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Educação Inclusiva e a Declaração de Salamanca: Consequências ao Sistema Educacional Brasileiro
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Publicado em 2000
Integração (Fátima do Sul), Ministério da Educação/SEESP, v. 10, n.22, p. 34-40.
Mônica Pereira dos Santos
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Resumo

Este artigo pretende contribuir para as discussões a respeito do processo de inclusão de alunos portadores de deficiências na rede regular de ensino à luz do que sugere um dos mais abrangentes documentos internacionais lançados na área: a Declaração de Salamanca (1994).

Introdução

Este artigo pretende contribuir para as discussões a respeito do processo de inclusão de alunos portadores de deficiências na rede regular de ensino à luz do que sugere um dos mais abrangentes documentos internacionais lançados na área: a Declaração de Salamanca (1994).

Iniciaremos com uma breve menção à evolução histórica da educação especial até 1990, quando ocorreu o primeiro evento internacional que formalizou a “Educação para Todos” como plataforma básica para os sistemas educacionais da comunidade mundial: a Conferência Mundial sobre Educação para Todos 2.

Em seguida, os aspectos relevantes ao tema deste artigo, propostos na Declaração de Salamanca (1994), sobre a educação especial, serão apresentados e discutidos. Num terceiro momento, discutiremos as principais implicações educacionais trazidas pelo referido documento. Por fim, nas considerações finais, serão levantados aspectos do contexto brasileiro a serem considerados na adoção e implementação do processo de inclusão.

Educação Especial até 1990

Já se afirmou inúmeras vezes (ver, por exemplo: Fish, 1985; Cole, 1990; Wedell, 1990) que a educação especial na maioria dos países tem, a grosso modo, seguido padrão semelhante em sua evolução. Num primeiro momento, caracterizado pela segregação e exclusão, a “clientela” é simplesmente ignorada, evitada, abandonada ou encarcerada – e muitas vezes assassinada.

Num segundo, há uma modificação no olhar sobre a referida “clientela”, que agora passa a ser percebida como possuidora de certas capacidades, ainda que limitadas, como por exemplo, a de aprendizagem.

Mesmo assim, ainda predomina um olhar de tutela, e a prática correspondente no que diz respeito aos “excepcionais” (como chamados neste segundo momento), muito embora já não fosse mais a de rejeição e medo, ainda seria excludente, na medida em que se propõe a “protegê-los”, utilizando-se, para tanto, de asilos e abrigos, dos quais estas pessoas raramente sairiam, e nos quais seriam submetidas a tratamentos e práticas, no mínimo, alienantes.

Ocorre então um terceiro momento, marcado pelo reconhecimento do valor humano destes indivíduos, e como tal, o reconhecimento de seus direitos. Na maioria dos países, este momento tem se acirrado em especial a partir da década de 60 do presente século.

Este artigo pretende voltar sua atenção para o que vem acontecendo na história da educação especial a partir deste terceiro momento (de aproximadamente 35 anos para cá), uma vez que o que ocorreu até então já vem sendo fartamente ilustrado e discutido na literatura (ver, por exemplo, Januzzi, 1985).

Um ponto interessante a ser notado diz respeito ao fato de que a história da educação especial na maioria dos países vem registrando, salvo devidas exceções, um certo atraso em relação ao desenvolvimento da história geral, pelo menos no que se refere a estas mudanças de valores relativos aos direitos humanos. Vale ressaltar, como exemplo desta colocação, o fato de que, historicamente, a luta pela igualdade de valor já havia iniciado, ainda que de forma não tão explícita tal como se verifica hoje, muito antes (pensemos, por exemplo, na própria Revolução Francesa).

De qualquer forma, parece correto afirmar que é a partir dos anos 60 que a luta pelos Direitos Humanos se fortalece. Tal se verifica, entre outros motivos, pelo próprio crescimento dos movimentos das minorias (étnicas, sexuais, religiosas, etc). A tais fatores, podem ser associados:

  1. o avanço científico, cuja produção e disseminação de conhecimento vem não apenas promovendo a desmistificação de certos preconceitos fundados na ignorância sobre as diferenças da espécie humana, como também alertando para a necessidade cada vez mais urgente de união de povos em função da defesa do planeta por motivos ecológicos que hoje nos são óbvios;
  2. um crescente pensar de cunho sociológico questionando consistentemente o sentido de práticas discriminatórias e clamando por um mundo democrático;
  3. o avanço tecnológico, principalmente no terreno das telecomunicações, que vem aproximando ainda mais os povos e disseminando ainda mais rapidamente as informações, ao mesmo tempo em que provocando a necessidade de uma força de trabalho cada vez mais instruída e, se possível, especializada, capaz de atender à competitividade que o progresso tecnológico e os rumos econômicos, entre outros aspectos, têm imposto.

Por mais paradoxais e contraditórios que possam parecer, todos esses aspectos vêm se refletindo conjuntamente nos sistemas educacionais dos mais diversos países, ainda que em alguns estes reflexos venham sendo observados mais tardiamente. O fato é que tais reflexos geram conseqüências inevitáveis à educação especial.

Por um lado, a humanidade prima pela igualdade de valor dos seres humanos, e como tal, pela garantia da igualdade de direitos entre os mesmos. Por outro lado, esta mesma humanidade já não mais comporta a existência da ignorância, seja porque esta pode torná-la dependente (incapacitada para desfrutar de seus direitos), seja porque ela a exclui de um ritmo de produção cada vez mais vital à crescente competitividade, por lhe dificultar o exercício pleno de um de seus deveres de cidadã: o de uma humanidade trabalhadora, produtiva, participativa e contribuinte.

Emerge, assim, a necessidade de indivíduos-cidadãos, sabedores e conscientes de seus valores e de seus direitos e deveres. Cresce, portanto, a importância da educação e, mais ainda, a importância da inserção de todos num programa educacional que pelo menos lhes tire da condição de ignorância. Em conseqüência cresce, também, a necessidade de se planejar programas educacionais flexíveis que possam abranger o mais variado tipo de alunado e que possam, ao mesmo tempo, oferecer o mesmo conteúdo curricular, sem perda da qualidade do ensino e da aprendizagem.

1990: Jomtiem

É nesse espírito, acreditando que a pobreza e a miséria verificadas no mundo atual são produtos, em grande parte, da falta de conhecimento a respeito de seus deveres e direitos, e acreditando ainda que a própria falta deste direito básico que é o da educação (e do acesso à informação) constitui fonte de injustiça social, que a Conferência Mundial de Jomtiem sobre Educação Para Todos aconteceu, em 1990, e adotou como objetivo o oferecimento de educação para todos até o ano 2000 3.

Entre os pontos principais de discussão na referida conferência, destacou-se a necessidade de se prover maiores oportunidades de uma educação duradoura, que por sua vez implica em três objetivos diretamente relacionados, e que trarão conseqüências à educação especial:

  1. estabelecimento de metas claras que aumentem o número de crianças freqüentando a escola;
  2. tomada de providências que assegurem a permanência da criança na escola por um tempo longo o suficiente que lhe possibilite obter um real benefício da escolarização; e
  3. início de reformas educacionais significativas que assegurem que a escola inclua em suas atividades, seus currículos, e através de seus professores, serviços que efetivamente correspondam às necessidades de seus alunos, das famílias e das comunidades locais, e que correspondam às necessidades das nações de formarem cidadãos responsáveis e instruídos.

1994: Salamanca

Uma conseqüência imediatamente visível à educação especial, resultante dos objetivos expostos acima, reside na ampliação do conceito de necessidades educacionais especiais. Uma outra se verifica na necessidade de inclusão da própria educação especial dentro desta estrutura de “educação para todos”, oficializada em Jomtiem. Entre outras coisas, o aspecto inovador da Declaração de Salamanca consiste na retomada de discussões sobre estas conseqüências e no encaminhamento de diretrizes básicas para a formulação e reforma de políticas e sistemas educacionais.

Assim, conforme o seu próprio texto afirma (UNESCO/Ministry of Education and Science – Spain, 1994), a conferência de Salamanca

Proporcionou uma oportunidade única de colocação da educação especial dentro da estrutura de “educação para todos” firmada em 1990 (...) Ela promoveu uma plataforma que afirma o princípio e a discussão da prática de garantia de inclusão das crianças com necessidades educacionais especiais nestas iniciativas e a tomada de seus lugares de direito numa sociedade de aprendizagem. (p.15)

No que diz respeito ao conceito de necessidades educacionais especiais, a Declaração afirma que:

Durante os últimos 15 ou 20 anos, tem se tornado claro que o conceito de necessidades educacionais especiais teve que ser ampliado para incluir todas as crianças que não estejam conseguindo se beneficiar com a escola, seja por que motivo for. (p.15)

Desta maneira, o conceito de necessidades educacionais especiais passou a incluir, além das crianças portadoras de deficiência, aquelas que estejam experimentando dificuldades temporárias ou permanentes na escola, as que estejam repetindo continuamente o ano escolar, as que sejam forçadas a trabalhar, as que vivem nas ruas ou que moram distantes de qualquer escola, as que vivem em condições de extrema pobreza ou que sejam desnutridas, as que sejam vítimas de guerras e conflitos armados, as que sofrem de abusos contínuos físicos, emocionais e sexuais, ou as que estão fora da escola, por qualquer motivo que seja.

O acima exposto permite-nos realizar a seguinte trajetória no pensar:

  1. Até aproximadamente três décadas atrás, o objeto-alvo da educação especial era as pessoas portadoras de deficiências;
  2. Neste sentido, a educação especial poderia ser predominantemente considerada em seu sentido prático, de provisão de certos serviços a uma certa “clientela” e, quase invariavelmente, em um determinado ambiente “especial”, mais propício ao respectivo “tratamento” a ser dado à sua “clientela”;
  3. O que, por sua vez, implicava na existência de dois sistemas paralelos de educação: o regular e o especial;
  4. Dados os acontecimentos e progressão históricos de 30 anos para cá (a saber: o fortalecimento de ideais democráticos e seus respectivos reflexos nas formulações de políticas em diversos setores – social, educacional, de saúde, trabalho – de vários países, e no planejamento e implementação das respectivas práticas – sugeridas por tais políticas ou resultantes do processo histórico em direção a princípios igualitários), a “especialidade” da educação especial (parafraseando Carvalho, 1998) começa a ser colocada em questão;
  5. Em outras palavras, se o objeto-alvo da educação especial passou a ser tão ampliado, a insistência em sua definição em termos predominantemente tão limitantes (a uma clientela específica) não lhe permitiria mais dar conta de suas novas tarefas;
  6. Isso, sem contar que mesmo para algumas de suas velhas tarefas a educação especial já não vinha obtendo muito êxito em prover respostas eficazes. A este respeito, não são poucas as pesquisas e documentários que constatam que a existência de um sistema paralelo de ensino não representa, necessariamente, uma provisão educacional de maior qualidade, muito menos garante a solução dos “problemas” encaminhados às escolas e classes especiais. Tais conclusões são colocadas com base em dados que mostram que o nível de fracasso escolar verificado na “clientela” da educação especial é quase tão alarmante quanto o do alunado da educação regular. Estes estudos, em geral, apontam para a relatividade do conceito de “necessidades educacionais especiais” e para a necessidade de haver um ensino especializado que complemente a provisão educacional regular, fazendo, portanto, parte desta, e não constituindo-se num sistema à parte, com instituições próprias que encarecem ainda mais os serviços sem necessariamente melhorar a qualidade (ver, por exemplo: Booth, 1987; Cole, 1990; Mittler, 1993).
  7. Da mesma forma que a educação especial, a educação regular também sofre suas conseqüências: o aumento do contingente de “fracassados” e excluídos apenas formaliza a constatação de sua ineficácia e amplia a obviedade da falácia dela ser um instrumento de justiça e promoção social. Esta educação, portanto, também precisava ser revista.
  8. Com isto, o que esta nova concepção abrangente de ‘necessidades educacionais especiais’ provoca, é uma aproximação destes dois tipos de ensino, o regular e o especial, na medida em que esta nova definição implica que, potencialmente, todos nós possuímos, ou podemos possuir, temporária ou permanentemente, “necessidades educacionais especiais”. E, se assim o é, então não há porque haver dois sistemas paralelos de ensino, mas sim um sistema único, que seja capaz de prover educação para todo o seu alunado (por oposição a “clientela”), por mais especial que este possa ser ou estar.
  9. Não se trata, portanto, nem de acabar com um, nem de acabar com outro sistema de ensino, mas sim de juntá-los, unificá-los num sistema educacional único, que parta do mesmo princípio (de que todos os seres humanos possuem o mesmo valor, e os mesmos direitos), otimizando seus esforços e se utilizando de práticas diferenciadas, sempre que necessário, para que tais direitos sejam garantidos. É isto que significa, na prática, incluir a educação especial na estrutura de “educação para todos”, conforme mencionado na Declaração de Salamanca.

Implicações Educacionais

E o que significa este pensar, no que diz respeito à prática educacional? Em primeiro lugar, significa reconhecer que, a exemplo do que diz a Declaração de Salamanca:

Inclusão e participação são essenciais à dignidade humana e ao gozo e exercício dos direitos humanos. No campo da educação, tal se reflete no desenvolvimento de estratégias que procuram proporcionar uma equalização genuína de oportunidades. A experiência em muitos países demonstra que a integração das crianças e jovens com necessidades educacionais especiais é mais eficazmente alcançada em escolas inclusivas que servem a todas as crianças de uma comunidade. (p.61)

Em segundo lugar, significa entender do que se trata a escola inclusiva:

O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de currículo apropriado, modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade (...) Dentro das escolas inclusivas, as crianças com necessidades educacionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação efetiva (...) (p. 61)

Em outras palavras, as implicações consistem no reconhecimento da igualdade de valor (Booth, 1981) e de direitos entre seres humanos, e na conseqüente tomada de atitudes, em todos os níveis, que reflitam uma coerência entre o que se diz e o que se faz.

A título de exemplo, em termos governamentais, isto implicaria na reformulação de políticas educacionais e da implementação de projetos educacionais do sentido excludente ao sentido inclusivo. Uma grande questão que geralmente se coloca sobre este aspecto, em países, regiões ou localidades em que a educação especial já tenha se constituído como um sistema paralelo de ensino, refere-se à onerosidade financeira de tal reformulação. De fato, nenhum começo é fácil. Mas os esforços e investimentos demandados pelo movimento de advocacia de uma educação inclusiva só são onerosos quando vistos numa perspectiva imediatista. A longo prazo, o investimento compensa, como sugerem alguns autores (Jones, 1983; Hadley & Wilkinson, 1995).

Transformar, por exemplo, as escolas especiais atuais em centros de referência de provisão de educação especial, cujo objetivo principal seja fornecer apoio técnico e material às escolas regulares, poderia provocar uma saudável reformulação na estrutura básica de educação especial “tradicional” (segregada).

Na verdade, a educação especial não se restringe a escolas especiais. Estas são possíveis provisões oferecidas pela educação especial, da mesma forma que o seria uma sala regular com professores assistentes trabalhando os grupos de alunos junto ao professor regente. Assim, a educação especial é muito mais do que as instituições em que ela é oferecida. Ela tanto pode constituir um sistema paralelo de educação, quanto fazer parte do sistema regular de qualquer contexto educacional.

Desta forma, nos casos em que tal tradição de ensino segregado não esteja ainda estabelecida, concentrar esforços e investimentos numa educação inclusiva, já de início, seria de grande vantagem, além de estar em conformidade com o que sugere a Declaração de Salamanca. E, nos casos em que a tradição inclua um sistema paralelo de ensino como palco de acontecimento da educação especial, o vantajoso seria, conforme sugere a mesma Declaração, que os esforços e técnicas gerados nesta instituição sejam socializados e democratizados ao ensino como um todo, de forma que a escola especial se transforme, acima de tudo, num centro de referência e provisão técnica e de geração de conhecimentos a serem aplicados na educação regular, para onde iriam, em médio e longo prazos, seus alunos.

Considerações Finais: O Contexto Brasileiro

Tal como os aspectos discutidos acima, outros aspectos têm sido levantados, exemplificando o receio que nações, governos e demais implicados possam ter quanto a este processo de transformação da educação de um paradigma de exclusão para um que seja de inclusão. Por exemplo, existem preocupações expressas a respeito do nível de capacitação dos profissionais da educação regular e da educação especial, e a respeito da falta de investimento no assunto (Fulcher, 1989; Bennett & Cass, 1989; Bowers, 1993), e assim por diante.

Tais preocupações, ainda que altamente relevantes, muitas vezes acabam impedindo a implementação de programas educacionais inclusivos, ou, no mínimo, acabam sendo usadas como justificativas para a manutenção de sistemas paralelos de ensino, o que por sua vez reforça uma certa contradição entre o que se verifica no discurso e na prática.

O Brasil não constitui exceção. Em seu texto legal, muito embora venha cada vez mais afirmando sua concordância com uma linha inclusiva de educação (ver, por exemplo, o artigo 208 de nossa carta Magna), na prática verifica-se ainda uma grande discrepância em relação ao que diz a lei ou ao que manifestam as falas de professores, e o que se verifica na prática.

A esse respeito, Santos (1995) realizou um estudo comparativo entre 4 países europeus e uma capital do sudeste brasileiro (Vitória-ES). O estudo buscou investigar as discrepâncias entre as políticas de integração e as respectivas práticas de educação apresentadas pelos países e capital brasileira, selecionados neste estudo. Em suas conclusões, a autora conseguiu levantar, dentre os países cujas práticas educacionais puderam ser consideradas como estando mais próximas a uma educação inclusiva. Alguns indicadores comuns que, no seu entender, poderiam oferecer ao contexto brasileiro uma probabilidade de sucesso de implementação de programas educacionais de cunho inclusivista (respeitando-se, obviamente, as peculiaridades do seu próprio contexto).

Entre tais indicadores, ela destacou:

  1. sistemas descentralizados de formulação e implementação de políticas em geral, incluindo as respeitantes ao campo da educação, e caracterizado por um alto grau de consultoria aos imediatamente implicados, bem como um alto grau de iniciativas de sensibilização de toda a população sobre as questões implícitas ao assunto;
  2. liderança por parte dos governos no sentido de tomar a frente e propor iniciativas práticas para apreciação por e participação de todos os implicados;
  3. adoção de reformulação radical, mas gradual (com expectativas de médio e longo prazo para resultados, e curto prazo para ações) e planejada;
  4. compromisso político de dar continuidade às propostas encaminhadas, realizando, para isso, esforços no sentido de garantir o financiamento necessário à realidade de cada localidade em particular, de forma contínua e consistente;
  5. uma postura firme, por parte de todos os implicados, e principalmente das instituições de ensino, a respeito da “educação para todos” e da inclusão como princípios e processos básicos e inquestionáveis de suas propostas educacionais.

Em outras palavras, os indicadores acima não constituem receitas prontas para que o Brasil simplesmente consiga seguir um rumo cada vez mais inclusivo. Por outro lado, a importância dos indicadores levantados parece inegável, o que os torna dignos, no mínimo, de consideração por qualquer contexto político-social que se proponha a seguir os ideais de um mundo inclusivo. Até porque, em última instância, é do mundo que se fala quando se fala em inclusão, e não apenas de uma determinada minoria pertencente a uma determinada sociedade. O movimento pela inclusão, conforme discutido na primeira parte deste artigo, se refere a uma visão e perspectiva de mundo, e não apenas a uma luta por (e de) algumas minorias apenas.

Assim sendo, no caso do Brasil os aspectos acima, se considerados e postos em prática, poderiam assegurar uma maior garantia de que nos tornássemos na prática um país de linha mais inclusiva do que o somos no papel. Para tanto, deveríamos continuar fortalecendo os níveis locais de decisão. Deveríamos buscar eleger e vigiar candidatos políticos comprometidos com este ideal de mundo, de uma sociedade menos excludente e mais inclusiva, cujas propostas primem por setores básicos que elevem o Brasil à esta condição. Deveríamos eleger líderes que tomassem iniciativas no sentido de motivar e conclamar os cidadãos a participarem de seus projetos; líderes comprometidos, acima de tudo, com a continuidade de projetos socialmente relevantes, tanto os iniciados por sua administração quanto aqueles iniciados por administrações anteriores.

É preciso, ainda, que tenhamos uma perspectiva realista: não se muda atitudes da noite para o dia, sejam elas individuais ou coletivas. Principalmente quando consideramos que toda nossa tradição histórica tem sido em termos de omissão ou, quando posturas são tomadas, elas tenham se manifestado no sentido do preconceito. Acima de tudo, aqueles de nós que pertencemos aos privilegiados grupos que têm acesso ao saber e à instrução e informação; aqueles de nós que têm a oportunidade de fazer uso de sua educação de uma forma crítica, têm, no mínimo, o compromisso moral de discutir e se posicionar, a favor ou contra, com e a respeito dos grupos imediatamente atingidos pela organização de uma sociedade em termos da exclusão. Pois é através daqueles “esclarecidos”, em suas atuações profissionais e pessoais, que condições podem ser pensadas, atitudes podem ser repensadas, e novas atitudes podem propostas e exemplificadas na prática.

Notas

2 Cabe esclarecer que a “educação para todos”, enquanto um princípio, pode ser encontrada em vários documentos nacionais de diversos países, documentos estes anteriores à referida Declaração. No entanto, esta Declaração se constitui num marco na medida em que reúne, num só documento de representatividade internacional, várias das implicações teóricas e práticas (por exemplo, de reformas nos sistemas educacionais de ensino) que este princípio traz aos países que o admitem como plataforma de base de suas políticas educacionais.
3 Segundo a própria declaração de Jomtiem, a população mundial de crianças em idade escolar aumentará de 508 milhões em 1980 para 724 milhões no ano 2000. Se, no ano 200, os índices de matrícula continuarem os mesmo que em 1990, haverá mais de 160 milhões de crianças sem acesso à educação primária, meramente devido ao crescimento populacional (Fonte: UNESCO/Ministry of Education and Science of Spain, 1994, p. 17)

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