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Ronaldo Manassés
Ronaldo Manassés
Professor/Investigador
A Cultura e os Artefatos Culturais Surdos
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Publicado em 2020
Volume Línguas de Sinais: Cultura, Educação, Identidade - Edições Exlibris - Portugal.
Ronaldo Manassés
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Resumo

Este trabalho constitui um excerto da Tese intitulada Ecos do Silêncio: culturas e trajetórias de surdos em Macapá. Discute-se algumas reflexões sobre os conceitos de cultura atualmente, partindo de uma análise de cultura mais geral, a partir de Certeau, 2012, até alçarmos a discussão sobre cultura surda. Esta entendida como pertencente ao povo surdo, a partir dos escritos de Strobel, 2009. Usando como metodologia de construção de trajetória, entendida por Kofes, 2011, a se deu com os instrumentos de pesquisa o diário de campo, e filmagem em Libras, fez-se análise inicial de fatos do cotidiano, em eventos promovidos pela comunidade surda brasileira nos anos de 2014 e 2015. Analisando os artefatos culturais produzidos pelos surdos nestes encontros. Como base teórica autores como Videira (2009), Certeau, 2012, Silva 2012, Strobel, 2009. E como resultados preliminares constatou-se que a vida da comunidade surda brasileira tenciona por uma cultura própria, reivindica na sociedade majoritária, por meio dos artefatos como língua de sinais, teatro, poesia, entretanto o reconhecimento ainda está distante de ser alcançado, por conta do grande estigma social imposto pelos não surdos, ocasionando ainda um grande processo de exclusão e diminuição do surdo frente ao ouvinte.

Introdução

Usando as bases na produção de Certeau (2012) para referendar de forma um pouco mais aprofundada a questão de cultura e assim tentar fazer um paralelo com a chamada cultura surda, requerida pela comunidade surda, como fator delimitador de diferença dos demais sujeitos sociais. Procurarei neste artigo então refletir sobre o conceito de cultura de forma mais geral e em seguida sobre a cultura surda.

Inicialmente, Certeau (2012), em sua obra, já faz uma grande reflexão acerca do que seja cultura. Para ele é muito mais que costumes, ações, práticas sociais, que durante muito tempo eu mesmo cria ser. A cultura só tem o sentido pleno quando as ações, as práticas sociais têm algum sentido, significado, para quem as vivencia. Sendo assim é necessária, então, uma apropriação dessas ações pelo sujeito. Pensando nesta perspectiva, lembro-me da manifestação do Marabaixo, dança tipicamente amapaense, trazida pelos negros escravizados que fundaram a então Vila de São José de Macapá, idos de 1758, mas que é muito desconhecida pela grande massa dos amapaenses. Inclusive há, no Estado, movimentos com o propósito de difundir a “cultura do marabaixo”. Ocorre que em muitos bairros e outros locais como escolas da capital as pessoas afirmam não reconhecer marabaixo como sua cultura e, por isso, muitas vezes são hostilizadas por aqueles que o têm como representatividade cultural do Amapá. Evidentemente que nesta negação há um preconceito muito grande, até certa medida, histórico, com as populações negras e quilombolas do Amapá. Entretanto, é preciso analisar mais profundamente a questão.

De acordo com Videira (2009) a origem da palavra marabaixo ainda é muito desconhecida pelos amapaenses. Em sua pesquisa, a pesquisadora coletou vários depoimentos de moradores de áreas quilombolas do Amapá. E nestes ficou claro a falta de conhecimento histórico dos moradores sobre a palavra, muito embora eles façam referência à travessia dos negros, ao serem escravizados, quando eram trazidos para o Amapá, para trabalharem na construção da Fortaleza de São José de Macapá, monumento histórico da capital. Idos do século XVI, sendo assim marabaixo, significa, uma dança trazida pelos escravos. Estes ao viajarem nos porões dos navios, vinham acorrentados, com grilhões nos pés. Dançavam então em círculos, cantando, e movimentando-se com muita dificuldade, pois os grilhões pesavam, assim só conseguiam arrastar os pés. E nas cantigas falavam dos familiares, dos bens, e da terra deixada para trás em algum lugar remoto da África. Essas cantigas são chamadas de ladrões de marabaixo, e assim como os escravos cantavam o lamento, nas apresentações de marabaixo, eles retratam a escravidão, e o sofrimento que as populações negras, já no Amapá, passaram quando da construção da Fortaleza de São José, e depois as expulsões para bairros distantes da, então vila de São José de Macapá.

Ainda de acordo com Videira (2009) o marabaixo tem um ciclo, que se inicia no sábado de aleluia, início do ano, e termina em meados de novembro, e ocorre em todas as comunidades remanescentes de quilombos e no bairro do Laguinho, em Macapá.

Seguindo a lógica de Certeau (2012), é compreensível para algumas pessoas, mesmo sendo do Amapá, não reconhecerem o marabaixo, tão famoso para alguns no Estado, como parte de sua cultura. Se o marabaixo não tem significado para estas pessoas, implica dizer que tal prática não foi apropriada por estas, e mesmo inconscientemente seguem uma lógica em afirmar que para si, o marabaixo não é cultura. Evidente que não só esta questão verifica-se no reconhecimento ou não do marabaixo como cultura local, outros aspectos, como preconceito e produção de estigma de uma cultura afro-brasileira, e como tal a cultura sofre por não ter o mesmo espaço de reprodução e reconhecimento social. Entretanto, não é esta a questão principal aqui abordada, mas sim o fato de seguirem uma lógica do pertencimento, segundo (Certeau, 2012).

Certeau (2012) sugere então que a cultura não é um tesouro que precisa ser protegido dos danos do tempo, tampouco um conjunto de valores que precisa ser defendido, cultura é um trabalho que precisa ser realizado em toda a extensão da vida social, ou seja, em todos os meandros da sociedade, ela deve reverberar de forma significativa e incessante.

1 A Cultura como e os Artefatos Culturais Surdos

Partindo desta premissa, o marabaixo, tentarei discorrer sobre o que seja cultura surda, de forma bem pragmática, em virtude de entender ser uma questão central. Para tanto, bebi nos escritos de Silva (2000:134), ao dizer que cultura é um jogo de poder, é inclusive a forma como a sociedade define o mundo, é também o campo onde se define a forma como as pessoas e os grupos sociais devem ser, incluindo aqui os grupos minoritários.

A este respeito, Certeau (2012:145) lembra que os registros pelos quais um movimento minoritário, como é o dos surdos no Brasil, pode tomar corpo são o cultural e o político. Ocorre que é preciso cuidado ao fazer isto, sob pena deste grupo diminuir-se a um ou outro, ou seja, não conseguir extrapolar a barreira do cultural ou do político e mais ainda: se é a partir de vestígios culturais e políticos que grupos minoritários começam a tomar corpo socialmente é importante atentar para a questão de que muitos destes grupos
iniciam esta busca por afirmação a partir de uma negativa, o negro, o índio, o homossexual, ao negarem a oposição de uma maioria social.

Certeau (2012:145) diz que este deve ser o ponto de partida, mas que estes grupos minoritários não podem incorrer no equívoco de permanecer sempre nesta negativa. Em virtude de não terem força política, tais grupos permanecem sem a possibilidade de se manifestarem de forma mais autônoma, sendo assim, certamente cairão na ideologia, no discurso, sem nenhuma efetividade para o que buscam.

Participando do I Encontro Nacional de Surdos e Surdas em Goiânia-GO em 2015, presenciei em três dias de eventos situações semelhantes às exemplificadas por Certeau (2012), ao se referir à cultura de grupos minoritários. A estrutura do encontro se deu pela preocupação em organizar a programação com surdos do Brasil e do Exterior. Havia somente surdos entre os palestrantes, surdos como intérpretes e surdos como ministrantes nas oficinas. O Encontro foi organizado pela Associação de Surdos de Goiânia em parceria com outras associações de surdos nacionais e internacionais. Entretanto, não é somente este fato que quero enfatizar, pois este seria um movimento natural, esperado de qualquer grupo minoritário buscando sua afirmação política. Mas também chamo atenção para as interações entre surdos e ouvintes que participavam do encontro.

As palestras eram todas feitas em Língua de Sinais, claro, com a preocupação em disponibilizar o serviço de interpretação para quem desconhecia a Libras, mas, nas interações informais, nas relações rosto a rosto é que pude perceber, em vários momentos, o descontentamento de alguns surdos com a presença de ouvintes, quando perguntavam se a pessoa era ouvinte e esta respondia afirmativamente, o surdo ou a surda se afastava imediatamente, fazendo uma expressão de descontentamento.

O que parece então é que o grupo de surdos, que ali estava, em alguns momentos, demonstrava estar ainda no princípio de sua afirmação política como grupo minoritário, ou seja, negando o ser ouvinte e mais ainda, negando a este a possibilidade de aproximação e, por conseguinte, de interação e diminuição da dicotomia que os separa.

Outro ponto salientado por Certeau (2012) ao dizer que cultura, é a questão da interlocução, ou seja, quem fala e para quem fala? Neste sentido, direciono as bases de estudo de Certeau (2012) para os surdos, já que são um grupo que historicamente tem sido alijado de qualquer processo social, ou para não ser tão absolutizante, essencialista, tem sido quase na totalidade alijados dos processos sociais.

Como bem já foi dito por Strobel (2009), autora surda, há uma história cultural que narra a história dos surdos a partir de protagonistas, autores, professores e artistas surdos, mas que não foram reconhecidos historicamente e, neste caso, é importante dizer que, o apagamento social que os surdos sofreram não significa dizer que não existiram professores surdos, artistas surdos entre outros. Minha intenção neste trabalho não é tão somente descrever e construir suas trajetórias, mas também e, sobretudo, ir ao encontro de suas experiências, e para tal, preciso considerar a forma como experimentam o mundo, ou seja, suas experiências são baseadas pelo visual, e não pelo auditivo como a maioria esmagadora da sociedade amapaense, brasileira e mundial.

Para tal fim, trago à baila uma reflexão de Magnani (2007) ao ter contato com surdos em uma festa. O autor relata como se sentiu deslocado e limitado ao tentar se comunicar e interagir com aquelas pessoas. O que demonstra a expectativa da maioria das pessoas, de que para o surdo viver plenamente ele precisa aprender a oralizar, precisa apreender a cultura ouvintista, já mencionada anteriormente. Quando a situação é oposta, as pessoas se sentem limitadas, ou como dizem dos surdos, “deficientes”. Magnani (2007) relatou a experiência de estar numa festa entre dois (2) mil surdos e desconhecer a língua de sinais. Sentiu-se estranho, completamente deficiente por não entender e não conseguir estabelecer uma comunicação mínima com aquelas pessoas que se divertiam naquela festa, que poderia ser como outra festa qualquer e que por desconhecer a maneira específica dos surdos se comunicarem, buscou por outros mecanismos a comunicação, entretanto, se colocou em alguns momentos no lugar do surdo e refletiu como este tenta interagir numa situação tão corriqueira como uma festa e não consegue.

Sendo assim, há, segundo Certeau (2012) uma possibilidade de reconhecimento por uma cultura surda, uma vez que, nas comunidades surdas, no 2 povo surdo, suas práticas são extremamente significativas. O que os movimentos sociais surdos têm buscado é de fato a possibilidade de terem contato, construírem juntos a significância para suas práticas e o veículo inicial, mas não o único, para essas construções é a Libras, por isso a peleja tamanha pela difusão e uso da língua de sinais em todos os espaços em que circulam surdos.

Neste contexto, trago então à tona o que nos estudos culturais chamam de “artefatos” e que não pode ser confundido apenas com o materialismo cultural, mas também é o modo em que o sujeito entende, vê e transforma o mundo (STROBEL, 2013).

Logo, existem “artefatos culturais surdos”. Chamarei atenção para alguns deles aqui, que são baseados nas experiências visuais do povo surdo. Pela ausência de audição, os surdos percebem tudo a sua volta a partir da visão, que vai desde simples acontecimentos, como o latido de um cachorro, como a explosão de uma bomba, tamanha é a transformação que se tem da paisagem numa situação como esta (STROBEL, 2013).

No relato a seguir, a pesquisadora surda demonstra como o artefato visual do povo surdo os faz serem diferentes e difíceis de serem entendidos pela maioria dos ouvintes.

Em companhia de um namorado ouvinte, fomos a um restaurante escolhido por ele. Era um ambiente escuro, com velas e flores no meio da mesa. Fiquei meio constrangida porque não conseguia acompanhar a leitura labial do que ele falava por causa da falta de iluminação e pela fumaça de vela que desfocava a imagem do rosto dele, que era negro; e para piorar, havia um homem no canto do restaurante tocando uma música que, sem que eu pudesse escutar, me irritava e me fazia perder a concentração por causa dos movimentos dos dedos repetidos de vai e vem com seu violino. O meu namorado percebeu o equívoco e resolvemos ir a uma pizzaria (STROBEL, 2013).

Assim sendo, os artefatos visuais surdos têm sido comumente usados por eles para, a partir de sua interação com a sociedade ouvinte, construir e convalidar seu traço cultural. E diversos são estes artefatos visuais, que vão desde apresentações teatrais até poesias surdas. Em que os surdos declamam com expressividade única, usando as mãos e o corpo, impressionam mesmo quem não conhece a língua de sinais. As piadas também são muito usadas como um dos artefatos visuais de surdos. Com histórias que, às vezes, só quem é da comunidade surda entende, pois são carregadas de sinais e expressões, e com uma velocidade impressionante, que dificilmente quem está iniciando num curso de libras ou tem pouco contato com surdos entenderá e conseguirá rir da piada.

2 A Língua de Sinais como Artefato Cultural

Outro artefato cultural do povo é a língua de sinais. Para o surdo, esta é uma das principais marcas de sua identidade linguística como surdo. E que ainda é muito desconhecida pela maioria esmagadora da sociedade. Desde a sanção presidencial da Lei n.º 10.436 de 2002, Lei de Libras, muito se passou, as mudanças são perceptíveis, entretanto ainda está muito distante do ideal de comunicação e acesso as informações pelas pessoas surdas do Amapá e do Brasil.

Strobel (2013), diz que a língua de sinais é uma língua prioritariamente, do que ela chama de povo surdo, que explicarei mais a frente, e que é expressa por meio da modalidade espaço visual.

É importante desmistificar o credo de que a Língua de Sinais é universal. Na verdade, para cada país há sua língua de sinais, ou seja, todos os países têm sua língua oral e também sua língua de sinais, basta que existam surdos. Assim tem-se a Língua Brasileira de Sinais (Brasil), Língua Francesa de Sinais (França), Língua Americana de Sinais (EUA), Língua Gestual Portuguesa (Portugal) entre outros.

Outra informação importante a ser dita a respeito deste artefato língua, é que assim como nas línguas orais, há o que chamam de regionalismos. Assim, existe diferença de sinais na Libras usada em Fortaleza, por exemplo, para a Libras usada em Macapá. O que na Língua Portuguesa é chamada de variação linguística, da mesma maneira tem-se em Libras. Por ser uma língua, a Libras não pode ser estudada baseada na Língua Portuguesa, uma vez que tem sua própria gramática, semântica, pragmática, fonologia e sintaxe (QUADROS & KARNOPP, 2004).

Alguns sinais só existem em Macapá, como por exemplo, o sinal de “égua”, que é uma expressão típica do falar amapaense e até paraense. É comum nas conversas, em rodas de amigos, se ouvir esta expressão para enfatizar uma informação, ou ainda para demonstrar aversão, e repulsa a algo ou alguém. E assim como na língua oral, a Libras em Macapá também tem a expressão égua.

Também é preciso mencionar que a Libras não é uma língua ágrafa, como se acreditou ser por muito tempo. Na verdade, as línguas de sinais seguem um sistema linguístico de escrita conhecido por Sing Writing (SW) e tido como fato muito importante na história dos surdos. O sistema foi iniciado em 1974 e daí evoluíram com muitas pesquisas até chegar às escolas de surdos do Brasil.

Em se tratando do Brasil, a pesquisa, foi liderada pela pesquisadora surda Marianne Stumpf, em meados de 1996, e em 2005 defendeu sua tese de doutorado com o tema. E atualmente este sistema no Brasil está sendo difundido como Escrita em Língua de Sinais (ELS) (STROBEL, 2013).

Seguindo a discussão sobre produção cultural, trago outro artefato cultural surdo de grande relevância, a literatura surda. Este artefato traduz as experiências de vida do surdo. E pode ser vista em vários gêneros como: poesia, história de surdos, piadas, literatura infantil, clássicos, fábulas entre outras produções (STROBEL, 2013).

 

Figura 01: espetáculo show de surdos em Macapá.
Fonte: acervo de pesquisa. Ronaldo Manassés.

Na foto acima, o espetáculo foi composto de quatro (4) atores surdos. O primeiro a esquerda conta piadas, o segundo é o mímico e o casal conta histórias de vida de surdos. Estas produções estão sendo em grande parte registradas em vídeos e DVD por universidades e associações de surdos. Recentemente, em 2011, a Universidade Federal do rio Grande do Sul promoveu um Festival de Literatura Surda, a exemplo de outro festival ocorrido na Universidade de Gallaudet em Washington DC (EUA), Deaf Way Festival (STROBEL, 2013).

Em dois dias de evento a universidade recebeu produções do Brasil e do exterior. Teve como objetivos: mapear e coletar as produções culturais de comunidades surdas brasileiras, valorizando e incentivando as manifestações artístico-culturais do país; dar visibilidade e contribuir com a divulgação de produções culturais das comunidades surdas brasileiras; potencializar intercâmbios entre os diferentes atores envolvidos na produção, circulação e consumo dos artefatos pertencentes à cultura surda.

A universidade contou com apoio de vários parceiros importantes no evento, como outras Universidades Federais, bem como a FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos), CAPES e Ministério da Cultura. Ainda é possível visualizar os vídeos e registros do evento no 3 site.

É importante também destacar que existem diversos autores e produtores surdos no Brasil citados por Strobel (2013), que vêm contribuindo para o fomento da Literatura Surda no país, Hessel (2006); Baldin (2001); Rosa (2006) entre outros.

O que se viu a partir dos escritos da pesquisadora surda é o quanto a comunidade surda brasileira tem produzido artefatos culturais significativos e que em sua maioria ou quase totalidade é desconhecida, inclusive por outros surdos que não tem acesso à Libras e as experiências visuais de surdos. Poderia aqui mencionar o processo de escolarização, mas, no Brasil, este ainda é muito comprometedor aos surdos, na medida em que sua grande maioria e porque não dizer, quase a totalidade, é baseado nas experiências ouvintistas. Mas para isso é preciso um grande debate e aprofundamento de pesquisa que não cabe no momento.

Considerações Finais

Todas as experiências que os surdos passam sempre estão relacionados a exclusão social. Mesmo a presença de uma Lei, a saber Lei nº 10.436/2002, garantindo sua língua como língua natural, de expressão e comunicação, ainda assim a grande massa da população ouvinte, aliada ao capital, não conhece e nem dá oportunidade para que possam conhecer a pessoa surda, sua língua e sua cultura.

O que notou-se aqui foi que apesar de a comunidade surda brasileira, ser ativa na produção de artefatos culturais, a sociedade majoritária desconhece esta produção, e mais, em muitas ocasiões, não as reconhece como produção cultural. O que evoca, inevitavelmente, um esforço ainda maior nas pessoas surdas para terem seu reconhecimento social.

Os exercícios da produção a partir de artefatos aqui descritos, como a Língua de Sinais, a poesia e o teatro, ainda são extremamente desconhecidos, algumas vezes, até por surdos, que não convivem na comunidade surda, ou que tem pouco acesso a Libras. Pois a maioria esmagadora dos surdos no Brasil, segundo Goldfeld, 2002, vive em lares de pessoas não surdas, ocasionando grande prejuízo linguístico e interacional com a sociedade.

A cultura surda então tem sido, não só, um meio de reconhecimento social de surdos e surdas, mas sobretudo, uma possibilidade política de autoafirmação de um grupo, muito 4 estigmatizado e excluído socialmente, separado do meio social como um verdadeiro 5 outsider. Impedido de se relacionar como os demais sujeitos sociais. Mas ainda sim têm vasta produção cultural, alçando mão de artefatos aqui elencados como o teatro, a poesia e a própria língua de sinais.

Notas

2 De acordo com Strobel (2012), povo surdo pode ser qualquer surdo, independente do lugar de moradia, seja índio, mulher, homem, branco, negro, mesmo implantados (implantes cocleares), surdos com orientação sexual diferente, ou seja, homossexuais, bissexuais, definem o conceito de Strobel (2012).
4 Um estigma é então, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo, embora eu proponha a modificação desse conceito, em parte porque há importantes atributos que em quase toda a nossa sociedade levam ao descrédito. O termo estigma e seus sinônimos ocultam uma dupla perspectiva: Assume o estigmatizado que a sua característica distintiva já é conhecida ou é imediatamente evidente ou então que ela não é nem conhecida pelos presentes e nem imediatamente perceptível por eles? No primeiro caso, está-se lidando com a condição do desacreditado, no segundo com a do desacreditável. Esta é uma diferença importante, mesmo que um indivíduo estigmatizado em particular tenha, provavelmente, experimentado ambas as situações (GOFFMAN 1988).
5 Elias (2000). Este, fala como uma pequena comunidade vê aqueles que são estranhos ao seu convívio social, como os trata, inclusive a partir da “fofoca”, criando pré-conceitos sobre estes, deturpando suas imagens para que não consigam se encaixar no convívio da comunidade.

Bibliografia

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CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. São Paulo: Papirus, 2012.

_________; GIRARD, Luce; MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano: 2. Morar, cozinhar. Petrópolis-RJ: Vozes, 2013.

GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. 5ª Ed. São Paulo: Plexus, 2002.

ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2000.

GOFFMAN, Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC, 1988.

KARNOPP, Lodenir Becker; QUADROS, Ronice Muller de. Língua de Sinais brasileira: estudos linguísticos. Editora Artmed. Porto Alegre, 2004.

KOFES, Suely. Uma trajetória, em narrativas. Mercado de Letras, Campinas –SP, 2001.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. A antropologia urbana e os desafios da metrópole. Disponível em: http://www.n-a-u.rpg/antropologiaurbanadesafiosmetropole.html. Acesso em: 20/05/2015

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Editora Ufsc, Florianópolis, 2013.

SILVA, César Augusto de Assis. Cultura Surda: agentes religiosos e a construção de uma identidade. Editora Terceiro Nome. São Paulo, 2012.

VIDEIRA, Piedade Lino. Marabaixo, Dança Afrodescendente: significando a identidade étnica do negro amapaense. Edições UFC, Fortaleza, 2009. Disponível em: <https://escritadesinais.wordpress.com/>. Acesso em: 29.05.2015.

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