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Produções Académicas sobre Interpretação de Língua de Sinais: dissertações e teses como vestígios históricos
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Publicado em 2010
Cadernos de Tradução, volume 1, No 26. Florianópolis: UFSC, PGET
Maria Cristina Pires Pereira
  Artigo disponível em versão PDF para utilizadores registados
Resumo

Este artigo objetiva delinear um resgate da história da pesquisa que tenha como foco a interpretação de língua de sinais, no Brasil. As dissertações e teses foram coletadas em bases de dados de acesso público, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e Plataforma Lattes; acervos particulares e na lista de discussão dos Intérpretes de Língua de Sinais do Brasil (BrasILS). A análise foi feita tratando a produção acadêmica inicialmente como dois grupos, concluídas e em andamento e, a seguir, foi feito um cruzamento das informações tendo como meta traçar o panorama existente, perspectivas futuras e sua relação histórica com o reconhecimento da Língua de Sinais Brasileira (Libras) e a Educação de Surdos.

1. Introdução 1

Este artigo analisa as produções brasileiras, dissertações e teses, que tomam como foco de pesquisa a interpretação e os intérpretes de língua de sinais para resgatar um pouco da história deste ofício em nosso país. Em sua modalidade ampla a interpretação é considerada a forma mais antiga de mediação interlingüística, pois,

Mesmo muito antes do estabelecimento da cultura escrita, o contato entre falantes de línguas diferentes era inimaginável sem a presença de um mediador lingüístico na qualidade de intérprete, de modo que a interpretação entre línguas em relação é historicamente reconhecida como a forma mais antiga de prática de mediação lingüística de que temos conhecimento. Ao observarmos os diversos centros históricos do desenvolvimento humano, é certo que encontraremos em todos eles alguma forma de manifestação da atividade de interpretação (POHLING, s/d, p. 1)

Apesar disto, a interpretação é marginal nos Estudos da Tradução. Basta uma breve e superficial pesquisa para constatar que os trabalhos produzidos neste campo disciplinar estão em número muito diminuto, se comparados às investigações que tomam a tradução escrita como base. Se o tema for a interpretação de e para uma língua de sinais só recentemente, após a primeira exposição fundamentada do estatuto lingüístico da língua estadunidense de sinais (American Sign Language – ASL), pelo lingüista William Stokoe (1960/2005), na década de sessenta, começou a ser considerada digna de estudos. No Brasil, as investigações sobre a língua brasileira de sinais (Libras ou LSB) começaram a ser publicadas em meados da década de oitenta. Lentamente, nestes trinta anos, a interpretação de língua de sinais vem despertando o interesse de pesquisa e, somente em 1995 surge a primeira dissertação abordando uma reflexão sobre fatores que influenciariam a tradução em Libras de uma conhecida fábula escrita, em 1999, o primeiro trabalho que menciona explicitamente a interpretação em língua de sinais na polêmica questão de fidelidade. Ambos os trabalhos são citados no seguimento do texto com sua referência completa.

Mesmo se considerarmos a interpretação interlíngüe geral, tanto de línguas de sinais quanto de línguas vocais, existe uma dificuldade muito grande em traçar o percurso histórico dos intérpretes

Devido à inexistência de registros confiáveis, alguns hiatos provavelmente nunca chegarão a ser preenchidos, especialmente com respeito àqueles períodos em que as relações de poder conferiam prestígio a uma língua em particular, em detrimento de outras (BOWEN ET AL., 2003, p. 257).

Se a escrita, em si, é uma tecnologia, o produto final de uma tradução já é o seu próprio registro. As interpretações, no entanto, requerem recursos exteriores que possam registrá-las, pois são imediatas, fugazes e evanescentes por natureza. Mesmo atualmente, as interpretações ainda persistem raramente documentadas. Antes do surgimento de tecnologias de gravação de voz e imagem, a história dos intérpretes, principalmente de língua de sinais (ILS), só é acessível em raros relatos escritos e nas narrativas orais dos precursores e usuários deste ofício. Como uma coleta e análise da história oral dos ILS é um trabalho hercúleo (já existe uma dissertação em andamento com este tema), que extrapola os objetivos de um artigo, concentro-me aqui em um resgate do que já se encontra documentado: as produções acadêmicas. Embora tenha me inspirado nos artigos de referência: “Estudos da tradução no Brasil: reflexões sobre teses e dissertações elaboradas por pesquisadores brasileiros nas décadas de 1980 e 1990” (PAGANO e VASCONCELLOS, 2003) e “Where do we come from? What are we? Where are we going? A bibliometrical analysis of writing and research on Sign Language Interpreting” (GRBIC, 2007), não possuo os mesmos objetivos de proceder a um enquadramento nos mapas canônicos dos Estudos da Tradução. Modestamente, neste recenseamento, procuro traçar um percurso histórico e descritivo da interpretação de língua de sinais no Brasil, em princípio, no meio acadêmico objetivando entender melhor como a nossa produção surgiu e vem se estabelecendo nos programas de pós-graduação.

2. Metodologia

As dissertações e teses concluídas foram coletadas em bases de dados públicas e acervos particulares. Nas duas bases de dados, o processo de seleção consistiu de duas triagens focadas no título. A primeira com as seguintes palavras: língua de sinais, em alguns casos só sinais, ou Libras. Esta escolha se justifica para evitar um resultado inicial de pesquisa muito vasto devido ao amplo aspecto semântico que intérprete/interpretação podem abarcar, desde música, história, psicanálise até filosofia, etc. Restringida a busca em trabalhos que versavam sobre a língua de sinais/Libras, só então a segunda triagem verificou se no título constava alguma das palavras a seguir: intérprete (s) e/ou interpretação ou, em último caso, tradução/tradutor(a). A escolha pela busca no título justifica-se tendo em vista de que o trabalho, para ser arrolado nesta investigação, deve ser significativo para a constituição acadêmica da tradução e/ou interpretação de língua de sinais, de modo categórico, e esta ênfase mostra-se com a menção ao objeto de estudo no título. As fontes da coleta de dados, para trabalhos já concluídos, foram:

- A Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
- A Plataforma Lattes.

Utilizei acervos particulares e a lista de discussão dos Intérpretes de Língua de Sinais do Brasil, a BrasILS, principalmente, para o rastreamento dos trabalhos em andamento, portanto ainda não cadastrados nas bases de dados, para os recém concluídos e para aqueles muito antigos em que o cadastramento das dissertações e teses ainda não era prática corriqueira nos programas de pós-graduação. Neste caso, foi feito um pedido na lista de discussão e escrevi para colegas que poderiam ter notícia de algum trabalho em andamento. Fui professora em vários cursos de interpretação e assim tenho uma rede de contato bem ampla nacionalmente e que acionei nesta investigação. No entanto, mesmo assim, estou consciente de algum trabalho pode não ter sido detectado, porém, para fins de primeiro levantamento na área foi suficientemente minucioso.

Procedo, em seguida, à exposição e análise dos dados, considerando o programa de pós-graduação no qual a dissertação ou tese foi executada, o ano de conclusão ou início (no caso dos trabalhos em andamento) e à Instituição de Ensino Superior (IES).

3. Os dados e sua análise

Divido a amostragem dos trabalhos em dois grandes conjuntos: concluídos e em andamento. Ao final procedo a um cruzamento entre estes períodos para obter uma visão ampla do panorama dos estudos na área, desde o primeiro até o mais recente que me foi possível rastrear.

3.1 Produção acadêmica concluída

Considerei as dissertações e teses concluídas até o começo do segundo semestre de 2009. Temos a seguinte relação da produção acadêmica coletada 2:

Dissertações

  1. RAMOS, Clélia Regina. Língua de Sinais e Literatura: uma proposta de trabalho de tradução cultural. Dissertação (Mestrado em Semiologia). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1995.
  2. PIRES, Cleidi Lovatto. Questões de fidelidade na interpretação em Língua de Sinais. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Santa Maria, 1999.
  3. LEITE, Emeli Marques Costa Leite. O papel do intérprete de LIBRAS em uma sala de aula inclusiva. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.
  4. HORTÊNCIO, Germana Fontoura Holanda. Um Estudo Descritivo sobre o Papel dos Intérpretes de LIBRAS no âmbito organizacional das Testemunhas de Jeová. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada). Universidade Estadual do Ceará, 2005.
  5. ROSA, Andréa da Silva. Entre a visibilidade da tradução da língua de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual de Campinas, 2005.
  6. FILIETAZ, Marta Rejane Proença. Políticas públicas de educação inclusiva: das normas à qualidade de formação do intérprete de língua de sinais. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Tuiuti do Paraná, 2006.
  7. SANTOS, Silvana Aguiar dos. Intérpretes de língua de sinais: um estudo sobre as identidades. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Santa Catarina, 2006.
  8. LIMA, Elcivanni. Discurso e Identidade: Um olhar crítico sobre a atuação do (a) Intérprete de Libras na Educação Superior. Dissertação (Mestrado em Lingüística). Universidade de Brasília, 2006.
  9. MARINHO, Margot Latt. O Ensino da Biologia: o intérprete e a geração de sinais. Dissertação (Mestrado em Lingüística). Universidade de Brasília, 2007.
  10. VIEIRA, Mauren Elisabeth Medeiros. A Auto-representação e Atuação dos Professores-intérpretes de língua de sinais: afinal…professor ou intérprete? Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.
  11. PEREIRA, Maria Cristina Pires. Testagem Lingüística em Língua de Sinais: as possibilidades para os intérpretes de Libras. Dissertação (mestrado em Lingüística Aplicada). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2008.
  12. COSTA, Karla Patrícia Ramos da. O texto do intérprete de libras no contexto do bilingüismo e o pretexto da inclusão. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem). Universidade Católica de Pernambuco, 2008.
  13. MARTINS, Vanessa Regina de Oliveira. Educação de Surdos no Paradoxo da Inclusão com Intérprete de Língua de Sinais: Relações de poder e (re)criações do sujeito. Dissertação (mestrado em Educação). Universidade Estadual de Campinas. 2008.
  14. MARTINS, Diléia Aparecida. Trajetórias de formação e condições de trabalho do intérprete de Libras em Instituições de Educação Superior. Dissertação (Mestrado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2009.
  15. MACHADO, Ione. Atuação do intérprete educacional de Língua Brasileira de Sinais em classe comum do ensino fundamental. Dissertação (Mestrado em Educação Especial). Universidade Federal de São Carlos, 2009.
  16. TUXI, Patricia. A Atuação do Intérprete Educacional no Ensino Fundamental. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade de Brasília, 2009.

Destas dezesseis dissertações, a maioria foi resultado de um programa de pós-graduação em Educação (8), seguidas pela Lingüística Aplicada (3), Lingüística (2), uma na Educação Especial, uma na Semiologia e uma nas Ciências da Linguagem. As universidades federais têm abrigado a maior parte dos trabalhos (9), seguidas por três universidades estaduais e quatro privadas. O primeiro registro data de 1995 e no título consta a menção à tradução cultural da língua de sinais, apesar da dissertação não trabalhar com os intérpretes, nem ser uma tradução comentada, tem o mérito de ser a obra que inaugurou a reflexão sobre a língua portuguesa e a Libras em situação de mediação interlingüística. O primeiro trabalho que versou, realmente, sobre os ILS foi uma dissertação, datada de 1999, sendo que após houve um intervalo de cinco anos até surgir outra dissertação e, desde esta data, todo ano há produção.

Três teses, até o momento, estão concluídas e a primeira que abordou os ILS foi defendida apenas um ano depois da primeira dissertação, em 2000.

Teses

  1. RAMOS, Clélia Regina. Uma Leitura da Tradução de Alice no País das Maravilhas para a Língua Brasileira de Sinais. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000.
  2. ROSSI, Célia Regina. O impacto da atuação do interprete de LIBRAS no contexto de uma escola pública para ouvintes. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, 2005.
  3. PEDROSO, Cristina Cinto Araujo. O aluno surdo no ensino médio da escola pública: o professor fluente em Libras atuando como intérprete. Tese (Doutorado em Educação Escolar). Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2006.

Das três teses, uma foi em Letras Vernáculas, uma em Educação e outra em Educação Escolar. Dentre as teses temos o equilíbrio entre uma universidade federal, uma estadual e outra particular. O aparecimento de teses marca só uma continuação de RAMOS (1995, 2000), nos outros casos não houve a detecção de dissertações anteriores das mesmas autoras versando sobre o assunto.

3.2 Trabalhos em andamento – o que nos aponta o futuro

Normalmente são mapeados somente os trabalhos concluídos, porém encontrei as seguintes justificativas para ir além e coletar, também, os trabalhos em andamento:

  • A ainda escassa, quase rara, produção nacional sobre esta temática.
  • A obtenção dos trabalhos em andamento permite uma comparação da evolução deste segmento até os dias atuais.
  • Permite fazer projeções do perfil que a área está adotando, pouco a pouco.

Das pesquisas em andamento, até o momento, foi possível detectar:

Dissertações

  1. SOUZA, Saulo Xavier de. Métodos de tradução para línguas de sinais: um estudo descritivo de performances geradas no curso de Letras-Libras. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução). Universidade Federal de Santa Catarina. Início: 2007.
  2. RUSSO, Angela. Intérprete de Língua de Sinais: uma posição discursiva em construção. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Início: 2007.
  3. SANTANA, Jeferson Bruno Moreira. O intérprete de língua de sinais como crítico literário de literatura traduzida em LIBRAS e de narrativas surdas. Dissertação (Mestrado em Literatura). Universidade Federal de Santa Catarina, 2008.
  4. LIMA, Keila Vilanova Valério de. O profissional intérprete de Libras dentro do contexto religioso. Dissertação (Mestrado em Literatura). Universidade Federal de Santa Catarina, 2008.
  5. NICOLOSO, Silvana. Intérpretes de Língua de Sinais: uma questão de gênero. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução). Universidade Federal de Santa Catarina. Início 2008.
  6. PASSOS, Gabriele Cristine Rech dos. A questão de atitudes e representações que os ILS têm a respeito dos surdos e da língua de sinais. Dissertação (Mestrado em Lingüística). Universidade Federal de Santa Catarina. Início: 2008.
  7. MIRANDA, Dayse Garcia. As escolhas lingüísticas realizadas pelo intérprete de língua de sinais, no ato interpretativo de LP/Libras e seus efeitos no aprendizado do aluno surdo, na sala de aula inclusiva. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Minas Gerais. Início: 2008.
  8. BARAZZUTTI, Viviane. A presença dos intérpretes nos movimentos da língua de sinais. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução). Universidade Federal de Santa Catarina.
    Início: 2008.
  9. TOBAL, Letícia Regiane da Silva. Interpretação de Língua de Sinais, por ouvintes, com a contribuição e sugestão de surdos. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução). Universidade Federal de Santa Catarina. Início: 2008.
  10. SEGALLA, Rimar Romano. Tradução Intermodal e Intersemiótica/Interlingual: Português Escrito para a Língua Brasileira de Sinais. Dissertação (Mestrado Estudos da Tradução). Universidade Federal de Santa Catarina. Início: 2008.
  11. SANTOS, Felipe Tavares dos. Contando nos dedos: história dos ILS a partir de suas narrativas orais. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução). Universidade Federal de Santa Catarina. Início: 2009.
  12. MACHADO, Flavia Medeiros Álvaro. A interface da semática-pragmática na aplicabilidade do Tradutor e Intérprete de Libras. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade de Caxias do Sul. Caxias do Sul. Início: 2009.
  13. XAVIER, Keli Simões. A constituição do intérprete de libras no âmbito educacional: uma abordagem sobre as políticas públicas e o delinear do saber-fazer desse profissional frente à criança surda. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Espírito Santo. Início: 2009.

A informação que se destaca nas dissertações em andamento é que em apenas dois anos temos treze trabalhos. A quantidade de pesquisas cresceu sensivelmente da média de uma por ano até este ponto em que temos uma média de quase sete dissertações anuais. Outro aspecto relevante é o surgimento de trabalhos inscritos no campo disciplinar dos Estudos da Tradução, seis pesquisas.

Entre as teses em andamento houve um aumento de pesquisas e, dentre estas, três autoras continuam a tratar sobre a interpretação de língua de sinais, o que indicia o interesse dos pesquisadores em instituir esta área como um de seus principais interesses de investigação permanentes.

Teses

  1. RODRIGUES, Carlos Henrique. Aquisição e Desenvolvimento da Competência do Intérprete de Língua de Sinais: uma investigação de processos cognitivos e inferenciais à luz da Teoria da Relevância. Tese (Doutorado em Lingüística Aplicada). Universidade Federal de Minas Gerais. Início 2009.
  2. PEREIRA, Maria Cristina Pires. Os Intérpretes de Língua de Sinais no Ato Tradutório: referenciação de pessoa. Tese (Doutorado em Estudos da Tradução). Universidade Federal de Santa Catarina. Início 2009.
  3. SANTOS, Silvana Aguiar dos. Os efeitos dos Estudos da Tradução na formação de intérpretes de língua de sinais brasileira. Tese (Doutorado em Estudos da Tradução). Universidade Federal de Santa Catarina. Início: 2009.
  4. MARTINS, Vanessa Regina de Oliveira. Do Intérprete de Língua de sinais ao Educador: As múltiplas e singulares faces do acontecimento e das identidades no ensino de surdos. Tese (doutorado em Educação). Universidade Estadual de Campinas. Início: 2009.

Todas as teses inscrevem-se em programas de pós-graduação de instituições públicas, sendo duas delas em Estudos da Tradução.

3.3 O panorama geral

Considerando apenas os fatores de análise que escolhi: área da pós-graduação na qual a produção se insere, ano (de conclusão ou de início) e IES, temos várias possibilidades de apreciação destes dados.
No aspecto de produção anual, existem duas lacunas que vão de 1995 a 1999 e outra de 2000 a 2004 (ver gráfico 1 da figura 1).

Como a produção acadêmica sobre a Libras começou a surgir na década de oitenta, passaram-se mais de dez anos para o primeiro trabalho sobre a tradução surgir, em 1995. É provável que, nos primeiros anos, a ênfase tenha sido dada em sedimentar a concepção da língua de sinais como portadora de estatuto lingüístico equivalente a qualquer língua vocal e, só depois, outros aspectos tenham despertado interesse de investigação. É notável que as produções tenham aumentado sensivelmente no período que marca o reconhecimento oficial da Libras (2002) e sua regulamentação (2005), disto podemos concluir a relação que Bowen et al. (2003) estabelecem entre o registro da história dos intérpretes e o prestígio e as relações de poder que se estabelecem entre as línguas, no caso, a língua portuguesa e a língua de sinais brasileiras.

No que tange aos programas de pós-graduação em que as pesquisas concluídas inserem-se, o gráfico 2 (figura 2) revela uma pulverização em oito diversos campos, mas com um domínio evidente da Educação.

Esta prevalência parece ser um resultado da abordagem da Educação Especial ou Inclusiva em que as pessoas surdas são consideradas somente no âmbito escolar (vide Decreto Federal 5.626, de 22 de dezembro de 2005), deixando de lado outros aspectos em que um ILS pode atuar: lazer, esportivo, várias áreas de conhecimento, etc. Isto constitui um elo do qual é difícil nos distanciarmos: pessoas surdas na escola => intérpretes vistos prioritariamente sob a perspectiva educacional => pesquisas sobre os intérpretes na Educação. Só uma visão mais abrangente das interações nas quais uma pessoa surda precisa de um ILS pode despertar o interesse em entender melhor, também, outros campos de interpretação.

As pesquisas em andamento, demonstradas no gráfico 3 (figura 3), permitem antever o rumo que as dissertações e teses sobre a interpretação de língua de sinais estão tomando nos últimos anos.

As dissertações estão em seis áreas, as teses desenrolam-se em apenas três: Lingüística, Educação e Estudos da Tradução. E é exatamente os Estudos da Tradução que se destacam aqui. Nenhum trabalho concluído estava inserido neste campo disciplinar, enquanto, dentre os em andamento, temos oito trabalhos, ou seja, quase cinqüenta por cento da produção acadêmica atual, representadas por dissertações e teses estão acontecendo nos Estudos da Tradução e das quatro teses, a pertencente à Lingüística Aplicada, insere-se na linha de pesquisa dos Estudos da Tradução. Estes dados evidenciam a abertura desta área aos estudos da interpretação de língua de sinais, antes nem reconhecidos como atividade profissional e agora um campo promissor que constrói seu embasamento teórico para legitimar a sua prática.

No que concerne às IES, observando a distribuição total, na tabela 1, verificamos que as instituições públicas (federais e estaduais) dobram em quantidade às instituições particulares.

FEDERAIS

  1. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – RS: dissertação (1 em andamento)
  2. Universidade Federal de Santa Catarina – SC: dissertações (2 concluídas, 9 em andamento), teses (2 em andamento)
  3. Universidade Federal de Minas Gerais – MG: dissertações (1 em andamento), tese (1 em andamento)
  4. Universidade Federal de Santa Maria – RS: dissertação (1 concluída)
  5. Universidade de Brasília – DF: dissertações (3 concluídas)
  6. Universidade Federal de São Carlos – SP: dissertação (1 concluída)
  7. Universidade Federal do Rio de Janeiro – RJ: dissertações (2 concluídas), tese (1 concluída)
  8. Universidade Federal do Espírito Santo – ES: dissertação (1 em andamento)

ESTADUAIS

  1. Universidade do Estado do Ceará – CE: dissertação (1 concluída)
  2. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – SP: tese (1 concluída)
  3. Universidade Estadual de Campinas – SP: dissertações (2 concluídas), tese (1 em andamento)

PRIVADAS

  1. Universidade de Caxias do Sul – RS: dissertação (1 em andamento)
  2. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – RS: dissertação (1 concluída)
  3. Pontífice Universidade Católica de Campinas – SP: dissertação (1 concluída)
  4. Universidade Católica de Pernambuco – PB: dissertação (1 concluída)
  5. Universidade de São Paulo – SP: tese (1 concluída)
  6. Universidade Tuiuti – PR: dissertação (1 concluída)

A instituição que mais se destaca é a Universidade Federal de Santa Catarina com treze pesquisas dentre o total de trinta e seis. Esta é uma forte evidência de que fatores pontuais que contribuíram muito para esta posição: a existência do programa de pósgraduação em Estudos da Tradução, a entrada de Ronice Müller de Quadros, professora doutora extremamente atuante na área da Libras, na UFSC, em 2002, e a conseqüente abertura da graduação no bacharelado Letras Libras, em 2008. O desejo é que este incentivo aos pesquisadores em tradução e interpretação de língua de sinais possa estender-se por outras regiões talvez mais carentes de centros de referência nesta área.

4. Observações finais e sugestões para futuras pesquisas

Pela amostragem recolhida é possível observar que as pesquisas que, de alguma maneira, abordaram a interpretação de língua de sinais, são extremamente recentes, pouco mais de uma década atrás. Do total de trinta e seis trabalhos, existem dezesseis dissertações concluídas e treze em andamento, as teses totalizam três concluídas e quatro em andamento e é possível prever um aumento cada vez maior de investigações nesta área. O percurso histórico das pesquisas acadêmicas, na forma de dissertações e teses, em interpretação de língua de sinais está, praticamente, começando e as recentes inserções em programas de pós-graduação sobre Estudos da Tradução são um indício significativo de seu fortalecimento neste campo disciplinar. No entanto, ainda existe uma concentração de investigações em algumas IES seja por uma questão da política da Educação da região ou da própria universidade. A área movese em direção a um tratamento mais acadêmico e profissional em campos específicos, mas ainda existem temas carentes de investigações, que não tiveram seu ponto de contato com a interpretação de língua de sinais abordado: psicologia, antropologia, sociologia, áreas médicas e jurídica, etc.

Este artigo não pretende esgotar o tema, apenas realçá-lo. Outras possibilidades podem ser divisadas:

  • Estudos de Gênero, pois um dado interessantíssimo foi que, em toda a produção analisada aqui, entre dissertações e teses, 34 trabalhos, somente quatro são de autoria de homens (todas em andamento). Esta evidência abre um espaço muito frutífero para discussões.
  • Pesquisa em arquivos de instituições religiosas e de ensino de pessoas surdas, de onde boa parte da primeira geração de ILS surgiu.
  • Resgate da história dos intérpretes informais: familiares, amigos, religiosos, etc.
  • Investigações específicas sobre o tradutor e/ou intérprete surdo, já iniciadas, porém muito ainda pode ser objeto de estudos neste setor.
  • Cruzamento entre a evolução da Educação de surdos, do aparecimento dos Estudos Surdos e da legislação que ampara o direito das pessoas surdas com a tipologia de trabalhos desenvolvida sobre os ILS, dentre outras.

O importante é que nossa história seja documentada, que não percamos o fio condutor da constituição de nossa categoria profissional, em formação. Ainda é possível rastrear nossas origens e desenvolvimento, pois, os primeiros ILS, tidos como profissionais, ainda estão em nosso meio. Este texto foi mais uma contribuição neste sentido, dentre tantas outras que, possivelmente virão para alargar nossa visão sobre a história dos intérpretes de língua de sinais no Brasil.

Notas

1 Agradecimentos: A Ricardo Rodrigues Palácios pela revisão de inglês do abstract. A Felipe Tavares dos Santos pela leitura, comentários e sugestões que me ajudaram a aperfeiçoar este texto. À profa. Claudia Borges de Faveri pelas valiosas anotações no trabalho de conclusão da disciplina História da Tradução (PGET/ UFSC) que originou este artigo. Aos colegas que contribuíram, com a referenciação de seus e de outros trabalhos, para que esta compilação fosse o mais completa possível.
2 Em nome da valorização da produção acadêmica na área da interpretação de língua de sinais, os trabalhos foram citados integralmente no corpo do texto e não como anexo

Bibliografia

Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Disponível em <http://bdtd.ibict.br>

BRASIL. Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. In: Diário Oficial da União de 23 de dez. de 2005, Brasília, 28 p.

BrasILS – lista de discussão dos tradutores e intérpretes de língua de sinais do Brasil. Disponível em <http://br.groups.yahoo.com/group/brasils>

Plataforma Lattes. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ministério da Ciência e Tecnologia. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/>.

BOWEN, Margareta ET AL. Os Intérpretes que Fizeram História. In: DESLISLE, Jean; WOODSWORTH, Judith. Os Tradutores na História. Tradução de Sérgio Barth. São Paulo: Ática, 2003.

GRBIC, Nadja. Where do we come from? What are we? Where are we going? A bibliometrical analysis of writing and research on Sign Language Interpreting, IN Sign Language Translator and Interpreter, St. Jerome Publishing, Manchester, v.1, n.1, 2007, p.15-51.

PAGANO, Adriana; VASCONCELLOS, Maria Lúcia. Estudos da tradução no Brasil: reflexões sobre teses e dissertações elaboradas por pesquisadores brasileiros nas décadas de 1980 e 1990. DELTA, São Paulo, v. 19, n. spe, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502003000300003&lng=en&nrm=iso>. Acessado em: 09 Jun. 2009.

POHLING, Heide. Sobre a história da tradução. Manuscrito não publicado. s/d. 38p.

STOKOE, William C. Sign Language Structure: An Outline of the Communication Systems of the American Deaf. Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 10th Anniversary Classics, v. 10, n. 1. Oxford: Oxford University Press, 1960/2005.

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