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Amílcar José Morais
Amílcar José Morais
Professor de Língua Gestual Portuguesa
A Comunidade Surda e as Instituições
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Publicado em 2016
Plataforma porsinal.pt
Amílcar José Morais
Resumo

Apresenta-se a situação da Comunidade Surda integrada em três aspetos, Comunidade, Família, e Sociedade Civil, nas duas áreas transversais Instituições e Estado Social. Em Portugal e em todo o mundo reconhece-se que a base fundamental da educação reside entre a família e as crianças dependentes. Na ligação à emotividade, afetividade, e linguística, incluindo à base biológica da aquisição da linguagem, a família surge sempre como pioneira na construção de caminhos de vida dos membros da Comunidade em geral, com o apoio do Estado e de outras instituições. No texto reflete-se sobre a Pessoa da Comunidade Surda, a Pessoa Surda, que vive numa sociedade maioritária com uma língua diferente. No desenvolvimento da Pessoa Surda no meio da família ouvinte existe barreira de comunicação, cognitiva, emocional e afetiva. O Estado e as suas medidas de apoio, bem como de outras instituições revelam uma posição de pouca exigência e elevada despesa.

1. Breve introdução

Após o nascimento de uma criança Surda numa família ouvinte aparecem todos os problemas médicos, e sem respostas definitivas, relacionados com o acompanhamento clínico dessas crianças. A resposta por parte do Estado deve estar incluída, nomeadamente através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), legalmente obrigado a prestar cuidados a todos os cidadãos. Neste processo, a função primordial da família centra-se nas questões médicas, no diagnóstico, no entanto, como tratamento contrário está o favorecimento da linguística e as Línguas Gestuais (LGs) enquanto primeiras línguas das crianças Surdas. Em Portugal, a Língua Gestual Portuguesa (LGP) foi reconhecida pela Constituição da República Portuguesa, no ano de 1997, surgindo este facto como um “terramoto” no que concerne ao acompanhamento geral do desenvolvimento da criança Surda, à construção da integração da sua Comunidade na sociedade maioritária, e à proteção do Estado. As estratégias mundiais referentes às crianças e jovens Surdos (e Pessoas Surdas em geral) incidem sobre o seu direito à língua, e não em tratamentos nos quais são vitimizados. Comprova-se que as causas primárias estão na família, sendo que cerca de 90% destas crianças Surdas nascem no seio de famílias ouvintes. O início dos problemas após o nascimento surge nessas famílias e nos profissionais das equipas clínicas: Intervenção Precoce, Otorrinolaringologia, Terapia de Fala e Consulta Infantil.

2. Construção do papel de estruturação

Na experiência das pessoas portuguesas, e em geral, a construção do papel da família deve assentar em laços de parentesco, como o casamento ou união de facto, a descendência e a consanguinidade, a afetividade, e na gestão da sua própria responsabilidade sem ou com o apoio da família alargada. Na construção do lar, prepara-se sempre um quarto para receber o novo membro da família: o bebé, ao qual se atribui um nome afetivo, revelador do amor familiar. No entanto, quando, de repente, nasce uma criança de que não se estava à espera: com deficiência, o sonho e as expetativas dos pais caem no abismo, e procuram respostas para a diferença que a criança apresenta em relação ao mundo que a rodeia. Na realidade, as posições de muitas instituições e do Estado não defendem o percurso familiar da criança Surda e a sua estruturação, reencaminhando-as para a consulta de Otorrinolaringologia (ORL) em vários hospitais da zona de residência dos pais. Os técnicos dessas equipas têm outra posição pouco favorável aos objetivos existentes da Comunidade Surda, e encaminham para medidas erradas do desenvolvimento familiar e da criança Surda. A destruição e o desconhecimento da Comunidade Surda ainda não são reconhecidos pelas instituições e pelo Estado. As famílias portuguesas preocupam-se, sobretudo, com as funções primordiais clínicas do que com a socialização linguística e afetiva. Em Portugal as práticas e as orientações à família são contraditórias, fazendo-se caminhos errados, e a bola de neve aumenta, os problemas acrescem e a responsabilidade sobre o percurso do ciclo de vida passa para a alçada e resposta do Estado, nomeadamente para instituições com crianças em situação desfavorável, de risco, e de comunidades específicas, entre outros, para estruturar a sua integração social e familiar.

As crianças Surdas crescem em ambientes de desvalorização e de baixa autoestima, e as famílias não se apercebem devido a barreiras erguidas de não comunicação e afetividade. A criança Surda poderá ser feliz mas ninguém a entende. Aparece a limitação e o distanciamento entre a família e a criança Surda.

3. O termo «deficiente»

O termo “deficiente” ou o chamar alguém de “pessoa com deficiência” é atribuir um estigma global, abrir o caminho para a discriminação e o preconceito. A perspetiva sociológica afirma que ser Pessoa Surda é reconhecer, como a qualquer outra pessoa, a diferença na língua e não em razão de deficiência. Milhares de pessoas reconhecem os seus direitos e deveres como cidadãos sem limitações, querendo dizer que nem a criança Surda nem a família, na qual está integrada, podem ser discriminadas no interior de uma sociedade maioritária.

4. Proposta de articulação para Respostas Sociais

A nova articulação deve criar no campo do atendimento clínico à criança Surda a posição da família, devendo esta ser reconhecida como relevante e clarificada. A perspetiva jurídica reconhece que a família será sempre a representante legal no desenvolvimento da criança Surda, tendo de ser informada de forma compreensível, honesta, completa, com realidade sobre o diagnóstico e as diversas possibilidades disponíveis, com o envolvimento dos modelos linguísticos da Comunidade Surda, garantia que deve ser assegurada com o apoio do Estado. Em resumo, as crianças Surdas devem envolver-se nas duas comunidades: familiar (ambiente afetivo) e Surda (ambiente linguístico e identidade). Observemos o quadro desta nova articulação proposta e o esclarecimento das funções de cada elemento da sociedade:

Estado, tem um objetivo central no interesse da vivência das pessoas no plano jurídico e legislativo e na proteção das comunidades, soberania e nação.

Instituições, são organizações que controlam o funcionamento da sociedade, devem ter interesse social, mostram as experiências quantitativas e qualitativas dos processos socioeconómicos. Controlam as regras e normas das interações entre os indivíduos e a sociedade, com formas organizacionais.

Equipa Clínica, de profissionais competentes, cujo objetivo é a satisfação e orientação das necessidades das Pessoas em saúde e na articulação com outras respostas sociais.

Comunidade Surda, é um grupo de indivíduos Surdos enquanto minoria linguística e com caraterísticas culturais próprias.

Família, grupo de membros unidos na criação de laços de parentesco e/ ou de afetividade.

Pessoa Surda, nasce no meio familiar, vive numa sociedade, e tem a sua comunidade própria, nomeadamente a Comunidade Surda.

5. Questões de Ética e Direitos da família

O interesse clínico sobre problemas éticos da vivência da criança Surda na sua família e na sociedade foi despertado pelas equipas multiuso, organizando e intervindo em reuniões e eventos e abordando e demonstrando os problemas científico-técnicos e éticos das possibilidades de intervenções sobre as crianças surdas. Nesse desenvolvimento de diversas perspetivas e especialidades participantes esqueceram-se da presença do modelo linguístico e de identidade reconhecido pela Comunidade Surda, por exemplo, de um líder para responder de forma clara a essas e outras questões. Mas a posição da família é também relevante no “plano ético”, e para conhecer e distinguir o bem do mal terá de avaliar primeiro, depois assumir as decisões sobre o desenvolvimento da pessoa Surda, devendo refletir sobre qual a melhor educação e o desempenho global para a criança Surda.

6. Apoios institucionalizados pelo Estado

As famílias são representantes do desenvolvimento das crianças e jovens Surdos, a Comunidade Surda representante do movimento associativo das Pessoas Surdas, o Estado representante legal e nos apoios às necessidades da sociedade. A existência de apoios legais de subsídios para a família e a Comunidade Surda surgem como referência no desvio de tratamento e desigualdade na justiça. O Estado distribui várias tipologias de apoio para as famílias com Pessoas Surdas, principalmente através da Segurança Social e da Educação:

- Prestações Familiares (Decreto – Lei nº. 133-B/97, de 30.05 – regime contributivo e Decreto-Lei nº. 160/80, de 27 de maio, com a redacção do DL 133-C/97, de 30 de Maio – regime não contributivo):

  1. Bonificação por deficiência;
  2. Subsídio de frequência em estabelecimentos de educação especial;
  3. Subsídio por assistência à terceira pessoa;
  4. Assistência aos seus filhos com surdez;
  5. Pensão de invalidez ou velhice;
  6. Subsídio mensal vitalício

A atitude e o funcionamento do Estado leva a que as famílias se orientem por interesses económicos e se esqueçam do desenvolvimento educacional, afetivo, e linguístico da Pessoa Surda. Os parentes, muitas vezes, acolhem o(s) dependente(s) para poder receber subsídios que acabam por não ser utilizados em despesas relacionadas com o seu desenvolvimento adequado, e estas Pessoas permanecem ocultas do crescimento da infância à juventude, no abuso de comunicação e informação. O Estado não verifica o desenvolvimento das famílias portuguesas após a atribuição dos subsídios e abonos oriundos do Orçamento de Estado:

- Educação (decreto-lei 3/2008): Constitui desígnio do XVII Governo Constitucional promover a igualdade de oportunidades, valorizar a educação e promover a melhoria da qualidade do ensino. Um aspecto determinante dessa qualidade é a promoção de uma escola democrática e inclusiva, orientada para o sucesso educativo de todas as crianças e jovens. Nessa medida importa planear um sistema de educação flexível, pautado por uma política global integrada, que permita responder à diversidade de características e necessidades de todos os alunos que implicam a inclusão das crianças e jovens com necessidades educativas especiais no quadro de uma política de qualidade orientada para o sucesso educativo de todos os alunos 1.

Esta base fundamental da resposta do Estado sobre a educação inclusiva para crianças e jovens Surdos, e este decreto-lei foram aplaudidos pelo movimento associativo da Comunidade Surda que viu os seus objetivos concretizados. No entanto, para as famílias a não satisfação surge pela distância entre o trajeto para a escola e para a residência familiar. Com o praticamente encerramento das antigas escolas residenciais, que atualmente não estão preparadas para dar resposta às crianças e jovens Surdos, a transferência é realizada para as Escolas de Referência para o Ensino Bilingue de Alunos Surdos (EREBAS), limitadas geograficamente devido ao número da população Surda em Portugal, mais perto da residência. As atuais Escolas de Referência que existem são dezasseis, Mega Agrupamentos e Pólos de Intervenção Precoce, Pré-escolar e Ensino Básico. O Ensino Secundário é autónomo e não está integrado nos Mega Agrupamentos, sendo a oferta formativa limitada. A prática pedagógica não está bem clarificada. Este decreto-lei é articulado pelas instituições do Estado, nomeadamente, Educação, Ensino Superior, Segurança Social, Saúde, Emprego e Formação Profissional.

No que concerne ao movimento associativo da Comunidade Surda, o Estado acredita na representação e colaboração do mesmo, nas medidas fundamentais para a melhoria da qualidade de vida das Pessoas Surdas e na eliminação de barreiras da comunicação e informação. No entanto, o Estado disponibiliza-se a prestar apoio financeiro para o funcionamento do movimento, registando a suas Instituições Particulares de Solidariedade Social, que, no entanto, nos seus objetivos se definem como instituições constituídas por iniciativa de particulares, sem finalidade lucrativa, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos, que não sejam administradas pelo Estado ou por um corpo autárquico, para prosseguir, entre outros 2. As modalidades de apoio são diversas: a crianças e jovens; à família; proteção dos cidadãos na velhice e invalidez e em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho; promoção e proteção da saúde, nomeadamente através da prestação de cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação; educação e formação profissional dos cidadãos e resolução dos problemas habitacionais das populações.

O Estado é favorável a este movimento associativo da Comunidade Surda enquanto representação das respostas sociais, como Organização Não Governamental das Pessoas Surdas, inclusive da família, dos profissionais e da sociedade. Esta organização protege os direitos das Pessoas Surdas, a defesa da Língua Gestual Portuguesa e a igualdade de oportunidades, no entanto, a situação é contrária em instituições do Estado que tomam uma posição decisiva muito dividida, como por exemplo, na área da Saúde, da Educação e da Segurança Social. Nestas instituições existe um distanciamento do parecer do representante do Movimento Associativo e é organizado um desvio de objetividade sobre a Comunidade Surda, o que tem acontecido na área da saúde: a equipa da intervenção precoce estabelece uma pressão oculta sobre a família da criança Surda para colocar implante coclear (IC; furo na massa óssea do cérebro sendo colocado o dispositivo coclear), que custa em média cem mil euros, com apoios do Estado. Os ICs e outras cirurgias evasivas ligam-se a desvios da filosofia da globalização, neo-liberalismo, liberalização do comércio, do capital e privatização comercial. Apareceram no século XX nos Estados Unidos da América com a veloz evolução da tecnologia da audição, criados pelos próprios médicos da otorrinolaringologia (ORL) que colocam ICs em crianças Surdas; o que em Portugal aumentou rapidamente no ano de 1995. A Comunidade Surda ainda aguarda pelos resultados dos ICs no crescimento linguístico, cognitivo e, por exemplo, o acesso ao Ensino Superior sem apoio da LGP. Mas existem benefícios daí advindos para todos os profissionais da área da saúde, e incluindo as famílias. Conseguiu-se a importância e o reconhecimento do Estado, e a sua resposta central no alargamento de políticas redistributivas que favoreçam e protejam a língua natural e a cultura da Comunidade Surda sem intervenção/conhecimento de instituições públicas, como a Segurança Social, Educação, Emprego, entre outros. No entanto, jamais o crescimento económico, nomeadamente familiar, aceitará de forma reflexiva esse desenvolvimento natural, existindo entraves: Na área da educação - na Escola de Referência têm de existir tempos de qualidade, em horário nobre, favoráveis para a aquisição e ensino da Língua Gestual Portuguesa como primeira língua, e não apenas para a terapia de fala. A escola não existe para ocupar ou normalizar, mas para ensinar; na área da Segurança Social - concedem-se os abonos de família sem controlar o processo do desenvolvimento da criança Surda, nem reparar os abusos comunicacionais, emocionais e afetivos.

Estas situações fazem parte da sociedade moderna. Comparando com o tempo do Estado Novo, neste organizaram-se as escolas segregadas para dar resposta de maior visibilidade, dependendo das situações de cada grupo, transformando essas instituições fechadas em espaços de maior envolvimento e afetividade com o aluno institucionalizado. As famílias não se queixavam e assumiam os filhos Surdos internos nos Colégios, não recebendo quantias monetárias pelo Estado. As famílias acompanhavam e acreditavam no crescimento e desenvolvimento dos filhos Surdos, desde cedo preparados para a autonomia e a quem lhes eram ensinadas profissões manuais. Não havia gastos e preocupações com as tecnologias da audição. Nos dias de hoje, as situações modificaram-se e criam-se as “classes inclusivas”. Quanto à inclusão, surge para valorizar a aprendizagem dos alunos (individualidade), com equilíbrio e ritmo, estando favorecidos pelos seus meios social, cultural e económico, com exceção da inteligência emocional (bem-estar e vontade de aprendizagem). Na realidade, os alunos Surdos demonstram um choque cultural ao tratamento de discriminação oculta no meio da “educação especial”, com a conservação da política inclusiva e a preparação do “atacar” do percurso da vivência na Comunidade Surda, disfarçado através da necessidade de normalização”, que não permite a diferenciação pela “diferença”. Esta é a perspetiva da equipa do Ensino Especial não da política em geral. Os alunos Surdos encaminhados para o denominado ensino regular, demonstram a desigualdade da inclusão escolar e linguística. O Estado Social gasta milhões na massificação escolar e social dos seus cidadão sem saber os resultados reais do desenvolvimento de cada criança, nomeadamente da criança Surda.

7. Desigualdade na Justiça Social

Como refere Nancy Frazer (2008) existem três dimensões fundamentais, que aplicamos à análise do tratamento de injustiça da sociedade sobre a Pessoa Surda:

Redistribuição económica – indivíduos Surdos são isentos de impostos devido à lei do atestado de incapacidade multiusos. Esta escassa exigência e maior tolerância deve-se ao desconhecimento dos valores e dos direitos dos indivíduos Surdos, considerando-se que estes pertencem ao grupo dos “deficientes”. Assim sendo, não se justifica esta justiça social onde se apontam graves desigualdades sociais, económicas, culturais e de representação. Falta dialogar com o Estado e instituições para a elaboração de medidas de urgência para que a Comunidade Surda veja os seus direitos alargados, ampliando os seus deveres o mais justo e equiparado possível à restante sociedade; Reconhecimento cultural – (des) conhecimento – o termo Cultura tem em si uma variedade de perspetivas, tradições, conhecimentos e espírito de comunidade que difere nas sociedades. No caso da Comunidade Surda o desconhecimento da sua cultura é um impedimento para o acesso à cultura da sociedade em geral. A LGP está intimamente ligada a uma cultura específica; Representação política – Existem diversas associações de Surdos, Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), e a Federação Portuguesa das Associações Surdos (FPAS). Esta última criada em Dezembro de 1993 com a aprovação da Carta Social das Pessoas Surdas no I Congresso Nacional de Surdos, em Coimbra, tendo como objetivos principais: a) Preservar a identidade das Instituições filiadas e das Pessoas Surdas, fomentando e defendendo o exercício dos seus direitos de cidadania; b) Desenvolver e alargar a base de apoio da solidariedade, designadamente, quanto à sensibilização para os problemas dos cidadãos Surdos e à mobilização das Instituições filiadas para o desenvolvimento e integração e luta contra todas as formas de exclusão e discriminação relativamente à Comunidade Surda.

O funcionamento da estrutura do sistema do Estado e as instituições apresentam separação de poderes no que concerne à área da administração, financeira, legislativa, relacionamento humano e recursos, exemplos contrários pela teoria da perspetiva instituicionalista de Tocqueville. Na comparação da perspetiva de democracia de Tocqueville, devido a mudanças da política educacional e organização das instituições do próprio Estado, existe um tratamento burocrático com menor garantida da liberdade coletiva, maior gravidade nos aspetos da igualdade e na liberdade pelo gosto, no ensinamento do alargamento do individualismo que discrimina o direito da vivência na Comunidade Surda, ausência de acessos, no despotismo e na imposição da maioria.

A vivência das Pessoas Surdas como membros ativos da Comunidade Surda e na integração na sociedade maioritária, comprova que os indivíduos Surdos fazem um esforço redobrado sem garantia do apoio do Estado e de instituições de um país democrático. Os níveis fundamentais na base destas condições não estão equilibrados: educação, oportunidades, linguística e acessibilidade. As desigualdades existentes são analisadas por quatro áreas em indicadores considerados de maior relevância:

Educação - Os indivíduos Surdos têm acesso limitado à educação e formação devido à redução do conhecimento linguístico profundo e de modelos de representatividade educacional. Existe desconhecimento por parte da família, das instituições e do Estado sobre a educação inclusiva (turmas organizadas com uma maioria de alunos ouvintes e poucos alunos Surdos, sem docentes proficientes em LGP os alunos não apreendem o “conhecimento da sociedade”) e a educação segregada (turmas organizadas com uma maioria de alunos Surdos com docentes proficientes em LGP; evoluindo com estabilidade e autonomia). As instituições e o Estado não analisam as estratégias de evolução da educação e aprendizagem de cada aluno e das comunidades específicas, colocando-os em classes inclusivas devido a razões económicas e à aproximação física da família. Os problemas aumentam, principalmente psicológica e emocionalmente entre todos, nomeadamente, Pessoa Surda e família. Quanto à formação profissional e académica nem sempre está ao alcance da população Surda, o acesso a intérpretes de LGP ainda é restrito e as instituições nem sempre estão preparadas ou aceitam Pessoas Surdas, aumentando assim a desigualdade no acesso e nas oportunidades;
Oportunidade - Redução do acesso dos indivíduos Surdos a situações no futuro, na sociedade em geral. A base está na educação, e no crescimento de respostas experimentais e não definitivas no enquadramento da educação inclusiva;
Linguística - A LGP é considerada uma língua com falhas na fundamentação pelo facto de ainda não ter definido regras e normas relacionadas com a metalinguística. A comunidade linguística comprova que a LGP é uma língua, com equivalentes gramaticais da Língua Portuguesa mas de modalidade visual e diferente. A política institucional e o Estado promovem apoios técnicos (implantes cocleares) com o objetivo de “resolver” o problema e devolver a audição aos indivíduos, ignorando possíveis riscos emergentes e outras perspetivas;
Acessibilidade - O investimento em equipamentos é direcionado para outras áreas de maior risco, ficando a Surdez para um plano com menor relevância. Focando-nos numa perspetiva de mercado de trabalho, podemos verificar que a maioria das empresas emprega um Surdo por cada 20 ou 30 ouvintes.

8. Ser Cidadão da Sociedade

Em geral, os indivíduos Surdos entendem os obstáculos da sociedade e as dificuldades em proporcionar respostas específicas. E os próprios assumem por isso deixar de lado o termo de cidadania, numa afirmação contrária à teoria de T.H. Marshall (Citado por Carmo, R.M. 2013):

Cívica - ausência do direito da liberdade individual porque desconhece os princípios dos direitos da cidadania;
Política - fraca participação na política institucional por não terem acesso de comunicação e informação através da interpretação em LGP;
Social - tratamento tradicional do Estado e instituições no papel da deficiência, na gratuitidade do acesso mas esquecendo-se do direito à comunicação e informação.

9. Reflexão Final

Em situações de reformas e medidas decisivas elaboradas e na sua posterior aplicação, membros da Comunidade Surda deveriam estar envolvidos, e não somente membros da comunidade institucional, que desconhecem os objetivos fundamentais, mas que têm a responsabilidade e a coordenação das políticas de acessibilidades. Na implementação dos diversos fatores de mudança estão transversalmente as áreas essenciais ao desenvolvimento da Comunidade Surda. O Estado poderá influenciar estas duas áreas muito inseguras, nomeadamente, as instituições em geral e a instituição familiar, no progresso sustentado de uma sociedade inclusiva. Estas estruturas e mecanismos atuais são desfavoráveis, e com a redução repentina, devido à crise económica, dos apoios que foram mantidos ao longo dos anos, os indivíduos Surdos perdem a orientação e os seus objetivos são “desviados”. Todavia, neste momento existem novas medidas de orientações específicas com menor custo para o Estado. Mas onde estão os direitos fundamentais, coletivos ou individuais, na participação da sociedade e no exercício da igualdade enquanto instrumento de cidadania. A Comunidade Surda é uma comunidade integrada na sociedade, mas não na participação ativa enquanto cidadãos inclusivos, vivendo num país que não os trata com igualdade, exigindo a obtenção da inclusão linguística.

Notas

1 http://www.inr.pt/bibliopac/diplomas/dl_3_2008.htm (Consultado pela última vez em janeiro de 2014).
2 http://www4.seg-social.pt/ipss (Consultado pela última vez em janeiro de 2014).

Bibliografia

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