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Isabel Sofia Correia
Isabel Sofia Correia
Professora e Investigadora
Ler bilingue: A importância de livros inclusivos na educação
Inserido Quarta-feira, 07 de Novembro de 2012
Autor: Isabel Sofia Correia
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Ler fluentemente em português é um dos objectivos fundamentais da educação dos surdos. Mas este difícil objetivo, só poderá ser atingido se dermos primazia à literacia em Língua Gestual Portuguesa. Assim, as crianças devem compreender a sua língua natural para, em seguida, entrarem no mundo bilingue da leitura. Para isso, há livros que s e podem ler e ver, transmitindo mensagens significativas para os alunos surdos. Para além disso, o grande passo será também levar este mundo bilingue a todos, surdos e ouvintes, como forma inclusiva e global de ver e ler mundo.

Com a criação das EREBAS (Escolas de Referência para o Ensino Bilingue de Alunos Surdos) vários passos têm vindo a ser dados na educação das crianças surdas. Assim, para além de professores especializados em ensino especial-surdez, os alunos têm ainda direito a outros profissionais que lhes possibilitam a comunicação, os intérpretes, e, também, têm legitimamente acesso ao conhecimento reflexivo da sua língua natural possibilitado por docentes de Língua Gestual Portuguesa. Estes professores, que começaram por ter apenas formação não superior, têm vindo, na sua esmagadora maioria, a procurar formação no ensino superior o que lhes faculta instrumentos de trabalho e reflexão mais produtivos para o ensino-aprendizagem de uma língua. Assim, é cada vez maior a preocupação em construir, fornecer, adaptar, materiais que facilitem, de forma rigorosa e didática, o conhecimento da Língua Gestual Portuguesa (LGP) e da Língua Portuguesa (LP).

Ora, é sabido que a compreensão leitora é uma das chaves para o sucesso. Um aluno que entenda e reflita no que lê tem mais hipóteses de vir a construir um percurso académico e social sólidos do que outro privado do estímulo desta competência. Este tem sido o “calcanhar de Aquiles” na educação dos surdos, ou seja, como motivar para ler? Como despertar o gosto por um mundo difícil, espinhoso, numa língua que pouco nos diz, que não ouvimos? A meu ver, antes desse passo, parece-me fundamental começar por dar a ler a LGP.

Contar histórias, anedotas, apresentar peças de teatro são algumas atividades muito apreciadas pelos surdos fazendo, creio, parte da sua cultura e forma de ver o mundo. Assim, é importante que a criança perceba que a sua língua não serve só para comunicar, mas serve também para exprimir sensações, gostos, emoções, isto é, serve para fruir o mundo. Partindo destas formas de cultura, o docente pode, em seguida, estimular o aluno a inferir o que estes textos gestuais lhe dizem. Fazer perguntas, pedir resumos, novos textos a partir de outros é um bom passo. De seguida, há que aumentar a complexidade dos enunciados podendo, por exemplo, explorar-se poesia em LGP partindo quer de acrósticos, muito comuns nesta forma de arte, quer de poemas mais complexos. Evidentemente, que é necessário ter em conta o ano, a idade, o desenvolvimento da criança aquando da selecção destes textos.

Quando o aluno souber ler a sua língua e entender os sentidos que uma palavra gestual pode encerrar, então, creio, ele deverá passar a manusear o livro bilingue. Primeiro, sempre, a LGP. Depois a palavra escrita em português. E, porque os textos que se leem têm de ser significativos, começar com uma autora surda, Marta Morgado. Esta escritora bilingue tem publicados três livros de excelente qualidade didáctica, não apenas pelas temáticas, mas também pela ilustração apelativa: Mamadu; Sou Asas e Luanda, Lua, todos publicados pela editora Surd’universo, e disponíveis nas livrarias.

O primeiro deles tem dois narradores, a Marta Morgado e o Amílcar Furtado, excelente poeta e diseur, o que incrementa o conhecimento da LGP possibilitando várias formas de ver a língua em uso. No final, tem uma série de entrevistas com surdos dando a conhecer a realidade de pessoas que deixaram o seu país, no continente africano. Aliás, essa é a história de Mamadu. Já Sou Asas, fala de inclusão e integração de uma menina surda que precisava de saber LGP e que acaba por ter um lindo presente, uma nova identidade, o nome gestual. O mais recente, Luanda, Lua, fala de amor, inclusão e direitos iguais, com uma ternura imensa. Todos eles em português e em LGP.

Estes livros são um instrumento importantíssimo para o aluno ler bilingue: neles lê as duas línguas que deve respeitar da mesma forma, mas sentir de maneira diferente. Não basta, porém, mostrar o vídeo ou folhear as páginas: é fundamental contextualizar, fazer a pré-leitura, aguçar o interesse. É fulcral que percebam que é a LP que faz deles, também, livros inclusivos. Por que não pedir aos meninos surdos que vão apresentar uma destas histórias a turmas de ouvintes?

É verdade que os surdos precisam de saber duas línguas para viverem na nossa sociedade. Mas os ouvintes devem perceber que há diferenças importantes e ricas para se tornarem cidadãos íntegros, conscientes, pilares de uma sociedade melhor. Os livros de Marta Morgado, são, felizmente, só um exemplo. Noutro momento caberá falarmos dos materiais bilingues, e não só, da editora Cercica que também são formas diferentes de todos vermos o mundo. O bilinguismo pode ser só daqueles que dominam as duas línguas, mas o biculturalismo, significando ao cesso a duas culturas, a portuguesa e a surda, a da LGP, é uma realidade que deveria figurar nos bancos de escola de TODAS as crianças. Assim, também se aprende a Ler+, pois aprende-se a ler o mundo com outros olhos.

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