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Surdos na «periferia» da Igreja?
por porsinal     
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Quarta-feira, 12 de Outubro de 2016 às 17:17:45
Se ouve, dificilmente perceberá a dificuldade que um surdo tem em participar numa Eucaristia. Nas celebrações nas igrejas, há música, leituras e pregação. Quem não ouve e não tem interpretação em língua gestual portuguesa fica privado de celebrar. Mas há exceções.

Desde 2013 que, na Basílica da Santíssima Trindade, no Santuário de Fátima, todos os domingos, às 15h00, a missa é interpretada em língua gestual portuguesa.

Joana Conde e Sousa faz parte da equipa de intérpretes e explica que tudo começou com uma experiência piloto na Sé de Leiria. «A comunidade surda local era muito ativa. Os próprios surdos podiam fazer leituras em língua gestual. Nós, os intérpretes, fazíamos a leitura oral. Quem estava no ambão era a pessoa surda».

No Santuário de Fátima, há dois intérpretes na missa, ao contrário do que acontece habitualmente. «Nós queríamos que os surdos percebessem que não era sempre a mesma pessoa a falar. Um intérprete faz o que vem do presidente e dos leitores e o outro todas as respostas da assembleia. Isso fez com que as pessoas surdas percebessem que a assembleia fazia algo naquele momento. Agora participam mais e respondem em língua gestual», explica Joana.

O projeto começou com seis intérpretes e tem agora 12. Em maio, aconteceu a peregrinação nacional de surdos. «Tínhamos um número reduzido de 150 pessoas inscritas. Na missa contámos 350 visíveis. Foi um momento muito alto porque o trabalho deu frutos. Percebeu-se que esta mensagem não é apenas para a comunidade local, mas para a comunidade surda nacional.» Joana emociona-se ao "pintar" o que via do altar nesse dia: «havia centenas de pessoas a responder e a cantar em língua gestual, foi muito bonito». A intérprete explica que as associações de surdos têm pedido um espaço para poder estar nas cerimónias com o Papa em maio de 2017. «É muito bom porque a comunidade surda já percebeu que o Santuário os acolhe».

O exemplo do Santuário de Fátima tem espantado peregrinos de outros países. «Há muitos que vêm ter connosco a perguntar se é mesmo um serviço do Santuário, porque querem fazer o mesmo nos seus países», conta Joana.

Os surdos estão sedentos. A dificuldade de comunicação fez com que fossem ou ficassem afastados de Deus. A intérprete explica que «foi uma comunidade sempre privada de informação. Muitos fizeram o crisma, mas nem sabem o que os sacramentos significam. Nunca chegou até eles». Na experiência na Sé de Leiria, houve catequeses para surdos. O tempo era sempre largamente ultrapassado. As perguntas eram mais do que muitas. No Santuário de Fátima não há catequeses, mas no dia da peregrinação houve formação sobre a mensagem de Fátima e tempo para perguntas. «A questão da confissão este ano foi um dos temas muito falados. "Há padres surdos? Pode haver? Como posso fazer uma confissão se preciso de um interlocutor? E se é um momento meu não faz sentido ter um intérprete. Se não me posso confessar, faz sentido comungar?”», recorda Joana.

Interpretar não é apenas traduzir do português para a língua gestual portuguesa. Para transformar o Pai Nosso em gestos, houve formação sobre o significado de cada parte e contactos com «alguns líderes da comunidade surda» e pessoas com conhecimentos profundos de religião e língua gestual. «Está “homologado” pela comunidade surda», afirma a intérprete. O próximo desafio é fazer o mesmo com o Credo.

Joana, que é também professora do curso de Língua Gestual Portuguesa na Escola Superior de Educação de Coimbra, não conhece padres que saibam língua gestual portuguesa. Mas há quem tenha conhecimentos básicos. Salienta o exemplo do vice-reitor do Santuário de Fátima, Vítor Coutinho. «No dia da peregrinação começou a missa em língua gestual. É um gesto muito bonito e de acolhimento», elogia a intérprete.

Fonte: Família Cristã (texto: Cláudia Sebastião)

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