Surdos que cantam e são atores? Sim, é possível e acontece em Portugal. Damos a conhecer projetos de inclusão, acesso e acolhimento na arte.
António Cabral, Patrícia do Carmo, Cláudia Dias Veiga e Débora Carmo são surdos e cantores. Se estranha, saiba que os surdos não são mudos. Eles falam e cantam em língua gestual portuguesa, oficialmente reconhecida. Os quatro fazem parte do coro Mãos que Cantam.
Conversamos antes do ensaio com a ajuda da intérprete de língua gestual Sofia Figueiredo. Sérgio Peixoto é ouvinte e diretor artístico e maestro deste projeto. Há seis anos foi desafiado para criar um coro de surdos com alunos da licenciatura e mestrado em Língua Gestual Portuguesa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa. O projeto é único na Europa.
Trabalhar com um coro de surdos tem sido um desafio. O maestro explica que utilizam «a língua gestual associada a vários conceitos musicais como polifonia, musicalidade». Mas como se faz isso na prática? Patrícia explica que tudo começa com a escolha da música. «Depois fazemos a leitura e adaptação para língua gestual portuguesa, passamos a escrito quais são os gestos. Fazemo-la de forma artística. Os gestos vão sendo adaptados consoante a letra».
Surdos "ouvem" música com o corpo
Nos ensaios do coro, determina-se quem faz solos, quando é coro, ou quando cantam partes diferentes da música ao mesmo tempo. O maestro, de frente, liga o tablet e ouvem-se os primeiros acordes do tema Eu Sei de Sara Tavares. Quando a voz da cantora começa, iniciam-se os gestos de forma harmoniosa, numa espécie de dança emotiva. Cantam realmente com as mãos. Hão de cantar ainda o fado Com que Voz de Amália Rodrigues, o primeiro traduzido para língua gestual portuguesa.
Ser surdo não impede a fruição musical. Débora explica que os surdos sentem de forma diferente porque «está ligado ao visual, às nossas mãos, e também à vibração. Nós, surdos, ouvintes, cegos, temos a música dentro de nós. Só que de formas diferentes.». «A música é para todos», sublinha António. É essa inclusão que querem promover e espalhar pelo mundo.
Ser surdo também não é barreira para viver a arte. Rafaela Cota Silva é intérprete de língua gestual portuguesa e atriz do elenco do Teatro Corpus. O grupo nasceu em 2013 depois de uma formação para alunos da licenciatura em Língua Gestual Portuguesa, na Escola Superior de Educação de Coimbra. Josette Bushel-Mingo, diretora artística do Tyst Teater, e a atriz surda Mette Marqvardsen mostraram o Tyst Teater ou Teatro Silencioso. Rafaela explica que se trata de «um teatro profissional que trabalha com surdos e ouvintes através da língua gestual. Desde 1977 que faz parte do Teatro Nacional Sueco. Além das suas produções e tournées, também faz trabalho educativo e juvenil a nível internacional».
O Teatro Corpus integra surdos e ouvintes que dominam a língua gestual portuguesa. As peças têm por base a cultura e a identidade surda. Rafaela explica que «as vitórias, as angústias, as lutas, as conquistas, o quotidiano, tudo o que faz da comunidade surda uma comunidade extremamente rica sobe ao palco e contribui para a promoção da acessibilidade cultural neste domínio».
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