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Maria Janete Bastos
Maria Janete Bastos
Especialista em Informática aplicada a Educação
Ensino significativo de matemática para alunos surdos: O Bilinguismo e o processo de comunicação matemática
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Publicado em 2011
VIII EPAEM - Encontro Paraense de Educação Matemática
Maria Janete Bastos
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Resumo

Este estudo tem como objetivo pensar caminhos que promovam uma efetiva situação de ensino em aulas de matemática para surdos. Neste sentido faz reflexões acerca das implicações do fazer docente em aulas de Matemática para alunos surdos, buscando identificar quais competências são necessárias ao profissional que atua com este sujeito e o que o tornam de fato mais adequado para construir situações de ensino significativas em sua formação. A pesquisa desenvolvida é de natureza exploratória descritiva e foi realizada em uma Unidade Especializada na educação de surdos. A partir de nossas análises podemos considerar que o ensino de matemática para surdos exige do profissional envolvido diversas competências dentre as quais, um profundo domínio de LIBRAS, Matemática, Língua Portuguesa e Estratégias de Ensino que considerem as especificidades destes sujeitos.

Fundamentação teórica

São muitas as variáveis que permeiam o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula, neste estudo elencaremos como foco, especificamente, a ação docente e suas repercussões diretas no ensino de matemática para alunos surdos. E claramente, isto nos remete a um pensar acerca das condições em que se estrutura esta docência particularmente porque pensar o processo comunicativo em aulas de matemática envolvendo surdos e ouvintes significa pensar as condições sob as quais este processo pode ser construído ou obstaculizado.

Mediante estas considerações pensamos que a matemática para o surdo deve ser ensinada a partir da possibilidade de contextualização dos fatos numéricos onde é possível a negociação dos significados matemáticos favorecendo assim a construção de conceitos. Porém, esta negociação e construção de significados, são possíveis de acontecer mediante o uso dos recursos da linguagem em diversas situações de interações entre sujeitos:

...no caso dos surdos, pudemos ver que a LIBRAS é o veículo mais indicado para esta mediação, propiciando a lida com as propriedades e as diferentes funções que o número pode assumir: como medida, como relação e como transformação (FÁVERO E PIMENTA-2006 p. 17).

Considera-se, portanto que o tipo de mediação semiótica na escolarização dos surdos acarreta implicações diretas na sua aquisição de conhecimentos e no seu próprio desenvolvimento, daí a necessidade de se utilizar a LIBRAS enquanto instrumento de mediação simbólica no contexto psicopedagógico que envolva as diversas situações de ensino aprendizagem e aqui de forma mais delimitada no ensino de matemática.

Na aplicação da resolução de problemas no ensino de surdos segundo Vasconcelos (2010,p.9)

...a abordagem na resolução de problemas matemáticos, exigirá do aluno uma grande dose de leitura e interpretação de texto. Muitos professores atribuem às dificuldades dos alunos nos problemas matemáticos apenas às dificuldades de leitura e interpretação da língua materna. E quando o aluno é surdo esta afirmação se torna mais enfática. Mas não basta atribuir as dificuldades dos alunos em ler problemas matemáticos às suas habilidades de ler nas aulas de língua materna... a escola deve formar bons leitores na Matemática, mediados pela LIBRAS. Se o enunciado dos problemas for bem interpretado para a LIBRAS, os alunos poderão apresentar seu verdadeiro conhecimento na área da Matemática.

Além destes aspectos o autor já citado (p. 4), que é surdo e professor de surdos, considera importante que se efetive a prática de

Estimular a leitura e a interpretação em LIBRAS das situações problemas; mesmo que o professor não saiba LIBRAS, com a ajuda do intérprete, o aluno precisa ler e compreender os enunciados dos problemas na sua língua, com certeza facilitará a resolução dos problemas. E, se o aluno ainda não tem domínio em LIBRAS, os exemplos, imagens, material concretos são muito importantes. Utilizar sempre recursos visuais e atividades concretas, como exemplos: o mapa de uma cidade, a planta de uma residência, o desenho de um trajeto, dentre outros, pois auxiliam no desenvolvimento da percepção espacial, comunicação visual e etc. Utilizar o recurso aos jogos matemáticos. Os jogos constituem uma forma interessante de propor problemas, pois, permitem que estes sejam apresentados de forma atrativa e favorecem a criatividade na elaboração de estratégias de resolução. Um aspecto relevante nos jogos é o desafio genuíno que eles provocam no aluno, que gera interesse e prazer.

Pode-se ver que muitas das recomendações do autor vem em função do processo de comunicação ainda em construção, isto é, o domínio da LIBRAS. Nestas circunstâncias de ensino e aprendizagem, o uso de materiais concretos, manipuláveis, e entre eles os recursos lúdicos, como os jogos, por exemplo, podem ser ferramentas didáticas basilares na construção do conhecimento matemático com os alunos surdos. Com a apropriação efetiva da língua e neste sentido, de posse do canal comunicativo pode-se explorar muito mais as especificidades da LIBRAS no processo, inclusive o pensamento abstrato inerente ao saber matemático.

Consideramos a priori que o processo de alfabetização matemática com surdos deve envolver um profundo domínio da Língua de Sinais, do Conhecimento Matemático e de Metodologias apropriadas que possam tornar o aprendizado significativo para estes educandos.

Embasados neste pensar estruturamos uma pesquisa que tem como premissa fundamental analisar situações de ensino de matemática com o conteúdo de problemas multiplicativos classificados com base em Huete e Bravo (2006) mediante a prática docente de professores (surdos e ouvintes) com alunos surdos, buscando indicativos de obstáculos metodológicos que podem estar presentes no processo de comunicação matemática em situações de ensino envolvendo estes sujeitos.

Definimos como problema de pesquisa a seguinte questão: Quais obstáculos metodológicos estão presentes no processo de comunicação matemática em situações de ensino envolvendo professores (surdos e ouvintes) e alunos surdos em aulas de matemática? E na busca de encontrar caminhos que respondessem à problemática definimos como objetivo principal analisar as diferentes maneiras pelas quais professores ouvintes e surdos interpretam e traduzem - para a língua de sinais e para a linguagem matemática - problemas matemáticos, de estruturas multiplicativas, elaborados em Língua Portuguesa.

Este trabalho suscita reflexões acerca de alguns dos resultados encontrados que nos remetem ás implicações pedagógicas que a docência com alunos surdos demanda.

Caminho metodológico

Para realizarmos esta investigação utilizamos o método exploratório descritivo de abordagem qualitativa considerando que o mesmo visa proporcionar maior familiaridade com o problema na busca de sua explicitação assim também como a descrição de suas características específicas.

Esta é uma pesquisa de caráter qualitativo sendo compreendida como um processo que comporta

uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeitoobservador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações (CHIZZOTTI, 2005, P.79.)

As técnicas de coletas foram os registros de filmagens de aulas, entrevista em sua forma semi-estruturada.

O lócus da pesquisa se configurou em uma Unidade Educacional Especializada na educação de surdos que é uma instituição de referência no atendimento a esta clientela. É parte integrante das instituições da SEDUC-PA. Está situada em um dos bairros centrais da capital paraense, em um local de fácil acesso. Desde o princípio da pesquisa elucidamos que fundamentalmente nossa pesquisa parte da premissa da busca de melhor conhecer as situações de ensino e aprendizagem em aulas de matemática com surdos no sentido de construirmos efetivas condições para a melhoria deste processo educativo.

Discussão dos resultados

Mediante esta pesquisa foi possível evidenciar quais características presentes na docência dos profissionais envolvidos podem constituir caminhos que possibilitem a garantia do efetivo processo de comunicação em Matemática. Daremos destaque a duas destas situações a seguir:

1 - O uso de marcações espaciais enquanto estratégia de explicação

O episódio que compõe esta situação foi retirado de um dos problemas explicados pelo professor Lucas (graduando em matemática, ouvinte e intérprete). As falas que o compõe são predominantemente deste professor, falas esporádicas de alunos e a narração por parte da pesquisadora representada sob a nomenclatura P.

Esta é uma situação que exemplifica a forma como o professor Lucas predominantemente explora a explicação dos problemas, ou, seja é sua característica metodológica predominante.

Exemplo: Anexo 4 (Prob. 1 – Lucas - terceira aula): Magnólia tem seis sacolas. Em cada sacola tem oito livros. Quantos livros ela tem no total?
1 - P - Inicialmente o professor escreve o problema no quadro.
2 - Lucas: SINAL, MAGNÓLIA TEM SACOL@. S-A-C-O-L-A-S, SINAL: SACOL@, SEIS.
3 - P: O professor marca o espaço como a colocar sacolas lado a lado.
4 - Lucas: SACOLA UMA, DENTRO TER OITO LIVR@; OITO.
5 - P: O professor marca o espaço para indicar que tem oito livros dentro de cada sacola.
6 - Lucas: DENTRO OITO, DENTRO OITO...LIVR@ QUANT@, TUDO QUANT@?
7 - Lucas: SEIS SACOL@. DENTRO OITO, DENTRO OITO...(indicando a disposição das sacolas espacialmente); OITO (dá idéia de oito em todos também espacialmente).LIVR@ TUDO/TOTAL , QUANT@ TOTAL?
8 - P: O professor aguarda que os alunos resolvam o problema.
9 - Lucas: PRESTA ATENÇÃO! REPETIR.
10 - Lucas: SEIS SACOL@, OITO LIVR@ DENTRO/COLOCAR, DENTRO, DENTRO, DENTRO (indica espacialmente a disposição das sacolas), SOMAR/TOTAL QUANT@?
11 - Lucas: Pede que os alunos tentem resolver utilizando o papel.
12 - Lucas: LEMBRAR SACOL@ SEIS. CADA (indicado como classificador)...SEIS SACOLAS (são dispostas espacialmente).DENTRO OITO LIVRO(S). DENTRO OITO, OITO, OITO....SEIS,CADA...(marca espacialmente classificador) SEIS. DENTRO/COLOCAR OITO, OITO, OITO,OITO...SOMAR TUDO.
13 - Lucas: VOCÊ. QUARENTA E SEIS? CERTO? (comenta a resposta de um aluno).
14 - Lucas: OBSERVAR. SOMAR. VER.
15 - Lucas: MAIS, MAIS (respondendo a pergunta do aluno).
16 - Lucas: SEIS CADA (classificador marcado espacialmente) SEIS. DENTRO/COLOCAR OITO LIVR@ (indica espacialmente que deve ser colocado dentro de cada sacola).
17 - Lucas: ACABOU? ACABOU? (perguntando se já haviam resolvido o problema).
18 - Lucas: OBSERVEM! MULHER, MAGNÓLIA, TER SEIS SACOL@, SEIS. CADA (classificador indicado espacialmente), SACOLA SEIS. DENTRO/COLOCAR LIVR@ OITO, DENTRO/COLOCAR, DENTRO/COLOCAR...LIVRO TUDO QUANTO?
19 - Lucas: SEIS O QUÊ? (respondendo a pergunta de um aluno).
20 - Lucas: SACOL@ SEIS. LEGAL? DENTRO/COLOCAR, DENTRO/COLOCAR....CADA UMA.
21 - Lucas: LIVR@ OITO. (respondendo a perguntas de alunos)
22 - Lucas: OITO DENTRO (indicando espacialmente)... ENTENDEU?
23 - _ENTENDER? FAZER. LEGAL!
24 - P - Aguarda enquanto os alunos buscam a resposta.
(...)

Com perfeita consciência de que a LIBRAS é uma língua viso-espacial este professor interpreta os problemas sempre na perspectiva da espacialidade da língua. A este respeito consideramos o que diz Quadros (1997 p.1):

A LIBRAS, uma língua usada pela comunidade surda brasileira espalhada por todo o país, é uma língua organizada espacialmente de forma altamente restringida. Analisar alguns aspectos da sintaxe de uma língua de sinais requer “enxergar” este sistema que é visualespacial e não oral-auditivo.

Isto também é enfatizado quando nos damos conta que

A referência de pessoas nas línguas de sinais é sempre marcada espacialmente, ou seja. É realizada no espaço físico e depende dele. Uma outra característica espacial é o fato de estas referências (dêiticas e anafóricas) serem feitas por sinais que combinam traços lingüísticos discretos e gestos de apontamentos não-discretos, que literalmente apontam para o local associado, no discurso, à representação mental de uma entidade. (MOREIRA, 2007.p.17)

É com esta percepção que a estratégia de explicação e interpretação/tradução do professor Lucas é conduzida o que foi notadamente interessante para os alunos que dominam mais significativamente a LIBRAS.

Consideramos que isto foi possível pelo fato do professor Lucas (que é ouvinte) ser o que mais transita entre as três esferas de conhecimento. Atua enquanto intérprete no nível superior nas disciplinas de matemática e física, sendo também aluno de matemática; é casado com uma surda e também cursa graduação de Letras/Libras na UEPA, ou seja, vivencia com muita propriedade os dois mundos: surdos/ouvintes.

Um fato interessante para ser aqui destacado é que o professor Lucas não recorreu à utilização de material concreto; vez ou outra recorria a um desenho no quadro para explicar os problemas, mas em geral ficava a nível de explicação envolvendo as marcações espaciais e isto de maneira nenhuma significou dificuldade de compreensão por parte dos alunos fluentes em LIBRAS.

A esse respeito mais uma vez recorremos a Fávero (2010, p.5) que afirma que

de um modo geral, o meio escolar continua mantendo afirmações contraditórias tais como “os surdos têm dificuldades nas atividades intelectuais em geral”; “os surdos têm mais facilidade para a aprendizagem da matemática do que para a aprendizagem do português” e, ao mesmo tempo, “o surdo tem muita dificuldade para resolver problemas de matemática”.

A prática do professor Lucas evidencia que na verdade é necessário um domínio profundo da Língua de Sinais correlacionando a área de conhecimento e aqui em específico na área de matemática, e que o aluno surdo não tem dificuldade de aprender matemática ou qualquer outra área de conhecimento, o que temos são barreiras de comunicação e de domínio de conteúdo que acabam por obstaculizar o processo de ensino e aprendizagem.

Lacerda (2000, p 4) analisa que

a linguagem de sinais desenvolvida pelas comunidades surdas é a forma de linguagem mais acessível aos surdos, pois é considerada sua língua natural; mesmo sem ouvir, eles podem ser competentes em uma língua visogestual, capaz de favorecer seu desenvolvimento integral, contribuindo para sua constituição como sujeitos... as línguas de sinais são adquiridas pelos surdos com naturalidade e rapidez, pois permitem uma comunicação eficiente e completa como aquela desenvolvida por sujeitos ouvintes, possibilitando aos surdos um desenvolvimento cognitivo, social e, em outros aspectos, muito mais adequado, compatível com a faixa etária.

É com isso que também concordamos e que ficou evidenciado em nossos estudos. A utilização da Língua de Sinais como canal comunicativo principal do surdo possibilita a fluidez do processo de ensino e aprendizagem em matemática e é isto que analisaremos na situação seguinte.

2 - Estímulo à busca de esquema de resolução dos problemas por parte dos alunos

Consideramos que pelo fato notório da fluência da LIBRAS pelo professor Lucas, é que este episódio se constituiu, entre tantos outros similares, como também um dos elementos de referência na sua prática,ou seja, como já salientamos, como um dos elementos identitários de sua prática .

Esta situação também retirada de um dos problemas explicados por este professor, sendo esta uma postura característica deste profissional em relação ao encaminhamento da resolução dos problemas por parte dos alunos.

Neste episódio estão em destaque, as falas do professor Lucas, as falas esporádicas de alguns alunos e a narração da situação por parte da pesquisadora representada na nomenclatura P.

Exemplo: Anexo 4 ( Prob. 2 - Lucas - segunda aula): Magnólia tem R$ 8,00 e Rúbia tem R$ 24,00. Quantas vezes mais Rúbia tem que Magnólia?”

1 - P: Inicialmente o professor escreve o problema no quadro.
2 - Lucas: OBSERVEM COMPARAÇÃO. PARECE PASSADO. MAGNÓLIA, EL@ (aponta a aluna) TER OITO REAIS, DINHEIRO, OITO REAIS. Aqui (faz uma marcação espacial) MAGNÓLIA TER OITO REAIS. Aqui, RÚBIA (faz uma segunda marcação espacial). Aqui (aponta a primeira marcação espacial) TER OITO REAIS. ESPERAR/RESERVAR. Aqui (segunda marcação espacial) RÚBIA VINTE E QUATRO REAIS.OITO (primeira marcação espacial), VINTE E QUATRO (segunda marcação espacial).
3 - Lucas: OITO (primeira marcação espacial) VEZES (x) aqui (indica uma marcação espacial intermediária) QUANT@, TOTAL aqui (indica a segunda marcação espacial).
4 - Lucas: OITO (primeira marcação espacial) VEZES (x) aqui (marcação espacial intermediária) IGUAL (ver sinal) VINTE E QUATRO.
5 - P - Professor aguarda que os alunos encontrem o resultado.
6 - Lucas: OBSERVEM! REPETIR.
7 - Lucas: MAGNÓLIA (primeira marcação espacial) TER OITO REAIS. Aqui (segunda marcação espacial) RÚBIA TER VINTE E QUATRO REAIS. OITO REAIS (primeira marcação espacial) VINTE E QUATRO REAIS (segunda marcação espacial).
8 - P: Professor mostra que é para comparar os dados.
9 - Lucas: OITO (primeira marcação espacial) VEZES (X) aqui (marcação intermediária) QUANT@ IGUAL aqui (segunda marcação espacial) VINTE E QUATRO?
10 - Lucas: OITO ATÉ VINTE E QUATRO (respondendo pergunta de aluno).
11 - P: Professor aguarda que os alunos resolvam.
12 - Lucas: TUDO. QUANT@?
13 - Lucas: OITO MAIS OITO, OITO MAIS OITO... SOMA TUDO ATÉ/CHEGAR VINTE E QUATRO.
14 - P: Professor continua observando os alunos resolverem.
15 - Lucas: OITO (primeira marcação espacial) VEZES (x) aqui (indica marcação espacial intermediária e sinaliza um ponto de interrogação sobre a marcação), EU NÃO SEI, IGUAL SOMA/TOTAL VINTE E QUATRO. Aqui (indica marcação intermediária) O QUÊ?
16 - Lucas: CERTO! (considera a resposta de uma aluna).
17 - P - Alguns alunos encontram a resposta.

Destacamos como característica marcante deste educador a “confiança” na possibilidade de resolução de problemas por parte de seus alunos. Foi basicamente o único que conduziu as situações de ensino de forma que os alunos buscassem o resultado, pensando formas de como solucionar os problemas propostos. Em contraposição a situações com os outros professores em que o próprio professor conduzia o processo resolutivo solicitando participação dos alunos em que às vezes os alunos concluíam sem ter de fato entendido o problema.

Percebemos também que similar ao processo das marcações espaciais, os alunos que tinham maior fluência de LIBRAS conseguiam encontrar as respostas dos problemas em decorrência possível do entendimento da explicação do professor. Mas esses mesmos alunos não conseguiram resolver os problemas com os demais professores, revelando assim problemas de comunicação matemática; entendida aqui neste estudo como o processo presente em sala que permite a veiculação de fato do saber matemático, então neste sentido a comunicação matemática compreende o domínio do conteúdo matemático, da LIBRAS, da Língua Portuguesa e de metodologias apropriadas para o ensino de surdos. Este educador comporta estas habilidades.

Smole e Diniz (2001,p.97) afirmam que,

Sem dúvida, bons problemas, situações próximas à realidade do aluno e temas motivadores favorecem a aprendizagem e o envolvimento do aluno, mas é através da comunicação (grifo nosso) que o aluno ganha voz na sala de aula, podendo trocar opiniões, argumentar em favor de suas idéias, refletir sobre o que pensa ao escrever ou representar suas descobertas e conclusões e sentir-se valorizado por possuir interlocutores e leitores para suas produções.

A prática do professor Lucas contempla esta necessidade do canal comunicativo aberto e que possibilita ao aluno espaço de negociação de sentido diante do conhecimento matemático; daí o espaço dado por este educador para que os alunos busquem esquemas de resoluções ao invés de induzi-los a respostas pré-determinadas. Isto se evidencia quando vemos que os alunos envolvidos na situação de ensino “respondem” a proposta do professor buscando alternativas de respostas, ou seja, sendo criativos, demonstrando um pensar reflexivo, crítico, demonstrando seu potencial cognitivo ao pensar abstratamente na proposta de soluções.

Segundo o PCN de Matemática das séries iniciais, já referendado, um problema só passa de fato a existir quando o educando é levado a interpretar a questão e a estruturar e contextualizar a situação (p.49). Não podemos afirmar que houve nessa situação de ensino uma real interpretação do problema, mas com certeza está entre as situações de pesquisa que dão indicativos do tratamento de um problema como ação reflexiva dos alunos.

Considerações Finais

Enquanto educadores, matemáticos ou não, precisamos tomar consciência da potencialidade da Língua de Sinais no processo de formação de nossos alunos surdos. Sem ela podemos principalmente nas aulas de matemática reforçar ainda mais o empobrecimento do conteúdo ensinado, construindo situações de ensino que se transformam apenas na manipulação de símbolos destituídos de significados ou incorrendo no erro de pensar que estes alunos só apreendem conteúdos desta área de conhecimento quando é possível atribuirmos a eles uma dimensão de “concreticidade” a partir do uso de materiais concretos.

Sendo conhecedor profundo da Língua deste sujeito um profissional tem perfeitas condições de fazer a interpretação/tradução do conhecimento matemático para a Língua materna dos surdos levando em consideração um fator importantíssimo do processo, que é o fato de que esta Língua ainda está em construção, então nas situações em que um sinal precisa ser “instituído” provisoriamente só um conhecimento profundo da Língua pode auxiliar o professor a lidar com a situação sem com isso obstaculizar a aprendizagem do aluno.

Em um processo de ensino que prime de fato pela apropriação significativa do conhecimento por parte do aluno surdo se faz imprescindível um profundo domínio da Língua de Sinais, particularmente por parte do educador que conduz o processo, assim também como do Conhecimento Matemático, da Língua Portuguesa e de metodologias apropriadas que consigam corresponder as especificidades destes sujeitos, como nos exemplificado na ação do professor destacado neste artigo.

Mediante nossas análises consideramos que é fundamental que os educadores ao organizarem situações didáticas que favoreçam a aprendizagem de seus educandos surdos levem em consideração que o processo de apropriação de conhecimento deste educando passa pela exploração da competência que lhes é mais desenvolvida, que é a visualespacial. O cuidado é que não se construam percepções extremadas que entendam que o surdo só entende o que enxerga sem condições de realizar abstrações.

Nosso estudo conclui então que, o professor mais adequado para construir situações de ensino e aprendizagem significativas para o aluno surdo será aquele que conseguir dominar com profundidade a LIBRAS, a Língua Portuguesa e o conhecimento Matemático assim também como a articulação de metodologias apropriadas. Neste sentido o processo de fato de comunicação em matemática, passa pela competência do profissional docente em dominar estas diversas áreas de conhecimento.

Limitações do estudo e pesquisas futuras

Esta é uma área de estudo que se tem muito a conhecer. Acreditamos ser de suma importância a aproximação e apropriação do processo educativo de alunos surdos na área de Matemática no sentido de efetivamente garantirmos situações propícias a sua aprendizagem.

Bibliografia

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CHIZZOTTI; Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sócias. Editora Cortez. 7ª edição. São Paulo, 2005.

FÁVERO, M. H. Resolução de problemas, surdez e a língua de sinais.In: X Encontro Nacional de Educação Matemática, 2010, Salvador, BA. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática. Ilhéus, BA: Via Litterarum: Sociedade Brasileira de Educação Matemática, 2010. v. 1 CD-R. p. 1-12

FAVERO, Maria Helena; PIMENTA, Meireluce Leite. Pensamento e linguagem: a língua de sinais na resolução de problemas. Psicologia: Reflexão e crítica. Vol. 19. Porto alegre, 2006. Disponível em:
http://www.scielo.br/prc. Acesso em junho de 2009.

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MARCONI, Marina de Andrade; EVA, Maria Lakatos. Fundamentos de Metodologia científica. São Paulo: Atlas; 2007.

MOREIRA; Renata Lúcia. Uma Descrição da Dêixis de Pessoa na Língua de Sinais Brasileira: Pronomes Pessoais e Verbos Indicadores. 2007. 150 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Faculdade de São Paulo. 2007.

QUADROS, Ronice Muller de. Aspectos da sintaxe da aquisição da Língua de Sinais Brasileira. Letras de hoje, Porto Alegre, 110,p.125-146, 1997.

SMOLE, Kátia C. S.; DINNIZ, Maria Ignez. Ler e aprender matemática. . In: ____. Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 87-97.

VASCONCELOS; Marcílio de Carvalho. A experiência no ensino e aprendizagem matemática para alunos surdos. In X Encontro Nacional de Educação Matemática. Salvador, BA :. Via Litterarum: Sociedade Brasileira de Educação Matemática, 2010. v. 1 CD-R. p. 1-9

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