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Cientista russo começou a editar genes de óvulos humanos para evitar surdez
por porsinal     
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Quarta-feira, 30 de Outubro de 2019 às 11:09:49
O biólogo russo Denis Rebrikov afirmou ter iniciado o processo de editar os genes em óvulos doados por mulheres com audição normal, com o objetivo de aprender como fazer com que casais surdos possam gerar possam gerar filhos sem a mutação genética que causa a surdez.

A notícia, detalhada num e-mail que ele enviou à revista Nature em 17 de outubro, é o mais recente episódio de uma saga que começou em junho, quando Rebrikov relatou à Nature sua polêmica intenção de criar bebês resistentes ao vírus HIV usando a popular ferramenta de edição genética chamada CRISPR.

O e-mail de Rebrikov vem depois de uma notícia de setembro da revista russa N+1, que afirmou que um casal surdo havia iniciado procedimentos para adquirir óvulos que seriam usados para criar um bebé geneticamente editado — mas os óvulos que Rebrikov editou são de mulheres sem a mutação genética que pode prejudicar a audição. Ele diz que o objetivo das experiências é entender melhor como podem ocorrer também outras mutações diferentes daquelas pretendidas, que são potencialmente prejudiciais e consideradas como um dos maiores desafios no uso da CRISR-Cas9.

No seu e-mail para a Nature, Rebrikov deixa claro que ainda não planeia criar um bebé modificado — e que o seu plano anterior de solicitar permissão ainda neste mês para implantar embriões geneticamente editados em mulheres foi adiado.

Em vez disso, ele diz que publicará em breve os resultados das suas experiências com óvulos, que testaram, entre outras coisas, a capacidade do CRISPR de reparar o gene ligado à surdez (chamado GJB2) em células corporais retiradas de pessoas com essa mutação. Pessoas com duas cópias mutantes do GJB2 não conseguem ouvir bem sem intervenções médicas, como aparelhos auditivos ou implantes cocleares. Rebrikov diz que esses resultados servirão de base para o trabalho clínico.

Rebrikov também acrescenta que tem autorização de um comitê local para fazer a sua pesquisa, mas que ela não permite a transferência dos óvulos editados geneticamente para um útero, de modo a levar posteriormente a uma gestação.

Além do casal surdo que concordou em começar a se submeter aos procedimentos, o cientista está a negociar com outros quatro casais nos quais ambos os possíveis pais têm dois genes GJB2 mutados, diz ele. Rebrikov também diz que quer ajudar casais como estes a terem um filho com uma audição normal.

No seu e-mail, Rebrikov também forneceu mais informações sobre o casal que concordou com os procedimentos. Em setembro, a revista N+1 relatou que o casal não teria assinado um termo de consentimento e que se haviam afastado da ideia de criar uma criança geneticamente modificada, alegando razões pessoais.

Mas Rebrikov agora diz que isso é apenas um obstáculo temporário. Ele observa que a mulher que doou os óvulos fez uma “pausa” de um mês enquanto recebe um implante coclear.

Rebrikov também enfatizou que não irá adiante com as suas experiências sem a aprovação do Ministério da Saúde da Federação Russa. “Definitivamente, não transferirei um embrião editado sem a permissão do órgão regulador”.

E essa permissão pode demorar a chegar. Na semana passada, o Ministério divulgou um comunicado onde diz que a produção de bebés geneticamente editados ainda é prematura. Rebrikov diz que “é difícil prever” quando ele receberá a autorização, mas que será apenas depois que se realizem todas as verificações de segurança necessárias.

Segunda vez

Rebrikov ganhou fama em junho deste ano ao anunciar seus planos de fazer bebés resistentes ao HIV. A notícia chocou investigadores internacionais. Temia-se que ele estivesse seguindo os passos do cientista chinês He Jiankui que, no ano passado, anunciou o controverso nascimento das primeiras bebés do mundo com genomas editados — duas irmãs gémeas.

Rebrikov planeja usar a CRISPR para alterar o mesmo gene que He Jiankui modificou — o chamado CCR5. A proteína produzida por esse gene permite que o vírus HIV entre nas células, e pessoas com uma cópia mutada do CCR5 têm muito menos probabilidade de contrair o vírus. Mas muitos cientistas dizem que os benefícios (como a possível resistência ao HIV) não valem os riscos desconhecidos da edição de genes, porque existem outras maneiras de impedir a transmissão de HIV de pai para filho.

Segundo o último e-mail de Rebrikov, ele não abandonou os planos de editar o gene CCR5. O cientista diz que começou a procurar por mulheres com HIV que queriam ter um bebé e que não responderam bem aos medicamentos contra o vírus. Ele argumenta que essas pessoas podem ser boas candidatas ao procedimento porque têm uma chance elevada de transmitir a infecção para seus filhos, embora muitos cientistas pensem que qualquer tentativa de usar a edição de genes em embriões para modificar o gene CCR5 é equivocada. Ele disse à Nature que ainda está procurando mulheres deste perfil. “Mas elas são pouquíssimas”, relata.

Enquanto isso, Rebrikov assumiu outro projeto — o de reparar o gene GJB2 em embriões humanos.

Alguns cientistas e especialistas em ética também questionam os benefícios desse procedimento, visto que a surdez não é uma condição fatal. “O projeto é imprudentemente oportunista, claramente antiético e prejudica a credibilidade de uma tecnologia que visa ajudar, não prejudicar”, diz Jennifer Doudna, pioneira da ferramenta de edição de genes CRISPR e bióloga da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Após a revelação chocante sobre o experimento de He Jiankui no ano passado, a Organização Mundial da Saúde criou um comité responsável por desenvolver uma estrutura internacional para regular o uso clínico da edição de genes. Em agosto, o comité da OMS também lançou um registro internacional de pesquisas clínicas que usam a edição de genes em humanos para supervisionar essa prática.

Uma comissão internacional criada pelas Academia Nacional de Ciências dos EUA, Academia Nacional de Medicina dos EUA e Sociedade Real do Reino Unido também está a preparar uma estrutura para orientar pesquisas clínicas com edição de genes da linha germinativa, que deve ser lançada na primavera de 2020. A comissão realizará uma reunião pública de 14 a 15 de novembro para debater ideias para essa estrutura.

No mês passado, Rebrikov disse à revista Bloomberg que deseja seguir regulamentos que foram acordados internacionalmente ao levar a edição de genes para a clínica. Mas ele também expressou frustração pelo fato desses acordos ainda não existirem.

Robin Lovell-Badge, biólogo do desenvolvimento do Instituto Francis Crick em Londres e membro do comité da OMS, diz que Rebrikov deve esperar até que uma estrutura clara seja estabelecida — e que isso levará tempo. “Não é uma questão simples, e é ridículo pensar que podemos chegar a soluções globais para a regulamentação de uma área científica e potencialmente clínica muito complexa em apenas poucos meses”.

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