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Ronice Müller de Quadros
Ronice Müller de Quadros
Professora e Investigadora
O que a aquisição da Linguagem em crianças surdas tem a dizer sobre o estágio de infinitivos opcionais ?
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Publicado em 2001
Letras de Hoje. Curso de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. V. 36. N. 3. Porto Alegre. p.391-398.
Ronice Müller de Quadros
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Resumo

Este estudo apresenta evidências da língua de sinais americana (ASL) e da língua de sinais brasileira (LSB) para a generalização da existência de sujeitos nulos no estágio de infinitivo opcional (IO) (Wexler, 1995, 1998). Tal estágio é observado em línguas ou contextos em que sujeitos nulos não são permitidos, enquanto não é observado em línguas ou contextos em que estes são permitidos. Tanto a ASL como a LSB têm sujeitos nulos nos contextos em que há concordância verbal, enquanto que nos demais contextos não apresentam tais elementos nulos. Analisando longitudinalmente a produção espontânea de crianças surdas entre 1:08 e 2:10, verificou-se que os verbos sem flexão são usados com mais freqüência do que os verbos com flexão, no entanto, os verbos com flexão corretamente flexionados são usados por todas as crianças e, raramente as crianças apresentam alguma omissão. A inexistência de IOs observada é consistente com a generalização de que contextos de sujeitos nulos não resultam em IOs.

Investigação

São vários os estudos que foram considerados por Wexler (1994; 1998) para se chegar a generalização que relaciona a ocorrência de sujeitos nulos ao estágio de infinitivo opcional (SN-IO). O estágio de infinitivo opcional, em que as crianças omitem a flexão ou usam a forma infinitiva ao invés de um verbo finito, é observado em crianças adquirindo línguas em que sujeitos nulos não são permitidos, por exemplo, no inglês, no francês e em alemão. Por outro lado, este estágio não é observado em crianças adquirindo línguas em que sujeitos nulos são produtivos, como no italiano. Evidências do hebraico, língua que apresenta sujeitos nulos lexicais somente em contextos em que há flexão verbal rica, sustentam a generalização SN-IO, uma vez que Rhee & Wexler (1995) encontraram nos dados das crianças adquirindo tal língua IOs (e sujeitos nulos) em contextos em que não há sujeitos nulos na língua alvo, mas não observaram o uso de IOs nos contextos em que há sujeitos nulos.

A ASL e a LSB são como o hebraico quanto a produtividade de sujeitos nulos nos contextos em que há flexão verbal e a não existência dos mesmos em contextos em que não há tal flexão (Lillo-Martin, 1986; Quadros, 1995). Meier (1980) verificou que crianças de 2-3 anos adquirindo a ASL freqüentemente omitem a morfologia de concordância verbal em contextos em que seriam requeridas. Apesar dos verbos na ASL e na LSB não flexionarem para tempo, estes casos de omissão da concordância poderiam ser considerados IOs, chamados de generalização SN-IO. A seguir, sintetizamos as informações básicas sobre o comportamento da concordância verbal na ASL e na LSB.

Quadro I
Concordância verbal na ASL & LSB

  ASL LSB
Verbos sem concordância são os que não marcam concordância x x
Verbos com concordância concordam com o sujeito, o objeto e localizações x x
Direção dos olhos acompanha a concordância (cf. Bahan 1996) x x
Não há marcação morfológica de tempo nos verbos x x
Argumentos nulos (sujeitos e objetos) são licenciados geralmente por verbos com concordância e somente em certos contextos específicos do discurso com verbos sem concordância x x
‘AUX’ concorda com o sujeito e o objeto ocorrendo com verbos sem concordância em algumas construções   x

A presente investigação envolve dados longitudinais de duas crianças surdas americanas (SALLY e JILL) adquirindo a ASL e de outra criança surda brasileira (ANA) adquirindo a LSB como línguas nativas. O período analisado foi de 1:08 a 2:10. Os dados de SALLY foram coletados mensalmente em sessões filmadas de 50-90 minutos na casa da criança. Quanto a JILL, as filmagens foram conduzidas semanalmente com sessões de 60-120 minutos na universidade e mensalmente em sua casa. ANA foi filmada quinzenalmente em sessões de 30-40 minutos em casa e na escola. Todo o corpus é de produção espontânea.

Enunciados com um verbo por sessão transcrita
Age Ana Jill Sally
1;08 15    
1;09   21 58
1;10 29 117  
1;11   65  
2;0 21 55 63
2;1 13    
2;2 9 57  
2;3 63 89 35
2;4 34    
2;5 38    
2;6 38    
2;8     43
2;10 49   22

Também está sendo considerada as análises de Bahan (1996) quanto a existência de marcadores de concordância não-manuais, em especial, a direção dos olhos acompanhada da concordância verbal manual (cf. indicado no quadro I). Tais marcações não-manuais ajudam a identificar os casos em que há ou não marcação da flexão verbal.

Verificou-se que os verbos sem flexão são usados com muito mais freqüência do que os verbos com flexão conforme indicado nas tabelas de produção verbal abaixo. No entanto, quando a flexão verbal é empregada, as crianças não cometem erros. Além disso, raramente as crianças omitem a flexão verbal quando esta é obrigatória (

Também analisou-se as ocorrências de sujeitos e objetos pronunciados e nulos com verbos com e sem flexão conforme sintetizado nas tabelas de argumentos nulos a seguir (ver figura 1 e figura 2). Verificou-se que os sujeitos e objetos nulos foram usados corretamente com os verbos com flexão. Por outro lado, observou-se que as crianças usaram alguns objetos nulos e vários sujeitos nulos com os verbos sem flexão em contextos que não seriam usados por adultos. O uso correto de sujeitos e objetos nulos indicam a fixação correta do parâmetro. No entanto, o grande número de sujeitos nulos (versus objetos) com verbos sem flexão indica que tais verbos podem ser instâncias de IOs, consistente com a generalização de IOs encontrados em contextos em que não há sujeitos nulos.

Outro aspecto a ser considerado é a existência de um auxiliar - AUX - na LSB. Conforme Wexler (1998), nas sentenças com AUX, AUX, assim como tempo - TNS - e diferente da concordância com o sujeito - AGRS -, tem um traço determinante - D. EPP, que força o movimento para TNS, vai forçar o movimento de AUX se este existir. Seja o que for que licencia/motiva o traço D em TNS, licencia/motiva tal traço em AUX; portanto, AUX precisa de um sujeito, isto é, um DP, ou seja, um traço D. Na gramática do adulto na LSB, DP primeiro é atraído pelo AUX, descarregando seus traços D de AUX, daí o DP será atraído pelo TNS, checando seus traços D de TNS. As duas checagens do traço D de DP são necessárias, primeiro contra AUX e depois contra TNS. Esta derivação irá violar a restrição de checagem exclusiva que é derivada por Wexler (1998) 2, diferentemente da derivação de uma sentença finita simples com apenas o verbo principal, que somente tem um traço D. Então esta sentença irá quebrar na LSB no estágio IO mesmo que IOs não sejam produzidos no lugar de sentenças finitas. A mais simples forma de evitar tal violação é a omissão de AUX. Assim, a restrição prediz que AUX será omitido durante a fase dos IOs. Isto é exatamente o que foi observado na produção de ANA durante o período em que o estágio IO parece se manifestar na LSB.

Conclusões

A inexistência de infinitivos opcionais (IOs) com verbos com concordância é consistente com a generalização de que contextos com sujeitos nulos não resultam em IO. O uso correto de sujeitos e objetos nulos com verbos com concordância indicam marcação correta do parâmetro. E, o grande número de sujeitos nulos (versus objetos) com verbos sem concordância indicam que estes podem ser IO - consistente com as generalizações IO. Além disso, a não ocorrência de AUX na LSB também é mais uma evidência para tais generalizações consistente com a restrição de checagem exclusiva.

Notas

2 Wexler propõe a Restrição de Checagem Exclusiva (UCC) em crianças que apresentam o estágio IO. Assim, o DP pode checar seus traços apenas com uma das categorias funcionais. Desta forma, algumas vezes o material morfológico não será produzido, apesar da checagem de traços ter ocorrido.

Bibliografia

BAHAN, B. Non-manual realization of agreement in American Sign Language. Ph.D. Dissertation, Boston University, Boston, MA. 1996.

LILLO-MARTIN, D. C. Parameter setting: evidence from use, acquisition, and breakdown in American Sign Language. Doctoral Dissertation. University of California, San Diego. University Microfilms International. Ann Arbor. Michigan. 1986.

MEIER, R. A cross-linguistic perspective on the acquisition of inflection morphology in American Sign Language. University of California, San Diego and The Salk Institute for Biological Studies. April. 1980.

QUADROS, R. M. de. As categorias vazias pronominais: uma análise alternativa com base na língua de sinais brasileira e reflexos no processo de aquisição. Dissertação de Mestrado. PUCRS. Porto Alegre. 1995.

RHEE, J. & WEXLER, K. Optional infinitives in Hebrew. In C. Schutze, J. Ganger & R.Brihier (eds.). Papers on language processing and acquisition. MITWPL. 26. 1995.

WEXLER, K. Optional infinitives, head movement and the economy of derivations. In D. Lightfoot and N. Horstein (eds.) Verb Movement. 305-350. Cambridge: Cambridge University Press. 1994.

WEXLER, K. Very early parameter setting and the unique checking constraint: a new explanation of the optional infinitive stage. In Lingua. 106. 23-79. 1998.

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