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Isabel Sofia Correia
Isabel Sofia Correia
Professora e Investigadora
Morfologia Derivacional em Língua Gestual Portuguesa: Alguns Exemplos
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Publicado em 2014
Exedra: Revista Científica - Educação e Formação - Nº. 9, pags.159-172
Isabel Sofia Correia
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Resumo

Este artigo pretende, de forma breve, apresentar alguns processos de formação de palavras na
Língua Gestual Portuguesa (LGP). Seguindo-se uma perspectiva comparatista entre o Português e a
LGP, porém, privilegiando-se a descrição da LGP, procuramos problematizar a formação de palavras
pro derivação nas línguas gestuais.

1. Introdução

A Língua Gestual Portuguesa, adiante designada LGP, está reconhecida na Constituição da
República Portuguesa, como expressão cultural e língua de acesso à educação e igualdade de
oportunidades que importa preservar. A data recente desta conquista da comunidade surda, 1997,
justificará, talvez, a escassez de estudos linguísticos sobre este idioma. De facto, outras línguas
gestuais como a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) ou a ASL (American Sign Language), para citar
apenas dois exemplos, têm já investigação sólida em áreas da linguística como seja o estudo dos
queremas 58, a morfologia ou a sintaxe 59.

Grande parte destes estudos assentam numa abordagem comparatista quer entre uma língua oral
e a língua gestual em estudo, quer entre línguas gestuais. Neste artigo, optamos por propor uma
breve sistematização entre o processo de formação de palavras por derivação em língua portuguesa
e em língua gestual portuguesa. Tal perspectiva não implica que não recorramos a exemplos de
outras línguas gestuais, registados em alguma bibliografia que anteriormente apenas mencionamos.
Para uma mais fácil leitura, começamos por caracterizar de forma geral a organização linguística da Língua Gestual Portuguesa. Em seguida, resumiremos o que se entende por morfologia derivacional e, mais concretamente, sufixação, baseando-nos em investigação sólida para a língua portuguesa e para outras línguas gestuais. Concluiremos apresentando algumas propostas do processo formação de palavras por derivação, se assim lhe poderemos chamar, como adiante se problematizará, na Língua Gestual Portuguesa.

A Língua Gestual Portuguesa (LGP) é um sistema de signos, arbitrário e convencional, veículo de expressão da comunidade surda que a utiliza. Assim, como qualquer língua, é constituída por palavras, numa forma gestual, que não imitam a realidade, (gestos arbitrários), como por exemplo 60

(vermelho), que seguem regras gramaticais específicas e que se combinam para formar frases. Contudo, sendo uma língua visuo-espacial e utilizando-se o aparelho motor superior para a comunicação, alguns gestos poderão ter uma inspiração no real, como por exemplo 61 (bola).

Assim se depreende que é incorrecto dizer-se linguagem gestual, uma vez que linguagem se pode entender como qualquer sistema de símbolos ou objectos constituídos como signos, por exemplo, linguagem das cores ou ainda enquanto linguagem corporal que acompanha a comunicação oral. Talvez seja a segunda acepção que se relacione com o “pré-conceito” que se tem da LGP, acreditando que ela se limita a mimar o real, recorrendo, de forma limitada, ao apoio da Língua Portuguesa para construir a sua expressão.

O leitor, poderá, ou não, ter ficado intrigado com as representações escritas dos exemplos que acima referidos. Trata-se do sistema de escrita das línguas gestuais, signwriting, que teve os seus inícios nos anos 80, quando Valerie Sutton e uma equipa de investigadores propuseram esta escrita das línguas gestuais que respeita os parâmetros dos gestos, que abaixo descrevermos sucintamente, e tem uma organização específica e distinta das escritas alfabéticas.

2. Cultura e Comunidade Surda

Tratando-se de uma língua, a LGP é veículo de expressão de pensamento e valores de um grupo
que a utiliza e que com ela se identifica. Desta forma, o contexto histórico, muito marcado pela
repressão da LGP e forte aposta no método oralista, ou seja, estratégias didáctico-pedagógicas que
insistiam no treino das cordas vocais e proibição do uso da língua gestual, levou a que, naturalmente,
os surdos se identificassem como grupo que partilha valores comuns expressos através de um
mesmo idioma. Daqui parte a noção de cultura e identidade surdas que se plasma concretamente em produções artísticas como poemas, peças de teatro alicerçadas em motivações comuns desta comunidade, nomeadamente, a discriminação, a luta pelos mesmos direitos e a valorização da LGP
como língua plena. Espelhando manifestações artísticas e sendo veículo de pensamento, a LGP, é, também e evidentemente, aquilo que todas as línguas são: um meio de comunicação. Por isso, é
constituída por um código de signos que os seus utilizadores descodificam porque o conhecem.

A LGP é uma língua natural, ou seja, espontaneamente foi criada pelo ser humano, e como tal tem regras que obedecem a universais linguísticos, ou seja, propriedades comuns a todas as línguas e a especificidades que também qualquer idioma tem. É, então, completamente errado pensar-se que a LGP é uma língua de apoio ao português ou que foi criada a partir dele, seguindo-o na sua estrutura. Na verdade, é bem diferente.

Além disso, é importante reforçar que cada comunidade surda, nos diversos países/regiões autónomas do mundo tem uma língua gestual específica que nasce nessa comunidade. Todas as Línguas gestuais têm a sua etimologia, as suas raízes e história, ou seja, é incorrecto dizer-se que a Língua Gestual é universal. Há diversas línguas gestuais como a ASL (American Sign Langaue), a BSL (British Sign Language), a LIBRAS (Língua de sinais Brasileira) a LSC (Llengua de Segns Catalá), entre milhares. Nenhuma destas línguas mima ou nasce da língua oral do país/região mas sim da história da comunidade surda que a utiliza.

3. Língua Gestual Portuguesa: princípios básicos de organização linguística

Origens e contatos

A Língua Gestual sueca é considerada a língua-mãe da LGP uma vez que no século XIX o rei D. João VI, a pedido de sua filha, D. Isabel Maria, mandou chamar a Portugal o professor sueco Per Aron Borg que havia fundado em Estocolmo um instituto para a educação de surdos. Assim, em 1823, cria-se em Portugal a primeira escola para surdos onde leccionaram, a princípio, Per Aron Borg e seu irmão Joahan Borg 62. Por essa razão, considera-se a língua mãe da LGP a LG sueca, porém, evidentemente, que em Portugal já se utilizaria uma língua gestual que, certamente, também foi usada nessa escola para o ensino de surdos.

Tratando-se da língua de uma comunidade, é natural que possua variedades dialetais, sociolectais, diafásicas e idioletais. Assim, na LGP também se encontram variedades dialectais, comumente designadas regionalismos, havendo bastantes diferenças lexicais e outras entre gestos da comunidade surda do norte e do sul do país. O centro é um local de confluência, porém, nota-se uma maior prevalência dos gestos usados no sul. Da mesma maneira, também há registos de língua gestual mais formais ou menos informais, consoante o contexto social, existem igualmente diferenças conforme a idade do gestuante e, cada um, pela sua fisionomia, tem características particulares que imprime aos gestos. Em suma, tudo se passa como em qualquer outra língua, apenas esta de que falamos tem regras específicas que advêm da sua condição de idioma espácio-visual.

Querologia: brevíssima abordagem

A palavra que intitula esta subsecção poderá causar o espanto de algum leitor mais desprevenido. De facto, “querologia” é um termo usado por nós, partindo da terminologia criada pelo primeiro linguista do séc. XX que estudou uma língua gestual, William Stokoe. Este investigador, ao estudar a American Sign Language (ASL) nos anos sessenta, nomeadamente as suas unidades mínimas, ou seja, algo que equivale aos nossos fonemas, vulgo sons, entendeu que chamar “fonema”, palavra que tem na sua origem o vocábulo grego phonos que significa som, a unidades de uma língua gestual, era equívoco. Então, determinou chamar-lhes queremas, palavra que tem na sua raiz o vocábulo grego kyros, que significa mão. Que são, então, os queremas?

Na língua portuguesa, as palavras são constituídas por sons. Por exemplo, a palavra “cinto”[sĩtu] ainda que tenha cinco letras, tem quatro sons. São estas as unidades mínimas, as mais pequenas e que não se podem dividir, que constituem esta e todas as outras palavras do português e das línguas orais, os fonemas. Na língua gestual portuguesa, os gestos são constituídos por cinco queremas base: configuração de mão, movimento, expressão não-manual, localização e orientação. A configuração de mão é a forma que a mão assume, o movimento é a direcionalidade ou o movimento da mão/dedos; a expressão não manual é quando um gesto possui alguma marcação que fazemos com a bochecha, boca, língua ou dentes; a orientação é para onde a nossa palma da mão está virada quando executamos o gesto e a localização é o sítio do espaço ou corpo onde o gesto se situa quando executado. Vejamos o caso em que uma das configurações de mão se realiza com todos os dedos fechados, apenas o indicador levantado, localizada na face direita do emissor, o indicador desliza na face, tem esse movimento, a palma da mão está virada para a esquerda, conjugada com uma ligeira expressão não manual, a língua dentro da boca encostada à face e… teremos o gesto

(mulher).

Apenas um exemplo da combinação de unidades mínimas, que têm várias formas, ou seja, há várias configurações, vários movimentos, distintas orientações, várias localizações- entre a parte superior da cabeça e a coxa- e diversas expressões não-manuais (estas podem ou não estar presentes). Combinadas formam os gestos e basta que uma delas mude para podermos ter um gesto com um significado diferente ou um erro. Tal como em português, basta que um som de uma palavra se altere para termos um novo vocábulo ou um erro.

Sintaxe: brevíssima abordagem

A LGP tem uma estrutura interna específica distinta da do português. Assim, podemos dizer que a ordem básica das frases na LGP se subdivide em OVS (Objeto-Verbo-Sujeito), SOV (Sujeito-Objeto-Verbo), como ilustram os exemplos abaixo:

Algo que em português seria como dizermos: CASA EU VOU/EU CASA VOU. Mais uma vez, não é este o momento para especificar em que contextos se manifestam estas ordens, que outras poderemos encontrar e a que regras obedecem. O propósito é, apenas, que se fique com um panorama muito geral da LGP, frisando-se que esta não acompanha o português.

Por último, apenas acrescentamos que também a LGP marca frases interrogativas, declarativas ou exclamativas, servindo-se de elementos não manuais como o arquear das sobrancelhas e dos ombros 63.

Morfologia Derivacional no Português

Depois da brevíssima contextualização sobre a organização linguística da LGP, passemos à reflexão que está na base deste artigo, os processos de formação de palavras, nomeadamente a derivação. Não vamos considerar outras questões da morfologia, nomeadamente a formação do número e de género ou a morfologia do verbo pois estamos neste momento a desenvolver um trabalho de investigação nesse domínio. Assim, por ora, centremo-nos apenas em alguns apontamentos sobre morfologia derivacional em LGP. Como dissemos no início, vamos começar por apresentar, muito resumidamente, o que se entende por derivação em português para depois passarmos à LGP.

De acordo com a Gramática Derivacional do Português a morfologia derivacional

“trata da constituição interna de palavras diferentes, estudando as variações formais e semânticas que permitem construir palavras a partir de outras, como avaliação a partir de avaliar ou como contentamento a partir de contentar e este verbo a partir do adjetivo contente. (Gramática Derivacional do Português, 2013, p.31)”

Pela citação que acabámos de transcrever, depreende-se que novas palavras se formam pela adição de um morfema, ou seja, uma unidade com função gramatical que pode ter variação formal e que contribui para a formação de uma nova palavra. No caso da derivação, a ênfase coloca-se em morfemas presos, os afixos derivacionais:

“constituintes presos [que] se agregam a uma base lexical formando com ela um lexema distinto do lexema que constitui essa base. Por exemplo, o afixo -en- anexado à base doid(o) forma o lexema endoidar (…) os afixos derivacionais classificam-se segundo diferentes critérios. Segundo a posição do afixo, mais propriamente, se este se junta à esquerda a base, à direita da base, à volta da base ou no interior da base (…) identificam-se quatro tipos diferentes: prefixos [como em] re+ler; sufixos [como em] desmaquilha+nte; circunfixos [como em] en+velh+ec(er); infixos [como em] beberrão. (Gramática Derivacional do Português, 2013, p.53). Assim, estes afixos juntam-se a uma base lexical, o radical, que encerra o significado conceptual da palavra como “velh-‘que tem idade, antigo’ ” (Gramática Derivacional do Português, 2013, p. 48) 64. Os afixos derivacionais também podem determinar a categoria lexical do lexema derivado, como, por exemplo em “envelhecimento, o sufixo -ment- constrói o lexema derivado como nome. O radical é envelheciment-, ou seja, inclui o sufixo derivacional”. (Gramática Derivacional do Português, 2013, p. 60). Para além disso os afixos derivacionais contribuem para a definição da categoria semântica das palavras a que se agregam: a marca semântica de cada um dos sufixos -dor e -ção é que contribui para que as significações de avaliador e avaliação sejam, respectivamente, as de ‘pessoa que avalia’ e ‘evento de avaliar’ “ (Gramática Derivacional do Português, 2013, p. 61).

Pelo que temos visto até aqui, o processo de formação de palavras por derivação, em português, obedece a critérios de sequencialidade, isto, é a um radical, sequencialmente, agregam-se afixos podendo proceder-se à segmentação dos constituintes da palavra e determinar a categoria morfológica e ou semântica de cada um. Por exemplo, no parágrafo anterior citámos dois casos de informação semântica gerada por dois afixos. Todavia, importa acrescentar que nem sempre a afixação é sequencial, nomeadamente se falamos de infixação 65:

“Em zangarrão existe um verdadeiro infixo (-arr) que precede o sufixo -ão. Por isso se considera que o processo não é sequencial, ou seja, não se trata de recursividade derivacional. Trata-se de, “em simultâneo” se colocar um infixo entre a base e o sufixo. Repare-se que não é possível considerarmos uma só unidade afixal -arrão (…). As unidades -arr- e -ão existem autonomamente (bocarra), e -ão combina-se com outros infixos (benzilhão, sabichão).” (Gramática Derivacional do Português, 2013, p.
94)

Retenha-se, então, que os afixos derivacionais, em português, se juntam a uma base, sequencial ou simultaneamente, formando-se novas palavras. Como se procederá no caso de uma língua de modalidade visual, como a LGP? Poder-se-á falar constituintes presos, ou seja, de morfemas com função gramatical? É o que procuramos verificar, de forma breve, nas linhas seguintes.

Morfologia Derivacional em LGP: afixo ou reduplicação?

Os estudos sobre a derivação em Línguas Gestuais são escassos, sobretudo se comparados à investigação relacionada com variações de tipo inflexional:

“While various inflectional processes in sign languages, such as aspectual, number (…) and spatial inflection (…) are well described, comparatively little is known about derivation in sign languages” (Perniss, 2007, p.12 66

Uma das principais razões, cremos, para esta escassez, prender-se-á com o facto de as línguas gestuais apresentarem uma representação simultânea e sequencial. Atentemos no seguinte:

“Spoken Languages, long represented as strictly linear in their internal organization, are now understood to possess significant non-linear properties as well (…). Conceptions of the phonological structures of sign languages have the reverse history. Their phonological and morphological elements, first thought to have only simultaneous organization, are now understood to have a certain amount of linearity as well. (…) Minimal pairs differing in the place features of sequential segment; marking of verb agreement on the first and last segment; metathesis; underlying and derivational distinction in the timing of final locations; verb aspect inflections and selective alter locations, movements, or both; a sign error.” (Sandler & Lillo-Martin, 2006, p. 142)

Desta forma, um dos “obstáculos” para o estudo da morfologia derivacional, e dos constituintes presos em particular, será o facto de, pela sua especificidade visual e, também, devido ao uso das mãos como articuladores, o signo gestual ser apreendido como algo holístico, sem que haja forma de separar os seus componentes, nomeadamente os componentes morfológicos. Enquanto que, como mais atrás dissemos, é possível, desde os inovadores trabalhos de Stokoe, considerar os queremas, unidades mínimas e indivisíveis do gesto e isolá-los num lexema gestual, tornar-se-á, supomos, mais complexo identificar afixos. Não é tarefa fácil perceber qual o lugar do afixo no lexema e também qual a sua significação. Todavia é possível observar variações dentro da execução de um gesto que originam palavras novas. Tratar-se-á de afixos? Vejamos alguns exemplos.

Supalla e Newport (1978) afirmam que o movimento distingue nomes de verbos:

“The verbs of this class are activities; the nouns are concrete, and are semantically related to the activity-often as instruments (BROOM; SWEEP; IRON, IRON), but also as locations (CHAIR, SIT) and other roles. (…) verbs are generally signed using relatively longer movement” (Sandler & Lillo-Martin, 2006, p.
56)

Idêntica pesquisa foi feita para a Língua de Sinais Brasileira (LIBRAS) e concluiu-se algo semelhante:


“Seguindo a proposta de Supalla e Newport (1978) para a ASL, observa-se que a língua de sinais brasileira pode derivar nomes de verbos pela mudança no tipo de movimento. O movimento dos nomes repete e encurta o movimento dos verbos. (…) Tais conclusões, aplicáveis às regras morfológicas da língua de sinais brasileira, podem ser ilustradas com o par SENTAR e CADEIRA: a locação, a configuração e a orientação de mão dos dois sinais são as mesmas, mas o movimento é diferente. É o movimento que cria a diferença no significado entre os dois tipos de sinais.” (Quadros & Karnopp, 2004, pp. 96-­‐97 e p. 100, sublinhado nosso.)

Ambos os estudos demonstram que a alteração do movimento, a sua reduplicação ou a variação na amplitude, origina variações formais e semânticas. Pela observação que nós realizámos, o mesmo tipo de processo ocorre em Língua Gestual Portuguesa. Assim, como se pode observar pelos exemplos em vídeo 67,o movimento é o que distingue nomes de verbos sendo que os nomes e os verbos são, como a observação feita para a ASL, respectivamente, concretos e referentes a atividades. No exemplo do par “TELEFONE/TELEFONAR” regista-se ausência de movimento no nome e movimento no verbo; já nos outros casos o movimento é repetido ou ampliado. Desta forma, esta reduplicação 68 - ou inclusão - de movimento determina a categoria lexical do lexema derivado.

Convém, contudo, que nos detenhamos um pouco. As conclusões das pesquisas em relação à LIBRAS concluem que


“semelhante à nominalização no português, na língua de sinais brasileira repete-­‐se o morfema base (verbo) e tem-se como produto um nome. O processo de adicionar morfemas a uma forma base é uma forma de criar novas unidades lexicais.” (Quadros & Karnopp, 2004, p. 101).

Será que o que de facto se passa é a “repetição do verbo”?

Se atentarmos nos exemplos da LGP, verificamos que no primeiro par, TELEFONE/TELEFONAR, o nome não apresenta movimento, nos outros casos, há de facto, repetição de movimento como em PERFUME/PERFUMAR ou PIANO/TOCAR PIANO ou uma maior amplitude de movimento como no par BARCO/ANDAR DE BARCO (segundo exemplo do conceito). Assim, cremos que será legítimo sugerir que o que se passa na LGP é a existência de um morfema, o movimento, que é adicionado à base. Este constituinte é responsável pela alteração da categoria morfológica da base, formando-se verbos a partir de nomes. Poder-se-ia, também, colocar a hipótese de que seria o nome formado que encurtaria ou diminuiria a amplitude do movimento presente no verbo. Esta é uma sugestão pertinente, sobretudo tendo em conta os escassos estudos em morfologia derivacional nas línguas gestuais e, em particular, na LGP. Os poucos exemplos que apresentamos não nos permitem resolver esta questão. Todavia, cremos, e tendo também em conta outros processos de formação de palavras por derivação que abaixo vamos apresentar que se trata de um acrescento e não de uma supressão.

A dúvida que também fica é se deveremos considerar este morfema, o movimento, ou melhor “a alteração do movimento” como um sufixo. Tendo em conta o que acima dissemos sobre a simultaneidade e a sequencialidade nas línguas gestuais é uma questão complexa. Na realidade, não nos é possível determinar com segurança que o movimento é acrescentado no final da base, ao contrário do que se passa com outros processos derivacionais que a seguir observaremos. Se atentarmos nos exemplos, verificamos que o movimento acompanha simultaneamente todo o gesto, só podendo insolar-se como querema que o constitui. Ainda assim, mesmo que seja possível, como em todos os gestos, isolar os queremas, não é seguro afirmar que o movimento suceda aos outro que compõem o vocábulo gestual. Sabemos que a alteração de movimento é a responsável pela mudança de categoria morfológica, porém, dada a natureza visuoespacial da língua será talvez arriscado classificá-lo como sufixo ainda que por “repetir ou ampliar” se depreenda que se repete ou amplia algo previamente existente. Resta ainda considerar se este fenómeno de reduplicação do movimento se pode considerar no âmbito da morfologia não concatenativa em que por reduplicação se entende a repetição de uma unidade lexical ou parte dela. Se entendermos que a repetição de parte de uma unidade lexical, ou melhor, a repetição de uma unidade sublexical, visto que o movimento é uma unidade mínima constituinte do gesto, pode alterar a categoria morfológica da palavra, esta é, também, uma sugestão a ter em conta.

Morfologia derivacional em LGP: empréstimo e contaminação

Como mais atrás dissemos, a LGP é uma língua que coabita, no mesmo território geográfico, com o português. Se além disso acrescentarmos a obrigatoriedade que o cidadão surdo tem, no que respeita ao ensino, de utilizar o português como língua segunda (L2) para que esteja integrado na sociedade maioritária é mais do que natural que se observem processo de contaminação linguística, sobretudo na LGP. Aliás, um dos recursos associados à LGP, o alfabeto manual ou datilologia, ilustra claramente as relações entre estas duas línguas:

“A datilologia, também designada alfabeto manual, consiste na transliteração de grafemas das línguas orais. É usado para representar conceitos que não tenham equivalente direto na língua gestual ou quando, no processo de comunicação, um dos interlocutores não conhece o vocábulo gestual servindo-se da datilologia para se exprimir. Um exemplo simples do uso da datilologia é na soletração dos nomes próprios. Assim, para dizer o meu nome completo teria de recorrer à datilologia, servindo-me de configurações manuais que transliteram as letras do meu nome.”

As configurações manuais que representam o alfabeto datilologico são também usadas na criação de gestos em que uma ou mais letras da palavra de origem são combinadas com outros queremas, formando um gesto. Assim, considere-se o gesto que representa “Lisboa” em que a letra L é transliterada e associada a um movimento, orientação, expressão e localização específicos para significar o conceito “Lisboa”. (Correia I, Exedra, 2012, pp. 59-60)

Também podemos observar na LGP, através deste empréstimo por transliteração, o aproveitamento de sufixos, ou parte deles, do português. Os exemplos em vídeo 69 dos gestos SURDEZ e LINGUAGEM mostram este processo uma vez que ao gesto SURDO se acrescenta a letra Z, transliterada no alfabeto manual a que aludimos, e ao gesto de LÍNGUA se acrescenta a letra M pelo mesmo processo. No nosso entender, há aqui uma clara influência do português nesta formação de palavras por derivação pois cremos que a LGP, por empréstimo, utiliza os sufixos –ez e –agem que acomoda às suas regras internas pois, neste caso, observamos uma transliteração lexicalizada, ou seja, o uso das configurações Z e M não é articulado no espaço neutro, como a datilologia quando é usada para, por exemplo, soletrar nomes próprios, mas segue as características de um gesto puro, movimento, localização, entre outras que atrás aludimos.

Este processo de formação de palavras, recorre, então, por via do empréstimo ao uso de sufixos que neste caso ocupam claramente uma posição final ao contrário do que observámos nos exemplos descritos na secção anterior, Tal diferença, a nosso ver, justifica-se por se tratar de um empréstimo proveniente de uma língua oral, ainda que o sufixo se acomode às regras da LGP, algumas características do português são mantidas, como, por exemplo, a evidente sequencialidade. Acrescentamos que os gestos que se formam a partir da datilologia tendem a transformar-se em gestos puros perdendo, em certa medida, o cariz de transliteração lexicalizada 70 que possuíam, mas tal não se observa, ainda, naqueles que possuem, por empréstimo, prefixos ou sufixos 71 do português.

Não encontrámos na bibliografia consultada exemplos deste processo em outras línguas gestuais 72, todavia, considerando que todas elas possuem um alfabeto manual supomos que há fortes probabilidades de encontrar o mesmo tipo de formação de palavras por derivação. É um campo ainda aberto à investigação.

Morfologia Derivacional em LGP: Derivação ou Composição?

Por último, observemos os derradeiros exemplos registados em vídeo 73 que correspondem aos gestos de FALAR COM AS MÃOS, VOZ DAS MÃOS; LINGUÍSTICA DA LÍNGUA GESTUAL. Como se verifica, eles possuem traços semânticos e características formais comuns. Todos dizem respeito aspectos relacionados com a língua gestual e a cultura e identidade surdas uma vez que, no últim exemplo, se especifica um campo de estudos emergente e nos outros se ilustra como a pessoa surda não é “muda” no sentido em que possui um sistema de comunicação centrado no aparelho motor superior e na visão. Podemos até sugerir que estes gestos materializam, em palavras, o deafhood 74 e o deaf gain 75. Formalmente todos possuem um elemento comum, a mão não dominante 76 parece ser usada como “base” para a formação do gesto parecendo a ela juntar-se os gestos de VOZ, FALAR  LÍNGUÍSTICA 77.

Nos primeiros, casos os gestos permanecem íntegros mudando apenas a sua localização pois VOZ (relacionada com a fala) articula-se na zona do pescoço, junto às cordas vocais, e FALAR articula-se próximo da boca. Mais um argumento a favor do que atrás dissemos, ou seja, o uso da mão não dominante parece contribuir para a formação do significado “gestual”, algo específico da cultura e expressão da comunidade surda que utiliza a LGP como veículo de comunicação. No último exemplo, o gesto não fica íntegro uma vez que se gestuarmos LINGUÍSTICA, para nos referirmos de forma geral a esta área do saber, temos de usar as duas mãos com a configuração L- curiosamente mais um empréstimo do português por via da datilologia- e neste exemplo apenas a mão dominante assume essa configuração. Levanta-se, assim, uma questão pertinente: estes gestos são formados por derivação ou composição? Ou deveremos distinguir entre os dois primeiros, que seriam po composição, e o último?

Wendy Sandler e Lillo Martin (2006) ao analisarem a formação de palavras por derivação em ASL e querendo demonstrar que as línguas gestuais também possuem sequencialidade, observaram a existência de um sufixo puro na ASL que nos parece ter um comportamento semelhante àquele que vimos nos exemplos da LGP:

“We turn now to a native suffix of ASL that has no counterpart in English. This form glossed ZERO, and translated ‘not (verb) at all’ is apparently grammaticized from an independent word with a similar meaning (…) In the analysis of language, the line separating one type of complex structure from another may not be razor sharp, and we cannot assume a priori that –ZERO is an affix, rather than the second member of a compound or clitic, or simply an independent word. (…) first the verb-ZERO form cannot be interrupted by other words. This criterion distinguishes verb-­‐ZERO from a word+word sequence (…) that is indeed a suffix.” (Sandler and Lillo Martin, 2006, pp.65-­‐66)

As autoras apresentam uma tabela onde constam critérios para distinguir afixos de clíticos e palavras, tais como poder haver a inclusão de uma palavra entre as duas formas em análise, ocorrerem mudanças fonológicas (querológicas, diríamos nós) quando junto a uma base ou a produtividade e recorrência em determinadas bases. Assim, concluem que ZERO em ASL “had achieved affixal status” (Wendy Sandler & Lillo Martin, 2006, p. 69)

Curiosamente, na LGP também podemos encontrar este sufixo ZERO com significado idêntico àquele descrito para a ASL, o que abre caminho ao estudo comparatista entre línguas gestuais.

Contudo, voltando aos nossos exemplos, de que não encontramos descrição semelhante na bibliografia, mas que estamos em crer que exista 78, tratar-se-á de um afixo? De uma base? Estaremos a falar de compostos? Ou de um morfema com comportamento típico de afixo? 79

Por composição entende-se “o processo de formação de palavras em que se juntam dois ou mais constituintes que podem funcionar como bases” (Gramática Derivacional do Português, 2013, p. 94). Acrescentam os autores da Gramática Derivacional do Português, à semelhança do que também Wendy Sandler & Lillo Martin afirmaram para as línguas gestuais, que “a distinção entre composição e afixação nem sempre é simples. A maior dificuldade reside na classificação de um elemento como afixo ou como base” (Gramática Derivacional do Português, 2013, p. 95). No caso da língua portuguesa esta dificuldade prende-se, sobretudo, com os prefixos e os constituintes dos compostos neoclássicos.

Aplicando alguns dos critérios propostos por Sandler & Lillo Martin (2006) que já referimos, verifica-se que nos nossos exemplos também é impossível incluir uma palavra entre os componentes, pelo que não se tratam de palavras isoladas nem a componente da mão não dominante tem qualquer significado nesta forma fora deste contexto. É verdade que poderemos equacionar que a parte dos gestos considerados que consiste na mão não dominante que confere o significado de "gestual" poderá ser uma acomodação do gesto de GESTUAL que consiste nas duas mãos frente ao tronco com movimentos repetidos. Todavia, ainda que assim possa ser, nos gestos apresentados ela tem, usando as palavras das investigadoras americanas que temos vindo a citar, comportamentos típicos de afixo 80.

E por que não considera-lo um gesto composto? Na nossa opinião porque, como afirmámos, a parte da mão não dominante que compõe o gesto não tem significado fora deste contexto. O que se observa em gestos formados por composição é a junção de dois vocábulos cada um com significado autónomo que forma outro perdendo, ou não, algum parâmetro. Na Gramática Derivacional do Português um dos critérios que se aponta para distinguir prefixos de bases é

“as bases preservam autonomia semântica. Há prefixos que têm autonomia fonológica, mas não têm autonomia semântica, nem lexical. Por isso não funcionam como bases.” (Gramática Derivacional do Português, 2013, p. 96)

Ora, o gesto, tal qual o observamos, não tem autonomia semântica…

Para além disso, à semelhança do que se observa para o sufixo ZERO na ASL este afixo tende a juntar-se a verbos formando nomes e conferindo-lhe o significado de “gestual ou relativo à língua gestual”, comportamento típico de afixos, pois “a marca semântica” da mão não dominante é que contribui para o significado acima descrito. Por último, não se trata da perda de acento prosódico de um dos constituintes (que seria aqui representado, supomos, pelo movimento ou pela expressão facial) que se junta a outro, como na composição, mas da criação de palavras novas a que se junta um morfema com significado semântico.

Porém, como vimos, as fronteiras entre afixos e bases não são lineares sendo necessária mais investigação.

Algumas conclusões

Muito ainda ficou por observar no que diz respeito aos processos de formação de palavras por derivação na LGP. Continuam mais as perguntas do que as respostas e o campo para a investigação é vasto. Não considerámos aqui a formação da negativa ou a criação de novas palavras através de componentes não-manuais (vulgo expressão facial). Apenas quisemos apresentar alguns exemplos de formação de palavras que ilustram como estes processos também ocorrem nas línguas gestuais. O primeiro exemplo, cremos, será o meno problemático no que diz respeito a considerar o movimento um afixo. Verifica-se que não tem qualquer significado semântico isolado e que forma novas palavras. O segundo exemplo, tratando-se de formação de palavras por sufixação por empréstimo do Português também parece não levantar dúvidas. Já os casos que observámos em último lugar levantam mais questões: será base? Será afixo? No nosso entender, e tendo em conta que apenas recentemente se observa a execução de gestos com a mão não dominante com o significado de “gestual” é necessário uma observação mais atenta da língua e destes novos gestos.

Como dissemos, a criação destas palavras tem relações estreitas com as mudanças sociológicas da comunidade surda e com a sua afirmação. Por isso, ainda é tudo muito recente para conclusões. Porém, arriscamos, assentando, sobretudo, a nossa hipótese no facto de que a mão dominante com esta configuração, orientação, localização e movimento 0 não ter autonomia semântica, dizer que se trata de um afixo ou pelo menos de um afixo em transição, também denominado afixoide 81 na terminologia. Teremos de deixar a LGP mostrar-se aos nossos olhos para um segundo passo talvez mais assertivo.

Notas

58 Apesar de os estudos recentes em linguística das línguas gestuais preferirem o uso do termo “fonema” para designar as unidades mínimas destes idiomas, utilizamos a terminologia proposta por William Stokoe em 1960, “kheremes”, uma vez que nos parece ir mais ao encontro da realidade visuomotora da língua, pois tem por base a raiz grega “Khyros”, ou seja, “mão”, e não “phonos”, voz, que está na base do termo fonema.
59 Citamos apenas alguns nomes, Ronice Muller de Quadros, Ferreira de Brito, Sofia Figueiredo, Tânia Felipe, com variados e completos estudos sobre a LIBRAS ou Wendy Sandler e Lillo- martin sobre a ASL.
60 Transcrição em signwriting da responsabilidade de Rafaela Silva, a quem agradecemos.
61 Todavia, é interessante notar que os signos com base icónica não têm a mesma representação em todas as línguas gestuais, tal como acontece com os sons onomatopaicos das línguas orais. A título de exemplo, consulte-se o gesto “bola” em diversas línguas gestuais em http://www.spreadthesign.com/pt/.
62 Sobre a História dos Surdos em Portugal consulte-se CARVALHO, Paulo Vaz de (2007), Breve História dos Surdos em Portugal. Lisboa, surd’Universo.
63 Para mais informações sobre o parâmetro expressão como unidade suprassegmetal veja-se CORREIA, Isabel Sofia Calvário, “O Parâmetro Expressão na Língua gestual Portuguesa: unidade suprassegmental”, EXEDRA. Revista Científica da Escola Superior de Educação de Coimbra, nº1, jun.2009, pp. 57-68, disponível em http://www.exedrajournal.com/docs/01/57-68.pdf, consultado em 24-10-2014.
64 Como já dissemos, não vamos tratar aspectos da morfologia flexional pelo que não tratamos aqui as noções de Tema e Constituinte Temático.
65 Os infixos ocupam uma posição medial dentro do lexema derivado. Para mais informações, nomeadamente, também, sobre interfixos, veja-se Gramática Derivacional do Português, 2013.
66 O pouco que se diz sobre este processo é, em grande parte, dedicado à formação da negativa que, em algumas línguas gestuais e em algumas construções sintácticas é formada através de um morfema, de acordo com alguns autores. Todavia, tendo em conta que, esse afixo se agrega a verbos, considerámos que o seu estudo estaria entre um processo flexional e um outro derivacional. Por isso, e porque apenas pretendemos dar alguns exemplos de formação de palavras em LGP; não consideramos a formação da negativa neste artigo. Sobre este assunto veja-se, por exemplo, SANDLER, W & LILLO-MARTIN (2006)
67 Os exemplos grafados no texto seguem a ordem explícita no vídeo. Assim, neste momento, consideramos os gestos: TELEFONE/RELEFONAR; BARCO/ANDAR DE BARCO; BARCO/ANDAR DE BARCO (exemplo distinto para o mesmo conceito dependendo da forma do verbo. Veja-se o que dizemos sobre os classificadores); PERFUME/PERFUMAR; PIANO/TOCAR PIANO; GUITARRA/TOCAR GUITARRA MIN. 00.08-00.39). O vídeo está disponível em http://youtu.be/SR-c-l4-TpY
68 Por reduplicação entenda-se “repetição” e não o que se refere à reduplicação no âmbito da morfologia não concatenativa em que por reduplicação se entende a repetição de uma unidade lexical ou parte dela. No nosso ponto de vista, o movimento é responsável pela formação de uma nova palavra e pela alteração da categoria morfológica ao contrário do que se regista na reduplicação de partes de unidades lexicais nas línguas orais. A não ser que, campo ainda completamente aberto ao estudo, se considere que o movimento é a repetição de parte de uma unidade lexical mas que confere alteração morfológica à forma base. Todavia, não esqueçamos que o movimento é um querema dos gestos com comportamentos muito típicos de morfema ocorrendo em processos “flexionais” e derivacionais. Estamos neste momento a desenvolver um projecto de investigação que contempla esta especificidade.
69 Consulte-se o link acima referido, http://youtu.be/SR-c-l4-TpY entre os minutos 00:40-00:51.
70 É exemplo disso uma das variantes do gesto de MUNDO que apesar de manter as configurações M N D elas estão já acomodadas às regras da LGP sendo difícil percepcioná-las na execução do gesto.
71 Continuam a existir casos em que os afixos se mantêm, como é exemplo o gesto de IMPOSSÍVEL, em que parte do prefixo, o –i, precede o gesto de POSSÍVEL.
72 Wendy Sandler e Lillo martin (2006) aludem a estudos semelhantes para a formação de graus de adjectivos na ASL. Todavia concluem que não se trata de um processo de empréstimo. Para mais informação veja-se SANDLER & LILLO MARTIN (2006), pp. 63-65.
73 Consulte-se o vídeo a que nos temos vindo a reportar no link http://youtu.be/SR-c-l4-TpY entre os minutos 00:53-00:59.
74 O Deafhood, conceito que pode ser traduzido por “orgulho surdo” ou “surdidade”, foi criado por Paddy Ladd e significa a aceitação e emancipação da pessoa surda em conjunto com o orgulho de pertença a ma comunidade, não só constituída por surdos, mas unida pelo uso de uma língua gestual. Para mais informações consulte-se LADD, Paddy (2003), Understanding Deaf Culture: In Search of Deafhood, England, Multilingual Matter
75 Deaf gain é um conceito relativamente novo, pelo menos em Portugal, e pode definir-se como o entender a surdez não como uma perda, mas como uma diferença que pode trazer ganhos à pessoa surda e à sociedade em que esta se inclui. Para mais informações consulte-se BAUMAN, H & MURRAY, J. eds. (2014), Deaf Gain: Raising the Stakes for Human Diversity, Minnesota, University of Minnesota Press.
76 Designa-se mão não dominante a que apenas serve de apoio em alguns gestos bimanuais. Por exemplo, uma pessoa destra terá como mão dominante a direita e uma esquerdina terá como mão dominante a esquerda quando gestua.
77 Aliás, a configuração e posição da mão não-dominante são as mesmas, exceptuando-se o segundo exemplo em que, cremos, a mudança de localização do gesto VOZ acontece para distinguir este de outro gesto, o de PORTA-VOZ.
78 O gesto de LINGUÍSTICA DA LGP terá entrado na LGP, segundo informação de uma gestuante surda fluente, por empréstimo uma vez que este gesto se realiza, também, na LLengua de Señas Castellana (Língua Gestual Castelhana).
79 Tendo em conta aquilo que já dissemos para os primeiros exemplos apresentados respeitantes ao afixo movimento, não cremos ser possível, também nestes casos, estabelecer se se trata de um prefixo de um sufixo ou de um interfixo. A simultaneidade da execução destes gestos impede-nos esta precisão.
80 Ainda que consideremos o gesto de LINGUÍSTICA DA LÍNGUA GESTUAL em que o L gestuado parece cristalizar em si os gestos de LINGUÍSTICA (geral) sendo executado apenas com uma mão, não cremos que este seja o afixo. Supomos que por uma questão fisionomia do aparelho motor superior o gesto LINGUISTICA é reduzido a uma mão pois recebe “o afixo” GESTUAL.
81 Afixoides serão constituintes que se situam numa fase de transição entre o estatuto de bases e o de afixos. Para mais informações sobre esta terminologia e definição consulte-se a Gramática Derivacional do Português (2013), p. 95.

Bibliografia

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