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Danielle Sousa
Danielle Sousa
Professora do Centro de Ensino e Apoio a Pessoa com Surdez
O Tradutor/Intérprete de Libras no Contexto Educacional: Desafios Linguísticos no Processo Tradutório
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Publicado em 2011
RVCSD - Revista Virtual de Cultura Surda e Diversidade, Edição nº 08
Danielle Sousa
Resumo

Este artigo traz breves concepções teóricas acerca do tradutor/intérprete de língua brasileira de sinais (Libras) além de comentários sobre sua formação e atribuições. O objetivo principal das discussões entre os conceitos é demarcar as características deste profissional, enfatizando as competências e habilidades para uma atuação satisfatória. Destaca-se na prática do tradutor/intérprete um fator de interferência linguística, termos da língua portuguesa, que ainda não possuem sinais correspondentes em Libras em contextos específicos, o que pode ocasionar entraves linguísticos e ausência de agilidade e coerência nas interpretações. O objeto de estudo fundamentou-se em pesquisas empíricas e bibliográficas.

O tradutor/intérprete de Libras é um profissional que atua em diferentes contextos. O seu campo de trabalho é bastante amplo, pois corresponde a necessidade comunicativa dos surdos. Apesar dessa diversidade no exercício da profissão, as instituições de ensino destacam-se como áreas de maiores atuações do tradutor/intérprete, em menores proporções estão à presença em conferências, seminários, na realização de traduções escritas e acompanhamento aos surdos.

De acordo com Quadros (2007, p.7) o tradutor/intérprete de Libras é conceituado como “a pessoa que interpreta de uma dada língua de sinais para outra língua, ou desta outra língua para uma determinada língua de sinais”. Dentro desse processo interpretativo, língua de sinais para língua oral e vice-versa destacam-se modalidades, competências e habilidades que o profissional deve envolver na sua prática.

A atividade de traduzir/interpretar não deve ser entendida somente como um processo linguístico, é imprescindível que o profissional domine as línguas envolvidas e compreenda as ideias presentes nos discursos para além das palavras, lembrando que em uma atividade de tradução/interpretação, além da gramática das línguas está a cultura, os aspectos sociais e emocionais presentes no contexto a ser interpretado.

(…) o trabalho de interpretação não pode ser visto, apenas, como um trabalho lingüístico. É necessário que se considere a esfera cultural e social na qual o discurso está sendo enunciado, sendo, portanto, fundamental, mais do que conhecer a gramática da língua, conhecer o funcionamento da mesma, dos diferentes usos da linguagem nas diferentes esferas de atividade humana. Interpretar envolve conhecimento de mundo, que mobilizado pela cadeia enunciativa, contribui para a compreensão do que foi dito e em como dizer na língua alvo; saber perceber os sentidos (múltiplos) expressos nos discursos.

(LACERDA, 2009, p. 21).

Outros atributos colocados ao profissional são a competência comunicativa e tradutória. Ambas são relevantes para o intérprete, porém a segunda define e diferencia este profissional de outros falantes bilíngues, uma vez que envolve técnicas, procedimentos e conhecimentos específicos. Sistematizado por Canale e Swain e modificado posteriormente por Canale, o conceito de competência comunicativa é composto por competências subjacentes, como afirma Neves (1998, p.73):

A competência gramatical ou lingüística se atém ao código lingüístico das estruturas e regras de pronúncia onde o objetivo é o da acuidade na expressão e compreensão. A competência sociolingüística considera o papel dos falantes no contexto da situação e a sua escolha de registro e estilo. A competência discursiva considera a questão da coesão e da coerência relevantes no determinado contexto. E a competência estratégica considera que não há falantes e ouvintes ideais, sendo necessário, portanto que se faça uso de estratégias de comunicações verbais ou não-verbais para se compensar as quebras de comunicação.

Já a tradutória é conceituada e diferenciada da comunicativa, como afirma Albir (2005, p.19):

Embora qualquer falante bilíngüe possua competência comunicativa nas línguas que domina, nem todo bilingue possui competência tradutória. A competência tradutória é um conhecimento especializado, integrado pó rum conjunto de conhecimentos e habilidades, que singulariza o tradutor e o diferencia de outros falantes bilíngües não tradutores.

Atrelados ao trabalho do intérprete estão presentes também as modalidades de interpretação, classificadas em simultânea e consecutiva. Leite (2005, p.53) apresenta essa distinção através das ideias organizadas por Metzger (1999) como mostra a tabela abaixo:

Interpretação simultânea Interpretação consecutiva

É realizada com a mensagem da fonte em andamento e o intérprete vai produzindo o seu texto até que a mensagem sofra uma pausa;

É considerada mais eficiente em relação ao fator tempo;

É relativamente nova em relação às línguas orais, sendo mais ou menos tradicional em interpretações das línguas de sinais;

O intérprete leva em conta a quantidade de informação que entra, aproveitando a oportunidade de um fechamento na sentença em curso para iniciar a interpretação ou aproveitar para tomar nota;

Exige que o intérprete primeiro receba a mensagem da fonte e depois a interprete;

Permite que a mensagem da fonte seja apresentada em partes ou no todo;

É considerada mais acurada em relação à simultânea;

Fonte: Leite (2055, p.53)
Disponível em: www.editora-arara-azul.com.br/pdf/livro3.pdf

Nas características elencadas sobre cada modalidade, a interpretação simultânea é citada como clássica nas interpretações das línguas de sinais. Quadros (2007, p.78) acrescenta que o processo que o intérprete submete-se é complexo e que o mesmo está diante de processamento de informação simultânea. Assim, a autora sugere e apresenta propostas de modelos de processamento no ato da tradução e interpretação, sendo eles: cognitivo, interativo, interpretativo, comunicativo, sociolinguístico, o processo de interpretação e o bilíngue/bicultural, condensados da seguinte maneira:

  1. Ênfase no significado e não nas palavras.
  2. Cultura e contexto apresentam um papel importante em qualquer mensagem.
  3. Tempo é considerado o problema crítico (a atividade é exercida em tempo real envolvendo processos mentais de curto e longo prazos).
  4. Interpretação adequada é definida em termos de como a mensagem original é retida e passada para a língua alvo considerando-se também a reação da audiência.

Nota-se que muitas são as atribuições colocadas ao profissional tradutor/intérprete e que através da sua presença em sala de aula será assegurado ao surdo o direito de acesso aos conteúdos curriculares em língua de sinais, uma vez que este profissional é o mediador dos discursos produzidos pelo professor acerca dos conteúdos das disciplinas, entre outras discussões.

Apesar da literatura e a prática apresentarem a relevância das habilidades e competências que o tradutor/intérprete deve possuir e a ausência das mesmas ser considerada um fator de interferência para um bom andamento da atividade interpretativa, sabe-se que este não é o único entrave.

Os textos traduzidos/interpretados em sala de aula versam sobre temas diversos e variam em grau de complexidade de acordo com o vocabulário. Conteúdos de algumas disciplinas, por exemplo, as que pertencem as Ciências da Natureza-Biologia, Física e Química, por possuírem termos específicos, são comuns a inexistência de termos equivalentes em Libras.

Com o intuito de preencher essa lacuna terminológica de maneira imediata, o tradutor/intérprete de Libras convenciona alguns sinais com os surdos em sala de aula, podendo cada grupo criar sinais diferentes para o mesmo referente. Outro recurso utilizado pelo profissional é a datilologia, que é um empréstimo da língua portuguesa, além de uso de imagens para representar os termos sem sinais.

Um recurso relevante que pode contribuir para um melhor desempenho do profissional tradutor/intérprete e para a autonomia do surdo nos momentos de pesquisa e estudos é o glossário bilíngue Libras-Português. Os profissionais elegem o glossário como uma ferramenta necessária, mas é importante lembrar que para a produção e uso do mesmo deve ser levado em consideração o aspecto linguístico regionalismo, ou seja, um glossário produzido em um determinado estado pode não ser utilizável em outro.

Outra consideração acerca do uso de sinais dentro de uma perspectiva terminológica é considerar que termo difere de palavra e que o uso de um sinal envolve contexto e definição. FINATTO & KRIEGER (2004) exemplificam essa distinção termo-palavra através do item lexical folha. O mesmo pode ser a folha de uma árvore ou página de um caderno, entre outras possibilidades, porém no contexto das especializações, na área da Botânica, apresenta a seguinte definição: “órgão, geralmente, laminar e verde, das plantas floríferas ou fanerógamas e principal estrutura assimiladora do vegetal”. (Houaiss & Villar, 2001, p.1363 apud Finatto & Krieger).

Devido ainda a inexistência de glossários específicos, os recursos utilizados pelos tradutores/intérpretes para suprir essa ausência de sinais equivalentes em Libras são aceitáveis, mas deve-se ressaltar que embora exista essa carência de sinais, a proficiência nas línguas de trabalho e a competência tradutória são parâmetros necessários para uma atuação coerente e eficiente, o que possibilita ao próprio profissional o uso da melhor forma para compensar essas lacunas linguísticas.

Quanto à criação de novos sinais é importante que em consonância estejam os surdos, tradutores/intérpretes de Libras e profissionais das áreas específicas, para que desenvolvam os mecanismos para a ampliação do léxico na língua e decidam de forma coletiva a validação dessas criações lexicais.

Bibliografia

HURTADO ALBIR, Amparo. A Aquisição da Competência Tradutória: aspectos teóricos e didáticos. In: PAGANO, Adriana; MAGALHÃES, Célia; ALVES, Fábio (orgs.). Competência em Tradução: cognição e discurso. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.

KRIEGER, Maria da Graça. FINATTO, Maria José Bocorny. Introdução à terminologia: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2004.

LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de. Intérprete de Libras: em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. Porto Alegre: Mediação/FAPESP, 2009.

LEITE, Emeli Marques Costa. Os papéis do intérprete de libras na sala de aula inclusiva. Petrópolis: Arara azul, 2005. Disponível em: <http://www.editora-arara-azul.com.br/pdf/livro3.pdf>. Acesso em: Junho de 2011.

QUADROS, Ronice Müller de. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa. Secretaria de Educação Especial; Brasília: MEC; SEESP, 2007.

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