No minidocumentário, A Selby Film, Christine Sun Kim, que é surda e muda de nascença, convida-nos a ouvir com os olhos, e não apenas com os ouvidos.
Diante do espelho, a artista Christine Sun Kim maquilha-se. Depois, veste o casaco e calça os sapatos. Fecha a porta do número 14 atrás de si e desce as escadas. Chega então a uma movimentada rua de Chinatown, em Nova York, onde mora, e integra-se na multidão ruidosa que corre de um lado para o outro. Com um aparelho, grava o som dos carros. Christine acompanha tudo com os olhos, mas não pode ouvir as buzinas e o falatório: é surda e muda de nascença.
O minidocumentário filmado por Todd Selby, apresenta o trabalho da artista californiana, descendente de tailandeses. No vídeo, ela faz uma performance a partir das interferências sonoras captadas no bairro onde vive. Usa subwoofers, fitas de papel, cristais, pó tingido, microfone, teclado e balões de gás hélio. Tudo colorido. A proposta, ela diz, é “ouvir com os olhos, e não apenas com os ouvidos”.
Em língua gestual, Christine comenta que, desde pequena, ficava confusa por ter que obedecer à etiqueta de fazer o mínimo de ruído possível.
A família precisava aprender inglês e a língua gestual ao mesmo tempo para desenvolver as capacidades intelectuais da filha - o resultado, porém, é que ela cresceu com fragmentos de gramáticas, sem acesso completo a nenhuma.
O trabalho começou em 2008, durante uma residência artística em Berlim. “Eu tinha ideias que queria expressar, mas não conseguia, e era muito frustrante. Sentia como se a minha voz estivesse sufocada, literalmente engasgada”, conta no vídeo. É como se, até então, ela não tivesse controle sobre os sons que emitia.
A artista mostra que a vibração do barulho (teoricamente invisível) ganha movimento em contato com outros objetos. No site (christinesunkim.com), é possível ver obras idealizadas por ela, como por exemplo o Face Opera, em que um grupo de pessoas, em coro e sem emitir um pio, reage a comandos que aparecem no ecrã de um iPad por meio de expressões faciais.
Christine explica que 40% da língua gestual é comunicada por gestos. O resto é transmitido via expressões faciais e movimentos corporais. No seu site, conclui: “A visão é tão perversa que deixa pouco espaço para as linguagens visuais”.
Noutra performance, ela mostra que o ruído, puro e simplesmente, faz saltar um pincel sobre uma folha de papel, posicionada em cima de uma caixa de som, que por sua vez emite a algazarra do trânsito gravada num aparelho. O pincel, assim, parece pintar por conta própria o que seria a tradução do som em imagem. A surdez, que até então era compreendida como uma limitação, vira a força motriz para Christine inventar uma maneira de se tornar autora do próprio som. No vídeo de Selby, ela declara: “É muito mais interessante explorar um meio ao qual não tenho acesso direto e que mesmo assim é o que tem conexão mais direta com a sociedade em geral”.
Fonte: Nowness
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