porsinal  
ArtigosCategoriasArtigos Científicos
O Reconhecimento da Língua de Sinais no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina - Unidade de São José na Educação de Surdos
0
Publicado em 2007
Monografia - Coordenação de Cultura Geral do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina - Unidade São José
Carla Damasceno de Morais
  Artigo disponível em versão PDF para utilizadores registados
Resumo

Esse trabalho se constitui em uma pesquisa de relato para a compreensão de como se deu o reconhecimento da língua brasileira de sinais no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa – Unidade São José. Seguindo os critérios de uma pesquisa documental, procurei analisar os documentos oficiais do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Surdos do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina – Unidade São José. Os principais documentos analisados foram: Projeto Experiencial sobre o Desenvolvimento Cognitivo da Linguagem; Contextualização do Curso Pré-Técnico Especial; Projeto de Educação Profissional de Nível Básico; Projeto do Curso para Jovens e Adultos em Nível de Ensino Fundamental; Orientações Teóricas e Metodológicas para a Turma Piloto de Ensino Médio Bilíngüe; Projeto Curricular: Educação de Surdos – Aspectos Políticos, Culturais e Pedagógicos. O reconhecimento da língua de sinais na Educação de Surdos do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina – Unidade São José percorreu caminhos de avanços e rupturas, assim como permanentes mudanças de estratégias políticas e pedagógicas, no sentido de reorientar ações para determinar o melhor caminho para o reconhecimento, o respeito e a compreensão dos sujeitos surdos como uma minoria lingüística que expressa seus sentimentos, pensamentos, emoções e idéias através da língua de sinais e tem o direito à aprendizagem em sua língua materna.

Introdução

A educação bilíngüe para surdos, como qualquer projeto/proposta educacional, não pode ser neutra e opaca. Porém, falta a consistência política para entender a educação de surdos como uma prática de direitos humanos concernentes aos surdos; a coerência ideológica para discutir as assimetrias do poder e do saber entre surdos e ouvintes; a análise da natureza epistemológica das das representações colonialistas sobre a surdez e os surdos

Carlos Skliar

No Brasil, algumas instituições – como o Instituto Nacional de Educação de Surdos (RJ), o Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina (SC) e o Instituto Concórdia (RS) – vêm desenvolvendo projetos curriculares em que a Língua Brasileira de Sinais é vista como primeira língua e a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, é vista como segunda língua. Essas e outras instituições, na década de 90 do século passado, começaram a desenvolver projetos curriculares que passaram a reconhecer a língua de sinais com a língua de instrução do aluno surdo. Mas poucas pesquisas foram realizadas no intuito de compreender como se deu o reconhecimento das línguas de sinais nessas Instituições de Ensino. Por isso, resolvi realizar uma pesquisa que relatasse “O Reconhecimento da Língua de Sinais no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa – Unidade São José”.

Para tanto, a alternativa encontrada foi a de realizar uma pesquisa documental. Esse método vale-se de documentos originais, que ainda não receberam tratamento analítico por nenhum autor. Assim, esta pesquisa não se confunde com a bibliográfica, a qual utiliza-se fundamentalmente das contribuições de diversos autores sobre determinado assunto.

Além disso, as fontes de pesquisa documental são mais diversificadas e dispersas do que as da pesquisa bibliográfica. Na pesquisa documental, existem os documentos de primeira mão, que são aqueles conservados em órgãos públicos e instituições privadas, e os documentos de segunda mão, que de alguma forma já foram analisados (relatórios, tabelas estatísticas e outros).

Seguindo os critérios de uma pesquisa documental, procurei analisar os seguintes documentos oficiais do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Surdos (NEPES) do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina (CEFET-SC) – Unidade São José (UNED-SJ): 1

  • Projeto Experiencial sobre o Desenvolvimento Cognitivo da Linguagem. 2
  • Contextualização do Curso Pré-Técnico Especial. 3
  • Projeto de Educação Profissional de Nível Básico. 4
  • Projeto do Curso para Jovens e Adultos em Nível de Ensino Fundamental. 5
  • Orientações Teóricas e Metodológicas para a Turma Piloto de Ensino Médio Bilíngüe. 6
  • Projeto Curricular do Curso de Especialização em Educação de Surdos – Aspectos Políticos, Culturais e Pedagógicos. 7

A estratégia adotada foi a análise dos documentos, acima mencionados, a partir das principais mudanças que ocorreram nos projetos curriculares ao longo da trajetória do NEPES (1992 a 2006), referenciando-me em autores como Skliar (1997), Quadros e Karnopp (2004), Fernandes (2003) Sacks (1990) e Capovilla (2004).

Como a pesquisa foi realizada no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina – Unidade São José, torna-se de fundamental importância conhecer alguns traços dessa Instituição.

O Sistema CEFET-SC teve sua origem em 1909 e hoje é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), detentora de autonomia administrativa, patrimonial, financeira e didático-pedagógica. Sua organização e funcionamento se regem pelo seu estatuto, aprovado pelo Decreto 2.855, de 02/12/1998, e seu regimento interno, aprovado pela Portaria MEC 667, de 23/04/1999.

O Sistema CEFET-SC tem por princípio a formação e a qualificação profissional em diversas áreas, níveis e modalidades de ensino, bem como realizar pesquisa e desenvolvimento de novos processos, produtos e serviços, em articulação com os setores produtivos e a sociedade. Para tanto, oferece cursos de formação inicial e continuada; ensino técnico, com habilitação profissional para os diferentes setores da economia; ensino médio; ensino médio bilíngüe; educação de jovens e adultos; ensino superior, para a formação de profissionais e especialistas na área tecnológica e especialização nas diversas áreas de conhecimento.

O Sistema CEFET-SC abrange atualmente sete unidades de ensino: Florianópolis, São José, Jaraguá do Sul, Joinville, Chapecó, Araranguá e Continente e está construindo mais sete unidades nos seguintes municípios: Itajaí, Lages, Canoinhas, Criciúma, São Miguel do Oeste, Gaspar e Videira. Dentre elas, gostaria de dar destaque para a Unidade de Educação Tecnológica Bilíngüe, que será construída no município de São José.

A Unidade São José iniciou suas atividades em 14/03/1988 com dois cursos técnicos: Refrigeração e Ar Condicionado e Telecomunicações. Mas a inauguração oficial ocorreu somente em 19/04/1991. Atualmente, a escola oferece: cursos de Formação Inicial e Continuada nas áreas de Educação de Surdos e Refrigeração; Ensino Médio; Ensino Médio Bilíngüe; Educação Bilíngüe de Jovens e Adultos com Profissionalização em Informática Básica; Curso Técnico Pós-Médio de Refrigeração e Ar Condicionado; Curso Técnico Pós-Médio de Telecomunicações; Curso Superior de Tecnologia em Telecomunicações; Pós-graduação em Nível de Especialização em Educação de Surdos.

O Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Surdos localiza-se na Unidade São José e está vinculado à Coordenadoria da Cultura Geral. Esse Núcleo foi institucionalizado em 1998, mas a sua origem remonta a 1992, com a criação do “Projeto Experiencial sobre o Desenvolvimento Cognitivo da Linguagem”. No período de 1998 a 2003, o NEPES era denominado de “Núcleo de Educação Profissional de Surdos (NEPS)”. A partir de 2003, passou chamar-se Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Surdos.

Os Cursos ofertados pela Unidade São José relacionados à Educação de Surdos, assim como as pesquisas e os trabalhos de extensão podem ser visualizados no sítio eletrônico www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes. Neste momento, devido ao foco da minha pesquisa, destaco apenas os cursos que o NEPES já desenvolveu durante os seus 15 anos de existência, dentre eles:

  • Formação Inicial e Continuada: Instalações Elétricas Prediais; Desenho Técnico; Desenho Arquitetônico Básico; Fotografia; Informática Básica na Área de Serviços; Instalador de Ar Condicionado; Solda Oxi-Acetilênica; Solda e Montagem de Circuitos Impressos; Construção de Páginas na Internet; Tecelagem Manual; Computação Gráfica em Auto-Cad; Curso Básico de Design; Língua Brasileira de Sinais (Básico, Intermediário e Avançado); Instrutor; Monitor; Formação de Intérpretes.
  • Educação Bilíngüe de Jovens e Adultos com Profissionalização.
  • Ensino Médio Bilíngüe.
  • Pós-Graduação Lato Sensu: Educação de Surdos: Aspectos, Políticos, Culturais e Pedagógicos.

Foi nesse cenário que realizei minha pesquisa documental sobre “O Reconhecimento da Língua de Sinais no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa – Unidade São José”, que passo a relatar nesta monografia que está estruturada da seguinte forma: No capítulo 1, intitulado “O Reconhecimento da Língua de Sinais na Educação de Surdos”, adoto como eixo principal de análise duas perspectivas antagônicas na educação de surdos, o oralismo e o bilingüismo. Tomo como ponto de partida o século XVI e como ponto de chegada o final do século XX, focalizando a trajetória de reconhecimento e o não reconhecimento da língua de sinais. No capítulo 2, intitulado “Fragmentos Históricos do Processo de Reconhecimento da Língua Brasileira de Sinas na Unidade São José” – que está organizado por ordem cronológica, a fim de facilitar a leitura – procuro relatar as mudanças que ocorreram quanto ao uso da língua de sinais e seu reconhecimento na educação de surdos na Unidade São José, no período de 1992 a 2007. Nas Considerações Finais, reflito sobre a trajetória dessa pesquisa e as perspectivas que se apresentam para o NEPES a partir dela.

Capítulo I

O Reconhecimento da Língua De Sinais na Educação de Surdos

A história dos surdos registra os acontecimentos históricos dos surdos como grupo que possui uma língua, uma identidade e uma cultura.

Wikipédia

Neste capítulo tomo como eixo principal de abordagem a oposição histórica entre o oralismo e o bilingüismo na educação de surdos. Em linhas gerais, os defensores do oralismo, a partir da justificativa da normalização e da eugenia, consideram que a melhor forma de comunicação para os surdos é a fala. Já os defensores do bilingüismo, a partir do respeito às diferenças, lutam pelo reconhecimento da língua de sinais como a língua de comunicação e de instrução do surdo. É na tensão entre essas duas abordagens, que a educação de surdos tem-se constituído. A partir do contraste dessas abordagens, busco evidenciar a importância da língua de sinais na educação de surdos.

1.1 Os primeiros registros da educação de surdos

Desde o século XVI, mas especialmente a partir de 1750, em alguns países europeus, os surdos de famílias nobres passaram a ter acesso à educação. Isso ocorreu devido a uma exigência do Estado: Os surdos, para terem direito à herança dos títulos e propriedades da família, deveriam, obrigatoriamente, falar, ler e escrever. Para isso, educadores da época desenvolviam atividades pedagógicas utilizando-se de procedimentos metodológicos fundamentados em sinais e soletração manual. Assim, os surdos de famílias ricas eram submetidos a um treinamento intensivo e constante, no intuito de comprovar judicialmente a sua competência lingüística no campo da fala, leitura e escrita. Quanto aos surdos pobres, não lhes ocorria o mesmo. Ao contrário, eram enviados para asilos:

A situação dos surdos pré-linguais, antes de 1750, era de fato uma calamidade: incapazes de adquirir a fala, portanto “estúpidos” ou “mudos”; incapazes de desfrutar a livre comunicação até mesmo com seus pais e famílias; confinados a uns poucos sinais e gestos rudimentares; isolados, exceto nas grandes cidades, até mesmo da comunidade de seus iguais; privados da alfabetização e instrução, de todo conhecimento do mundo; forçados a fazerem os trabalhos mais servis; vivendo sozinhos, muitas vezes próximos da miséria total; tratados pela lei e pela sociedade como pouco melhores do que imbecis. (SACKS, 1990, p. 30).

Dentre os educadores de surdos daquela época, destacam-se: na Espanha, Pedro Ponce de León (1520-1584); na Inglaterra, Thomas Braidwood (1715-1806); na França, Jacob Rodrigues Pereira (1715-1780) e Deschamps (1716-1780); na Holanda, Konrah Amman (1669-1724); na Alemanha, Samuel Heinicke (1727-1790). Ao último se atribui o método definido como Oralismo. Mesmo sendo o desenvolvimento da fala, da leitura e da escrita o eixo principal do princípio oralista, é importante perceber que muitos dos educadores acima citados utilizavam-se de sinais/gestos em seus procedimentos metodológicos.

Para Plann apud Lodi (2005) o trabalho realizado por Pedro Ponce de León, além de contribuir para os métodos de ensino que emergiram no decorrer da história da educação de surdos, também rompeu com os paradigmas médicos e filosóficos quanto à incapacidade do desenvolvimento da linguagem no sujeito surdo. Historicamente, León é considerado o primeiro professor de surdos. Monge beneditino, vivia no Monastério de Oña, na Espanha, local em que não se podia comunicar através da fala. A comunicação se dava através de gestos desenvolvidos a partir da convivência entre os monges. O sistema manual utilizado pelos Beneditinos se restringia a um conjunto lexical para representar objetos. Portanto, quando Francisco e Pedro de Velasco, dois irmãos surdos, foram enviados a León para serem alfabetizados, já havia dois fatores facilitadores. Ou seja, de um lado, León vinha de uma convivência em que os gestos prescindiam a fala; de outro, a família Velasco já se comunicava manualmente entre si. Dessa forma, pode-se inferir que os surdos da família Velasco contribuíram para desenvolvimento de uma metodologia educacional para surdos.

Em relação ao aspecto religioso, o ensino de León era voltado para a oração, a confissão dos pecados através da fala e o comparecimento à missa. O alfabeto manual era permitido nas situações em se dificultava a oralização da palavra.

Durante esse período, muitos que se propuseram a educar surdos publicaram seus métodos tendo como ponto de partida o alfabeto manual, objetivando o desenvolvimento da fala, da leitura e da escrita no sujeito surdo. Na época, enquanto a fala era uma dádiva de Deus, os gestos eram considerados como atrofiadores de mente. Além disso, surdos que não oralizavam não eram considerados humanos.

No século XVI, Girolamo Cardano (1501-1576), médico e filósofo, questionava se um surdo-mudo (termo que denominava o surdo) poderia ouvir pela leitura e falar pela escrita. Tais questionamentos muito influenciaram as idéias do século XVIII.

1.2 A educação de surdos na França

Para Sacks (1993) um movimento social de oposição à ideologia verbal começa a tomar forma e a se fortalecer. Na França, o abade Sicard (1742-1822), gramático, questionava se a condição de surdo-mudo impedia o desenvolvimento cognitivo. Questionamentos esses considerados vanguarda para um século em que o pensamento predominante era o de que o ser humano compreendia o mundo à sua volta através da audição.

Não são (de um modo geral) as idéias dos filósofos que mudam a realidade; também não são, inversamente, as práticas das pessoas comuns. O que muda a história, o que desencadeia revoluções, é o encontro das duas coisas (SACKS, 1993, p. 32).

Ainda o século XVIII, o encontro do abade Charles Michel l’Epée (1712-1789) com os surdos que, por falta de trabalho, se encontravam nas ruas de Paris, desencadeou um processo de mudança significativa na qualidade de vida do surdo. A preocupação do Abade l’Epée em relação aos surdos era a de que eles, por não conhecerem os preceitos religiosos católicos, morreriam sem a absolvição dos pecados. Esse contato, a princípio de cunho religioso, despertou o interesse de l’Epée por aprender a língua de sinais francesa. A partir disso, l’Epée desenvolveu o que denominou de sinais metódicos, uma espécie de convergência da língua de sinais dos surdos das ruas de Paris com a gramática sinalizada francesa. L’Epée fundou então a primeira escola para surdos em 1760, que mais tarde veio a tornar‑se o Instituto Nacional para Surdos-Mudos de Paris. Os alunos surdos, ao final de cinco ou seis anos de formação, dominavam tanto a língua de sinais francesa quanto o francês e outras línguas em sua modalidade escrita.

A estratégia política de demonstração pública à sociedade parisiense divulgou a língua de sinais e permitiu a comprovação da exatidão do método acerca da aprendizagem dos surdos. A proposta de l’Epée provocou uma mudança na educação de surdos. Em 1789, após a morte do abade, os professores surdos já formados haviam fundado vinte e uma escolas para surdos pela Europa. O método de l’Epée permitiu aos surdos se tornarem escritores, engenheiros, filósofos, professores e, acima de tudo, agentes transformadores e multiplicadores.

Quanto à língua de sinais, mesmo sendo ela utilizada na aprendizagem do aluno surdo, não obteve o devido reconhecimento. L’Epée justificava os sinais metódicos considerando a universalidade da língua de sinais e que a mesma era desprovida de gramática, portanto carente de elementos lingüísticos quando comparada ao francês.

Nesse período histórico, os pensadores franceses defendiam a superioridade da língua francesa quando comparada a outras línguas. Diderot (1713-1784) em sua Carta sobre os surdos-mudos para o uso dos que ouvem e falam (1751), afirmava que o francês deveria ser falado em sociedade e nas escolas de filosofia. Considerava que a Língua Francesa era a única língua que podia expressar a verdade e que as demais línguas eram fábula e mentira. Considerava ainda que o francês instruía, esclarecia e convencia, ao passo que o grego, o latim, o italiano e o inglês persuadiam e enganavam. Dizia: “Falai ao povo em grego, latim e italiano, mas falai em francês ao sábio” (DIDEROT, 1751/1993, p. 43).

A superioridade da língua francesa em relação à língua de sinais passou a ser questionada pelos próprios alunos que estudavam no Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris. Um fator considerável para o desencadeamento de questionamentos em relação à língua de sinais francesa era que os alunos conviviam entre si, uma vez que residiam no Instituto Nacional para Surdos-Mudos de Paris. Além disso, alguns dos alunos que se formaram no Instituto tornaram-se professores. Esses e outros fatores propiciaram a organização política e social dos surdos pelo reconhecimento da língua de sinais francesa na educação de surdos e a rejeição aos sinais metódicos propostos por l’Epée. Ex-alunos do Instituto migraram para outros países para trabalharem na educação de crianças surdas. E, tanto na França como nos Estados Unidos, os surdos passaram a se organizar e a lutar pelo direito de serem educados em sua própria língua.

1.3 A educação de surdos nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos, um fator marcante na história da educação de surdos foi o encontro do Reverendo Thomas Hopkins Gallaudet (1787-1851) com Alice Cogswell (1805-1830). Gallaudet percebeu que Alice não interagia com outras crianças que brincavam no jardim de sua casa. Ao tentar compreender o motivo do comportamento retraído de Alice, percebeu que ela era surda. Como não existia nos Estados Unidos, escola para surdos, Gallaudet teve a idéia de fundar uma em Hartford (EUA) e recebeu o apoio do médico Mason Cogswell (1761-1830), pai de Alice.

Thomas Gallaudet viajou para a Europa com o objetivo de colher subsídios para fundação da escola em Hartford. Visitou na Inglaterra diversas escolas que adotavam o método oralista. Logo em seguida, foi para Paris e conheceu Laurent Clerc (1785-1869), ex-aluno e professor surdo do Instituto Nacional para Surdos‑Mudos de Paris. O encontro de Gallaudet e Clerc foi extremamente fecundo, resultando na mudança de Clerc da França para os Estados Unidos. Na viagem, que ocorreu em cinqüenta e dois dias, Clerc ensinou sinais da Língua de Sinais Francesa a Gallaudet, o qual, em contrapartida, também lhe ensinou palavras do Inglês escrito. Sacks assim descreve a chegada de Clerc aos Estados Unidos:

Quando Laurent Clerc (um discípulo de Massieu, ele próprio um discípulo de Sicard) chegou aos Estados Unidos em 1816, teve um impacto imediato e extraordinário, pois até aquele momento os professores americanos nunca haviam sido expostos e nem sequer imaginavam um surdo-mudo de inteligência e instrução impressivas, jamais haviam concebido as possibilidades latentes nos surdos [...]. Como acontecera em Paris, com mestres, philosophes e o público em geral comovidos, espantados e “convertidos” por l’Epée na década de 1770, a América também acabou convertida cinqüenta anos depois (SACKS, 1993, p. 38).

Em 1817, Thomas Gallaudet, Laurent Clerc e Mason Cogswell fundaram o Asilo Americano para Surdos, em Hartford, sendo priorizada, na educação dos surdos, a língua de sinais.

Não é objeto dessa pesquisa a forma como ocorreu a evolução da Língua de Sinais Americana (ASL) a partir da Língua de Sinais Francesa, porém, para não ficar uma lacuna, atribui-se o desenvolvimento da ASL aos surdos de Martha’s Vineyard, em Manhatham. Nesse lugar, parte da população sofria de surdez hereditária e, por esse motivo, a maior parte da ilha adotou a língua de sinais. Aos surdos de Vineyard que estudaram em Hartford atribui-se a contribuição para o desenvolvimento da língua de sinais americana. Sacks (1993) relata que Hartford recebia permanentemente visitantes que, com suas linguagens regionais e particularidades, contribuíram para a evolução da língua de sinais americana.

Na metade do século XIX emergiram movimentos sociais em todos os países da Europa em defesa da unificação nacional. A língua passou a ser a expressão de força e de centralização sociopolítica e cultural. A ideologia republicana francesa defendia a unificação dos franceses através da homogeneização cultural pela imposição da língua francesa. Retrocede-se à idéia da superioridade da língua francesa em detrimento de todas as outras línguas vigentes no contexto social, dentre elas a língua de sinais. Falar Francês significava ser cidadão francês. Sendo assim, em meio às Revoluções Francesa e Industrial, as tensões em relação aos dois métodos de educação de surdos – oralismo e bilingüismo – se acentuam. Cada um, a partir de seus pressupostos, defendia o que considerava melhor para a educação de surdos, porém ambos tinham a linguagem como centralidade em seus procedimentos metodológicos.

É preciso reconhecer que o papel central da linguagem para o desenvolvimento humano nunca foi negado por qualquer método, quer oralista ou de sinal. De fato, a ênfase no ensino intensivo da língua oral por parte dos oralistas era a conseqüência direta de sua consciência da devida importância da linguagem e da competência lingüística (CAPOVILLA, 2004, p. 226).

Porém, como foi dito no começo deste capítulo, as discussões a respeito da educação de surdos se dividiam – como até os dias de hoje – entre os que defendiam reconhecimento da língua de sinais e os que defendiam a oralização na educação de surdos.

A partir de 1870, o princípio da superioridade da língua falada também se fortaleceu nos Estados Unidos, e as discussões se tornaram ainda mais acirradas. Os oralistas argumentavam que a língua de sinais permitia apenas a interação entre surdos. E isso constituiria um limitante para os surdos, pois a maioria da população mundial se comunicava através da fala. Para os oralistas, a inclusão social dos surdos se daria pela aprendizagem da fala e pela leitura labial.

Nesse momento tão difícil para a educação de surdos, não se observava nenhum movimento no mesmo sentido do que ocorreu em Vineyard, onde os ouvintes adotaram a língua de sinais para se comunicar com os surdos. As escolas oralistas foram consideradas como a melhor alternativa para a educação de surdos. Em 1860, nos Estados Unidos, a maioria das escolas para surdos, cerca de quatorze, já utilizavam a metodologia de combinar a língua sinais com a fala. Essas escolas passaram a ser consideradas pioneiras e seus resultados eram considerados positivos pelos ouvintes.

O maior representante do oralismo nos Estados Unidos foi Alexander Graham Bell (1847-1922) cujas idéias influenciaram de forma significativa na reversão do que fora construído para valorização da língua de sinais na educação de surdos. Para Graham Bell, os surdos não poderiam casar entre si e deveriam freqüentar obrigatoriamente escolas regulares. Considerava perigoso para a sociedade o uso da língua de sinais e as aglomerações de surdos e afirmava que ambas essas coisas deveriam ser proibidas. Essas considerações, além do cunho político‑ideológico do culto à eugenia encontravam-se também no campo da intolerância às minorias e no não reconhecimento das diferenças.

1.4 O Congresso de Milão

Em 1880, realizou-se o Congresso Internacional de Surdos em Milão, no período de 6 a 11 de setembro. Cento e oitenta e duas pessoas, a maioria ouvintes, compareceram ao Congresso. Representações da Inglaterra, dos Estados Unidos, do Canadá, da França, da Alemanha, da Itália, da Rússia e da Suécia, tinham o objetivo de avaliar a educação de surdos. A pauta do Congresso contemplava discussões acerca da melhor forma de aprendizagem para o surdo, ou seja, através da língua oral ou através da língua de sinais. Em um processo de votação em que os professores surdos foram impedidos pelos ouvintes de votar, venceu a proposta de oralização e, conseqüentemente, a língua de sinais passou a ser proibida nas escolas de surdos.

A deliberação do Congresso de Milão, além de desencadear o desemprego para os professores surdos, retrocedeu as conquistas educacionais dos surdos e, conseqüentemente, o seu desenvolvimento lingüístico e cognitivo. Uma estratégia estatal para a garantia da proibição da língua de sinais foi a de extinguir as escolas residenciais para surdos, por se considerar que sua manutenção permitiria a convivência entre os surdos e, conseqüentemente, a comunicação por sinais. Além disso, essas escolas favoreceriam os casamentos entre surdos, o que resultaria no nascimento de crianças surdas, as quais tenderiam a continuar usando a língua de sinais.

No período de 1880 a 1960, a abordagem oralista discursou sobre a incapacidade e a anormalidade do sujeito surdo, comparando-a ao sujeito ouvinte que falava, ouvia e tinha língua própria. Seguindo a linha da normalização, desenvolveram-se práticas pedagógicas e abordagens clínicas que se baseavam na negação da surdez. Propunha-se restituição da audição por meio de aparelhos de amplificação sonora que levassem os surdos ao desenvolvimento da língua oral, com auxílio de técnicas de terapia da fala. A comunidade científica, nesse período, fortalecia a concepção do corpo perfeito e da língua oral.

1.5 A Comunicação Total: um outro olhar do oralismo

A educação de surdos que objetivava o desenvolvimento da oralização, cuja prática pedagógica enfatizava a terapia da fala entrou em colapso. Já em 1960, a comunidade científica e os pais de surdos percebiam que as técnicas utilizadas e o tempo exigido para a oralização não garantiam o desenvolvimento para os surdos. Era evidente a queda do desempenho lingüístico e cognitivo dos surdos quando comparados aos surdos que estudaram, até 1850, em escolas que valorizavam as línguas de sinais.

Pesquisas acadêmicas realizadas mostraram que o método oralista não assegurava aquilo que propunha aos surdos, ou seja, o desenvolvimento da fala, leitura e escrita. As pesquisas também evidenciavam que os surdos filhos de pais surdos e usuários das línguas de sinais apresentavam um melhor desempenho do que os surdos filhos de pais ouvintes que não eram usuários das línguas de sinais.

A crença de que a única forma de língua era a falada perdurou na lingüística até o início da década de sessenta do século passado, quando William Stokoe (1919-2000) comprovou e convenceu a comunidade científica dos Estados Unidos de que a Língua de Sinais Americana é uma língua natural. Stokoe observou e concluiu que os sinais eram símbolos abstratos e complexos e com estrutura interna. Essas conclusões foram fundamentais para que lingüistas do mundo inteiro iniciassem estudos acerca da estrutura lingüística das línguas de sinais em seus respectivos países, como também influenciou psicólogos, neurologistas, pedagogos, sociólogos e antropólogos a direcionaram um outro olhar para as línguas de sinais.

Mesmo os resultados insatisfatórios da oralização e as contribuições de William Stokoe acerca da língua de sinais elevando-a ao status de língua não foram suficientes para vencer a abordagem oralista. A partir de 1970, o oralismo mudou de estratégia e passou a incorporar as línguas de sinais na educação de surdos, porém mantendo a sua meta principal, isto é, desenvolver a fala, a leitura e a escrita da língua majoritária. Essa concepção pedagógica passou a ser denominada de Comunicação Total, incorporando estratégias de ensino, tais como: oralização, terapia da fala, língua de sinais, leitura orofacial, amplificação sonora, datilologia, etc.

A metodologia considerava a criação de diversos sistemas de sinais que permitissem o discernimento da língua falada e que culminariam na melhoria da fala, leitura e escrita do aluno surdo. Essa tentativa pedagógica na educação de surdos foi ineficaz, e os alunos surdos não atingiram os objetivos esperados.

1.6 O bilingüismo e o reconhecimento das línguas de sinais

A ineficácia da metodologia desencadeou nos pesquisadores do Centro de Comunicação Total de Copenhague a vontade política de descobrir as causas dos resultados insatisfatórios. Nesse sentido, iniciou-se uma pesquisa que se dividiu em duas etapas. Na primeira, foi filmada a comunicação na língua de sinais entre os surdos. Na segunda, foram filmados os professores em sala de aula falando e sinalizando concomitantemente. Os professores e pesquisadores assistiram à filmagem com a opção de retirar o som. Percebeu-se, então, que, quando os professores não conseguiam ouvir a própria voz também não entendiam a própria sinalização. Por outro lado, a observação da filmagem da comunicação entre os surdos permitiu aos pesquisadores a percepção das regras gramaticais da língua de sinais.

De fato, não se pode negar o valor dos métodos da Comunicação Total para a visualização da língua falada em uma série de áreas de aplicação para o ensino da língua escrita. No entanto, havia outros aspectos críticos em que os problemas começavam a acumular-se. Tais problemas diziam respeito ao fato importante de que embora, por princípio, a Comunicação Total apoiasse o uso simultâneo da língua de sinais com sistemas de sinais; na prática, tal conciliação nunca foi e nem seria efetivamente possível, devido à natureza extremamente distinta da língua de sinais (CAPOVILA, 2004, p. 232).

O uso das línguas de sinais no contexto educacional possibilitou um outro entendimento sobre uma abordagem para a educação de surdos, que passou a ser denominada de bilingüismo. A partir de 1980, essa abordagem foi-se fortalecendo em nível mundial, tendo por princípio a adoção da língua de sinais como primeira língua e da língua majoritária, na modalidade escrita, como segunda língua. A aprendizagem de uma segunda língua segue o princípio de que o ser humano deve interagir com outros grupos sociais. Essa proposta tem sido referendada por diversas comunidades surdas, por conter também em seu projeto político‑pedagógico o reconhecimento da diferença surda. Segundo Capovila (2004, p. 234-237), a Suécia, foi o primeiro país a reconhecer os surdos como uma minoria lingüística, legitimando seus direitos lingüísticos, culturais e políticos no contexto educacional.

O bilingüismo para surdos além de pressupor a língua de sinais como primeira língua, também evidencia a importância da presença de adultos surdos no processo de ensino e aprendizagem da criança surda. Isto é, a aprendizagem da língua de sinais deve ser desenvolvida por professores surdos. A partir do desenvolvimento da primeira língua – língua de sinais – é que a criança surda deve aprender uma segunda língua na modalidade escrita. Além disso, as especificidades do sujeito surdo – experiência visual, cultura surda, etc. – devem ser consideradas no processo de ensino e aprendizagem.

Para Skliar (1999, p. 7), o bilingüismo não pode se resumir ao uso da língua de sinais em sala de aula. A educação bilíngüe deve enfatizar as construções históricas, culturais e sociais do sujeito surdo e promover reflexões entre as relações de poder entre surdos e ouvintes.

As considerações de Skliar nos remetem à reflexão de que não é suficiente o uso da língua de sinais em sala de aula como a língua de instrução dos surdos para o desenvolvimento da criança surda. É necessária uma reformulação política e cultural dos atuais projetos pedagógicos da educação de surdos. O bilingüismo deve se pautar em propostas educacionais em que o reconhecimento político do ser surdo é determinante no planejamento das atividades pedagógicas. Crianças surdas, em contato com surdos adultos, desenvolvem uma identificação positiva com a surdez.

Os profissionais que se propõem a trabalhar na educação de surdos devem se colocar numa perspectiva plural e heterogênea em que as interações sociais e pedagógicas estejam direcionadas para a diferença cultural, procurando compreender o sujeito surdo a partir de seu contexto cultural, social e lingüístico. Portanto, as políticas educacionais não devem se limitar aos conteúdos disciplinares e às questões lingüísticas, mas também promover a conscientização sociocultural, a interação entre os sujeitos e compreender que há múltiplas visões de mundo no próprio contexto educacional.

No Brasil, a educação bilíngüe não se diferencia muito da de outros países da América Latina. Para filhos de pais surdos, a língua de sinais se desenvolve sem atropelos o que já não ocorre com crianças surdas filhas de pais ouvintes. Por não estarem em um ambiente lingüístico e cultural propício para o seu desenvolvimento durante a sua formação inicial, geralmente encontram sérias dificuldades quando ingressam no sistema de ensino. Este quadro se agrava porque a maioria das escolas brasileiras não apresenta uma estrutura mínima para o desenvolvimento pedagógico da criança surda. Além disso, as escolas que trabalham com educação de surdos têm um quadro reduzido de profissionais habilitados na área.

A maioria dos surdos brasileiros, até a adolescência, praticamente desconhece a Língua de Sinais. Noventa por cento são filhos de pais ouvintes. Quando o surdo ingressa no sistema acadêmico a maioria das escolas, mesmo utilizando o discurso da educação bilíngüe, continuam com sua prática de homogeneização e normalização do sujeito surdo, principalmente por não terem profissionais que utilizem a língua de sinais como a língua de instrução para alunos surdos. Há uma distância significativa entre o discurso e a ação pedagógica.

Para Fernandes (2003), não há apenas surdos a ensinar, mas ouvintes e surdos a aprender como educar surdos. Os últimos 100 anos de educação de surdos no Brasil foram mais do que suficientes para aprendermos como não educar surdos e também, como não formar educadores de surdos. Sabemos da importância da língua como instrumento de comunicação, mas também de seu papel no desenvolvimento cultural e cognitivo.

Ao analisar alguns fragmentos da história da educação de surdos, como os que se apresentam neste capítulo, percebe-se a importância do reconhecimento da língua de sinais no processo educativo e como os surdos vêm resistindo estrategicamente às imposições dos ouvintes em sua formação acadêmica. É importante salientar que essa resistência também se dá em diversos contextos sociais, principalmente no familiar, quando os pais impõem a oralização a seus filhos.

Capítulo II

Fragmentos Históricos do Processo De Reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais na Unidade São José

Nunca ouvi nenhum som sequer: as ondas no mar, o vento, o canto dos pássaros e por aí vai. Para mim, entretanto, esses sons nunca foram essenciais para a compreensão do mundo, já que cada um deles sempre foi substituído por uma imagem visual, que me transmitia exatamente as mesmas emoções que qualquer pessoa que ouve sente, ou talvez ainda com mais força, quem sabe?

Sérgio Marmora de Andrade
(surdo)

2.1 Os primeiros passos da educação de surdos na Unidade São José

Em 1988, após aprovação no exame de classificação, ingressa no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina – Unidade São José, o primeiro aluno surdo no Curso Técnico Refrigeração e Ar Condicionado (RAC). As dificuldades se apresentaram bilateralmente, ou seja, de um lado uma Instituição com uma concepção lingüística fonocêntrica e de outro o sujeito surdo com uma língua visual e espacial (SILVA, 1992).

Em 1992, frente às dificuldades lingüísticas encontradas por esse aluno e também frente ao ingresso de um outro aluno surdo no Curso Técnico de Refrigeração de Ar Condicionado, a Unidade São José iniciou um processo de discussão no sentido de garantir a continuidade dos estudos desses alunos. Após trocas de experiências entre profissionais da Unidade de São José, a Fundação Catarinense de Educação Especial (São José), o Instituto Concórdia de Porto Alegre e o Instituto Nacional de Educação de Surdos do Rio de Janeiro, foi elaborado o “Projeto Experiencial sobre o Desenvolvimento Cognitivo da Linguagem”. O projeto apenas institucionalizou o trabalho que já vinha sendo desenvolvido, com resultados satisfatórios, desde 1991, com o aluno que ingressara em 1988.

O projeto foi desenvolvido pela Unidade São José, em parceria com a Fundação Catarinense de Educação Especial e a Universidade Federal de Santa Catarina. Cada instituição contribuiria com seus profissionais da seguinte forma:

  • Unidade São José: professores, psicólogo, assistente social e lingüista;
  • Fundação Catarinense de Educação Especial: fonoaudiólogo otorrinolaringo­logista e pedagogo;
  • Universidade Federal de Santa Catarina: especialista em computação.

Para garantir a continuidade desses alunos no âmbito escolar, foi elaborado esse projeto, cuja concepção se pautava na abordagem oralista. O Projeto apontava a carência de técnicas e métodos de ensino por parte dos profissionais da Unidade São José no atendimento ao portador de deficiência auditiva e com fala deficiente. Para os elaboradores do projeto, o sujeito surdo poderia estudar na Unidade de São José desde que desenvolvesse a fala e a escrita, com o apoio de novas técnicas e métodos.

A linguagem oral e escrita será desenvolvida com apoio de novas técnicas e métodos auxiliados pelos recursos já existentes, principalmente o da informática, da qual se pretende desenvolver software, fazendo com que o portador de deficiência auditiva compreenda melhor os processos fonológicos, aperfeiçoando a dicção e conseqüentemente sua comunicação com o meio em que vive (SACENTI, 1992, p. 3).

Segundo o Projeto, os surdos poderiam permanecer na Unidade São José desde de que se tornassem sujeitos ouvintes e “normais”. Além disso, a linguagem foi considerada elemento fundamental no processo de ensino e aprendizagem, mas a linguagem oral e escrita e não a língua de sinais.

O Projeto considerava que as técnicas desenvolvidas no processo de ensino e aprendizagem poderiam ser utilizadas em alunos regularmente matriculados e que apresentassem dificuldades na linguagem, ou seja, surdos ou ouvintes. Elaborado por dois professores ouvintes: uma Mestra em Letras – Lingüística e um especialista em Matemática, o Projeto, mesmo com a intencionalidade e a preocupação por parte dos profissionais que se propuseram a acompanhar pedagogicamente os alunos, não se pautou em um trabalho de pesquisa na perspectiva da cultura e identidade surda. Nem os sujeitos surdos, nem os professores do Curso Técnico de Refrigeração e Ar Condicionado participaram da elaboração do projeto. Além disso, as atividades desenvolvidas não tinham a preocupação de uma interligação com o Curso Técnico de Refrigeração e Ar Condicionado, apesar de trazer a perspectiva da interdisciplinaridade. A filosofia do curso parecia assumir que bastava ao aluno surdo a oralização como fator fundamental tanto para sua integração social na Unidade São José como para seu ingresso no mercado de trabalho.

Num Projeto onde havia a consideração de que o sujeito surdo era portador de deficiência e com fala deficiente, evidencia-se a concepção clínica da surdez como uma anomalia a ser corrigida, que é a mesma concepção denunciada por Skliar:

As idéias dominantes, nos últimos cem anos, são um claro testemunho do sentido comum segundo o qual os surdos correspondem, se encaixam e se adaptam com naturalidade a um modelo de medicalização da surdez, numa versão que amplifica e exagera os mecanismos da pedagogia corretiva, instaurada nos princípios do século XX e vigente até nossos dias. Foram mais de cem anos de práticas enceguecidas pela tentativa de correção, normalização e pela violência institucional (SKLIAR, 1998, p. 7).

O modelo de medicalização da surdez apresentava-se no Projeto, inclusive com a composição de uma equipe de profissionais especialmente capacitados para esse fim:

Além do oferecimento de condições que possibilitem o treinamento aos professores que se dedicarão ao projeto, torna-se indispensável e imprescindível o apoio de uma equipe multi e interdisciplinar adaptada e integrada à características de um portador de deficiência auditiva (SACENTI, 1992, p. 12).

O Projeto previa, na sua implantação, que profissionais da Unidade São José participassem de uma capacitação na Universidade Federal de Santa Catarina, no Núcleo de Estudos em Educação Especial, a qual foi realizada, com vistas a adquirirem os profissionais o domínio de técnicas e métodos para desenvolver e aperfeiçoar as funções cognitivas superiores dos alunos surdos. A capacitação, realizada com a professora Silvia da Ros, permitiu o acesso à Teoria da Modificabilidade Estrutural Cognitiva de Reuven Feuerstein do Instituto Hadassah‑Wizo Canada Research.

Em 1992, apesar de constar no Projeto que a equipe seria composta por um professor de matemática, um lingüista, um psicólogo, um assistente social, um fonoaudiólogo, um pedagogo, um especialista em computação e um otorrinolaringologista, a equipe iniciou suas atividades sem a contribuição do otorrinolaringologista. A equipe de trabalho especificada no documento “Contextualização do Curso Pré-Técnico Especial”, foi composta conforme indicado abaixo:

  • Unidade São José: um professor de matemática, uma lingüista, uma psicóloga, uma assistente social e professores;
  • Fundação Catarinense de Educação Especial: uma fonoaudióloga;
  • Universidade Federal de Santa Catarina: uma pedagoga, uma estagiária e um professor do curso de Ciências da Computação.

No Projeto Experiencial sobre o Desenvolvimento Cognitivo e da Linguagem, a língua de sinais não fazia parte do processo de ensino e aprendizagem. Mais uma vez a língua de sinais, na história da educação de surdos, perdeu seu lugar para os processos fonológicos e fonéticos da língua oral, no sentido de aperfeiçoar, no sujeito surdo, a dicção, entonação e ritmo. Na prática, o que se percebe é a realização de um trabalho focado na homogeneização e dominação cultural ouvinte.

Também nesse Projeto, a oralização do surdo proporcionaria seu acompanhamento do Curso Técnico de Refrigeração e Ar Condicionado e seria a porta de entrada para o seu ingresso no mercado de trabalho. A língua de sinais, nesse espaço, não foi reconhecida frente a uma suposta superioridade da língua falada.

Entretanto, mesmo com o Projeto situando os surdos no campo da anormalidade, da deficiência, da falta de audição, os alunos surdos notavam uma diferença na sua aprendizagem quando comparavam aulas do projeto com as aulas do Curso Técnico de Refrigeração e Ar Condicionado. Esse sentimento pode ser verificado nas seguintes manifestações dos alunos, recolhidas por Silva (2001), que as verteu de LIBRAS para língua portuguesa:

Eu sempre perguntava para os professores, mas eles só respondiam oralmente e eu não compreendia nada (S1) 8.
No Projeto era bem melhor que em sala de aula. [...] O ensino era dirigido e as perguntas eram respondidas. Mas os professores sabiam poucos sinais (S1) (SILVA, 2001, p. 78).

É importante salientar que, no Projeto, as atividades eram desenvolvidas individualmente, o que permitia uma real aproximação entre professor e aluno, facilitando a leitura labial para a compreensão das perguntas e respostas. Ao passo que, em sala de aula, o atendimento era coletivo, com número de alunos oscilando entre 30 e 35 ouvintes e dois surdos.

A estratégia de oferecer o atendimento extra-classe para desenvolver a comunicação oral, mesmo com resultados positivos, não garantiu a permanência de todos os alunos surdos no Curso de Refrigeração e Ar Condicionado. Os alunos surdos que oralizavam concluíram o curso, os alunos que não oralizavam e que se comunicavam na língua de sinais, desistiram.

No laboratório, eu ficava perto da professora quando ela estava explicando, mas eu não compreendia o que ela dizia. Para minha infelicidade ela avaliava oralmente, pedindo aos alunos para falarem o que tinham compreendido. Ela também pedia para eu explicar, mas o que podia fazer, se eu não entendia nada além disso, só falava em LIBRAS. Como eu não conseguia falar eu só tirava zero nas minhas avaliações (S3).

Como os professores daqui não me ensinavam eu conversei com a minha mãe e resolvi sair (S3) (Silva, 2001, p. 83).

É interessante perceber que o Projeto foi elaborado visando sua aplicabilidade a surdos e a ouvintes, ou seja, o aluno da Unidade de São José que apresentasse dificuldades de aprendizagem poderia participar das atividades visando a superação das mesmas. Nesse sentido, retorno à questão da professora que avaliava oralmente um aluno surdo, o que naquele contexto era perfeitamente aceitável, tendo em vista a não diferenciação dos objetivos do Projeto, que visava à oralização, à reabilitação, à normalidade. A realidade é que os alunos que se comunicavam na língua de sinais não tiveram espaço no âmbito escolar, enquanto que os alunos que se aproximaram dos padrões da normalidade permaneceram.

Em agosto de 1992, ocorreu a aposentadoria da lingüista D. R. S. e o afastamento dos profissionais das outras instituições e de dois profissionais da própria Unidade São José. Porém, nesse mesmo ano, passaram a integrar a equipe um professor de biologia, uma professora de português e uma professora de matemática, todos da Unidade São José.

2.2 O Início de uma outra caminhada, mas seguindo os primeiros passos

Em 1994, a estrutura física do Projeto foi consolidada com a aprovação do mesmo na Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC). A liberação dos recursos financeiros permitiu a construção do atual espaço físico do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação de Surdos (NEPES).

Nesse mesmo ano, a equipe começou a perceber que não havia procura de alunos surdos para os Cursos Técnicos da Unidade de São José. A alternativa para buscar as razões disso foi a realização de uma pesquisa nas escolas públicas da Grande Florianópolis, a fim de levantar o número de alunos surdos oralizados e com o ensino fundamental concluído ou em vias de concluí-lo. A pesquisa permitiu a constatação de que a maioria dos surdos estava fora do ambiente escolar e os que estavam, além de não serem oralizados, dificilmente concluiriam o ensino fundamental.

Portanto, não havia perspectiva de ingresso, nos Cursos Técnicos, de outros alunos surdos de escolas públicas e com o perfil estabelecido, ou seja, oralizados e com o ensino fundamental concluído. Esse fato desencadeou um processo de avaliação dos trabalhos até então realizados. A avaliação evidenciou a necessidade de modificar a estrutura de ensino que o Projeto vinha utilizando.

A partir de 1995, o Projeto deixou de existir, e a equipe de trabalho criou em seu lugar o Curso Pré-Técnico Especial, para atender alunos surdos que estivessem cursando, no mínimo, a quinta série do ensino fundamental em escolas públicas da Grande Florianópolis. O objetivo do Curso Pré-Técnico Especial, com quatro anos de duração, era o de preparar os alunos surdos para ingressar em um dos Cursos Técnicos oferecidos pela Unidade de São José. Oito alunos surdos foram matriculados no Curso, cuja estrutura curricular era composta pelas seguintes disciplinas: Matemática, Português, Informática e Terapia da fala. Nesse mesmo ano, integrou-se à equipe, o professor A. M., do Curso de Telecomunicações.

Conforme descrição de Silva (2001), no Curso Pré-Técnico Especial,

O ambiente pedagógico era composto de surdos bilíngües, surdos que dominavam parcialmente o português oral e/ou escrito, surdos que dominavam apenas a língua de sinais e surdos que não dominavam nem a língua de sinais e nem o português escrito ou oral. Entretanto, no decorrer das atividades pedagógicas, verificou-se que os alunos surdos bilíngües compreendiam as orientações dos professores quando estas se davam no campo escrito ou parcialmente, quando o aluno fazia a leitura labial. Porém, durante o processo de mediação, as dificuldades eram resolvidas sem grandes problemas (SILVA, 2001, p. 61).

O contato entre os sujeitos surdos se transformou em uma relação de troca e de convivência solidária entre eles. Os alunos que se comunicavam somente através da língua de sinais eram mediados pelos surdos bilíngües. Técnicas fonoarticulatórias eram freqüentemente solicitadas pelos alunos que conheciam parcialmente o Português escrito e/ou oral para facilitar a leitura labial. Nesse momento, a língua de sinais começou a se evidenciar, fosse em sala de aula, fosse em outros ambientes do espaço escolar. Mas ainda não se poderia afirmar que a Língua de Sinais passara a ser reconhecida na Unidade São José.

A partir de 1996 ampliou-se o número de vagas no Curso Pré-Técnico Especial para 14 alunos. A estratégia pedagógica para educação desses alunos seguiu os princípios da Comunicação Total. Os professores do Curso Pré-Técnico Especial mantinham o objetivo de ensinar a língua oral, somando-se a isso o uso de aparelho de amplificação sonora, a leitura labial, a escrita, a língua de sinais e o alfabeto datilológico.

Os integrantes da equipe multidisciplinar realizaram, durante o ano de 1996 três cursos que ajudaram a redirecionar as ações em desenvolvimento no Curso Pré-Técnico Especial:

  • Para compreender o processamento de aquisição da linguagem por sujeitos ouvintes, participaram de um curso ministrado pela Dra. Leonor Scliar Cabral, na época, Presidente da Associação Internacional de Psicolingüística Aplicada;
  • Para compreender o processamento da linguagem em sujeitos surdos, participaram de um curso ministrado pela Dra. Lorena Kozlowski, do Centro de Audição e Linguagem, de Curitiba;
  • Para aprofundar os conhecimentos na teoria da Modificabilidade Cognitiva, participaram de dois cursos oferecidos pelo Instituto Hadassah-Wizo-Canada-Research, ministrados professoras Nechama Tzaban, de Israel, e Lígia Garcia, da Venezuela.

Duas questões são importantes destacar: A primeira é que os resultados esperados pela comunicação total não foram alcançados, e a segunda é que os alunos surdos que eram atendidos no Curso Pré-Técnico Especial não estavam concluindo o ensino fundamental nas escolas públicas em que estudavam e, consequentemente, não ingressariam nos Cursos Técnicos da Unidade São José.

2.3 O início do reconhecimento da língua de sinais na Unidade São José

Em 1996, as questões destacadas acima, aliadas à constatação de que a maioria dos surdos não ingressava no mercado de trabalho, levaram os professores do Curso Pré-Técnico Especial, numa parceria com os professores dos Cursos Técnicos de Refrigeração e Ar Condicionado e de Telecomunicações, a elaborar um projeto para ofertar cursos de educação básica profissional. O amparo legal para a consolidação desses cursos baseava-se no Projeto de Lei nº 1603/96 – SEMTEC/MEC, que permitiu que as instituições públicas e privadas que recebiam apoio financeiro da União e que ministrassem Educação Profissional ofertassem cursos de nível básico em sua programação regular, destinado a alunos das redes públicas e privadas da educação básica, bem como aos trabalhadores com qualquer nível de escolaridade.

Através de um convênio realizado entre a Unidade São José e o Sistema Nacional de Empregos de Santa Catarina (SINE/SC), foi possível oferecer cursos de educação básica profissional, uma vez que, por orientação da SEMTEC/MEC, tais cursos deveriam ser realizados em parcerias, preferencialmente, com instituições privadas, evitando assim investimentos humanos e financeiros do próprio orçamento.

Em 1997, os profissionais envolvidos nesse projeto começam a oferecer os seguintes cursos profissionalizantes, que visavam à inserção do surdo no mundo do trabalho: Informática Básica, Desenho Arquitetônico Básico, Eletricista Residencial e Solda Oxi-acetilênica, com carga horária que variava entre 60 a 180 horas,. A elaboração desses cursos reconhecia a experiência visual dos surdos e a Língua Brasileira de Sinais. Além da atuação de intérpretes, envolveu também a contratação do primeiro instrutor surdo na Unidade de São José. Houve também a concepção de uma metodologia de ensino voltada para alunos surdos e não mais para surdos e ouvintes, como ocorrera no Projeto Experiencial para o Desenvolvimento Cognitivo da Linguagem e no Curso Pré-Técnico Especial.

A mudança na estratégia de ensino desses cursos ocorreu devido principalmente à capacitação que ocorreu em 1996. Pela primeira vez, os cursos foram construídos em parceria com os movimentos surdos da Grande Florianópolis.

A oralização e a leitura labial cederam espaço para a Língua de Sinais. Mas, para isso, era necessária a contratação de intérpretes de Língua Brasileira de Sinais e instrutores surdos. O profissional instrutor era uma raridade na Grande Florianópolis e não havia intérpretes reconhecidos pela Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS). Sendo assim, foram contratados intérpretes que conviviam com a comunidade surda. Muitos intérpretes, por pertencerem a outras regiões, sinalizavam de forma diferente, o que dificultava o entendimento do aluno surdo. Houve também a percepção de que alguns Intérpretes utilizavam o português sinalizado e não a Língua Brasileira de Sinais.

Porém, a atuação dos intérpretes não garantiu a aprendizagem de todos os alunos, uma vez que muitos dos alunos surdos que freqüentavam os cursos tinham um conhecimento superficial da Língua Brasileira de Sinais. Assim, não se pode dizer que existia uma proposta bilíngüe estruturada. Ou seja, percebeu-se que não bastava a atuação do intérprete para o bom êxito da aprendizagem do aluno surdo. Havia tanto a necessidade de formação do intérprete como o desenvolvimento dos alunos surdos na Língua Brasileira de Sinais.

A constatação de que uma parcela representativa de surdos não dominava com proficiência a língua de sinais e a falta de profissionais com formação específica levaram a uma reflexão quanto às possíveis mudanças no contexto escolar da Unidade São José para contribuir na mudança dessa realidade. A principal inovação foi a contratação de um professor surdo, em 1997, para ser o mediador entre professores ouvintes e alunos surdos.

O professor surdo mediará os professores ouvintes na relação com os alunos surdos e auxiliará os próprios surdos no processo de integração ao universo oralista (SILVA, 1997, p. 9).

O aumento do número de alunos surdos no Curso Pré-Técnico Especial e nos cursos de Educação Profissional de Nível Básico promoveram na Unidade São José, a partir de 1997, a familiarização com uma linguagem sinalizada e aceita entre os profissionais que trabalhavam diretamente com esses alunos. Nesse mesmo ano, registra-se uma maior aproximação desses profissionais com os movimentos surdos da Grande Florianópolis, cujas reivindicações passaram a ser consideradas no que diz respeito às questões relativas à profissionalização do surdo e ao reconhecimento da língua de sinais.

Em 1998, em reunião entre os profissionais da Unidade São José e integrantes dos movimentos surdos da Grande Florianópolis, realizada com o objetivo de avaliar o andamento dos cursos profissionalizantes, foi proposta a criação do Núcleo de Educação Profissional para Surdos (NEPS) como um núcleo responsável por promover cursos de formação inicial e continuada de curta e média duração para surdos. Esses cursos tinham por objetivo inserir os surdos no mercado de trabalho, divulgar a Língua Brasileira de Sinais e permitir que os surdos conhecessem, pelo ponto de vista acadêmico, a sua própria história e a sua própria cultura.

A representação do sujeito surdo, nos trabalhos desenvolvidos na educação de surdos na Unidade São José, até o Curso Pré-Técnico Especial, foi marcada pela lógica da deficiência. O surdo era visto como indivíduo que tem dificuldades que precisam ser superadas, ou seja, não ambientado socialmente e com problemas nos campos afetivo e emocional. Além disso, para os profissionais da Unidade São José, o surdo ansiava por um aparelho de amplificação sonora que lhe permitiria adquirir a língua oral.

Na concepção dos Cursos de Profissionalização de Nível Básico, além do reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais no processo ensino-aprendizagem, o objetivo geral era desenvolver nos alunos surdos o perfil profissional para as exigências do mercado de trabalho. No desenvolvimento dos cursos conjugava-se a atuação do intérprete, do lingüista e do professor.

O intérprete foi considerado indispensável para o dinamismo das aulas, mediador entre a comunicação oral e a sinalização. A atuação do intérprete como um profissional que dominava a Língua Brasileira de Sinais e sua tradução para o Português e vice-versa facilitaria a aprendizagem do aluno surdo.

O lingüista atuava em parceria com o professor na preparação de material didático para os alunos surdos. Nesse processo, o objetivo era permitir uma tradução da língua portuguesa para LIBRAS, no sentido de proporcionar condições didático-pedagógicas para o entendimento do aluno sobre os assuntos tratados nas disciplinas.

O professor ouvinte e não bilíngüe teria a atuação do intérprete nas aulas.

Regido pelos próprios conteúdos culturais e por suas experiências singulares, o professor deve se interpor na forma de construção de conhecimento com esse aluno. Elencar o que considera significativo e fazer sua mediação, a qual para obter êxito precisa atender, no mínimo a quatro critérios básicos de mediação que Feuerstein denomina de intencionalidade, reciprocidade, significado, transcendência e sentimento de competência (SILVA, 2000, p 18).

A concepção desses cursos no Projeto de Formação Inicial e Continuada para surdos e ouvintes que atuavam na educação de surdos se pautava na Teoria da Modificabilidade Estrutural Cognitiva de Reuven Feuerstein:

Segundo Reuven Feuerstein, os esquemas de operações mentais existem em todas as pessoas, o problema está naquilo que chamamos de funções cognitivas deficientes. Todos possuímos funções cognitivas deficientes, a diferença está na quantidade e na profundidade das mesmas. A intervenção pedagógica, através do método, deve buscar as estratégias para exercitá-las, até que sejam incorporadas na nossa conduta de estruturação de forma habitual e espontânea e eficiente. Quanto mais profunda for a deficiência mais tempo é preciso exercitá-la. Porém, é importante destacar que é fundamental elevar o nível de necessidade do indivíduo, estimulá-los para os desafios propostos (SILVA, 2000, p. 18).

Nesse projeto, também foram ofertados cursos para surdos que já dominavam a Língua Brasileira de Sinais, cursos de monitores, de instrutores, de intérpretes e de Língua Brasileira de Sinais (básico e intermediário) para pais de surdos, professores de surdos e também para surdos. A proposição, na época, de que surdos se tornassem monitores ou instrutores de Língua Brasileira de Sinais se dava pela realidade de formação educacional do surdo, ou seja, uma minoria de surdos possuíam o ensino médio. A FENEIS, diante dessa realidade, passou a oferecer e a incentivar cursos de monitores, para surdos que tinham completado o ensino fundamental, e de instrutores, para surdos que já possuíam o ensino médio. Essa formação habilitou monitores, para atuarem como auxiliares de turma na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, e também instrutores, para atuarem como professores de libras no ensino fundamental e ensino médio.

No período de 1999 a 2000, também com recursos do SINE/SC, o NEPES ofereceu cursos profissionalizantes de curta duração, em conjunto com os movimentos surdos da Região Sul do País. Foram oferecidos cursos nas áreas de eletrônica, refrigeração e ar condicionado, artesanato e serviços. Além desses, foi realizado o curso “ISO 9000” para uma empresa da Grande Florianópolis que tinha nove surdos trabalhando no setor de montagem de transformadores elétricos. Durante esse período, formaram-se 153 surdos, mas somente 7 ingressaram no mercado de trabalho.

Para os Cursos de Libras para turmas distintas de surdos e ouvintes, foram contratados professores surdos que já tinham experiência e também exerciam alguma liderança nos movimentos surdos. Nesses cursos, além da estrutura gramatical, constavam do planejamento das aulas assuntos relevantes relacionados à história da educação de surdos e à cultura e identidade surda (SILVA, 2000, p. 28 e 29).

Durante a realização dos cursos, o NEPS também propiciou debates sobre temas relevantes para as comunidades surdas da Grande Florianópolis. Dentre os vários assuntos debatidos, destacamos políticas públicas, reconhecimento da língua de sinais, cultura e identidade surda, relação família e surdez e organização política dos movimentos sociais surdos. As narrativas dos militantes dos movimentos surdos também contribuíram muito para as discussões, das quais participavam surdos e ouvintes, com a intermediação do intérprete (SILVA, 2001, p. 67). Nos documentos analisados, registra-se em média a presença de 140 pessoas nos debates, na sua maioria, surdos filhos de pais ouvintes. A principal reivindicação dos surdos era a de que a língua de sinais deveria ser a sua língua de instrução.

Em 1999, o NEPS elaborou um projeto curricular do Curso de Instalações Elétricas e Prediais para Surdos. O Curso tinha a duração de um ano e oferecia as seguintes disciplinas: Língua Brasileira de Sinais, Português, Comunicação Verbal, Matemática, Ciências, Eletricidade, Informática e Desenho. A oferta de cursos de Educação Profissional de Nível Básico interligando conhecimentos teóricos e práticos a partir da Língua Brasileira de Sinais convergia com a reivindicação do movimento surdo da Grande Florianópolis e criava a expectativa de inserção do sujeito surdo no mercado de trabalho.

2.4 O reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais na Unidade São José

Em 2001, numa parceria entre a Unidade São José e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), com o apoio dos movimentos surdos da Grande Florianópolis, foi elaborado o Projeto Curricular do Curso de Educação de Jovens e Adultos com profissionalização em Desenho Técnico. O curso tinha por objetivo escolarizar e profissionalizar os trabalhadores surdos da Grande Florianópolis.

O Projeto Curricular, na sua concepção, buscava a recuperação do estado de direito à cidadania dos sujeitos surdos que ficaram à margem do processo social. O surdo passava a ocupar um outro lugar, o lugar de uma minoria lingüística que possui suas identidades, culturas e saberes.

Essa nova visão da educação de surdos na Unidade São José pode ser observada nos objetivos da disciplina Libras:

Reconhecer o projeto de educação bilíngüe para surdos como uma via legítima de trabalho com questões de identidade, multiculturalismo e de compreensão das relações de poder e saber.

Conhecer as diversas histórias sobre os surdos para perceber na sua relação com o debate econômico, político, cultural e social os diferentes estigmas da surdez.

Conhecer os processos e debates para o reconhecimento e oficialização da língua de sinais.

Compreender a organização da estrutura dos enunciados em LIBRAS, as redes morfossintáticas que articulam os processos de significação dos campos discursivos.

Compreender os processos de tradução de Língua de Sinais para Língua Portuguesa e vice-versa com forma de expressões individuais e coletivas (MASUTTI, 2001, p. 25).

O NEPS, em 2001, incluiu na sua matriz curricular a disciplina Língua Brasileira de Sinais, com três aulas semanais, no Curso para Jovens e Adultos em Nível de Ensino Fundamental, em um período em que ainda se lutava pela oficialização da Libras e de sua inclusão no currículo escolar. Essa reivindicação do movimento surdo veio a ser concretizada pela Lei 10.436 de 24 de abril de 2002, que reconhece a LIBRAS como meio legal de comunicação e expressão, e pela sua regulamentação em 22 de dezembro de 2005, com o Decreto 5.626, que estabelece a obrigatoriedade da LIBRAS nos sistemas de ensino e nos cursos de pedagogia, licenciaturas e fonoaudiologia.

Um outro passo que reorientou os trabalhos do NEPES foi a avaliação realizada em 2003. A partir da avaliação, definiu-se que o foco do trabalho não seria apenas ensino, mas também pesquisa e extensão. Com essa prerrogativa, os profissionais modificam o nome do Núcleo, que desde então passou a ser denominado de Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação de Surdos (NEPES).

Durante esse ano, o NEPES criou a Turma Piloto de Ensino Médio Bilíngüe, com a contribuição dos movimentos surdos da Grande Florianópolis. O Projeto foi enviado às instâncias deliberativas da Unidade São José e do Sistema CEFET‑SC e também à Secretaria de Educação Especial e à Secretaria de Educação Tecnológica do Ministério da Educação. O parecer de aprovação dessas Secretarias foi emitido com a sugestão de que o CEFET-SC – Unidade São José oferecesse a Turma Piloto de Ensino Médio Bilíngüe para candidatos surdos e para candidatos ouvintes fluentes em LIBRAS.

O ingresso dos alunos da Turma Piloto de Ensino Médio Bilíngüe ocorreu através de um teste classificatório, que foi realizado em duas etapas. Na primeira etapa, tendo em vista a Língua Brasileira de Sinais como língua de instrução dessa turma, realizou-se uma entrevista individual com os candidatos em língua de sinais, avaliando o nível lingüístico e cognitivo, o nível social, para verificação da atuação do candidato nos movimentos sociais surdos e, por fim, o potencial artístico. Na segunda etapa, os alunos realizaram uma prova escrita de língua portuguesa e matemática.

Houve a inscrição de vinte e nove candidatos surdos para preencher vinte vagas. Não se inscreveram candidatos ouvintes para o exame de classificação. Dos vinte alunos que ingressaram, dezesseis eram oriundos do Curso para Jovens e Adultos em Nível de Ensino Fundamental. Do quadro de professores, três eram surdos, um bilíngüe e dezoito eram ouvintes (esses professores tinham intérpretes em sala de aula). Para os professores que não dominavam a Língua Brasileira de Sinais, foram organizados cursos de LIBRAS e de formação pedagógica na área da educação de surdos. Dentre eles, destaco: “A aquisição e desenvolvimento da linguagem”, “A educação de surdos na perspectiva histórico-cultural”, “Uma abordagem na educação de surdos: turma piloto de ensino médio bilíngüe”, “A inteligência viso-espacial e os mapas conceituais: estratégias de ensino para o aluno surdo”.

A concepção do Projeto da Turma Piloto de Ensino Médio Bilíngüe evidencia uma preocupação na construção de um currículo direcionado ao sujeito surdo, tanto nas disciplinas da base nacional comum previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 9394/96), como nas disciplinas da parte diversificada.

A proposta curricular aqui apresentada alinha-se a um segmento do pensamento pedagógico (Carlos Skliar, Carlos Sánchez, entre outros) que coloca as questões referentes aos surdos numa perspectiva de superação da visão clínica no campo institucional, social e cultural, possibilitando ao surdo resgatar sua cultura e seu papel político na construção de uma educação em que a diferença seja realmente reconhecida (MACHADO, 2003, p. 12).

Nesse sentido, quatro disciplinas da parte diversificada se destacam: Língua de Sinais Brasileira; Políticas de Integração e Inclusão e a Aprendizagem dos Surdos; História dos Surdos; Cultura, Identidades e Artes Surdas. A disciplina LIBRAS, nesse projeto, se inseriu na área de Códigos, Linguagens e suas Tecnologias.

Os temas em destaque se referiam à luta política dos surdos e a reafirmação de seus valores identitários e culturais, como já havia no Curso EJA, porém houve um destaque para a iniciação em escrita de sinais e também ao reconhecimento da Língua Portuguesa como a segunda língua na educação de surdos (MACHADO, 2003, p. 21).

A escrita de sinais na disciplina LIBRAS demonstra uma visão de futuro e de preparação para as próximas gerações.

[...] É a escrita, mais que apenas a língua primária do dia a dia, que unifica as pessoas de um determinado território geográfico e ao longo do tempo, nas sucessivas gerações, constituindo sua identidade como um povo. Um língua que não tem registro escrito é limitada e incapaz de desenvolver-se e consolidar-se a ponto de servir de base para a constituição de um povo e de uma cultura. Agrupamentos que não têm registro escrito da própria língua não têm dela o domínio necessário para articular, de modo sólido e seguro, seu desenvolvimento cultural e organização social. Permanecem sem a união e organização central efetiva e sem tradições ou memória, dependentes de feudos dispersos e de intermediários para obter informações transitórias, instáveis e vulneráveis a distorções e boatos (CAPOVILLA, 2000. p. 255).

Os alunos se formaram em 2006 e, no relatório de avaliação, encontramos algumas de suas falas que serão destacadas.

Em relação ao papel do intérprete:

Aqui na Escola, percebemos que com o contato entre os alunos, tendo o intérprete dentro da sala de aula e professores bilíngües, é mais fácil de aprender. Diferente de outras escolas que usam a inclusão, e que muitas vezes o aluno surdo não tem intérprete, somente a oralização do professor ouvinte... (SILVA, 2006, p. 16).

Em relação ao contato surdo-surdo e surdo-ouvinte:

[...] Já aqui na escola percebemos que com o contato direto com nossa língua visual-espacial conseguimos progredir e ter um futuro melhor. Temos contato entre nós alunos surdos na mesma turma, que é muito mais fácil de se comunicar, e também no intervalo temos contato com alunos ouvintes, que se interessam por nossa língua procuram aprender, temos colegas ouvintes, dentro e fora da escola (Silva, 2006, p.17).

Em relação ao professor surdo:

Notamos a importância de ter um professor surdo, porque ele tem a mesma cultura que a nossa, ele ensina de forma direta, sem intermediação do intérprete. Conseguimos entender os conteúdos mais claramente, e desenvolver muito mais rápido. Por exemplo, um professor surdo de química, ele tem conhecimento da área, afinal se formou nela, ele vai conseguir passar a disciplina de forma mais clara para os alunos.... (Silva, 2006, p.17).

Em 2006 o CEFET-SC – Unidade São José iniciou o Curso de Especialização em Educação de Surdos: Aspectos Políticos Culturais e Pedagógicos, que foi elaborado e proposto pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Surdos, tendo como público-alvo, os professores da rede pública de ensino.

A construção da Proposta do Curso de Especialização foi baseada no resultado de uma pesquisa realizada com os professores da rede pública estadual de ensino de Santa Catarina. A partir da coleta e da sistematização dos dados verificou-se que a maioria dos professores entrevistados, que trabalham com surdos nas séries iniciais e no ensino fundamental, encontravam dificuldades para sua atuação profissional, dentre elas: pouco domínio da Língua Brasileira de Sinais; escassez de material didático específico para alunos surdos; necessidade de capacitação na área de educação de surdos.

Esse curso tem como objetivo:

Propiciar conhecimentos teóricos e práticos que abordem aspectos políticos, culturais e pedagógicos relevantes para a educação de surdos. ...compreender o processo que conduz a diretrizes e modelos cujas formas refletem um subjugamento das alteridades. ...uma revisão da macro-estrutura, na qual foram tecidos muitos dos pressupostos que estão arraigados nos olhares sobre a surdez, colocando em questionamento as bases teóricas que fundamentam nos modelos clínicos que nortearam e ainda norteiam, políticas públicas educacionais voltadas para aos surdos... (Viana, 2006, p. 6).

A grade curricular do Curso de Especialização foi elaborada com as seguintes disciplinas: História da Educação de Surdos; Aspectos Culturais, Identitários e os Movimentos Sociais Surdos; Políticas Educacionais para Surdos; Seminário de Pesquisa; Aspectos Pedagógicos Aplicados à Educação de Surdos; Políticas Lingüísticas (VIANA, 2006, p. 15).

Cada disciplina da grade curricular foi estruturada com ênfase no reconhecimento da língua de sinais. Os textos utilizados pelos professores foram organizados sempre com temas pertinentes não somente ao reconhecimento dessa língua mas trazendo para discussão a importância do respeito às diferenças, a necessidade de uma educação para surdos que reconheça a língua de sinais como língua natural dos surdos e respeite o sujeito surdo enquanto sujeito histórico e cultural.

Considerações Finais

Discutir a educação bilíngüe numa dimensão política assume um duplo valor: o “político” como construção histórica, cultural e social, e o “político” entendido como as relações de poder e conhecimento que atravessam e delimitam a proposta e o processo educacional.

Carlos Skliar

Os documentos analisados permitem compreender de que forma o NEPES foi transformando seu posicionamento lingüístico em relação à língua de sinais. Se no inicio de sua trajetória o uso dessa língua não era permitido, a partir de 1996 ela foi a grande alternativa para a inserção dos surdos no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina – Unidade São José.

O salto de qualidade quanto à concepção lingüística, ao longo da trajetória do NEPES, vai-se evidenciando a cada passo. Nos documentos, observa-se o compromisso e a responsabilidade social dos profissionais com a teoria e com os movimentos sociais surdos. Essa postura profissional propiciou ao NEPES reflexões que permitiram mudanças na estrutura pedagógica, provocando rupturas com as epistemes majoritárias na educação de surdos.

O compromisso com a educação pública e gratuita é um outro marco nessa trajetória, como também a crença na transformação social, educacional e política. A partir de 1996, começou-se a alicerçar um projeto político e pedagógico em parceria com os movimentos sociais surdos, possibilitando outros olhares em relação aos surdos e a educação de surdos.

As dificuldades que se apresentaram na trajetória do NEPES foram transformadas em desafios que provocaram as transformações relatadas no segundo capítulo. Dentre elas, destaco:

  • A falta de teorias mais consistentes na área da educação de surdos levou os profissionais a realizar pesquisas acadêmicas e de ensino;
  • A falta de profissionais surdos e intérpretes propiciou a criação de cursos de instrutores e de intérpretes;
  • O desconhecimento dos pais quanto à realidade lingüística, social, cultural e pedagógica dos seus filhos surdos levou o NEPES a realizar palestras, seminários e cursos;
  • A não formação dos alunos surdos nas escolas públicas da região da Grande Florianópolis propiciou a criação do curso Pré-Técnico Especial, da Educação de Jovens e Adultos e do Ensino Médio Bilíngüe;
  • O desconhecimento dos professores que trabalham com a educação de surdos levou o NEPES a criar o Curso de Especialização em Educação de Surdos;
  • A não inserção dos surdos no mercado de trabalho foi o elemento condutor para a criação de cursos profissionalizantes;
  • O não domínio Língua Brasileira de Sinais por parte de pais, familiares de surdos, alunos ouvintes e professores foi traduzido em cursos de Libras (básico, intermediário e avançado).

Na trajetória do NEPES, o que se percebe é que esses problemas se transformaram em desafios, a partir de um trabalho consciente e comprometido com as lutas dos movimentos sociais surdos. Isso permitiu ao CEFET-SC – Unidade São José a se constituir em um centro de referência em educação de surdos.

Estamos em 2007. São 15 anos de experiência, de uma luta incansável, de uma eterna discussão no âmbito escolar, de enfrentamentos e transposição de barreiras para a consolidação do reconhecimento da língua de sinais na educação de surdos. O reconhecimento da língua de sinais exige uma concepção de currículo que se diferencie daquele desenvolvido com alunos ouvintes. Por questões teóricas e metodológicas os projetos curriculares da educação de surdos precisam reconhecer as línguas de sinais, a experiência visual, a cultura e as identidades surdas. É através da Libras que o surdo expressa suas idéias, emoções, visão de mundo.

O CEFET-SC – Unidade São José, através do NEPES, com seus trabalhos de ensino, pesquisa e extensão, já faz parte da história da Educação de Surdos em Santa Catarina e no Brasil.

Notas

1 Os documentos analisados estão disponíveis no arquivo do NEPES na Unidade de São José.
2 O Projeto Experiencial sobre o Desenvolvimento Cognitivo da Linguagem foi criado em 1992 e tinha por objetivo geral “desenvolver a linguagem como um dos elementos fundamentais no processo ensino-aprendizagem”.
3 Em 1997, foi o estruturado o Curso Pré-Técnico Especial, que tinha por objetivo geral “desenvolver a cognição e a linguagem dos alunos surdos, como elementos fundamentais no processo ensino-aprendizagem para integrá-los à sociedade”.
4 Em 2000, foi organizado o Projeto de Educação Profissional de Nível Básico, que se propunha a “desenvolver nos alunos surdos o perfil profissional que o competitivo mercado de trabalho vem exigindo nas áreas profissionais, aqui propostas, a partir da cultura técnica, geral e surda”.
5 Em 2001, a equipe de trabalho do NEPES organizou Projeto do Curso para Jovens e Adultos em Nível de Ensino Fundamental, tendo por objetivos: a) Oferecer oportunidades educacionais formalizadas aos jovens e adultos portadores ou não de surdez, em nível de ensino fundamental, que permitam ao seu egresso, a terminalidade, como consolidação e aprofundamento dos conhecimentos de uma etapa de estudos sistemáticos, como também a continuidade para possibilidades de crescimento individual e coletivo, bem como acesso aos níveis superiores de ensino formal; b) inserir os alunos num processo de construção da cidadania através dos entendimentos das dimensões históricas e sociais que envolvem os problemas humanos, do senso de participação, do conhecimento de formas contemporâneas de linguagem, dos métodos e técnicas utilizadas na interação interpessoal e da comunicação intermediada por tecnologias e c) garantir aos alunos a compreensão da evolução tecnológica numa perspectiva social, de forma a identificar transformações oriundas de processos de inovação e das diferentes estratégias empregadas para conciliar os imperativos econômicos com as condições da sociedade.
6 Para garantir a continuidade dos estudos dos alunos do Curso Bilíngüe para Educação de Jovens e Adultos, em 2003, o NEPES criou o Curso de Ensino Médio Bilíngüe, com os seguintes objetivos: a) Garantir o desenvolvimento da linguagem e das potencialidades do educando surdo, possibilitando o prosseguimento dos estudos; b) proporcionar a construção de uma personalidade saudável com sentido de pertencer a sua comunidade e o exercício da cidadania no contexto social em que está inserido; c) oportunizar a informação requerida para estruturar as bases conceituais e internalizar os valores para compreensão de seu meio social e para participação crítica na socie­dade e d) propiciar os fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática.
7Em 2006, o NEPES criou o Projeto Curricular do Curso de Educação de Surdos, com o objetivo de propiciar conhecimentos teóricos e práticos que abordem aspectos políticos, culturais e pedagógicos relevantes para a educação de surdos.
8 Nessa fala o aluno está referindo-se aos professores das disciplinas do Curso Técnico de Refrigeração e Ar Condicionado.

Bibliografia

CAPOVILLA, F. C. et al. O desafio do bilingüismo na educação de surdos: Descontinuidade entre a língua de sinais e a escrita alfabética e estratégias para resolvê-la. In: CAPOVILLA, F. C. (org.). Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar. São Paulo, Memnon, 2004.

COSTA, C. de L. O “outro” enquanto sujeito: a problematização pós‑estruturalista. In: ANTELO, R. (org.). Identidade e Representação. Florianópolis: UFSC, 2004.

DIDEROT, D. Carta sobre os surdos-mudos para uso dos que ouvem e falam. São Paulo: Nova Alexandria, 1993. (ed. original de 1751).

DERRIDA, J. A escritura e a diferença. Tradução de Maria B. Marques N. da Silva e Mary Amazonas L. de Barros. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.

FERNANDES, E. Linguagem e Surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.

GOLDFELD, M. A Criança Surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista. São Paulo: Plexus, 1997.

LODI, A. C. B. Plurilingüismo e Surdez: uma leitura bakhtiniana da história da educação de surdos. Educação e Pesquisa, set/dez. 2005, vol. 31, nº. 3.

LULKIN, A. S. O silêncio disciplinado. Porto Alegre, 2000. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

MACHADO, P. C. A política de integração/inclusão e a aprendizagem dos surdos: um olhar sobre a escola regular. Florianópolis, 2002. Dissertação de Mestrado. Programa de pós-graduação em Psicopedagogia da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).

MACHADO, P.C. et al. Orientações teóricas e metodológicas para a turma piloto de ensino médio bilíngüe. CEFETSC/SJ, 2003.

MASUTTI, M. et al. Contextualização do curso pré-técnico especial e exposição de motivos para a formação do quadro de pessoal. CEFETSC/SJ, 1997.

MASUTTI, M. et al. Projeto de implantação do curso para jovens e adultos em nível de ensino fundamental. CEFETSC/SJ, 2000.

QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua brasileira de sinais: estudos lingüísticos, Porto Alegre: Artmed, 2004.

QUADROS, R. M. (org.) Estudos Surdos I. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2006.

QUADROS, R. M.; PERLIN, G. (org.). Estudos Surdos II. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2007.

SACKS, O. Vendo vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

SÁNCHEZ, C. M. La increible y triste historia de la sordera. Caracas: CEPROSORD, 1990.

SILVA, V. A Luta dos surdos pelo direito à educação e ao trabalho: relato de uma vivência político-pedagógica na Escola Técnica Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2001. Dissertação de Mestrado. Programa de pós-graduação em Educação. Centro de Educação. Universidade Federal de Santa Catarina.

SILVA, V. Educação de surdos: uma releitura da primeira escola pública para surdos em Paris e do Congresso de Milão em 1880. CEFETSC/SJ, 1997.

SILVA, V. et al. Projeto experiencial sobre o desenvolvimento cognitivo da linguagem. CEFETSC/SJ, 1992.

SILVA, V. et al. Qualificação profissional para surdos e ouvintes que atuam com surdos. CEFETSC/SJ, 2000.

SILVA, V. et al. Relatório de avaliação da turma piloto de ensino médio bilíngüe. CEFETSC/SJ, 2006.

SKLIAR, C. Pedagogia improvável da diferença: e se o outro não estivesse aí? Tradução de Giane Lessa. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

SKLIAR, C. La Educación de los sordos: uma reconstrucción história, cognitiva y pedagógica. Mendoza: EDIUNISC, 1997.

SKLIAR, C. (org.). Atualidade da educação bilíngüe para surdos. v. I e II. Porto Alegre: Mediação, 1999.

SKLIAR, C. Os Estudos Surdos em Educação: problematizando a normalidade. In: Skliar, C. (org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.

SOUZA, R. M. Que palavra que te falta? Lingüística, educação e surdez. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

THOMA, A.; LOPES, M. A invenção da surdez. In: PERLIN, G. O lugar da cultura surda. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004.

VIANA, T. et al. Projeto Curricular: Educação de Surdos Aspectos Políticos, Culturais e Pedagógicos, CEFETSC/SJ, 2006.

Comentários