações que tento fazer nesta pesquisa transitam por muitos aspectos, tais como: as subjetividades, as identidades culturais, as relações desiguais de poderes que se interpelam e se narram cotidianamente.

O compromisso que tenho com a comunidade que pertenço, assim como com a academia, exige de mim uma postura transparente. Devido a este fato é que peço, aos interessados neste trabalho, que o leiam não na busca de verdades e de soluções de problemas sociais e culturais, mas como um discurso datado e localizado no tempo, na história e na cultura surda. Também, quero aproveitar o momento para dizer que o texto presente não deve ser lido a partir de exigências gramaticais muito rígidas mas, sim, respeitando o meu esforço, sem ter escolha, em tentar escrever uma dissertação dentro de uma língua que não me pertence. Sou surda, minha língua é a de sinais, meus pensamentos não correspondem à lógica do português falado e escrito.

Minha surdez não é nativa. O encontro com a mesma se deveu a uma meningite na infância. A minha vida de surda propriamente se passou em grande parte entre os ouvintes, poucas vezes com os surdos. Atualmente procurei um lugar para viver entre os surdos como muitos de nós fazemos. Mesmo assim, como sempre, existem e continuam a existir situações de convívio com ouvintes. O que tem de ruim nisso é que os ouvintes falam e a comunicação visual, na paisagem de seus lábios, é quase sempre mínima. A comunicação existente entre as pessoas ouvintes me deixa assustada. É difícil compreender o que transmite seu pensamento através de lábios que se movimentam com uma rapidez, terrivelmente louca. Observo os lábios com atenção e consigo entender algumas idéias, mas, na maioria das vezes, desanimo pelo cansaço e pela chateação que me invade por não conseguir ter uma noção correta das mensagens dadas. Aí vem de novo o sinal de sensação da eminente exclusão na comunicação com os ouvintes. Não há saídas a não ser quando se tem um intérprete perto.

Os interpretes de língua de sinais representam para os surdos a possibilidade de comunicação com a língua auditiva, de dizer nosso pensamento aos ouvintes que não nos conhecem, de contar histórias, de negociar com sujeitos que nem sempre ousam se aproximar temendo a dificuldade na comunicação. O intérprete também conhece a fundo a pessoa surda, as crenças e práticas de sua cultura, e da comunidade, conforme o testemunho da atriz surda Laborit (1994, p. 194): “tenho minha intérprete, Dominique Hoff, aquela de sempre, aquela que me conhece de cor e salteado, que adivinha pelo primeiro sinal o que vou dizer”. Nada como um intérprete assim, quando a tradução resignifica corretamente o discurso e ela assume. a novidade de sentido. Mas, nem todos os ouvintes interpretam da mesma forma, alguns consideram o surdo uma minoria excluída a quem é preciso reduzir, transformar o significado das mensagens; outros há que não entendem a mensagem e interpretam, erradamente, a seu jeito.

Como a, a vida é melhor entre sujeitos surdos, eu queria ampliar minha visão sobre esses parâmetros. Há muitas situações da vida onde é necessário dizer uma ou muitas palavras a respeito do ser surdo. A idéia de fazer mestrado parecia o início. Na preparação para a prova de seleção foi rápida, mas providencial. Era preciso pedir um intérprete para o momento; depois, pedir para que, na correção da prova, a escrita do surdo fosse aceita. Para mim foi uma vitória muito grande quando isso tudo se tornou possível. Como disse, no mestrado, as aspirações de minha busca eram pela pesquisa que levaria ao sujeito surdo dentro de uma visão cultural.

O encontro com o programa de pós-graduação oferecia uma linha de pesquisa que não vinha ao encontro de minhas expectativas como aprendiz de pesquisadora, pois esta via o surdo sob a ótica clínica. A forma como a abordagem da pesquisa se desenvolvia não me atraia. Era algo que batia de novo naquilo que me faria viver na eterna exclusão. Eu lutava por sobreviver na diferença. Não podia admitir uma visão clínica do surdo, o surdo como deficiente. Percebia-se com os colegas que não havia contentamento em se persistir numa pesquisa onde o espaço da consciência social do surdo não tinha cabimento. Muitas vezes, implicações e conflitos aconteciam com os professores e com alguns colegas que não conheciam mais a fundo aspectos culturais implicados na vida do surdo. Doía que a pessoa surda não era vista como um sujeito. Incomodava-me a forma como contavam o surdo. Era necessário fazer uma virada, era necessário fazer acontecer uma mudança.

Um dos fatos que marcou minha trajetória dentro da pós-graduação, foi quando uma das professoras, de uma disciplina feita por mim, que não “conhecia” os surdos, iniciou um trabalho, via internet, com a finalidade de melhor se comunicar comigo. Penso que a sua visão a respeito do surdo mudou depois de iniciar-se este nosso contato. Ela, bem como os meus colegas de disciplina, através das trocas de diálogos virtuais, fundamentados principalmente em Piaget e Bakhtin, começaram a ver a importância da constituição cultural para o surdo.

A vinda do professor visitante argentino Carlos Skliar foi providencial para a mudança. Sua presença possibilitou uma orientação para um adentramento no programa dos estudos culturais da surdez. Isso trouxe uma visão diferenciada para contrapor à visão clínica da surdez, presente no meio acadêmico. Assim, foi acontecendo a mudança.

Como usuária da língua de sinais 2, para mim, o direito a intérprete particular foi a outra nova mudança. Podia finalmente acompanhar as aulas e expor minhas idéias, no curso de pós-graduação, sem depender das colegas mestrandas que trabalham na mesma linha teórica dos estudos surdos. Através do intérprete fiquei surpresa com a variedade e profundidade dos temas discutidos na academia, aos quais até então, não tinha acesso. Foi a partir dessa conquista que pude escolher a abordagem teórica com que melhor me identifiquei para trabalhar no mestrado.

Muitos temas fascinantes surgiram através do contato com o professor Skliar e com o grupo dedicado a investigar os estudos surdos. Tão intensa foi a procura de novos caminhos que o grupo organizou o Núcleo de Pesquisas em Políticas Educacionais para Surdos - NUPPES. Temas como: identidade, comunidade, cultura, história e arte são discutidas e pensadas.

De minha parte, como integrante da equipe da linha de pesquisa em Políticas Educacionais para Surdos, reconheço que enfrento a concepção radical das epistemologias norteadoras da produção do conhecimento. Sou constituidora de uma outra língua que não é a dos ouvintes e a minha produção é constituída de signos visuais e não auditivos. Para mim, a produção de sentido acerca dos significantes se dá na cultura visual.

Por ser surda, sinto que geralmente necessito de uma reflexão cultural que considere implicações que a perspectiva crítica tem a oferecer para repensar as identidades culturais, entre elas incluo as identidades surdas em transformação. Reconheço a dificuldade de encontrar uma linguagem apropriada para transpor o que quero dizer epistemologicamente, e mesmo o que os surdos querem dizer, fugindo de uma retórica ouvintista 3.

Reconheço que estou influenciada pela discussão cultural da surdez, onde os movimentos sociais são sempre questionados, repensados, construídos e desconstruídos. Nesse aspecto assumo a subversão da ordem na busca do direito a mudanças dos contextos onde a cultura surda se manifesta.

Ao longo do trabalho busco mostrar como a minha vida está implicada na minha escolha de pesquisa. Ao fazer o recorte temático e teórico da pesquisa, busco refletir sobre as identidades dos sujeitos surdos que vivem em comunidade. Aqui o ponto central do problema é o sujeito surdo atuando na história, a sua identidade e a sua trajetória no mundo hoje.

Minha leitura das identidades surdas enfoca a necessidade de acompanhar na história o trauma que seguiu o surdo, bem como os seus testemunhos, e, aí, pensar as formas e forças de identificação. As questões de pesquisa foram surgindo durante o contato com os surdos e na leitura da teoria. Tracei também objetivo da pesquisa no tempo que tentava olhar as identidades. Os sujeitos surdos com os quais tenho contato no dia-a-dia estão presentes na minha pesquisa, e, igualmente, entra sua pertença à comunidade surda.

1. Introdução

1.1 A Pesquisa

A idéia de fazer essa pesquisa foi tomando corpo no período em que me detive acerca dos estudos culturais. Fortaleceu-se com a constante necessidade da comunidade surda em afirmar as identidades. Houve muitos momentos em que fui convidada a falar sobre a vida do surdo. Pouco tinha a dizer.

Nas investigações já realizadas a respeito do surdo, fica claro que há um distanciamento entre as abordagens. Algumas focalizam o surdo do ponto de vista da audiologia e outras sob o ponto de vista da lingüística. Poucas se referem ao surdo na sua totalidade cultural. São abordagens epistemológicas radicalmente diferentes.

A esse respeito, entre os temas surgidos no aprofundamento nos estudos culturais, surge uma fragmentação que produz significados marcantes contra a secular jornada de estigmatização da surdez, incansavelmente propagada pela audiologia, e contrária à alteridade surda. As rápidas e profundas mudanças culturais, sociais, econômicas e políticas em que nos achamos mergulhados requerem, também, um olhar sobre o surdo. É preciso desconfiar das bases que contém as promessas e esperanças nas quais nos ensinaram a acreditar. É preciso sair dessas bases para examiná-las e criticá-las.

Animava-me a escolha de um tema que aproximasse o ser do surdo, o surdo como sujeito, sem cair na armadilha da medicalização. A descoberta do surdo como sujeito levou-me a pensar em tomar as identidades surdas como ponto de partida para a investigação.

A reflexão que assumo sobre as “identidades surdas” visa, antes de tudo, discutir o que as constitui e problematiza em diferença às demais identidades.

O propósito foi explorar um conjunto de experiências pessoais vividas pelos surdos e interpretá-las no esforço arqueológico para discutir, qualificar, aclarar suas implicações e conseqüências, e proporcionar esperanças à tensão atual das identidades surdas.

Para atingir meus propósitos procurei organizar a reflexão em formas de perguntas guias. Algumas das perguntas que fiz durante a pesquisa foram:

  • Existe uma identidade surda?
  • Que é ser sujeito surdo?
  • Como se constituem as identidades culturais dos surdos?
  • Quais são os fatores que colaboram com o surgimento de múltiplas identidades surdas?
  • Como se constituem as identidades surdas dentro da comunidade surda e como elas se organizam em relações de poder?
  • Qual o discurso ouvintista sobre os sujeitos surdos na história?

Estas perguntas são uma amostra inicial de uma série de questionamentos que surgiram no decorrer deste trabalho. Muitas delas encontram-se sem caminhos, pois não quero comprometer-me em apontar verdades absolutas que não possam ser questionadas por outras visões.

Nem tudo é história, mas existem possibilidades de história nas experiências dos surdos. As possibilidades que percebi procuro trazer para o texto de uma forma ilustrativa. Com isso, quero dizer que não discuto os dados da pesquisa em um capítulo separado, pois penso que se o fizesse estaria indo de encontro à perspectiva teórica que utilizo. As associações que faço não acontecem separadas do contexto, mas ocorrem simultaneamente nas minhas leituras e construções sobre meu problema de pesquisa.

Passo, agora, a falar das divisões que fiz, na ânsia de organizar minha conturbada trajetória de pesquisadora surda, produzindo esta dissertação.

No Capítulo I escrevi uma exposição teórica como suporte e base para todos os outros capítulos. Minha leitura das identidades surdas sugere que o ponto de observação do sujeito surdo com corpo mutilado deve mudar de lugar para encarar o aspecto cultural. É importante a orientação teórica efetuada através das leituras onde estudo e relaciono a identidade: Stuart Hall (1997) e McLaren (1997), Bhabha (1994); bem como a concepção do poder em Foucault (1995).

O Capítulo II nota que um resgate da história é importante porque dentro de uma pesquisa nos estudos culturais a história aponta diferentes discursos sobre os sujeitos. A importância de resgatar a história do surdo, está em marcar as diferentes interpretações feitas do surdo em diferentes épocas e lugares. A respeito disso resgato Fischer (1996, p.55) quando diz:

Foucault é quase teimoso na sua afirmação e reafirmação de que os discursos são históricos, não só porque se constroem num certo tempo e lugar, mas porque têm uma positividade concreta, investem-se em práticas, em instituições, em um número infindável de técnicas e procedimentos que, em última análise, agem nos grupos sociais, nos indivíduos, sobretudo nos corpos.

A história está aí. Ela permite um olhar sobre sujeitos e movimentos de forma nova. Isso pode acontecer se os “óculos” 4 que escolhi realmente me ajudam a ver.

Entre os autores, uso Hall (1997) para elucidar a teoria dos descentramentos do sujeito surdo; uso Skliar (1997), Widell (1992), Quadros (1997) e Souza (1998), para apropriar de uns respingos e dar uma pequena visão do surdo na história.

No capítulo III me interesso por questões como identidade, diferença, ouvintismo, movimento, resistência, o ser surdo existente na comunidade surda. Cito alguns autores entre os quais destaco Hall (1997), McLaren (1997), Foucault (1995), Skliar (1997) e Quadros (1997). Todos os olhares maravilhosos que eles realizam me servem como enredo para a identidade. De qualquer forma é melhor estudar a identidade num contexto de movimento ou dentro de uma política de identidade.

Assim, o que está em questão são os estudos surdos que surgem. Identidade é apenas um início da questão desses estudos. Penso apenas que, em relação aos estudos surdos, fiz mais perguntas do que afirmações, neste campo marcadamente político.

1.2 O Método

A emergência dos grupos cultural de nosso tempo requer que o olhar sobre o sujeito surdo seja feito de forma a confiar e desconfiar dos depoimentos que nos legou a história. Vejo que é preciso, antes de tudo, sair dessas bases históricas, olhar a história e o cotidiano dos surdos, examiná-las e, a partir daí, exercer uma metodologia crítica.

O contexto, assim delineado, não requer uma pesquisa quantitativa, mas sim qualitativa, descritiva e crítica.

Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos aleatoriamente. Eles são sujeitos da comunidade surda. Não escolhi de forma que eles se enquadrassem em categorias. São os sujeitos surdos atuais: estudantes, desempregados, trabalhadores, profissionais, surdos sem escolarização... Alguns são sujeitos surdos que militam pela sua causa, outros vivem na passividade de suas vidas. Não importa isso, importa o sujeito surdo na sua totalidade, no seu conceber do “ser surdo”. O encontro com o surdo se dava ao acaso. Eu os encontrava ou vinham à minha casa e os convidava para um momento descontraído em que pudessem se sentir à vontade para falar sobre como se sentiam.

Na pesquisa sobre as identidades, não conversei com os surdos a partir de um questionário pré-elaborado. Tudo girou em torno do deixar o surdo falar a respeito de sua história surda. Entram somente algumas perguntas, que surgiram informalmente, conforme o andamento das colocações das experiências surdas, no sentido de auxiliar a elucidação da história que ia sendo contada em sinais pelos surdos.

As entrevistas e os depoimentos dos surdos filmados foram em língua de sinais. Muitas delas ficaram extensas, pois várias histórias surgiam no decorrer da conversa descontraída. Todo o conteúdo transcrito foi feito de forma a não alterar os depoimentos, porém confesso que tive dificuldade para traduzir para a língua escrita, muitos dos sinais cuja transcrição somente pode ser feita de forma aproximada.

1.3 O Cenário

Para organizar a investigação dos aspectos da identidade dos surdos, optei pela comunidade de Porto Alegre presente em diferentes locais: Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos 5, Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul 6, e as diversas Escolas. Todos os surdos entrevistados conhecem as práticas da comunidade surda e seu movimento.

O cenário composto pelos ouvintes, igualmente, entrou na pesquisa, sendo citado nos depoimentos dos surdos. O cenário ouvinte é bem amplo, possui características próprias que descrevo durante os diversos capítulos.

A comunidade está atravessando uma fase de mudanças. Na falta de uma força, de um local para despertar a política participativa dos surdos foi surgindo o organismo regional da FENEIS. O movimento, atualmente participa, na luta pelos direitos humanos e se refere a quatro grandes temas que envolvem a vida surda: cultura, educação, trabalho e desenvolvimento urbano. Já em seu terceiro ano de experiência, a FENEIS está emergindo como força representativa do movimento surdo.

As muitas festas dos sujeitos surdos acontecem na casa dos surdos. Esta é uma tradição, a casa dos surdos é o lugar onde todos nos sentimos bem por estarmos longe do poder ouvinte. O local onde se desenvolveram as entrevistas sobre identidade surda foi a minha casa e não poderia ser outro. Como se trata de uma pesquisa que é feita entre um reduzido grupo de pessoas, achei bom não mencionar características particulares dos entrevistados. Todos eles são designados por letras, sem ser a inicial do nome, salvando a privacidade pedida por alguns dos surdos entrevistados.

2. Capítulo I
O tema da identidade

Quando me lancei na tarefa de escrever este capítulo pensei nas razões que me levaram a focalizar o tema da identidade. Saliento minha tentativa de ver como a identidade se apresenta e como acontece a sua vinculação com o sujeito, numa tensão onde interferem o ambiente e o poder.

A existência de representações da identidade hegemônica (ouvinte) sempre se faz presente e interfere no diferente. Neste sentido, diante da representação dominantemente presente da identidade ouvinte, a identidade surda é levada a ser vista como uma identidade subalterna.

Em uma concepção de alteridade, o surdo não é visto de forma subalterna, mas como um sujeito político que se constitui a partir das representações sobre a sua diferença.

A identidade surda precisa, no entanto, ser procurada na diferença, para além de um conceito redutor, o da subordinação. Precisa, por exemplo, ser procurada numa concepção de diferença e de resistência.

1.1 Emergência do termo

O sujeito se constrói quando estabelece contatos com o meio e vive situação diferenciada de representação. Os discursos que constituem as representações definem poderes desiguais que ocupam diferentes espaços e controles dentro de grupos. Michel Foucault (1990) reflete sobre as relações de poder que ocupam lugares diferenciados. Vejo a situação dos surdos, a partir do que me permito pensar, nesta perspectiva.

Os surdos possuem identidade surda. Porém se apresenta de formas diferenciadas, pois está vinculada à linguagem. A linguagem não é um referente fixo, pois é construída a cada interpelação feita entre sujeitos. Seus sentidos variam de acordo com o tempo, os grupos culturais, o espaço geográfico, o momento histórico, os sujeitos, etc. Silva (1994, p. 249) diz: “a linguagem é encarada como um movimento em constante fluxo, sempre indefinida, não conseguindo nunca capturar de forma definitiva qualquer significado que a precederia e ao qual estaria inequivocadamente amarrada”.

Não tendo uma base fixa de referência para explicar a identidade, parto do princípio de que é possível ver a comunidade surda de uma forma plural, onde as identidades que surgem no grupo são negociadas entre seus membros e com a história que cada um deles possui.

A constituição da identidade dependerá, entre outras coisas, de como o sujeito é interpelado pelo meio em que vive. Um surdo que vive junto a ouvintes que consideram a surdez uma deficiência que deve ser tratada pode constituir uma identidade referendada nesta ótica. Mas um surdo que vive dentro de sua comunidade possui outras narrativas para contar a sua diferença e constituir sua identidade. A identidade nos meios culturais sempre foi afetada por um ou outro poder de controle em tempos e espaços determinados.

Hall (1997) distingue três concepções muito diferentes sobre a identidade. Tais concepções merecem ser trazidas para este texto antes de eu entrar, mais especificamente, com a minha reflexão. As três concepções são: sujeito do iluminismo, sujeito sociológico, sujeito pós-moderno. O sujeito do iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo - contínuo ou “ idêntico” a ele - ao longo da existência do indivíduo.

O mesmo autor ainda acrescenta que “o sujeito do iluminismo era usualmente descrito como masculino”. Nessa concepção, a representação da identidade do sujeito no iluminismo - como tão bem retratam as artes desse período - o reportavam a ser o sujeito imponente e masculino, portador de poderes, senhor, normal, capacitado, culto... Não havia lugar a o sujeito dito selvagem, para construir sua identidade, a não ser que ele o fizesse dentro do padrão de representação da cultura dominante. Isso deixa claro, igualmente, que no iluminismo não havia lugar para o sujeito plural e cultural, visto que as identidades se moldavam dentro de uma representação única.

Uma outra concepção de identidade em Hall (1997, p.11) é a do sujeito sociológico.

A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos - a cultura - dos mundos que ele/ela habitava.

A concepção do sujeito sociológico descrita por Hall demonstra sem dúvida, uma visão um pouco mais ampla sobre a importância do social para a formação do indivíduo. Apesar de admitir a influência do social na vida e construção do sujeito, esta concepção não abandona a idéia de essência. O indivíduo possui uma essência, seu “Eu” que pode ser modificado, lapidado pelo mundo exterior. Nesta, muitas justificativas são estabelecidas quando a sociedade se depara com as diferenças crescentes. Por exemplo, a exclusão dos surdos do mercado de trabalho, poderia ser explicada da seguinte forma: o surdo não foi suficientemente estimulado pelo meio em que vive para conseguir disputar o mercado de trabalho. Este é apenas um exemplo, que posso mencionar, entre diversos outros que se utilizam da influência do social na formação do indivíduo. Segue o depoimento feito por uma pessoa surda de 26 anos, com II grau, que reflete esta concepção do sujeito.

Não sei como me descobri surda. Acho que ser surda é uma conseqüência normal que somente se descobre a diferença com o tempo. Eu sentia o silêncio do ser surda. Creio que aconteceu por acaso.

Negavam-me os contatos com LIBRAS, eu e minha irmã também surda fomos oralizadas. Tínhamos pouquíssimos sinais, nos comunicávamos através de mímica. Era uma comunicação pobre. Sentia que eu e minha irmã falávamos com os ouvintes e não éramos entendidas.

Atualmente sinto raiva quando não entendo e não sou entendida. Acostumeime a ser surda. Meu sonho é ser ouvinte, o que gostaria muito. Me sinto com crises de nervosismo e tensão por ser surda. Isso me deixa desnorteada, revoltada pela situação. Sonho sempre em ser ouvinte. Sinto-me triste por não poder ir mais longe. Sinto que estou numa loucura para poder ser ouvinte.

Gostaria de ouvir música, tenho vontade de comunicar-me pelo telefone.

Sinto que poucos me aceitam como surda. Quando estou com ouvintes não agüento. Eles começam a falar entre si e eu tomo uma atitude qualquer, ou peço licença para ir fazer outra coisa.

P. Em tua família acontece a pressão para falar como o ouvinte? Sim. Chamei de Popi meu cachorro. O nome dele é Bobi. Minha mãe insistiu em corrigir-me até que eu conseguisse pronunciar bem o nome. “Fale certo, por favor” é a frase que tenho de ver sempre em seus lábios. Apesar de minha idade, ela diz que eu tenho necessidade de aprender muitos fonemas. Quando minha irmã se formar vai me ensinar a oralizar certo (F.).

A representação da identidade neste caso está presente no modelo de identidade sócio cultural hegemônico: o modelo ouvinte. A mãe e a irmã dessa pessoa surda são “normais”, representam o modelo presente e buscam impô-lo a filha e irmã. O modelo sociológico de identidade, em minhas interpretações também fundamentado em uma vertente iluminista, sugere que são importantes os estímulos externos para o desenvolvimento da identidade ouvinte no surdo. Claro que o desenvolvimento concebido para o surdo, neste caso, passa pelo referencial do domínio da fala e de estímulos sonoros da audição - as duas irmãs usam aparelho de audição desde pequenas -. Este é um exemplo onde o modelo de identidade usa o aprendizado oral para o surdo. O modelo sociológico se mistura ao modelo oralista onde sobressai o ouvintismo. Muitos ouvintes acreditam no desenvolvimento do surdo somente se este estiver rodeado de estímulos de fala e sonoros.

A terceira concepção de identidade colocada por Hall (1997, p.13) refere-se a:

O sujeito pós-moderno é conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.

A partir da interpretação que faço de Hall (1997), é possível a exploração das identidades do sujeito surdo. É possível conceber uma visão situacional do sujeito surdo. Para uma concepção do sujeito surdo como portador de identidades culturais, preciso vê-los dentro da diferença. Está na diferença, na maleabilidade das representações, as possibilidades da construção e desconstrução das identidades surdas.

Sou simpática à idéia de Stuart Hall (1997) de que as identidades são descentradas e que poucas persistem nos termos de centralização. A concepção de descentramento alude ao fato de que o iluminismo traçou um modelo de pessoa perfeita que deveria ser almejado por todos. Concebo que a tradição iluminista continua viva e que os traços do pós-estruturalismo bombardeiam diariamente todos os redutos do iluminismo, constituindo um novo quadro para as identidades, descentrando-as.

Trata-se de dizer que o sujeito descentrado assume múltiplas dinâmicas e múltiplas culturas na formação de sua identidade. O desafio que existe é o de como examinar essas identidades ou quais relações de poder estão envolvidas na sua constituição. Esta uma é problemática que algumas vezes será abordada neste estudo.

Dentro dos Estudos Culturais em Educação, a emergência do termo da identidade surda assegura seu lugar ao tentar mudar as conjunturas históricas e discursivas. Minha leitura do discurso autoritário ouvinte sugere o ponto de intervenção de mudar de imagens e voltar o olhar para o poder ouvinte que mantém a cultura surda na subalternidade. Isso implica consequentemente numa identidade surda subalterna ou subordinada. A importância de resgatar o assunto identidade dentro da visão dos estudos culturais na alteridade, acentua a forma de se olhar o surdo não como corpo mutilado, ou descapacitado, mas como sujeito cultural dentro de uma questão de alteridade.

1.2 O encontro com a alteridade

Quando me interessei por questões sobre a identidade, precisei procurar uma linguagem que me adentrasse na própria descrição do termo. O encontro com os autores pós-estruturalistas me possibilitou encarar a identidade surda a partir de uma perspectiva política, colocando as relações de poder no centro da discussão. Para mim este olhar inquieto é uma reviravolta.

Bhabha (1994, p.180) reconhece a alteridade através da cultura:

A alteridade cultural funciona como o momento da presença na teoria do différence. O destino da não satisfação se encontra preenchido pelo reconhecimento da alteridade como um símbolo (e não signo) da presença da significância do différence. A alteridade representa o ponto de equivalência ou identidade num currículo no qual o que necessita provar os limites é assumido. Nega-se qualquer conhecimento da alteridade cultural enquanto um signo diferencial, implicando condições especificamente históricas e discursivas solicitando uma construção de práticas e leituras diferentes.

Entendo, a partir de Bhabha (1994), como a alteridade sugere estratégias que permitem aproximar a dependência e a resistência culturais do sujeito surdo. Neste ponto entram aspectos específicos do surdo: a história, a questão lingüística da estrutura da língua de sinais, a necessidade de comunicação visual, o sinalizar das mãos, a arte, a educação específica. Todos estes signos/significados que constituem a identidade, constituem-se como símbolos para a produção de sentido do sujeito possuidor de identidade surda. No entanto, esses significados são alternativas que aproximam o específico surdo. Um encontro com estas especifidades que representam a produção da identidade surda, deixa um rastro de sentido para a pessoa surda. E a pessoa surda segue essas especificidades, encontrando-se. Essas especificidades prenunciam a pessoa surda que “ser surdo não é algo vazio”, é indício de uma totalidade significativa.

A surdez física não interessa em minha pesquisa, pois, ao ser uma visão patológica ou medicalizante, é uma questão delicada e totalmente diferente. É uma questão destituída de sentido quando se trata da representação na alteridade. A surdez física está representada socialmente pelo corpo mutilado e que leva consigo a necessidade da integração, o estereótipo e a normalização.

Segue o depoimento de uma pessoa surda, onde se pode ver o a confluência de significações que são constantes dentro da representação surda e da representação ouvinte. Assim, eu precisaria ver a necessidade surda, entrar nas linhas cara-a-cara com a constituição do sujeito surdo. Eu vejo neste desabafo do surdo a representação hegemônica da identidade ouvinte e me sinto responsável pelo surdo, por resgatar sua identidade e alteridade. Estamos agora diante de R., 30 anos, mulher, surda, que faz o depoimento de forma a dizer: “você está aqui me escutando”.

Minha vida se passava na escola -internato. Nas férias, a volta para a família dava a sensação de falta de comunicação. Tinha me acostumado aos surdos. Não combinava mais brincar com ouvintes. Eram outros sinais, novas relações e eu tinha de usar nova forma de comunicação que não a LIBRAS. Era comunicação em mímica, eu tinha que respeitar a forma de entender de cada pessoa. Era preciso paciência para ensinar os sinais e nem sempre eram aceitos os sinais. Havia o diálogo oral e os sinais não tinham grande significado para os ouvintes.

Acertava fazer compreender alguma coisa do que estava sendo dito. Era tão arriscado e quase sempre certo que iria errar o que queria transmitir e que iria ter uma captação errada do que os outros iriam me transmitir. Era preciso paciência nas brincadeiras com os ouvintes. Acostumada ao jogo com os surdos, o jogo com os ouvintes não compensava, não tinha graça, não chegava a certas expressões necessárias. Perdia assim o gosto de brincar com ouvintes. Sentia a repulsa dos ouvintes em brincar comigo.

Minha irmã, ouvinte, quase de minha idade, vinha sempre em socorro nessas situações difíceis. Era mais fácil com ela. O brincar entre surdos tem o sinalizar, o brincar entre ouvintes tem o oralizar que eu não entendia. Entravam em nossas relações sinais sem força, sem graça. O entender surdo não se engaja ao entender ouvinte. Os humanos podemos chegar as mesmas concepções mas através de forma visual ou auditiva. Eu penso estas formas visual e auditiva constituídas de formas diferentes com signos diferentes. E a comunicação com os ouvintes no brinquedo era cortada por períodos de não entender, uma comunicação difícil de entender, descontínua pela necessidade de potência visual. Perdia fácil a proposta do líder (ouvinte) do brinquedo. O que é proposta surda dentro do brinquedo é fácil entender, o que é proposta ouvinte não tem tradução visual. As vezes o ouvinte falava e eu fingia entender o que dizia. Não há como falar e ouvir o ouvinte.

Sofri a convivência com ouvintes. Abandonei-a e hoje vivo somente entre surdos. Não tenho vontade de voltar a viver entre eles, não preciso disso. Detesto estes “chatos” ouvintes que somente oralizam e que precisam ser interpretados.

Os ouvintes tem lá suas discussões, não as entendo, eles “brigam” verbalmente. É difícil entendê-los, mesmo na tradução recebemos uma interpretação resumida do que foi dito, visto que a tradução portuguesa para nossa língua é mais resumida. Para mim o falar surdo é mais específico, quando ele sinaliza, tem mais detalhes. O problema também é do intérprete que não consegue captar. Alguns dão uma interpretação aproximada, outros não chegam a ser intérpretes, apenas sinalizam numa linguagem que não combina dentro de nossa cultura (R).

Esse processo de identificação do pensamento surdo se faz possível através da alteridade. O que é importante para a constituição da identidade é importante para a comunidade surda. Se toda identidade cultural tem uma história, também o processo de história da comunidade surda foi sendo modelado quando era modelada a identidade surda. O encontro com a alteridade é o sinal específico para a constituição de diferentes identidades. Na comunidade surda esse encontro com a alteridade se torna uma necessidade constante. Na cultura surda a alteridade vai se constituindo, entre outros aspectos, a partir da construção da identidade.

1.3 Santuários para a identidade

Existem locais determinados onde tramita a identidade surda e minha tendência é chamá-los de locais de transição.

Qualquer criança ao nascer mergulha num mundo repleto de discursos ou construções de pensamentos que compõem redes de poder . Esses discursos denominam, constróem e são construídos por sujeitos que estabelecem lugares para serem ocupados. Behares (1997, p. 43), já identifica o mundo que espera o sujeito surdo: “o filho surdo de ouvintes começa a ser nomeado mesmo antes de nascer, sem que seus pais saibam que será surdo”. Toda criança surda, o jovem, ou adulto, que ficou surdo em decorrência de tempo, já pode participar do: “ser surdo é ser nomeável para a identidade surda”. Nesse ponto posso distinguir 3 locais de transição da identidade.

Nos meios sociais ouvintes, persiste a idéia pré-ordenada da representação iluminista do normal, do perfeito, do ouvinte. A sociedade, a família, a escola, seguem traçando outras representações para o surdo que são colocadas à prova de qualquer contestação. Para adentrar este meio, a pessoa se depara com conceitos, valores e significados estabelecidos a partir de uma época, história, situação social, etc. Quem adentra neste meio é tocado pela multiplicidade de valores, conceitos, identidades, representações e se modifica, adquirindo o saber em sua forma de representação.

Um dos pontos mais cruciais da relação vivida neste ambiente é entendido por Behares (1997, p. 43) quando se refere às quebras constantes no diálogo surdo-ouvinte:

Quando os falantes não sabem a mesma língua e, segundo o imaginário, se obstrui todo livre fluir do interjogo discursivo de abrir e fechar polissemias ao longo do diálogo, geram-se quebras. Quebras no sentido de que sobre o mal entendido inerente a opacidade da linguagem se entrecruza outro mal-entendido que se ancora na impossibilidade de manter a ilusão de que se está falando e escutando o mesmo, de que cada um é dono do que diz e de que compreende ao outro ao mesmo tempo em que é compreendido. Dessa forma se produzem dois diálogos sem pontos de ligação possíveis, mas pontos de fuga nos quais a interpretação do outro dialógico que escuta não se toca com os marcos interpretativos do que fala gerando uma deriva interpretativa na qual não é possível levar o outro em conta.

A partir deste ambiente, a minha atitude não é apontar o dedo inquisidor para obrigação de treinar a audição e a fala no surdo, mas citar a presença de algumas ideologias, estruturas e mitos que ajudam a reproduzir a central dissimulação da cultura anfitriã.

Em uma das entrevistas feitas para o trabalho, com uma jovem surda de 23 anos, de classe média, estudante universitária, podemos testemunhar a superimposição cultural neste ambiente de que os surdos são “vítimas”. Ela diz:

Cada vez que tiro o aparelho minha mãe insiste para que o reponha. Ela quer ver meu aparelho desde as primeiras horas da manhã até a hora de dormir. Às vezes esqueço o aparelho e o chuveiro o molha todo. Tenho necessidade de deixá-lo secar para depois usá-lo, mesmo assim minha mãe está insistido o tempo todo comigo.

É um aparelho que permite ouvir apenas ruídos. Não serve para a voz humana. Os sons humanos são ininteligíveis. É uma situação chata, uma audição cafona. Faço tudo para escondê-lo sobre o cabelo para que mamãe não o veja e assim não saiba se o uso. Às vezes o escondo para que ninguém o perceba. Apesar de meus 20 anos ela continua olhando todos os dias se pus meu aparelho. Muitas vezes me envolve num abraço e se sente falta do aparelho faz lá suas exigências. Outras vezes vai ver, no lugar de sempre se o aparelho está lá. Se não o encontra já sabe que estou usando. Mas ultimamente escondo-o. Ao sair de casa, o escondo onde ninguém o vê. Quero ter liberdade de não ouvir. Quero ser eu mesma (C).

Os surdos que vivem nessas condições de subordinação, parecem estar vivendo na terra do exílio. Têm dificuldade de encarar formas vitais para contentar a todos. Este é um ambiente em que vive a maioria dos casos dos surdos que são filhos de pais ouvintes. É o ambiente da cultura dominante. Ambiente da identidade hegemônica ouvinte.

O surdo pertence ao grupo das culturas subalternas. Portanto, há um local onde, o fato, o valor, a representação das identidades surdas está presente. Assim, sempre existe a busca dos locais onde possa encarar, aprender e usar instrumentos para ganhar o senso de encontro com sua identidade que emerge, se afirma e apaga fronteiras transgredindo os tabus identitários da cultura dominante.

O fracasso deste local de transição na representação para a constituição das identidades surdas faz com que o surdo continue fortemente buscando a rendição a uma outra representação de identidade. Assim surge o próximo, ou segundo, local de transição: a comunidade surda.

Creio que a consciência de pertencer a uma comunidade diferente é uma possibilidade de articular resistências às imposições exercidas por outras comunidades ou grupos dominantes. Sem essa consciência oposicional 7, o surdo viverá no primeiro ambiente, onde desenvolverá mecanismos de auto sobrevivência. A transição da identidade vai se dar no encontro com o semelhante, onde novos ambientes discursivos estão organizados pela presença social dos surdos culturais. A aproximação dos surdos é o passo para o encontro com outras possibilidades de identidades surdas.

Este novo lugar de transição para as identidades surdas está em referência direta com o encontro surdo-surdo. A identidade surda é marcada por uma falta em relação ao outro surdo. Ela é reproduzida através de representação. Laborit (1994, p.119) situa com propriedade este encontro surdo-surdo onde se dá a troca numa atitude de transmissão cultural e identitária.

A grande diferença é quando um surdo se encontra pela primeira vez com outro surdo, eles contam pela primeira vez histórias de surdos, isto é de suas vidas. Tudo isso de um minuto para outro, como se conhecessem desde a eternidade. O diálogo é imediato, direto, fácil. Nada a ver com o dos ouvintes. Um ouvinte não avança sobre um outro logo. É preciso tempo para travar conhecimento. Montões de palavras para se dizer o que se quer. Eles tem uma maneira de pensar, de construir o pensamento diferente da minha, da nossa.

A aproximação dos surdos é o passo para o encontro com outras possibilidades de identidades surdas. Isso faz lembrar a história da águia cativa, descrita por Boff (1997, p. 18), que no encontro com outra águia diz: “Teu espírito se misturou ao meu, como o vinho se uniu à água. Por este espírito, quando uma coisa te toca, me toca a mim também.

A partir de novas experiências compartilhadas dentro da comunidade surda, os surdos começam a narrar-se diferentemente. Ficam atentos para outras possibilidades e começam, através de outras interpelações, a ser representados por outros discursos que vêem os surdos como capazes e como sujeitos culturais. As múltiplas identidades, que surgem com os diferentes discursos presentes no grupo, começam a ser questionadas e rearticuladas neste ambiente. A diversidade de posições e de representações permite o estabelecer transitório de novas identidades surdas, fundamentadas nas diferenças.

Creio que a possibilidade de pertencer a uma comunidade diferente pode trazer outras representações que não estão voltadas para a incapacidade de ouvir, para o aparelho auditivo, para o disfarce da surdez através do comportamento de esconder a prótese por entre os cabelos, etc. A constituição de uma identidade surda distante da deficiência pode se dar no encontro com o “semelhante”.

Como a questão da comunidade surda está muito presente neste trabalho, penso ser importante uma discussão sobre a mesma. Acho que esta reflexão, já encaminhada, deve começar pela própria nomenclatura “comunidade surda”. O que leva as pessoas surdas a se organizarem em comunidades? Como se constitui esta comunidade? Como os surdos organizados em comunidade podem constituir novas identidades surdas? Como as identidades surdas são negociadas neste ambiente?

Padden, Humphries (1988, p. 3) usam naturalmente o termo “comunidade de pessoas surdas”. O termo comunidade, no caso dos surdos, designa um grupo que habita uma região determinada, marcado por características específicas, porém não isolado, vivendo no meio de pessoas ouvintes que são maioria. Nestas características entram os aspectos antropológicos: história, língua, cultura e arte; porém, entram outros elementos comuns entre a comunidade surda e a comunidade ouvinte: nacionalidade, religião, governo, raça e etnia. Todo este complexo não chega a definir a comunidade surda como autônoma, apesar da aceitação corrente do termo. Um outro pressuposto é a atribuição do termo cultura. Nem todas as comunidades surdas apresentam determinado índice de cultura. No Rio Grande do Sul, entre os meios ouvintes, quase não se acredita na existência de uma cultura surda. Comparando com outros países - onde a cultura surda é mais desenvolvida - nota-se que no Brasil esta cultura continua em espaços reservados, por exemplo na família, onde os genitores são surdos; no clube, onde nenhum ouvinte mete a mão, visto que “é do surdo”, nos momentos de encontro de surdos, particularmente em festas. Língua, história e arte são os pontos e as produções mais originais para a identificação desses grupos.

Dentro das comunidades dos surdos se diferenciam a simples incapacidade de ouvir e a auto-identificação dos sujeitos como surdos. O grau de perda auditiva importa relativamente pouco. O que é importante, e o que é considerado como evidência básica para pertencer ao grupo dentro da comunidade identificada, é o uso de comunicação visual, não essencialmente a língua de sinais, mas a constituição de signos visuais na comunicação.

O depoimento de G., surda de classe média, é importante para ter uma visão a respeito da comunidade surda:

Nós sempre fomos levados pelas versões dos profissionais ouvintes. É bem recente a qualificação de comunidade, identidade, ouvintismo... Em outros países onde aceitaram melhor e muito antes de nós a língua de sinais e o ser surdo, isso é bem mais conhecido. A comunidade surda é mais rica. Na Dinamarca, na Suécia e nos Estados Unidos a multiplicidade de trabalhos e conquistas da comunidade surda é bem mais desenvolvido, eles tem um nível maior de manifestações, de materiais como arte e teatro e o movimento surdo é bem mais amadurecido.

Esse não é nosso caso no Rio Grande do Sul. Nós os surdos ainda nos consideramos excluídos, menores, inferiores. Desconhecemos que temos uma identidade, o que temos como pessoas surdas, e como grupo lingüístico e cultural. Agora é o tempo que os surdos estão tomando consciência. Provavelmente este tempo é o tempo em que trabalhamos sobre nós mesmos, começamos a discutir sobre nossa identidade, cultura e língua, auxiliados pelos surdos e ouvintes que se adentram em um pensamento de formas mais culturais (G.).

Os contatos que os surdos realizam entre si proporcionam negociações de diferentes representações de identidades surdas. Através das relações e trocas de um conjunto de significados, informações e comportamentos do tipo intelectual, ético, estético, social, técnico, mítico se caracterizam as identidades surdas presentes num grupo social que tem uma determinada cultura. Esta auto-produção de significados parece ser o fundamento da identidade surda: uma estratégia para o “nascimento” cultural.

Um último lugar de transição, ainda mais acentuado, acontece no movimento cultural anti-ouvintista dos surdos. Trava-se uma luta entre os surdos e pelos surdos, pela revitalização de um estilo de vida surda. Esse estilo de vida pode ser visto no ambiente do movimento surdo. Ele faz parte de uma luta com tentativa para conservar e garantir a identidade cultural do surdo.

Impossível falar aqui de identidade surda sem citar este local de transição: o movimento surdo, responsável pelo novo impasse na vida do surdo, pelo sentir-se surdo, em resumo, pela política da identidade surda. É no movimento surdo que se dá maior proximidade com o ser surdo cultural e político, onde surge uma proximidade dinâmica da identidade surda. O movimento nutre, entre outros elementos a política da identidade surda.

Também tenho, como dizem Rose, Kiger (1995, p. 3): ciência de que,

Na medida que os membros de uma minoria desenvolvem uma auto-imagem mais positiva sua percepção de justiça social muda. Seu senso de injustiça leva a revolta contra discriminação. Por exemplo, começando no fim dos 1980s, publicações direcionadas a comunidade surda... publicaram uma onda de artigos e cartas denunciando a discriminação na acessibilidade às telecomunicações, a exclusão de pessoas surdas de filmes e programas de TV, e imagens estereotipadas de pessoas surdas na mídia, entre outras.

O direito à vida, à cultura, à arte, à história, à participação política, ao trabalho, ao bem estar, leva a pensar uma esfera pública de luta central. Na verdade, não somente o movimento surdo, mas todos os movimentos sociais assumem caminhadas políticas. Mesmo que busque uma política voltada exclusivamente aos surdos, nem sempre o movimento se apresenta em sua totalidade.

A convivência nos movimentos surdos, aproxima a identidade surda do sujeito surdo. A união de surdos cria outras “nuvens” de relações que são estabelecidas em um parentesco virtual. Este parentesco virtual das identidades surdas, se sobressai no momento da busca de signos próprios com um vasculhamento arqueológico: proximidade surdo-surdo, entraves e conquistas na história, pensar surdo, cultura surda...

Cumpre notar que no movimento a luta é de orgulho pelas conquistas e de indignação frente as barreiras. A identidade surda é uma luta instável e nunca será fixa. Nisto surge indignação contra impasses impostos pelos ouvintes. Os surdos viveram muito tempo sem serem capazes de se referirem as coisas que de fato estão dizendo, pois na história iluminista, ser surdo é ser privado de direitos de ser político. Por isso, ser surdo é uma identidade que se aprende em grupo e só pode ser aprendida no grupo dos surdos.

O movimento surdo pode dar muitas identidades aos surdos. Tais identidades ocupam lugares distintos, bem como posturas diferentes. A existência de posturas distintas acarreta jogos de poder, onde identidades mais radicais reprimem outras que não possuem a mesma força.

Nestes movimentos estão presentes surdos e alguns ouvintes solidários que se unem numa oposição aos efeitos das forças ouvintes. O sucesso dessa união se deve aos objetivos gerais preestabelecidos no movimento. A formulação comum de uma série de objetivos e estratégias de ação focaliza a perspectiva de uma sociedade onde os surdos são cidadãos e onde a justiça social se concretiza na resistência a todas as formas de discriminação e exclusões sociais. Esse é o fator fundamental na existência do movimento que, lutando pelo surdo, resiste à complexidade da cultura vigente. E essa resistência não é no sentido de excluir a cultura hegemônica ouvinte, mas no sentido de abrir o acesso a ela de uma forma que se sobressai a diferença.

Os tempos que estamos vivendo são próprios para o movimento surdo. O conceito epistemológico surdo se presta para qualquer teoria e política surda. Existem os surdos? Sim. O movimento surdo define os surdos, no sentido do termo, por suas atividades e discursos que acontecem a partir dos limites da participação política. O movimento surdo, sem dúvida, propõe a divisão do mundo em esferas de influência cultural, visto que se aferra à sua cultua. E não poderia ser diferente. Trata-se da cultura visual necessária a sobrevivência do grupo enquanto grupo cultural e político.

1.4 A comunidade discute a identidade surda

Já vimos que o convívio dos surdos no Rio Grande do Sul, como no Brasil e nos demais países, acontece, na maioria das vezes, numa sociedade onde existe a imposição ouvinte que mina as aspirações dos surdos. Veremos agora a consciência que o surdo possui sobre sua identidade. O sujeito surdo tem a sua forma própria de conceber as identidades surdas. Para ilustrar esta afirmação, penso que é importante trazer alguns comentários feitos pelos surdos nas entrevistas, pois estes são elementos ricos em minha pesquisa - que visa pensar sobre o surdo através do surdo. O depoimento é da acadêmica G. de 20 anos, surda, mulher:. Ela diz:

Creio que não se tem uma identidade surda completa. Não há identidade própria do surdo. É difícil. A pressão ouvintista sobre a comunidade, ou sobre o surdo, é geral e forte. Não há uma identidade completa.

O surdo está sempre em posição inferior ao ouvinte. Esta realidade crucial está em sua transição. A possibilidade é boa para um futuro. Com a ascensão na universidade não será mais possível o surdo caminhar sob as ordens do ouvinte. No RS e no Brasil o contexto é diferente. Não há formação para ser surdo, nem incentivo, nem apoio. Ser surdo é algo para o que não há referência. Na Europa, nos EUA, já estão indo mais atentadamente nestes termos.

Não há uma identidade delineada. Porém, dentro do surdo há o específico surdo, o que faz o surdo ser diferente. Penso no surdo inteligente. Há imposição ouvintista. O problema é todo desconcertante. Diante do poder ouvinte: problema da escrita em português, do oral, da proibição de LIBRAS. A maioria ouvinte somente vê saídas por aí. Falta, da parte surda, coragem e força para reagir.

Agora, diante da oficialização da LIBRAS e acontecimentos que se sucederam, a FENEIS conseguiu se impor como lugar de força aos surdos, é verdade que estamos andando em direção a u

Notas

1 No plural, porque considero que já não é apenas uma identidade surda. Podia ser chamada de identidade surda, mas ela se apresenta em múltiplas representações.
2 A comunicação dos surdos é a comunicaçao visual. A língua de sinais não é universal, possui características bastante locais. No Capítulo II discuto melhor a sua evolução, desenvolvida no seio das comunidades surdas. Foi perseguida e esteve escondida, conseguiu sair do anonimato em alguns estados de nosso país. No mundo é oficializada em alguns países, em vias de aceitação noutros e proibida em alguns. No Brasil ela se chama Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. Isso implica dizer que ela tem sua denominação diferente de acordo com o país de origem. Foi objeto de estudo de inúmeros lingüistas, entre os quas se sobressaem Stokoe (1960), Belugi e Klima (1977) nos EUA, no Brasil, Ferreira Brito (1993), Quadros (1997), outros.
3 Os termos como ouvintismo e ouvintização foram cunhados por Skliar (1997b, p. 259). Neste ponto outros termos derivados foram cunhados em nosso meio acadêmico como ouvintista, desouvintização,... frutos de uma concepção epistemológica onde os signos que constituem os termos são construídos dentro da concepção militante da vida surda.
4 Costa, M.V. (1996, p. 13) faz referência a uma conversa entre Foucault e Deleuze onde se alude a uma afirmação de Proust: ”encontrem vocês mesmos seu instrumento, que é forçosamente um instrumento de combate”.
5 A Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo - FENEIS é um órgão não governamental representativo dos surdos. Atualmente possui regionais no RS, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
6 A Sociedade dos Surdos tem sua sede a Av. Salvador França, 1800.
7 Chela Sandoval, citada por Haraway (1991), considerando o surgimento histórico, no meio do feminismo, de uma nova voz política chamada mulheres de cor, teoriza sobre um modelo interessante de identidade política chamado “consciência oposicional”. Esta consciência oposicional, a meu ver, se aplica ao surdo enquanto ele tem a trazer uma cultura diferente para um mundo estruturado por uma cultura dominantemente ouvinte.
8 Deafness is a country whose history is rewritten from generation to generation. This is partly because of the satus of its native languages, partly because more than 90 percent of deaf children are born to hearing parents, and partly because of the curious and specific oppressions that constitue the histories of the deaf. Sign cultures, as well as the social “knowledge”of deafness, are necessarily reborn and remade with each generation.
9 Bhabha (1994, p. 176) diz que colocar a questão colonial significa ter em conta a questão problemática da diferença cultural e racial. Para ele, posicionar-se contra essa diferença significa colocar na prática a autoridade, através de estratégias discursivas e físicas, o poder descriminatório.
10 As filosofias de ensino mais comuns são: o oralismo, que é o holocausto lingüístico da língua de sinais. A sua implantação, como diz Skliar (1997b, p. 257): “foi feita com o consentimento e a cumplicidade da medicina e dos médicos, os profissionais para médicos, os pais e familiares dos surdos, os professores ouvintes, e, inclusive, com alguns surdos que representavam então e representam agora, os progressos inevitáveis da terapêutica, vale dizer, - o surdo que fala e da tecnologia - o surdo que escuta”. O bimodal é o método de uso da língua de sinais para ensinar português. Ele cria um novo sistema lingüístico que não o usado pelos surdos: português sinalizado que em parte foi o responsável pela atual situação cambaleante de muitos signos e sinais que interferem na estrutura da LIBRAS. O método de comunicação total admite oralismo, bimodalismo, arte, teatro,... em resumo, traz os mesmos efeitos da posição anterior. O bilingüismo, de recente implantação na América Latina e no Brasil, aproxima-se ao uso normal da língua de sinais. No entanto, no que tem de filosofia implantada pelo ouvinte, conserva em suas bases poderes ouvintes.
11A meu ver não descarto a hipótese da educação bilingüe ser uma proposta arqueológica de grupos decorrentes de movimentos articulados às resistências politico-culturais surdas, no entanto o perigo de interpretações do bilinguismo é ficar apenas no aspecto sociolinguístico. É preciso, primeiramente ver o que esta em jogo, se o negócio trata amplamente de buscar a correção da língua da comunidade surda. Precisa-se partir para a idéia de que a educação de surdos é mais abrangente que a educação lingüistica. A comunidade surda não é e não será nunca prisioneira de uma dualidade, línguas correntes no Brasil como o castelhano e o inglês também são necessárias. Outro perigo é sobre o bilinguismo com vistas a um final feliz o monolinguismo o que novamente provocaria um gueto no sentido do fechamento da comunidade surda ou uma esmagadora hegemonia ouvinte.
12 Flutuante é o termo proposto por McLaren (1997a, p. 137) que, comentando em relação à branquidade, diz: “a habilidade do sujeito falante de mover-se para dentro da posição dele sem parecer ter deixado a posição do eu ou tu os quais são significantes vazios ou “flutuantes” que não possuem referente fora da situação imediata”.
13 Hall (1997, p. 17), ao usar este termo para designar as variadas posições do sujeito usa o conceito de deslocamento em Ernest Laclau (1990): “uma estrutura deslocada é aquela cujo centro é deslocado, não sendo substituído por outro, mas por uma polaridade de centros de poder”. Na História me ocorre que o sujeito surdo foi deslocado de seu centro e visto sob prismas iluministas/clinicalistas, e mais recentemente lingüisticos.
14 O Abade francês Charles de L’Epée(1712-1789), foi o primeiro diretor de uma Escola pública para Surdos (Instituto de Jovens Surdos de Paris).
15 Federação Mundial dos Surdos com sede em Elsinski, Finlândia
16 “Tifiti” é a pronúncia audível de “difícil” pelo surdo.
17 ASL - American Sign Language
18 A FMS tem sua sede atual na Finlândia. Seus objetivos são a favor de uma política de identidade surda. Ela tem se posicionado objetivamente, pedindo às nações o respeito pelo direito de ser surdo, inclusive, propondo a adoção destes direitos em todos os campos de atividades sociais.
19 Em inglés: Hearing impaired, Prelingually deaf, Poslingually deaf, Prevocationally deaf, Postvocationally deaf, aurally handicapped, Congenitally deaf, Adventiously deaf, Audiologically deaf, Hearing deficient, Deafned in adulthood, Marginally deaf, Socially deaf.
20 TimothyM. Simone é citado por McLaren (1997a, p. 132)

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