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Flávia Machado
Flávia Machado
Professora e Tradutora Intérprete de Libras/Português
Conceitos Abstratos na tradução e interpretação de Língua Portuguesa-Libras-Língua Portuguesa: Contribuições da Linguística Cognitiva
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Publicado em 2011
I Seminário Internacional de Língua, Literatura e Processos Culturais: regionalidade e interdisciplinaridade, Caxias do Sul. Estudos do léxico: interfaces e aplicações. Caxias do Sul : Editora da Univ
Flávia Machado
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Resumo

A prática do tradutor-intérprete de Libras envolve várias competências e, entre elas, algumas específicas que podem ser compreendidas e desenvolvidas a partir das contribuições da Linguística Cognitiva e, mais estritamente, da Semântica Cognitiva. Estudos sobre os processos de categorização humana, com base no Realismo Corpóreo, têm elucidado fenômenos relativos à influência de modelos cognitivos e culturais sobre o modo como categorias conceituais se estruturam e atuam no processo de “fazer sentido” das experiências biossocioculturais em situações variadas de interação comunicacional (e.g. LAKOFF, 1987; LAKOFF; JOHNSON, 1999 entre outros). Neste estudo, de natureza experimental, investigam-se conceitos abstratos, tais como AUTONOMIA e CRÍTICO, nos processos tradutórios da língua de sinais, em estudo comparativo entre grupos (tradutores-intérpretes e surdos) do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Visa-se identificar os processos linguístico-cognitivos nas atividades de tradução da língua portuguesa (LP) para a Libras, por tradutores-intérpretes; e desta para a compreensão expressa inicialmente em Libras e, em seguida, em LP escrita, por sujeitos surdos. Utilizam-se, para a tradução, textos especialmente elaborados para tal propósito, suficientemente contextualizados para garantir sua coerência pragmática. Analisam-se, ainda, as práticas regionais do ato tradutório na mediação do intérprete de Libras. Essa investigação visa examinar hipóteses que levem ao aperfeiçoamento da competência de tradutores-intérpretes em Libras, nos processos de compreensão e ao elaborarem construções que expressem conceitos abstratos que possuem correspondentes lexicais/gramaticais na LP, mas não, necessariamente, em Libras. Trata-se de um estudo empírico em situação controlada, utilizando recursos de filmagem, manipulação do software ELAN e processos de transcrição próprios para a Libras (McCLEARY; VIOTTI, 2007).

1. Introdução

A presente proposta visa analisar o processo de interpretação-tradução de conceitos abstratos de língua portuguesa para Libras, por parte de TILS 4, de Libras para Libras e de Libras para língua portuguesa (LP) escrita por parte de sujeitos surdos. O objetivo da pesquisa é o de analisar as particularidades lexicais e semânticas dos conceitos abstratos da LP nos processos tradutórios da língua de sinais (LS). A pesquisa, de caráter empírico, em situação controlada, envolve sujeitos oriundos de duas regiões do Sul – Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com a participação de seis tradutores intérpretes graduando e graduados, que atuam com acadêmicos universitários surdos do ensino superior. O processo de pesquisa implica em: identificar os processos cognitivos da LS através da ação mediada do tradutor intérprete; transcrever a LS para a LP, usando o software ELAN; verificar, através da análise linguístico-cognitiva, as competências necessárias para a tradução bilíngue do tradutor intérprete da LS e LP; analisar as disposições da prática regional do ato tradutório na mediação do intérprete da LS; identificar aspectos interlinguísticos intervenientes na ação do tradutor intérprete da LS e da língua portuguesa e na interpretação apresentada em Libras pelo sujeito surdo; avaliar a competência pragmática nos processos de compreensão e interpretação da intenção comunicativa do locutor, que mantém a lógica de seu discurso, e a competência semântica a partir das marcas linguísticas do discurso do locutor e do interlocutor, ao elaborarem construções que expressem conceitos abstratos que possuem correspondentes lexicais na língua portuguesa, mas não, necessariamente, em Libras.

Esta investigação caracteriza-se como um estudo empírico em ambiente controlado, ao mesmo tempo que se serve do que a literatura teórica e aplicada disponibiliza sobre os aspectos linguísticos e cognitivos (de linguagem em uso) do referido sistema de comunicação.

Para a transcrição e análise do corpus obtido do processo utilizará o ELAN – Eudico Language Annotator – que é um software de transcrição de vídeo e áudio de LS – destacando-se trilhas e glosas com ênfase nas particularidades lexicais dos conceitos abstratos da semântica, no ato da tradução e interpretação Libras.

Com essa análise visa-se responder às seguintes questões: (1) Como se dá a tradução de conceitos abstratos para Libras? (2) Como as escolhas no ato de interpretar e traduzir conceitos abstratos afeta a interpretação do sujeito surdo? Das respostas (1) e (2), que competências e habilidades os TILS devem desenvolver para tornar mais eficaz sua atividade?

2. Língua de Sinais e a língua brasileira de sinais

Há algumas décadas, não se considerava o fato de as línguas de sinais serem uma língua natural ou uma língua com semelhanças a qualquer outro idioma de língua oral. Durante muito tempo na linguística acreditou-se que os sinais seriam apenas mímicas, pantomimas e/ou gestos isolados. Segundo Quadros (1997), as línguas de sinais são utilizadas pelas comunidades surdas no mundo inteiro e apresentam as mesmas características que as línguas orais. Todavia, as línguas de sinais são captadas através de experiências visuais das pessoas surdas e, portanto, nesse aspecto, se tornam distintas das línguas orais.

As línguas de sinais são sistemas lingüísticos que passaram de geração em geração de pessoas surdas. São línguas que não se derivaram das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas o canal espaço-visual como modalidade lingüística. (QUADROS, 1997, p.47)

Fernandes, definindo as línguas espaço-visuais, que se diferenciam das línguas orais-auditivas, esclarece que:

As línguas são denominadas orais-auditivas quando a forma de recepção não grafada é a oralização. De outro lado, são espaço-visuais quando a recepção se dá pelo sentido da visão. Nos dois casos, mesmo diferentes os canais de recepção, cumprem a função de permitir a comunicação e a interação entre membros de um grupo cultural. A língua a ser utilizada – oral-auditiva ou espaço-visual - é adequada para o caso de comunicação entre ouvintes e surdos, respectivamente, pois atingirá os canais de recepção lingüística específicos a cada sujeito, em seu contexto cultural. (2003, p.17).

Para o estudo proposto, examinam-se aspectos da LS e sua estrutura. Segundo Quadros (1997, p.119), “as língua de sinais [sic] envolve movimentos que podem parecer sem sentido para muitos”, mas que, para os surdos, “significam a possibilidade de organizar idéias, estruturar pensamentos e manifestar o significado da vida [...]”. Dessa forma, os sujeitos surdos poderão estabelecer uma forma de comunicação mediante a aquisição da LS. Como as línguas orais, a LS se constitui distintamente conforme suas culturas nacionais, permitindo a construção natural das identidades culturais que as comunidades surdas estabelecem. Os pesquisadores diagnosticaram “que uma língua de sinais não é transparentemente inteligível por surdos monolíngues de outra língua de sinais” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 32), isto é: cada região tem a sua língua construída culturalmente. Por exemplo, segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 32), no Brasil, “o sinal manual para NÃO, apesar de ser considerado icônico”, poderá apresentar um significado completamente diferente para a Libras, como também para a LS americana (ASL). Com isso, os sinais NÃO e ONDE serão diferenciados pela marcação das expressões de negação e de interrogação. O sinal manual NÃO tem o significado de negação no Brasil, já para a ASL o sinal manual NÃO representa um significado ONDE, conforme a ilustração a seguir (ver figura 1 e figura 2).

Sabe-se que a LS exerce forte influência sobre a construção da identidade surda. Entre os membros da comunidade existe a consciência de que o sinal deve evocar a ideia ou representar um significado cultural em sua comunidade. A língua traz a marca da identidade de seus falantes e representa elemento fundamental de coesão na construção intersubjetiva de traços identitários. Nesse sentido, a Libras tem um papel fundamental na comunidade surda, como uma comunidade linguística. Segundo Gumperz (1984):

comunidade linguística é todo aglomerado humano caracterizado por uma integração regular e frequente por meio de um conjunto de signos verbais compartilhado por todos os indivíduos desse aglomerado, distinto de outros aglomerados semelhantes por causa de diferenças no uso na linguagem (GUMPERZ, 1984. p.269).

Assim, há uma gama de variedades linguísticas na Libras. O usuário dessas variedades compreende os significados de cada sinal, de forma a contextualizar o que a comunidade surda manifesta em sua cultura. Já uma língua oficial é uma entre as variedades linguísticas de uma nação. Segundo Heredia (1989), numa comunidade linguística:

seus membros têm em comum ao menos uma variedade de língua e também normas de uso correto, uma comunicação intensiva entre eles, repertórios verbais ligados a papeis e unificados por normas, enfim, uma integração simbólica no interior do grupo ou do subgrupo de referência. (p.179).

Essas normas constituem um sistema de convenções que se representam por “glosas com palavras do português nas transcrições” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 37-8). No sistema de transcrição da LS, em alguns casos, é utilizada uma notação: quando são “antecedidos de um asterisco, a sentença ou o sinal é agramatical, ou seja, não é possível de ser gerada/o na língua de sinais[...]”, sendo representados de uma forma simplificada na Libras. As autoras, ressaltam que “o movimento, a mudança da expressão facial e a mudança na direção do olhar” dificultam a precisão da transcrição. Por isso, criaram-se convenções específicas para a Libras associadas ao uso das expressões, configurações de mãos, movimentos e orientações das mãos na tentativa de identificar a glosa de sinal manual que possuíam traços semelhantes. A construção das sentenças possui regras próprias, seguindo representações mentais das percepções visual e espacial, como, por exemplo, em LP: O menino vai para casa e em LS: [Menino casa ir].

A aquisição de um sistema linguístico supõe a organização/reorganização de todos os processos mentais do sujeito. Como afirmam Quadros (1997) e Góes (2002), a linguagem constitui-se em instrumento fundamental para o conhecimento humano, e com isso o homem pode superar o limite da experiência sensorial, individual, e formular generalizações ou categorias. Pode-se dizer que, sem a linguagem, o homem não terá formado o pensamento abstrato. A linguagem, na sua forma estruturada de língua, apresenta-se, assim, como fator de formação da consciência, permitindo pelo menos três mudanças essenciais à criatividade consciente do homem: ser capaz de duplicar o mundo perceptível, assegurar o processo de abstração e generalização, e ser veículo fundamental de transição e informação (BERNARDINO, 2000; BRITO, 1995).

A LS é uma língua de caráter natural para a comunidade surda, sendo a primeira língua (L1). Quadros e Karnopp (2004, p. 30) definem a língua natural, “como um sistema linguístico legítimo e não como um problema surdo ou como uma patologia da linguagem”. As autoras afirmam com isso (apud Stokoe, 1960) que: “[...] a língua de sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças”. Stokoe (1960, apud QUADROS, 1997, p. 84) ressalta que:

A LIBRAS é adquirida pelos surdos brasileiros de forma natural mediante contato sinalizadores, sem ser ensinada [...], consequentemente deve ser sua primeira língua. A aquisição dessa língua precisa ser assegurada para realizar um trabalho sistemático com a L2, considerando a realidade do ensino formal. A necessidade formal do ensino da língua portuguesa evidencia que essa língua é, por excelência, uma segunda língua para a pessoa surda.

Porém, a aquisição da segunda língua (L2) para a comunidade surda se dá através do contato com o usuário ouvinte da LP, sendo a Libras, para o ouvinte, sua L2.

3. Conceitos abstratos em língua de sinais: contextualização, compreensão e tradução

As línguas orais e auditivas são complexas em seus aspectos linguísticos e culturais. Para Dascal (2006, p. 106-107) a fala

normalmente é utilizada para transmitir uma interpretação pragmática, e o sucesso na comunicação é medido pela capacidade de o destinatário alcançar essa interpretação. Isso, quando ocorre, é o que o termo 'compreensão' geralmente abrange. Observem que a compreensão é sempre uma compreensão pragmática. Não se trata apenas de compreender as palavras do falante [...], nem de compreender tais palavras em sua específica referência ao contexto da elocução [...], e sim de alcançar a intenção do falante ao proferir tais palavras naquele contexto.

A interpretação consiste em encontrar 'pistas' de significados implícitos, em atentar para a polissemia dos itens lexicais que expressam conceitos abstratos e em determinar, em cada enunciado, o que expressam em função do contexto linguístico-situacional. Além disso, há uma capacidade individual de estruturar conhecimentos, uma habilidade própria de organizar as experiências cognitivas. Bernardino (2000, p. 66) ressalta que “a linguística cognitiva tem-se dedicado ultimamente [...] [a] produção linguística com relação aos aspectos processuais ou representações mentais da mente”.

Quando o tradutor intérprete de Libras e LP se depara com a tarefa de sinalizar conceitos abstratos pode surgir uma variedade de problemas, tais como: (a) para certos conceitos lexicalizados em LP não há sinais equivalentes em Libras; e (b) há a dependência estrita a contextos específicos em que o TILS atua como, por exemplo: jurídicos, clínicos, pedagógicos e entre outros. Assim, numa tradução, encontram-se conceitos abstratos que recebem diferentes interpretações, como é o caso de REFLETIR, cujo significado depende dos contextos de uso. Em Libras, para o verbo ‘refletir’ há um sinal isolado, conforme a figura 3 5.

Esse sinal, realizado nessa glossa, faz parte de um léxico específico, sujeito a variedades regionais. Veja-se o enunciado (a): “[...] a crise econômica refletiu em alguns nichos do mercado[...]6. . Esse enunciado, no ato de tradução para Libras, é primeiramente compreendido; depois, interpretado e só, então, é realizada a escolha de sinalização, que terá a seguinte sintaxe: (a-Libras) “problema sério economia prejudicar dentro trabalho + pessoas7 . . Na sinalização o item lexical 'prejudicar', é configurado desta forma (ver figura 4) 8.

As particularidades do conceito abstrato REFLETIR e sua expressão lexical em língua portuguesa ficam evidentes em (a), provocando uma tradução guiada por uma estratégia semântico-pragmática. Isso se deve ao fato de o léxico da LS ter propriedades diferenciadas do léxico das línguas orais e vice-versa. Segundo a hipótese (versão fraca) de Sapir-Whorf, aceita pelos estudiosos de Linguística Cognitiva, a língua influencia a maneira de pensar de uma cultura. (SAPIR, 1958). Portanto, não se pode negar que o modo de pensar do usuário de LP diferencia-se daquele do usuário de Libras, e esses universos cognitivos permanecem em diálogo constante no ato tradutório.

O uso da datilologia – “soletração manual [...] direta do português, é uma forma de representação manual da ortografia do português, envolvendo uma sequência de configurações de mão que têm correspondência com a sequência de letras escritas do português”. (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 88) – é um recurso de mediação entre esses universos lingüístico-cognitivos. Segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 88), “o léxico não-nativo contém palavras em português que são soletrados manualmente, e essas formas podem ser consideradas na periferia do léxico da língua de sinais brasileira”. Os TILS soletram palavras do português em uma variedade de contextos, pois, quando surgem termos de ordem técnica e não há um sinal equivalente, tomam emprestado o código linguístico da LP. Entretanto, conforme Bernardino (2000, p. 66), “o problema está em explicar como esses conhecimentos [conceitos] se integram para formar a cognição como um todo”. Por isso, os TILS necessitam compreender o conceito para que a tradução se consolide. Porém, em muitos casos de tradução não há recursos diretos. Assim, a autora enfatiza:

[...] as pessoas não podem entender palavras que ouvem somente selecionando significados a partir de uma lista do léxico [...]. Elas devem criar significados a partir de informações que acreditam serem comuns entre elas e o falante. A compreensão da palavra, então, pode ser vista como uma mistura de seleção e criação de significados. Em um processo centrado no contexto, os ouvintes usam a situação e o contexto da sentença para a compreensão do que o falante quer dizer. Quanto mais informações o contexto provê, maior é a confiança conseguida na construção do significado. (CLARK, 1992, apud BERNARDINO, 2000, p. 66-67).

Compreender o conceito abstrato em uma tradução é fundamental para que os TILS realizem uma tradução contextualmente adequada, evitando traduções equivocadas e problemas de comunicação deles decorrentes. No caso específico desta pesquisa, enfatizam-se as competências de compreender, interpretar e traduzir itens lexicais da língua portuguesa, em geral altamente polissêmicos, que expressam conceitos abstratos relativamente complexos, mesmo para os usuários de LP como L1.

4. O profissional tradutor-intérprete de LS: competências e habilidades

Na medida em que a Libras passou a ser reconhecida como língua de fato, os surdos passaram a ter garantia de acesso social, por meio desse profissional. Instituições de ensino e empresas começaram a garantir acesso ao profissional intérprete de LS. Quadros afirma: “O processo histórico deste profissional se deu a partir de atividades espontâneas que foram sendo valorizadas enquanto atividades de trabalho no decorrer do tempo em que os surdos foram construindo seu espaço de cidadania.” (2002, p.13).

As competências e habilidades que envolvem a tradução, assim como a aplicação de modelos teóricos ligados à formação dos tradutores intérpretes da LS. Essa competência se vincula a um “processo tradutório”, pois, segundo Robinson (2002. p. 133):

a tradução é um ciclo constante de aprendizado que passa pelos estágios do instinto (disposição indistinta), experiência (trabalho no mundo real) e hábito (“prontidão para a ação”) e, dentro da experiência, pelos estágios de abdução (conjecturas), indução (criação de modelos) e dedução (regras, leis teorias).

O tradutor-intérprete faz a mediação entre ouvintes e surdos, em diferentes interações com um ou mais interlocutores, tais como: consultas médicas, audiências jurídicas, trâmites ou outros eventos que necessitam de uma mediação comunicativa, constantemente enfrentando e resolvendo problemas novos de maneira analítica consciente. (ROBINSON, 2002, p. 133).

Mesmo com o crescente investimento na formação de intérpretes de LS, persiste uma grande confusão sobre o seu real papel. Muitas pessoas ainda consideram a interpretação de LS como um serviço caritativo ou uma habilidade simples, comparável à mímica. Outros tantos se autodenominam intérpretes sem nunca terem passado por qualquer formação, que os capacite e os habilite para a atividade tradutória de mediação. Acredita-se que é imprescindível para o intérprete ter competências tradutórias bilíngues, mas verifica-se que nem toda pessoa considerada bilíngue possui competência tradutória, como bem alerta Albir:

Embora qualquer falante bilíngüe possua competência comunicativa nas línguas que domina, nem todo o bilíngüe possui competência tradutória é um reconhecimento especializado, integrado por um conjunto de conhecimentos e habilidades, que singulariza o tradutor e o diferencia de outros falantes bilíngües não tradutores. (2005, p.19).

Além disso, o intérprete da LS precisa ser fluente em determinado sistema linguístico, já que precisa traduzir em tempo real (interpretação simultânea) ou com pequeno lapso de tempo (interpretação consecutiva) uma língua sinalizada para língua oral (ou vice-versa), ou então, para outra língua sinalizada (JAKOBSON, 1969). Assim, segundo Pereira e Russo (2008, p. 12), o intérprete de Libras:

precisa ter seu espaço próprio, que suas funções não sejam mescladas e confundidas com as dos professores, monitores, auxiliares ou qualquer outra função. Nossa tarefa é de sermos mediadores linguísticos e culturais em diversas instâncias, atuando como interpretes de conferências em palestras, seminários, congressos e congêneres; interpretes acompanhantes em entrevistas, trâmites burocráticos, consultas médicas e jurídicas, tradutores quando os surdos sinalizam e temos que colocar na língua escrita e também como intérpretes educacionais nas instituições de ensino.

Com as pesquisas crescendo na área, podemos problematizar o que temos encontrado nos depoimentos publicados em obras de referências na área da surdez, que deixam transparecer uma desconfiança sobre a capacidade dos intérpretes de Libras e LS. Identificamos que uma das limitações é a falta de avaliação do trabalho dos intérpretes de LS. Para Sá (1999), persiste a necessidade de mais pesquisas sobre a “fidedignidade” nas atuações dos intérpretes, pois é considerado fundamental que os intérpretes da LS, sejam capacitados para o uso de habilidades e competências LS.

Em suma, a competência tradutória abrange um amplo “conhecimento especializado”, gerado por uma soma de competências e habilidades, “que identifica o tradutor e o distingue de outros falantes bilíngues não tradutores.” (ALBIR, 2005. p. 15).

5. Conceitos abstratos: contribuições da Linguística Cognitiva (LC)

Conceitos projetam a realidade de acordo com nossas experiências. Uma categoria conceptual agrupa um conjunto de entidades e as representa. Segundo Delbecque (2008):

o mundo não é uma realidade objectiva em e por si mesma. Ela aparece-nos sempre de uma forma ou de outra por meio de nossa actividade que consiste em categorizar com base em nossa percepção, nos nossos conhecimentos, no nosso estado de espírito; em suma, a partir de nossa condição humana. Isto não quer dizer que a realidade assim criada seja subjectiva, uma vez que conseguimos chegar a acordo sobre as nossas experiências intersubjectivas. Com efeito, viver em sociedade significa partilhar experiências comuns. (p. 35)

Essa visão é chamada de “experiencialista” (cf. LAKOFF, 1987; FELTES, 2007). Conceitos como FRUTA, MESA, LIVRO envolvem processos de categorização que são resultado da interação de nossa percepção, conhecimentos socioculturais e situacionais (de uso). Embora pareçam menos problemáticos, eles implicam, em sua construção e uso, em uma série de operações cognitivas e acordos com a comunidade de fala. Outros conceitos como VIOLÊNCIA, LIBERDADE, AMOR, VIDA, JUSTIÇA (cf. FELTES, 2007) são mais complexos em sua construção e aplicações a contextos de fala, pois são afetados pela natureza das instituições sociais, jurídicas, religiosas, entre outras, as quais variam sobremaneira de cultura para cultura e de subcultura para subcultura em uma mesma comunidade. São considerados abstratos à medida que implicam mais operações de abstração, em que crenças e valores introduzem não apenas maior variação, mas também mais negociações de sentido em eventos de fala.

Seguindo a proposta da Teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados - TMC (LAKOFF, 1987), conceitos e categorias têm sua estrutura motivada por modelos cognitivos e culturais. Estes são construções que organizam o pensamento através das relações humanas e culturais, porque temos o corpo que temos e interagimos no mundo de modo a compartilhar certas experiências. Como construtos, são idealizados porque não “representam” o mundo de forma objetiva, são relativamente estáveis, mas sujeitos à variação em função da dinâmica das relações socioculturais historicamente determinadas. Ou seja, “[o]s modelos, portanto, são o resultado da atividade humana, cognitivo-experiencialmente determinada, são resultado da capacidade de categorização humana”(FELTES, 2007, p. 89). A autora, fundamentando sua posição a partir de Lakoff (1987) e Lakoff e Johnson (199), salienta que:

[...] cada indivíduo pertence, simultaneamente, a diferentes grupos, em diferentes níveis simultâneos de “localidade”(mais alta ou mais baixa numa hierarquia; mais imediatos ou menos imediatos). Ao mesmo tempo, não existe um repositório separado de conhecimentos linguístico ou cultural fora de qualquer comunidade e linguística. Entretanto, os esquemas individuais, a serem construídos, agregam detalhes individuais relativamente ao que é percebido como normas ou formas culturais relevantes, principalmente porque o indivíduo é, em certo nível, consciente ou “conscientizável” de seus próprios desejos, percepções e sentimentos, existindo à parte de e em contradistinção a essas comunidades que imputam as normas e formas de linguagem e cultura (2007, p. 90).

As categorias conceptuais, por sua vez, ao inscreverem-se na língua tornam-se categorias linguísticas, de modo que, conforme Delbecque (2008):

a comunidade “tradu-las” em signos linguísticos. Uma visão mais abrangente da língua como sistema de signos ultrapassa o tipo de ligação entre a forma e o significado de um signo linguístico. Este é então ligado ao “conceptualizador” humano e ao mundo que é o seu, isto é tal como ele o vive. O conceptualizador, as categorias conceptuais e os signos linguísticos estão ligados entre si (p. 35).

Essa interligação é mais complexa quando se examinam conceitos abstratos. Mais ainda quando se colocam em contato sistemas linguísticos, por processos tradutórios. Isso porque se as categorias linguísticas de um sistema e outro estão afetas aos processos de conceptualização/categorização cognitiva e socioculturalmente orientados e, ainda, pela hipótese Sapir-Whorf, sistemas linguísticos influenciam a forma como o “mundo” é organizado, há que se colocar em relevo as negociações que têm lugar quando sujeitos que têm Libras como L1 são introduzidos num universo de significações que parte da LP, reorganizando-as de acordo com as categorias conceptuais e linguísticas dessa L1.

Segundo a semântica experiencialista, que é o fundamento da TMCI:“[o] significado não é uma coisa; ele envolve o que é significativo para nós. Nada é significativo em si mesmo. A significatividade deriva da experiência da atuação como um ser de um certo tipo em um ambiente de um certo tipo.” (LAKOFF, 1987, apud FELTES, 2007, p. 126),

Nos estudos sobre a significação, destaca-se o fenômeno da polissemia: um item lexical pode ter vários significados. Conforme Lakoff (1988, apud FELTES, 2007, p. 182-183):

Os sentidos se multiplicam porque a mente constrói na experiência, numa experiência com os outros, uma experiência reconstruída pela memória dessas experiências ou pelo sentido das interações que geraram esses sentidos, que os transformaram e que, de um modo ou de outro, em diferentes graus de consistência, orientaram nossa vida interior e nossos modos de convivência.

Silva (2006) esclarece que “[a] polissemia é o fenômeno típico, a estruturação principal da dimensão semasiológica das palavras, isto é, a dimensão que parte da componente formal da palavra ou, em termos de Saussure, do significante para os sentidos e referentes que podem estar associados a essa forma e, logo, a essa palavra ou item lexical.” Porém, o autor argumenta que:

[n]a dimensão inversa, a onomasiológica, que parte do conceito, significado ou referente para as diferentes formas e, logo, para as diferentes palavras ou itens lexicais que o podem designar ou nomear, funcionam outros tipos de estruturação, como o campo lexical, a hierarquia lexical, relações de sinonímia, antonímia, hiponímia. A polissemia é assim o fenómeno semasiológico primordial, sendo a sinonímia o inverso onomasiológico mais directo e o campo lexical, a taxionomia e o enquadramento (“frame”, Fillmore 1977, 1985) as estruturas onomasiológicas mais relevantes. (p.26)

Para Taylor (2002, p. 471) “[u]ma língua sem polissemia seria útil apenas num mundo sem variação ou inovação, em que os falantes não tivessem de responder a novas experiências nem encontrar símbolos para novas conceptualizações.” Assim, o autor enfatiza a LC como uma das linhas a se debruçar sobre os estudos da polissemia, com o propósito de encontrar, nos níveis mais gerais ou de abstração, os sentidos de ocorrências polissêmicas que se representam na mente do sujeito, no uso de expressões linguísticas. Conforme Silva (2006)

A polissemia é foco de atenção também nos muitos estudos de semanticistas cognitivistas sobre metáforas e metonímias conceptuais, integração conceptual (“blending”), protótipos, enquadramentos (“frames”) semânticos, redes (“networks”) semânticas. As razões deste interesse pela polissemia são contrárias às que, como vimos na secção anterior, levaram estruturalistas e generativistas a menosprezar a polissemia. E, por outro lado, confundem-se com alguns dos próprios princípios fundamentais da Linguística Cognitiva. ( p. 55)

Silva resume a abordagem da LC/Semântica Cognitiva para a polissemia como relacionada à categorização prototípica, estabelecendo diferentes graus de representações mentais entre as conceptualizações intuitiva e analítica. Constrói-se uma rede de sentidos que se interligam por diferentes tipos de relações. Com as palavras do autor:

O modelo da rede esquemática combina esquemas e protótipos, isto é, categorização por esquemas e categorização por protótipos. O esquema abstrai o que há de comum às suas instanciações. E uma instanciação herda as especificações do esquema, mas elabora-o com mais detalhes. Diferentes instanciações elaboram o esquema de modos contrastivos. O esquema é imanente às suas instanciações: a actividade de processamento que constitui aquele é inerente à actividade de processamento destas. O protótipo é a imagem mental das propriedades mais representativas. As extensões a partir do protótipo fazem-se por relações de similaridade metafórica ou contiguidade metonímica. Os nós são discretos no sentido de que cada um representa uma rotina cognitiva ancorada no léxico mental dos falantes. Embora os vários nós se sobreponham, cada um possui a sua própria identidade e o seu próprio potencial de activação independente. No entanto, há diferenças de saliência entre esses nós, havendo os mais ancorados e os mais periféricos ou os que exigem mais esforço de processamento. Tipicamente, a estrutura de uma categoria e, mais ainda, de uma categoria polissémica é uma rede altamente complexa, com vários níveis de esquematicidade e várias cadeias de extensão. (SILVA, 2006. p.85).

6. Método e procedimentos

A pesquisa caracteriza-se como estudo empírico por meio de um experimento em situação controlada, com projeto aprovado por Comitê de Ética. Como não se trata de testar métodos de tradução, mas de verificar quais são os recursos explorados na tradução, por tradutores-intérpretes proficientes, de textos originalmente elaborados em LP para o sistema da Libras numa situação de comunicação com surdos, não se lança mão de grupo de controle e grupo experimental, nem de etapas pré e pós-teste. As etapas do procedimento empírico são as seguintes:

(1) Elaboração de textos pragmaticamente contextualizados: envolveu a construção de um conjunto de textos contextualizados com condições mínimas, necessárias e suficientes, para que fossem compreendidos pelo tradutor-intérprete, interpretados e, então, traduzidos para Libras. Em sua constituição semântico-lexical há conceitos abstratos (em rede polissêmica) que possuem, em LP, um lexema estabelecido. O sentido do lexema varia em cada contexto linguístico imediato. Os conceitos CRÍTICO (‘crítico’) e AUTONOMIA (‘autonomia’) foram os candidatos para o experimento. Nesse artigo, apresenta-se somente a análise parcial para o microtexto com o conceito abstrato CRÍTICO:

“Desde o início do ano letivo, os alunos são incentivados a pensar a respeito de temas e problemáticas inerentes à adolescência. O propósito é o desenvolvimento de um cidadão CRÍTICO1 e consciente da conjuntura social que o cerca. Nesse ínterim, a direção escolar, organiza semestralmente encontros entre as turmas de 7ª e 8ª séries com o objetivo de abordar tais problemas cotidianos enfrentados costumeiramente pelos adolescentes. Nesses encontros, os alunos manifestam seu pensamento CRÍTICO2 sobre os temas apresentados. Percebe-se que um dos maiores desafios que os alunos enfrentam diariamente é o olhar CRÍTICO3 que os pais lançam sobre algumas atitudes comportamentais equívocas na escola; como também o pensamento CRÍTICO4 que o professor dirige sobre seus alunos em sala de aula. Essas situações são consideradas por alguns alunos como algo extremamente CRÍTICO5” .

(2) Seleção dos sujeitos participantes do experimento: participaram do experimento dois grupos de tradutores-intérpretes de Libras, proficientes, graduandos ou graduados em nível acadêmico superior, habilitados conforme a legislação 5.6.26 de 20 de dezembro de 2005, sendo, cada grupo, provenientes de regiões diferentes: RS/Caxias do Sul e SC/Florianópolis. Os sujeitos surdos, em número de seis, têm como L1 Libras e, como L2, LP (modalidade escrita) e são provenientes, como os TILS, das regiões referidas. Todos são graduandos ou graduados em nível acadêmico superior.

(3) Condução do procedimento de tradução: os procedimentos foram executados em seis etapas durante o experimento.
(3.1) Primeira versão: os TILS e os surdos não tiveram o conhecimento prévio do microtexto:
(1ª) Em uma 1ª versão os TILS realizaram a interpretação dos textos elaborados em sintaxe da LP para a sintaxe da Libras 9.
(2ª) O sujeito surdo, ao final de cada interpretação, expressou em Libras o que compreendeu da interpretação do ILS.
(3ª) O sujeito surdo, em seguida, expressou em modalidade escrita da LP o que compreendeu da interpretação.
(3.2) Segunda versão: os TILS tiveram acesso da modalidade escrita do microtexto:
(4ª) Em uma 2ª versão os TILS realizaram novamente a interpretação dos textos elaborados em sintaxe da LP para a sintaxe de Libras.
(5ª) O sujeito surdo, ao final de cada interpretação, expressou em Libras o que compreendeu da interpretação do ILS.
(6ª) O sujeito surdo, em seguida, expressou em modalidade escrita da LP o que compreendeu da interpretação.

(4) Registro do processo descrito em (3.1 e 3.2): o experimento foi filmado utilizando-se três câmeras digitais, sendo: uma com ângulo direcionado para o surdo; outra, com ângulo direcionado para o TILS, e a terceira capturando a imagem dos interlocutores simultaneamente, conforme a simulação ilustrada pela figura 5.

(5) Transcrições de LP e Libras: dentre os softwares disponíveis, escolhemos para esta pesquisa o ELAN que permite “inserir vocabulário controlado, tipos lingüísticos [e] trilhas de transcrição”. Para Quadros e Pizzio (2009, p. 23), “[a] primeira coisa que deve ser feita ao iniciar um documento [...] no ELAN é definir quais as trilhas de transcrição que serão necessárias para um determinado projeto [...] determinar o tipo lingüístico que [vai] aplicar a cada trilha de transcrição [...]. A figura 6 10 ilustra o sistema de anotações do ELAN.

Essas anotações permitem que sejam geradas trilhas de acordo com as próprias anotações e os tempos dos vídeos. Assim, “[t]odas as trilhas são indicadas na linha do tempo e no visor interlinear, mas três destas trilhas podem ser indicadas adicionalmente no visor do subtítulo (QUADROS; PIZZIO, 2009, p. 25). As autoras identificam uma trilha como um “conjunto das anotações que compartilham das mesmas características, por exemplo, uma trilha que contém a transcrição das glosas de um sinalizante, uma outra trilha que contém a tradução dessas glosas e assim por diante”. Conforme as autoras, o ELAN trabalha com dois tipos de trilhas:11 “trilhas independentes que contêm as anotações que são ligadas diretamente a um intervalo do tempo; [e] [...] trilhas dependentes, que contêm as anotações que são ligadas às anotações de uma outra trilha (isto é, às anotações de sua "trilha-mãe”)”. (QUADROS; PIZZIO, 2009, p. 26).

No sistema de transcrição da Libras, é necessário adicionar 'trilhas' que definem os atributos com que se irá trabalhar. Nesta pesquisa focalizam-se os sinais empregados pelos TILS para expressar os conceitos abstratos a partir dos microtextos elaborados e aqueles empregados pelos sujeitos surdos em sua compreensão expressada em Libras. A linha das glosas foi seguida pelos sinais regionais do RS e de SC, visando à comparação das variedades linguísticas que há na Libras. Registram-se em trilhas as informações das particularidades lexicais na expressão de conceitos abstratos. Isso permite uma sistematização dos registros e das análises naquilo que é objeto de investigação. A partir da transcrição, realizaram-se as etapas seguintes:

(1ª) Transcrição da libras 12: consta em registros selecionados em cada trilha – (1) interpretação das glosas, (2) as ocorrências de expressões não-manuais e (3) os conceitos abstratos utilizados nos microtextos.

(2ª) Análise dos dados coletados: a partir dos registros, é realizada a análise do processo de interpretação dos TILS e de compreensão pelos sujeitos surdos.

7. Resultados Parciais

Tendo como base o microtexto apresentado no item (1) dos métodos e procedimentos (6), apresenta-se a síntese dos resultados parciais do experimento no Quadro 1. Observa-se que, para cada conceito abstrato, expresso linguisticamente no microtexto, tem-se os seguintes significados para cada ocorrência de ‘crítico’:

  • CRÍTICO1v.i. Refletir/pensar - reflita antes de decidir;
  • CRÍTICO2 - s.f. Opinião - modo de ver, pensar, deliberar, parecer, conceito, juízo, reputação, idéia e princípio de alguma coisa ou pessoa;
  • CRÍTICO3v.t. Observar/avaliar/reclamar – cumprir, respeitar, obedecer, examinar, analisar, verificar, espiar, vigiar, advertir, notar, ver, objetar, replicar, ponderar, calcular, apreciar, estimar.
  • CRÍTICO4s.f. Opinião - modo de ver, pensar, deliberar, parecer, conceito, juízo, reputação, idéia e princípio de alguma coisa ou pessoa;
  • CRÍTICO5adj. Incômodo - que causa mal-estar, que causa inquietação, importuno, que causa dificuldade, embaraço, estorvo.

No quadro (ver figura 7) registram-se as escolhas de tradução a partir da interpretação do microtexto de cada TILS, em cada etapa (1ª e 2ª versões), assim como o resultado da interpretação do sujeito surdo, expressa em Libras.

Numa análise ainda parcial, verifica-se que conceitos abstratos são, de fato, problemáticos tanto para os TILS como para os sujeitos surdos, dada a variedade de escolhas de sinalização, que procuram encontrar sinônimos aproximados ou paráfrases para que o significado de ‘crítico’ em LP seja passível de entendimento por parte do sujeito surdo. Essas escolhas ora se ajustam, em algum grau, ao significado contextual, ora se distanciam, em cada versão. Porém, para o sujeito surdo, a expressão da compreensão ainda se revela altamente complexa devido a fatores ainda a serem investigados.

Considerações Finais

A pesquisa que é objeto deste artigo certamente contribui para aspectos fundamentais da competência tradutória, especificamente nas particularidades da tradução-interpretação de conceitos abstratos, cuja expressão em língua portuguesa e Libras é tão variada quanto complexa, dadas as diferenças linguísticas nos níveis lexicais e sintáticos entre os dois sistemas.

Notas

4 TILS – Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais
5 Figura extraída do Dicionário de língua Brasileira de Sinais virtual do site Acessibilidade Brasil. Acesso disponível: http://www.acessobrasil.org.br/libras/ Ressaltamos que o sinal configurado conforme a figura 3 pode ser interpretado, dependendo do contexto, como: IMAGINAR e SONHAR.
6Enunciado extraído de palestra proferida na semana acadêmica de Administração na UCS a qual foi interpretada.
7 Tradução do português para Libras, pela a autora.
8 Figura extraída do Dicionário de língua Brasileira de Sinais virtual do site Acessibilidade Brasil. Acesso disponível: http://www.acessobrasil.org.br/libras/
9 A tradução fará uso apenas dos recursos linguísticos que a gramática da Libras oferece, sem uso de técnicas empregadas na tradução oral.
10 A figura 6 foi extraída de Quadros e Pizzio (2009, slide 13).
11 McCleary e Viotti (2007) propõem outro modelo no qual existem diferentes trilhas para a anotação de cada movimento – trilha de sinal manual, glosas, unidades entoacionais, cabeça, linha dos olhos e outros.
12 As transcrições realizadas nas trilhas do ELAN seguiram estes passos: [1] sincronizar os vídeos capturados nas câmeras digitais em arquivos com a extensão MPEG1 para a extensão eaf. (compatível para a versão 2.6.3 do sistema de transcrição do ELAN); [2] usar uma velocidade muito baixa para transcrever as interpretações, registrando as glosas constituídas para vídeo: os movimentos, expressões faciais e não manuais, os processos dêiticos e anafóricos e principalmente as escolhas de itens lexicais para cada interpretação específica dos conceitos abstratos de AUTONOMIA e CRÍTICO.

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