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Os recursos de comunicação e expressão como técnicas auxiliares na interpretação da Língua Brasileira de Sinais
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Publicado em 2014
4º Congresso Nacional de Pesquisas em Tradução e Interpretação de Libras e Língua Portuguesa, Santa Catarina - UFSC
Juliana da Silva Bezerra
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Resumo

O objetivo desse trabalho foi discutir sobre os recursos de comunicação e expressão presentes na Língua Brasileira de Sinais, que podem ser utilizados como técnicas de implementação para favorecer o discurso espaço-visual. Assim a proposta do presente estudo buscou sistematizar os recursos de expressão e comunicação mais recorrentes nos enunciados de natureza gestual-visual. A presente pesquisa fundamenta-se teoricamente na perspectiva dos Estudos Surdos. Este campo do saber inscreve-se como uma das ramificações dos Estudos Culturais que preconiza discussões referentes às diferentes culturas, práticas discursivas e de linguagem (SILVA, 1997; SKLIAR, 1998; MULLER, 2002; PERLIN, 2009). Metodologicamente foi realizado um levantamento bibliográfico que resultou na concatenação teórica de nove recursos de comunicação e expressão da Língua de Sinais.

Introdução

Compondo o cenário da politica nacional brasileira no ano de 2002, foi promulgada a Lei 10.436/2002, conhecida também como Lei de LIBRAS, esta legislação oficializa a Língua Brasileira de Sinais, como a segunda língua de nosso país. Seu decreto regulamentador 5626/2005, aponta diretrizes para a oficialização dessa lei garantindo o uso e difusão desta língua em âmbitos educativos, sociais e de saúde.

Essa legislação traz um marco importante para nosso país, em especial para a comunidade Surda, impulsionando importantes conquistas e o desenvolvimento de políticas públicas na área da surdez. Em seu artigo primeiro a Lei 10.436/2002, traz a seguinte declaração: “É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados”. Podemos perceber durante a formação do profissional interprete de LIBRAS, que este tema constantemente não tem sido observado ou abordado, sendo assim, muitos profissionais desconhecem os recursos de comunicação e expressão associados à língua espaço visual. Também podemos perceber um grupo de profissionais que utilizam os recursos de comunicação, sem conhecimento teórico metodológico.

Diante do exposto a sistematização e discussão destes tópicos corroboram com metodologias para implementar a interpretão de/para a língua de sinais e minimizam os efeitos dos ruídos de comunicação.

Objetivo

Realizar o levantamento e discussão dos precípuos recursos de comunicação e expressão da Língua Brasileira de Sinais. Buscando assim, sistematizar teoricamente técnicas que auxiliem as metodologias de implementação da tradução e interpretação da Língua de Sinais.

Metodologia

Em termos metodológicos foi realizada pesquisa bibliográfica sobre o tema “Recursos de Comunicação em Expressão em LIBRAS”. Foram incorporados ao corpus de nossa pesquisa livros, teses, dissertações e artigos. Produzindo assim, um concatenamento de informações pertinentes ao tema e um registro único que desejamos que auxilie os profissionais da área para a implementação de significativas metodologias de tradução e interpretação de/para a Língua de Sinais.

Segundo Barros e Lehfeld (2000, p.71) por meio de pesquisas descritivas, procura-se descobrir com que frequência um fenômeno ocorre, sua natureza, suas características, causas, relações e conexões com outros fenômenos. Assim, a pesquisa bibliográfica constitui-se como procedimento primordial para os estudos monográficos, pelos quais se busca o domínio do estado da arte sobre o tema delimitado.

Foram recolhidas e discutidas nove categorias de analise (Cats): Mímica e Pantomima, Expressões corporofaciais, Onomatopeia, Time-Lag, Classificadores, Processo Anafórico, Processo Catafórico, Redução Articulatória e Construção idearia.

Discussão/Descrição dos Resultados

Considerando os limites dessa pesquisa, buscamos apresentar apontamentos iniciais sobre recorrentes recursos de comunicação. Faz-se necessário o aprofundamento e novas pesquisas que busquem o “estado da arte” nessa área. E ainda, pesquisas que apontem esses recursos em enunciados interpretativos.

(Cat 1 - Mímica e Pantomima) Modalidade cênica para construção de cenas no ar, conhecida também como a arte de narrar com o corpo. A pantomima é reconhecida como uma das expressões da mímica. Assim esses recursos são concomitantes. Esta ideia é reforçada por Camargo quando ressalta:

A pantomima, como texto espetacular (não apenas o texto escrito, quase inexistente, mas toda a inscrição que ocorre, se produz ou se percebe durante um espetáculo, seja auditiva, visual, sensória, memorial, etc.), se caracteriza por ser uma forma híbrida, amalgamada não apenas do cruzamento dos gêneros diversos, entre os quais se apresentava, mas que se destinará também a apropriação de culturas distintas. Forma de alto teor farsesco, sempre reforçada em seu caráter de ação mimética, alternava canções e diálogos, silenciosos ou não (CAMARGO, 2006, P. 03).

(Cat 2 - Expressões corporofaciais) Felipe (2006) indica que as expressões faciais e corporais podem complementar os itens lexicais estabelecendo contextos discursivos uma vez que essas se estruturam a partir das convenções da língua. Nesse contexto, as expressões corporofaciais são gramaticais compondo o quinto parâmetro da LIBRAS.

(Cat 3 – Onomatopeia) Figura de linguagem que expressa sons através de fonemas ou palavras. Em LIBRAS utilizamos onomatopeias para atribuir vida ou emoção a alguns sinais, que não comportam traços não manuais e sim, unidades fonéticas associadas, como exemplo temos os sinais: telefone/bomba/ avião.

Saussure (2006) indica que as onomatopeias se apresentam em número restrito nas línguas, assim, apenas se aproximam dos sons que ouvimos. A convencionalidade desses signos mostra o fato de que as onomatopeias se formam de um sistema fonético-fonológico das línguas. Nesse contexto, em alguns casos, tentamos criar signos através da imitação dos sons e ruídos que ouvimos. Assim, os discursos de natureza visual-gestual incorporam esse recurso para determinados léxicos apoiando-se na gramática contrastiva.

(Cat 4 - Time-Lag) A LIBRAS possui um canal comunicativo visual-gestual, a Língua Portuguesa possui um canal oral-auditivo, sendo assim a interpretação dessas duas línguas é contextual, nesse sentido, o interprete necessita de um tempo de escuta da língua fonte para realizar a interpretação para a língua alvo. É necessário que o receptor deixe o emissor concluir uma ideia para então interpretá-la corretamente dentro de um contexto.

(Cat 5 – Classificadores) Conforme Honora (2010), os classificadores são configurações de mãos que, relacionadas à coisa, pessoa ou animal, funcionam como marcadores de concordância. Felipe reforça esta ideia quando diz:

Assim, na Libras, os classificadores são formas que, substituindo o nome que as precedem, podem ser presa à raiz verbal para classificar o sujeito ou o objeto que está ligado à ação do verbo. Portanto, os classificadores na Libras são marcadores de concordância de gênero: PESSOA, ANIMAL, COISA, VEÍCULO. (FELIPE, 2007, p. 172).

Quadros e Karnopp (2004) sugerem que o sistema de classificadores faz parte do léxico natural da LIBRAS e que esse sistema está extensivamente envolvido no processo morfológico de formação lexical.
Ferreira Brito (1995) aponta que o sistema classificatório pode estar relacionado ao objeto ou um ser como um todo, por vezes esse sistema apresenta marcas de iconicidade pela semelhança entre a sua forma ou tamanho do objeto referido.

Assim a tipologia classificatória em LIBRAS pode expressar-se como: CL-D (Classificador Descritivo), CL-ESP (Classificador Específico), CL-PC (Classificador de uma Parte do Corpo), CL-L (Classificador Locativo), CL-S (Classificador Semântico) CL-I (Classificador Instrumental), CL-C (Classificador do Corpo), CL-P(Classificador de Plural), CL-E (Classificador de Elemento), CL-NOME (Classificador de nome) e CL-Nº (Classificador de Número).

(Cat 6 - Processo Anafórico, Anaforismo, Shifting ou Role- Play) No processo anafórico há marcação dos sujeitos e retomada corporal desses mesmos indivíduos que estão diretamente envolvidos no discurso, observando sempre a posição inicial de marcação.

Assim, o anaforismo permite a interpretação concomitante de dois ou mais personagens, através do jogo de papéis. A marcação do processo anafórico é realizada através de mudança corporal durante a interpretação em Língua de Sinais. Este recurso permite a interpretação de diferentes personagens de forma clara. Albres e Vilhalva (sem ano), reforçam essa ideia quando apontam:

O processo anafórico ou shifting consiste na referenciação feita a partir da apontação na direção do interlocutor ou leve deslocamento do enunciador para o ponto de referência que ele passa a incorporar, assumindo a postura de primeira pessoa “eu”, podendo-se utilizar trejeitos que a identificam e o caracterizam. (ALBRES; VILHALVA, entre 2000 e 2010, p. 8)

(Cat 7 - Processo catafórico) Quando um termo refere-se a outro que vem à frente, e atribui-lhe a partir deste, o seu sentido estrito e rigoroso, assim em LIBRAS pode-se posicionar um objeto, animal ou pessoa indeterminada e atribuir-lhe características posteriormente.

Selting (2003) defende que a listagem ou enumeração de itens em LIBRAS, envolve uma expressão catafórica, pois projeta uma listagem que será detalhada posteriormente em um fechamento gestáltico, que geralmente retoma o componente genérico inicial.

(Cat 8 - Redução articulatória) São expressas por unidades de ação que se combinam, ou se “colam”, assim ocorre uma aderência entre os sinais ou signos linguísticos, sem perder o conceito inicial das unidades visuais envolvidas. Medeiros exemplifica esse tópico quando declara:

No entanto, o modelo inicial, baseado no sistema massa-mola, preocupava-se em explicar os movimentos articulatórios, tendo os gestos como padrões estáveis da fala, e relações arbitrárias de fase. Não havia a necessidade de explicar como os gestos “colavam-se” uns nos outros em faseamentos naturais. O fenômeno da redução final, por exemplo, revela mais sobre a consequência da combinação dos gestos do que explica sua causa. A questão da aderência entre os gestos. (MEDEIROS, 2012, p. 98).

(Cat 9 - Construção idearia) De acordo com Bernardino (2000) na construção ideária é realizada uma reconstituição de uma cena, onde é construída uma imagem mental do espaço. Há uma convenção para o posicionamento dos objetos, antes de manuseá-lo, demonstra-se a marcação deste espaço contornando-o com as mão ou demonstrando sua função. Esse recurso é concomitante a todos os anteriores, quando há interação do olhar direcional para a ação manual.

Considerações Finais

Em suma, pode-se perceber que pesquisas como essa são de indelével importância, pois não foi encontrado por esta pesquisadora uma sistematização ou discussão desses recursos de comunicação e expressão em documentos únicos.

Os enunciados interpretativos que utilizam recursos de comunicação como os citados nessa pesquisa podem reduzir os efeitos dos ruídos de comunicação e ainda contextualizar expressões idiomáticas que distanciam-se do uso do Português sinalizado.

Considerando os limites dessa pesquisa, interrompemos o levantamento e discussão da temática, propondo sua continuidade e aprimoramento pelos profissionais da área, pois entendemos que o tema é abrangente e necessita de pesquisas que apontem o “estado da arte” na área, para que a excelência interpretativa seja perseguida, contudo, talvez nunca alcançada, pois, sendo a língua móvel, movida, modelada e remodelada a cada dia por seus usuários, seus estudos não se findam e também não poderão ser “silenciados”.

Bibliografia

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