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Polícia ensina língua gestual a agentes da PSP
por porsinal     
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Quarta-feira, 09 de Dezembro de 2020 às 12:54:40
Foi pela mão do polícia João Cunha que a língua gestual portuguesa (LGP) chegou às formações dos agentes da PSP. Desde 2016, já instruiu cerca de 100 agentes colocados por todo o território nacional, nos diversos Comandos Regionais, Metropolitanos e Distritais, através do curso de iniciação à LGP para polícias, pioneiro na União Europeia, que leciona naquela força de segurança. PSP desenvolve também ações de sensibilização para a comunidade escolar surda.

"Não é fácil colocar uma pessoa fardada a fazer gestos nem mudar mentalidades e paradigmas dentro de uma instituição [como a PSP]", começa por contar o polícia de 37 anos. Além de ministrar à volta de dois cursos por ano de caráter técnico e com a duração de 70 horas letivas, em formato b-learning, João Cunha, natural de Gondomar, desempenha também funções como chefe da PSP, na 4.ª Divisão Policial da cidade de Lisboa.

Uma manifestação de surdos pelo reconhecimento e presença da língua gestual em serviços públicos, em 2006, junto à Assembleia da República veio dar outro sentido ao curso de Tradução e Interpretação de Língua Gestual Portuguesa que tirara antes de entrar para a PSP. Por não ter sido comunicado ao governador civil, que era quem autorizava, à data, aquele tipo de eventos, o protesto causou um enorme bulício. Perante as dificuldades de comunicação entre as autoridades e os manifestantes, João foi chamado para pôr término à "grande algazarra" que se gerara.

"Havia uma grande perturbação da ordem pública por parte dos surdos, por não haver ninguém quem os percebesse", recorda, explicando que a sua função ali foi traduzir aquilo que o comandante de policiamento dizia: "que tinham de cessar a manifestação".

Desse dia, recorda-se bem da estupefação dos protestantes. "Ficaram muito espantados quando viram um polícia falar língua gestual", lembra. Aquela situação haveria de despertar a PSP para a necessidade de melhorar a abrangência e a efetividade de comunicação da Polícia com todos os cidadãos. Afinal, "numa ocorrência policial, o primeiro contacto é sempre feito por e com um polícia", esclarece João, acrescentando que a Federação Portuguesa das Associações de Surdos disponibiliza também uma "escala de intérpretes de prevenção".

E os surdos, até então sem interlocutor nas forças de segurança, não mais deixaram aquele agente "sossegado": "Já tive de ir à esquadra às três da manhã para traduzir alguma situação", confidencia, entre risos, atualmente sem mais contar as vezes.

Além de mediar situações de delinquência, violência doméstica, fiscalização rodoviária, entre outras, que envolvam pessoas com estes défices auditivos, a PSP desenvolve também ações de sensibilização para a comunidade escolar surda.

Exemplo disso é o projeto "Prevenir em Silêncio", inserido na iniciativa Escola Segura, em que são os próprios polícias, sem interferência de um intérprete civil, a passar a mensagem diretamente aos estudantes através da língua gestual. "É notória a captação de informação da criança surda", assegura João, acrescentando que os miúdos, por norma "já despertados pelas fardas e pelas armas", ficam deslumbrados quando sabem que um polícia sabe também comunicar como e com eles.

Hoje sabe que é impossível ter todos os agentes a falar a língua: "o ideal seria que todos também soubessem inglês ou mandarim", argumenta. Por isso, e apesar de não se envaidecer, orgulha-se dos agentes que já conseguiu instruir desde que a formação foi criada.

Alguns anos antes, durante as aulas da disciplina de comunicação e atendimento, que lecionava na Escola Prática de Polícia, em Torres Novas, João Cunha já ensinava aos novos agentes um gesto de LGP todos os dias. "Queria mostra-lhes que, quando chegassem ao terreno, iriam encontrar situações que envolveriam surdos", finaliza.

Comunidade surda em Portugal

De acordo com os últimos Censos (de 2011), estima-se que em Portugal existam cerca de 120 mil pessoas com algum grau de perda auditiva, podendo este ser por motivos de saúde ou até de idade, e cerca de 30 mil falantes de LGP.

Pedro Mourão, presidente da Associação Portuguesa de Surdos (APS), garante que estes números podem estar enviesados: "Os dados estatísticos nunca foram rigorosos, uma vez que nunca se considerou prioritário nem relevante apurar o número de pessoas que sabem LGP quando se fazem censos. A Administração Pública considera apenas relevante coletar o número de pessoas com deficiência auditiva, sem por isso desenvolver critérios, em prol da simplificação", argumenta.

Recorda ainda que a comunidade surda tenta "há décadas" que o Instituto Nacional de Estatística acrescente uma questão sobre se a pessoa sabe ou não LGP: "Assim, um respondente que assinalasse com deficiência auditiva e que soubesse LGP seria aquele que enquadra-se na nossa comunidade, facilitando-nos muito os nossos trabalhos e lutas futuras", assegura o dirigente da APS.

Também Pedro Costa, presidente da Federação Portuguesa das Associações de Surdos, considera que a apuração do último recenseamento "não esclarece o número efetivo de pessoas surdas que existe".

Fonte: Jornal de Notícias

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