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Palhaço surdo leva espetáculos para quem não pode ouvir
por porsinal     
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Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019 às 15:03:52
Palavras não são ditas nas apresentações. O que lideram mesmo são as mímicas, linguagem corporal e, é claro, a Língua Brasileira de Sinais.

A vida é feita de humor. E é preciso entender a piada para sorrir. Um pernambucano, radicado em Alagoas, tem levado alegria à população surda. Ele é um palhaço surdo. Palavras não são ditas nos seus espetáculos, onde o que lidera são as mímicas, linguagem corporal e, é claro, a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Igor Andrade Rocha tem 31 anos. Ele não sabe porque é surdo. Já nasceu assim. Cresceu a compreender o mundo por leitura labial, mas deixou o modo informal de se comunicar, quando, aos 17 anos, conheceu a Libras. O palhaço surdo, conhecido como Palhaço Surddy, só presenciou um espetáculo acessível pela primeira vez aos 27 anos, em Recife, onde havia um intérprete a traduzir as piadas.

Antes disso, ele conta que não entendia bem o que estava a ser transmitido nos palcos. A expressão corporal ajudava um pouco na compreensão. Foi a pensar na dificuldade do público surdo em participar dos espetáculos, seja como protagonista ou espectador, que Igor Rocha, com ajuda de amigos, idealizou um projeto em que a prioridade é a acessibilidade.

Projeto Palhaço Surddy nasceu há três anos

Inspirado em importantes referências do cinema internacional, Igor Andrade Rocha revê-se em personagens como Charlie Chaplin, Jim Carrey e Mr Bean. “Eles usam expressões facial e corporal que são importantes para mim. Esses artistas passaram a inspirar o trabalho do Surddy”, conta, acrescentando que sempre foi, naturalmente, brincalhão e que foi incentivado a investir no projeto por amigos e familiares.

Apesar de conhecer o teatro há cerca de 10 anos, os palcos fizeram parte de seu mundo profissional há três anos, quando, ganhou um nariz de palhaço da atriz pernambucana, Andreza Nóbrega, que trabalha com Artes Cênicas inclusivas. “Ele [nariz de palhaço] foi doado pela palhaça Giulia Cooper. Ganhar um nariz de palhaço significou que eu passaria a trabalhar de verdade, profissionalmente. E já faz três anos que eu sou palhaço Surddy”, expõe o artista.

O seu primeiro espetáculo chamou-se "A Chegada", dirigido por Andreza Nóbrega e as apresentações iniciaram-se em maio de 2019, no Recife. A peça tem como pano de fundo a história do personagem e sua relação com o teatro.

Num palco escuro, um facho de luz ilumina os poucos elementos cênicos: uma mesa, uma cadeira, um vaso, uma flor. Surddy, o palhaço vivido pelo ator Igor Rocha, entra em cena com um cavalete e procura o melhor lugar para mostrar suas habilidades, mas atrapalha-se a cada passo e, então, busca conforto na sua amiga Flor”, assim descreve o Itaú Cultural, um dos mais importantes programas de incentivo à cultura no Brasil, do qual, Igor Rocha foi agraciado.

O Surddy em "A chegada" é visual, temos o tradutor/intérprete de Libras, quando fazemos uma conversa com o público. Além disso, usamos os recursos estéticos de (iluminação, figurino, cenário, maquiagem)”, conta Igor Rocha. A peça possui ainda o elemento de audiodescrição para o público com deficiência visual.

O projeto [A Chegada] foi uma oportunidade de me capacitar na área da palhaçaria. Eu tive uma equipa enorme, dentre eles Giulia Cooper, Rapha Santa Cruz e Marcelo Oliveira e a participação de pessoas da comunidade surda como consultores Cristiano Monteiro, Marcelo Pedrosa e Letícia Lima”, comenta.

“É claro que eu posso fazer teatro”

A afirmação de Igor Rocha responde às dúvidas de quem não acredita na sua capacidade de comunicação, artística e de humor. “As pessoas que me conhecem ficam felizes em ver o meu trabalho como palhaço ganhar espaço profissional. Acho que é uma possibilidade de outras pessoas surdas verem que é possível a comunidade surda ocupar estes espaços profissionais na arte”, afirma, referenciando o festival Clin d’Oeil, que acontece todos os anos em Paris e voltado inteiramente ao público surdo, do qual, Igor já visitou.

O seu público vai desde crianças ao adulto. É para todas as idades. E qualquer lugar pode ser um palco para o palhaço Surddy: das praças, ao teatro. “Eu gostaria de ajudar a sociedade a entender que a inclusão é possível. Que ela precisa acontecer de verdade, que pessoas ouvintes e surdas podem conviver e aprender juntas. No processo artístico de montagem do Surddy, podemos sentir isso”, finaliza.

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