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A importância do estudo da variação linguística dentro da disciplina da Libras no ensino superior
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Publicado em 2019
Revista Transmutare, Curitiba, v. 4, e1910725, p. 1-14
Sílvia Andreis Witkoski
Rita de Cássia Maestri
Giovana Maria de Oliveira
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Resumo

A disciplina da Libras no Ensino Superior passou a ser introduzida nas grades curriculares dos cursos de formação de professores e fonoaudiologia exclusivamente a partir da determinação do Decreto nº 5.626/2005. Vale ressaltar que o próprio reconhecimento oficial da Libras, como meio legal de comunicação e expressão das pessoas surdas, ocorreu somente com a promulgação da Lei nº 10.436/2002. Deste modo, vê-se que até mesmo na legislação brasileira o status linguístico desta como língua deu-se apenas a partir deste período, sendo que ainda permanecem inúmeros mitos em relação às Línguas de Sinais. Diante desse quadro, considera-se fundamental desconstruir os preconceitos linguísticos em relação às Línguas de Sinais, discutindo as concepções subjacentes a elas e aos sujeitos surdos. Nesta perspectiva, entende-se ser fulcral que a variação linguística seja contemplada no currículo da disciplina da Libras, a fim de promover a compreensão de que, tal qual as línguas orais, as sinalizadas também se constituem legitimamente como uma língua, incorrendo nos mesmos processos de variações linguísticas, na medida em que este é um fenômeno intrínseco a todas as línguas. Por isso, no presente artigo, além de problematizar, a partir de uma abordagem histórica, alguns preconceitos remanescentes em relação às Línguas de Sinais e aos seus usuários, exemplifica-se o fenômeno da variação linguística com diferentes sinais que apresentam esta característica, com vistas a ampliar.

Introdução

A introdução da disciplina da Língua Brasileira de Sinais (Libras) no Ensino Superior ocorreu por força do Decreto nº 5.626/2005, que determinou a obrigatoriedade da inclusão desta na matriz curricular de todos os cursos de formação de professores1 e nos de Fonoaudiologia de todas as instituições de ensino públicas e privadas brasileiras (BRASIL, 2005).

Ao considera-se que somente a partir de 2015 esta passou a integrar a totalidade dos cursos previstos – já que na legislação supracitada estava previsto que a introdução desta deveria ter início nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia, Pedagogia e Letras, ampliando-se progressivamente para as demais licenciaturas –, vê-se o quanto ainda é recente este processo. Deste modo, compreende-se que na maioria das instituições é provável que os professores estejam implementando um currículo da Libras. Neste sentido, observa-se que a carência de estudos no território nacional sobre o processo de implementação da disciplina (COSTA, 2015; SANTOS, 2015), que possam subsidiar a organização do currículo desta, constitui-se em um fator que amplia sua complexidade.

Vale ressaltar que o próprio reconhecimento oficial da Libras, como meio legal de comunicação e expressão das pessoas surdas, ocorreu somente com a promulgação da Lei nº 10.436/2002. À vista disso, até mesmo na legislação brasileira o status linguístico desta como língua deu-se apenas a partir deste período, sendo que ainda permanecem inúmeros mitos no tocante às Línguas de Sinais, como o de que “haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas as pessoas surdas" (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 31-36).

Esta crença em relação às Línguas de Sinais corresponde a uma visão monolítica da língua, de forma análoga ao que ocorre com as de modalidade oral, uma vez que credita-se, por exemplo, a mesma característica da Língua Portuguesa para todo o Brasil. Desta forma, nega-se a condição multilíngue e multicultural do país em prol da concepção de uma homogeneidade linguística, desprezando-se as mais de 200 variações linguísticas presentes no território brasileiro (BAGNO, 2005), além das Línguas de Sinais.

O agravante em relação à Libras é que, apesar do seu reconhecimento oficial, ainda perpetua-se o mito de que esta, como todas as Línguas de Sinais, não se constitui em uma língua, e sim em “um pidgin 2 sem estrutura própria, subordinada e inferior às línguas orais” (QUADROS; KARNOOP, 2004, p. 34).

Diante deste quadro, considera-se fundamental desconstruir estes preconceitos linguísticos, discutindo as concepções subjacentes às Línguas de Sinais. Também entende-se ser fulcral que a variação linguística seja contemplada no currículo da disciplina da Libras, a fim de promover a compreensão de que, tal qual as línguas orais, as sinalizadas se constituem legitimamente como uma língua, incorrendo nos mesmos processos de variações linguísticas, na medida em que estes são um fenômeno intrínseco a elas.

Portanto, problematizar a importância do estudo da variação linguística dentro da disciplina da Libras no Ensino Superior constitui-se o objeto deste artigo. Desta feita, ao apontar as relações que estabelecem estas diferenças, almeja-se ampliar a compreensão sobre o próprio processo. Concomitantemente, visa-se à desconstrução dos preconceitos em relação à língua, ao desnudar a improcedência de alguns mitos que ainda perpetuam em relação a tais diferenças.

Língua de Sinais e o Preconceito Linguístico

O preconceito linguístico não ocorre somente em relação às línguas de modalidade viso-espaciais. Este também está presente nas línguas orais, de modo que algumas são mais valorizadas do que outras, constituindo-se, conforme argumenta Bagno, (1999, p. 23-24) em:

[...] qualquer crença sem fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários, como, p.ex. a crença de que existem línguas desenvolvidas e línguas primitivas ou de que só a língua das classes cultas possui gramática, ou de que os povos indígenas da África e da América não possuem língua, apenas dialetos.

No entanto, faz-se relevante destacar que o status linguístico das Línguas de Sinais é mais amplamente questionado do que o das orais. Sobre esta hierarquização, observa-se que o argumento usualmente utilizado para explicar este reconhecimento assimétrico entre línguas de modalidades diferentes dá-se a partir de uma associação ao fato de que as orais são majoritárias, enquanto as visuais são pertencentes a uma minoria linguística. Entretanto, ao recorrer-se a Skliar (1998) evidencia-se que a questão de um maior reconhecimento do estatuto linguístico das línguas orais ultrapassa a questão numérica de falantes desta, estando associada, de fato, a uma depreciação histórica das de modalidade visual e seus usuários.

Neste sentido, resgata-se que, segundo Skliar (1998), nos Estados Unidos, apesar de a Língua de Sinais Americana (ASL), naquele país, ser a terceira língua mais utilizada, ainda assim não possui o mesmo status que o espanhol, o chinês ou o francês. Outro exemplo referido pelo autor, que reforça a questão, diz respeito à situação da Língua de Sinais Britânica (BSL), utilizada quase que pelo mesmo número de indivíduos que falam o galês como primeira língua, mas que, apesar de ambas serem minorias, não são igualmente consideradas.

Desta feita, vê-se que as línguas são qualificadas diferentemente segundo critérios que extrapolam o fator quantidade de falantes destas, sendo a modalidade utilizada fator preponderante nesta avaliação. Isso possibilita um vislumbre da dimensão do preconceito linguístico existente em relação às Línguas de Sinais e, por conseguinte, aos seus usuários.

Nesta perspectiva, historicamente observa-se que os sujeitos surdos sequer o reconhecimento como humanos usufruíam, uma vez que eram mortos, como na Roma Antiga, ao serem atirados no Rio Tibre ou abandonados, quando descoberta a surdez desses indivíduos. Vale ressaltar que estas práticas estavam em sintonia com a perspectiva filosófica da época, uma vez que, conforme Heródoto, a surdez era considerada um castigo dos deuses. E, segundo Aristóteles, uma pessoa que não verbalizasse significava que não possuía linguagem e, por esta linha de raciocínio, sequer pensamento, na medida que, para o filósofo: “[...] de todas as sensações a audição é a que contribui mais para a inteligência e o conhecimento [...] portanto, os nascidos surdos se tornam insensatos e naturalmente incapazes de razão” (VELOSO; MAIA FILHO, 2011, p. 28).

Dentro desta abordagem, é importante observar que até mesmo o início do processo educacional desses sujeitos tem como marca a flagrante intenção de tornar imperceptível a surdez. Vale ressaltar que, quando a falta de reconhecimento dos surdos como cidadãos começou a constituir-se um problema para a nobreza3 , na medida os primogênitos com surdez não podiam receber a herança familiar, é aprovado no ano de 528 o Código Jurídico do Imperador Justiniano, que determina que se estes fossem oralizados, isto é, capazes de falar oralmente, passariam a ter direito de recebê-la.

Ao considerar-se que os surdos são sujeitos visuais e sua língua natural é a Língua de Sinais, fica óbvio que a possibilidade destes de alçarem o reconhecimento como cidadãos perpassou obrigatoriamente também pelo mascaramento das suas identidades, ao obrigá-los para tal, parecerem-se com ouvintes para ter direito aos privilégios naturalizados somente para estes, como o de receber a herança. E apesar, de na sequência, o educador Charles Michel L’Eppe, responsável pela grande revolução na educação dos surdos, por criar um método de ensino que tinha como pilar o uso da Língua de Sinais e a valorização dos sujeitos surdos na educação destes, provando que eles tinham a possibilidade de alcançar formação similar aos ouvintes quando respeitada sua diferença linguística, em 1880, no Congresso de Milão, à revelia de todos os avanços que haviam sido conquistado desde a utilização da língua natural destes no processo educacional, foi aprovada nesse encontro a oralização como o melhor método de ensino para os surdos.

É importante reforçar que a proibição da Língua de Sinais, decorrente da opção pela oralização no Congresso referido, apesar dos desastrosos resultados que implicaram para os sujeitos surdos, se manteve por quase um século. Desta forma, vê-se que é impossível revisitar a história dos surdos sem dimensionar o quanto o preconceito linguístico em relação à Língua de Sinais é profundo. Apesar de hoje haver o reconhecimento desta como língua, a exemplo do que ocorreu no Brasil, em 2002, quando a Libras passou a ser reconhecida como meio de comunicação e expressão de pessoas surdas deste país (BRASIL, 2002), a legislação, por si só, não extingue os preconceitos que ainda perduram em relação a esta e aos seus usuários.

LIBRAS e a Variação Linguística

É relevante mencionar que a variação linguística é um fenômeno inerente a todas as línguas. Neste sentido, conforme observa Bagno (1999, p. 27-28):

[...] a ciência linguística moderna já provou e comprovou, não existe nenhuma língua no mundo que seja “una”, uniforme e homogênea. O monolinguismo é uma ficção. Toda e qualquer língua humana viva é, intrinsecamente e inevitavelmente heterogênea, ou seja, apresenta variação em todos os seus níveis estruturais [...] e em todos os seus níveis de uso social, variação regional, social, etária, estilística, etc.

Ao considerar-se que as Línguas de Sinais, desde as pesquisas científicas desenvolvidas por Stokoe, na década de 1960, a partir da Língua de Sinais Americana (ASL), comprovou que estas são genuinamente uma língua, de modo que apresentam todos os critérios linguísticos para tal, tanto no léxico, quanto na sintaxe. Além disso, a capacidade de criar infinitas sentenças, tendo em vista que os sinais são símbolos abstratos e não imagens, obviamente, também lhe dá características de variação linguística.

Desta feita, reitera-se que esta propriedade independe do fato de as línguas serem faladas ou sinalizadas; indiferentemente da modalidade, qualquer língua apresenta uma pluralidade de variações linguísticas. E estas, segundo Camacho (1998 apud LIMA, 2009), agrupam-se usualmente em quatro tipos de variações: a histórica, geográfica, social e estilística. A primeira decorre de uma transformação da língua em função das mudanças sociais, de modo que alguns padrões criados pelas gerações mais velhas perdem o uso, enquanto outros são criados pelas mais novas. A segunda diz respeito às variações que se alteram de acordo com cada região. A terceira está relacionada à expressão dos diferentes grupos sociais que vem sofrendo influência de fatores como: o grau de instrução, sexo, idade, classe social, etc. E a última ocorre quando uma mesma pessoa, de acordo com o contexto da fala, utiliza diferentes formas da língua.

É importante mencionar o que ocorre com a variação linguística na Língua Portuguesa. Apesar de ainda haver preconceito em relação a algumas variantes, mantendo-se uma hierarquização de valores, usualmente as da região Sul e Sudeste são as consideradas como o português padrão, enquanto as da região Norte e Nordeste sofrem de um desprestigio, sendo interpretadas como uma fala resultante de um desvio da norma culta (BAGNO, 1999). Entretanto, ainda assim são aceitas como um fenômeno inerente às línguas orais.

Contudo, em relação às línguas de modalidade visual, como ainda perdura o mito de que haveria apenas uma única língua utilizada por todos os surdos, mais difícil é de aceitar que há variação linguística em cada uma delas, como na Libras. Desta forma, é usual no contexto de sala, na aula da Libras, nos diferentes cursos de graduação, que por determinação do Decreto de 2005 foi introduzida em suas grades curriculares, reproduzirem-se episódios como o relatado por Rangel e Cunha (2013, p. 114):

Certa vez, um aluno mostrou os sinais de cores para o professor. Ele explicou para esse aluno que ele não tinha aprendido os sinais do Rio de Janeiro e sim de São Paulo. O aluno estranhou e pensou que a Libras era igual por todo Brasil e não entendeu.

Entende-se que este estranhamento com relação à variação linguística decorre ainda dos preconceitos em relação a esta língua, na medida em que percebe-se no contexto do Ensino Superior ouvinte uma certa resistência em relação à aceitação de que esta também apresenta variantes, sendo usual alguns alunos argumentarem contra, insistindo na concepção de que os sinais deveriam ser iguais.

É provável que a crença na plausibilidade do discurso destes seja resultado do preconceito remanescente de que esta língua não seria composta por sinais, e sim meros gestos icônicos. Tal consideração demonstra que estes desconhecem o fato de que mesmo um sinal que contenha uma representação icônica, este também apresenta a característica da arbitrariedade, na medida em que esta foi utilizada na eleição de quais partes do objeto real foi convencionado como representativo deste, como pode-se verificar no exemplo a seguir:

[...] o sinal ÁRVORE em ASL (Língua de Sinais Americana) e em Libras é representado com o antebraço o troco da árvore e com a mão aberta as folhas em movimento e, que, na Língua de Sinais Chinesa (CSL) a mesma árvore é representada com as duas mãos em [L] (dedos indicador e polegar abertos e curvos) 0 ou seja, apenas o troco da árvore é imitado (KLIMA; BELLUGI 1970 apud RAMOS, 2014, p. 33).

Reforça-se a questão com outro exemplo do uso da arbitrariedade na criação de um sinal icônico, apontado por Espindola (2018), ao estudar os sinais de Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC), que registrou a variação linguística no sinal do animal anta. Apesar de ambas as variações serem icônicas, por fazerem referência ao focinho da anta e sua habilidade de captar alimentos, na variação de Porto Velho “o sinal está relacionado ao movimento icônico da anta cheirar e buscar alimento, e em Rio Branco o objetivo do movimento também é mostrar a busca de alimento, mas o enfoque é dado ao órgão do sentido” (ESPINDOLA, 2018, p. 74).

Os exemplos referidos explicitam a presença da arbitrariedade na criação de um sinal com referência icônica, na medida em que estes não são uma simples cópia da realidade, e sim produções de uma comunidade de surdos de cada região.

Desta feita, ressalta-se o contexto sociocultural da comunidade na produção de sinais e das suas variantes, cuja importância exemplifica-se mostrando o sinal do mês ‘junho’, que em Curitiba ainda é sinalizado de três formas diferentes, sendo que as duas primeiras são utilizadas apenas gerações mais velhas, na medida em que foram perdendo o uso para a terceira variante. A seguir, segue as ilustrações dessa representação:

Figura 1 - Sinal do mês junho
Fonte: Ilustrações de Renan Oliveira Santana.

Sobre o processo de variação linguística deste sinal, vale observar, conforme apresentado na primeira ilustração, que o mês junho é sinalizado por meio de uma pressão do dedo indicador no nariz; na sequência, com a mão aberta é executado o movimento para baixo com palma da mão. Este é um sinal antigo da comunidade surda curitibana, o qual está associado ao processo intenso de oralização que marcou os surdos na região, sendo que para aprenderem a pronúncia nasalada da palavra ‘junho’ esta era treinada exercendo-se uma pressão no nariz. O movimento da palma da mão para baixo, entretanto, está associado aos exercícios executados de marcar a articulação mais fechada da boca ao pronunciar o encontro consonantal do ‘nh’, contrapondo-se a articulação aberta do encontro consonantal ‘lh’, presente, por exemplo, na palavra do mês julho.

Com o decorrer do tempo esta alusão ao processo de oralização enfraquece, de modo que os surdos passam a não realizar mais o segundo movimento, criando assim a segunda variante linguística do sinal do mês ‘junho’ (ilustração 2). Na sequência é criada a terceira, que está mais associada às festividades juninas, ao fazer uma alusão à fogueira, do que ao processo de oralização.

Pode-se concluir que o sinal ‘junho’ sofreu o processo denominado por Camacho (1998) de variação histórica, na medida em que a transformação deste ocorreu em concordância com as mudanças educacionais pelas quais os surdos passaram. Neste sentido, ressalta-se que os surdos mais velhos passaram pelo processo educacional que tinha uma ênfase forte na terapia da fala e da leitura labial, típica do método de oralização que vigorou desde o Congresso de Milão de 1880. Vale observar que este perde força com o surgimento do método da Comunicação Total e, posteriormente, com a conquista do ensino bilíngue, como direito dos surdos, previstos no Decreto 5.626, de 2005, que tem como pilar o uso da Libras como primeira língua e a língua portuguesa como segunda, na modalidade escrita, para estes sujeitos. Esta transformação na educação dos surdos vê-se refletida no processo da criação das variações linguísticas do sinal ‘junho’, de modo que as primeiras duas continuam sendo utilizadas praticamente somente pelas gerações mais velhas, perdendo o uso para a terceira variante criada, sinalizada pelas novas gerações.

Observa-se que a segunda variante do sinal ‘junho’ (ilustração 2), característico de Curitiba, no Rio Grande do Sul, refere-se não a este mês, mas sim é o sinal de ‘mãe’ neste Estado. Isso se configura em uma variação linguística geográfica entre estas regiões. Contudo, vale ressaltar que o sinal ‘mãe’ foi criado a partir da mesma influência dos processos de oralização aos quais as crianças surdas foram submetidas também no Rio Grande do Sul, que por sua vez influenciaram a produção das duas primeiras variantes do sinal ‘junho’ no Paraná. Desta forma, com relação ao sinal mãe, no Rio Grande do Sul,

[...] o dedo pressionando a lateral do nariz alude à pronuncia nasalada da palavra ‘mãe’, que é ressaltada durante a terapia fonoaudiológica, para o ensino deste tipo de pronúncia à criança surda (CAPOVILA; RAPHAEL; MAURÍCIO, 2013, p. 1622).

Vale ressaltar que em outros Estados o sinal de ‘mãe’ não sofreu a mesma influência dos processos de oralização, e sim faz referência ao hábito de pedir a benção4, conforme pode ser vislumbrado na ilustração a seguir:

Figura 2 - Sinal de mãe
Fonte: Ilustração de Renan Oliveira Santana.

Os exemplos referidos reiteram a afirmativa de que a variação linguística é um fenômeno natural intrínseco às línguas, sendo indiferente a modalidade desta. É fundamental abordá-la dentro do contexto da sala de aula no Ensino Superior na disciplina de Libras, junto aos ouvintes, a fim de ampliar a suas perspectivas em relação a esta língua, objetivando romper-se com a visão que ainda persiste de desvalorização desta, ao ser perspectivada como mera pantomima por pessoas desinformadas.

Considerações Finais

A introdução da disciplina da Libras no Ensino Superior é bastante recente, havendo uma carência de estudos ainda que possam subsidiar a atuação dos professores a ministrá-la. Também é importante mencionar que, apesar da legislação brasileira ter reconhecido a Libras como língua utilizada pelas pessoas surdas no Brasil, esta ainda não usufrui do mesmo status linguístico que as línguas orais.

Diante deste quadro, entende-se que o estudo da variação linguística precisa ser contemplado no currículo da disciplina no Ensino Superior, a fim de desconstruir a visão monolítica existente em relação às Línguas de Sinais, tal qual ocorre com as orais. Entende-se que o estudo sistemático deste fenômeno linguístico pode contribuir significativamente para desconstruir os preconceitos remanescentes em relação à Libras, ao fomentar a percepção de que esta, como todas as línguas, é acima de tudo um fenômeno social e, portanto, influenciada pela comunidade que a usa, de acordo com o contexto histórico, geográfico e sociocultural.

Notas

1 Observa-se que, de acordo com o Decreto 5.626/2005, são considerados cursos de formação de professores todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial.
2 Pidgin não é uma língua natural, mas apenas um sistema de comunicação rudimentar, alinhavado por pessoas que falam línguas diferentes e que precisam de comunicar” (RANGEL, 2013, p. 102).
3 O fato dos primogênitos surdos não terem direito à herança colocava em risco toda a riqueza da família. Neste sentido, importante observar que a incidência de surdos entre a nobreza era significativa, na medida em que os casamento entre os membros da própria família era usual, visto que esta era uma estratégia adotada para não dividirem suas riquezas com outras (ANDREIS-WITKOSKI, 2015).
4 Pedir a bênção é uma tradição antiga também entre as famílias brasileiras. Esta ação se constituía em as crianças pedirem a bênção para o pai e a mãe, beijando-lhes o dorso da mão estendida em direção a elas. Tal prática se estendia a outros familiares como aos avós, tios e, até mesmo, ao pastor.

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