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Maria Janete Bastos
Maria Janete Bastos
Especialista em Informática aplicada a Educação
Comunicação em matemática e surdez: Os obstáculos do processo educativo
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Publicado em 2011
XIII Conferência InterAmericana de Educação Matemática, CIAEM-IACME, Recife, Brasil
Maria Janete Bastos
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Resumo

Este estudo pretende refletir acerca das implicações do fazer docente em aulas de Matemática para alunos surdos no sentido de analisar a constituição do perfil do profissional mais adequado para trabalhar o conhecimento matemático com estes sujeitos. Tem como objetivo elucidar caminhos que promovam uma efetiva situação de ensino em aulas de matemática para surdos. A pesquisa é de natureza exploratória descritiva e foi realizada em uma Unidade Especializada na educação de surdos. Os dados foram analisados a partir da perspectiva dos elementos didáticos e pedagógicos, presentes nas ações dos sujeitos de pesquisa e que contribuíram para a obstaculização ou sucesso do ensino e aprendizagem do conteúdo envolvido. A partir de nossas análises podemos considerar que o ensino de matemática para surdos exige do profissional envolvido competências que passam por um profundo domínio de LIBRAS, Matemática, Língua Portuguesa e Estratégias de Ensino que considerem as especificidades destes sujeitos.

Fundamentação teórica

Pensar o processo comunicativo em aulas de matemática envolvendo surdos e ouvintes, significa pensar as condições sob as quais este processo pode ser construído ou obstaculizado. São muitas as variáveis que permeiam o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula, neste estudo elencaremos como foco, especificamente, a ação docente e suas repercussões diretas no ensino de matemática para alunos surdos. E claramente, isto nos remete a um pensar acerca das condições em que se estrutura esta docência.

A matemática para o surdo deve ser ensinada a partir da possibilidade de contextualização dos fatos numéricos onde é possível a negociação dos significados matemáticos favorecendo assim a construção de conceitos. Porém, esta negociação e construção de significados, são possíveis de acontecer mediante o uso dos recursos da linguagem em diversas situações de interações entre sujeitos:

...no caso dos surdos, pudemos ver que a LIBRAS é o veículo mais indicado para esta mediação, propiciando a lida com as propriedades e as diferentes funções que o número pode assumir: como medida, como relação e como transformação (FÁVERO E PIMENTA-2006 p. 17).

Considera-se, portanto que o tipo de mediação semiótica na escolarização dos surdos acarreta implicações diretas na sua aquisição de conhecimentos e no seu próprio desenvolvimento, daí a necessidade de se utilizar a LIBRAS enquanto instrumento de mediação simbólica no contexto psicopedagógico que envolva as diversas situações de ensino aprendizagem e aqui de forma mais delimitada no ensino de matemática.

Na aplicação da resolução de problemas no ensino de surdos segundo Vasconcelos (2010,p.9)

...a abordagem na resolução de problemas matemáticos, exigirá do aluno uma grande dose de leitura e interpretação de texto. Muitos professores atribuem às dificuldades dos alunos nos problemas matemáticos apenas às dificuldades de leitura e interpretação da língua materna. E quando o aluno é surdo esta afirmação se torna mais enfática. Mas não basta atribuir as dificuldades dos alunos em ler problemas matemáticos às suas habilidades de ler nas aulas de língua materna... a escola deve formar bons leitores na Matemática, mediados pela LIBRAS. Se o enunciado dos problemas for bem interpretado para a LIBRAS, os alunos poderão apresentar seu verdadeiro conhecimento na área da Matemática.

Ainda segundo Vasconcelos (2010) para que sejam criadas as condições para que o conhecimento matemático seja veiculado em sala de aula é importante que entre outras medidas o professor converse com o surdo sobre a importância deste conhecimento na sua vida, como conhecimento necessário ao exercício de sua cidadania. Um dos elementos necessários dentro desta perspectiva, seria o estabelecimento de relações do conhecimento veiculado na escola com o cotidiano. Nem sempre esta aproximação é imediata ou fácil mas é uma alternativa ao menos nas fases iniciais da exploração de um conceito.

Além destes aspectos o autor já citado (p. 4), que é surdo e professor de surdos, considera importante que se efetive a prática de

Estimular a leitura e a interpretação em LIBRAS das situações problemas; mesmo que o professor não saiba LIBRAS, com a ajuda do intérprete, o aluno precisa ler e compreender os enunciados dos problemas na sua língua, com certeza facilitará a resolução dos problemas. E, se o aluno ainda não tem domínio em LIBRAS, os exemplos, imagens, material concretos são muito importantes. Utilizar sempre recursos visuais e atividades concretas, como exemplos: o mapa de uma cidade, a planta de uma residência, o desenho de um trajeto, dentre outros, pois auxiliam no desenvolvimento da percepção espacial, comunicação visual e etc. Utilizar o recurso aos jogos matemáticos. Os jogos constituem uma forma interessante de propor problemas, pois, permitem que estes sejam apresentados de forma atrativa e favorecem a criatividade na elaboração de estratégias de resolução. Um aspecto relevante nos jogos é o desafio genuíno que eles provocam no aluno, que gera interesse e prazer.

Pode-se ver que muitas das recomendações do autor vem em função do processo de comunicação ainda em construção, isto é, o domínio da LIBRAS. Nestas circunstâncias de ensino e aprendizagem, o uso de materiais concretos, manipuláveis, e entre eles os recursos lúdicos, como os jogos, por exemplo, podem ser ferramentas didáticas basilares na construção do conhecimento matemático com os alunos surdos. Com a apropriação efetiva da língua e neste sentido, de posse do canal comunicativo pode-se explorar muito mais as especificidades da LIBRAS no processo, inclusive o pensamento abstrato inerente ao saber matemático.

Consideramos a priori que o processo de alfabetização matemática com surdos deve envolver um profundo domínio da Língua de Sinais, do Conhecimento Matemático e de Metodologias apropriadas que possam tornar o aprendizado significativo para estes educandos.

Embasados neste pensar estruturamos uma pesquisa que tem como premissa fundamental analisar situações de ensino de matemática com o conteúdo de problemas multiplicativos classificados com base em Huete e Bravo (2006) mediante a prática docente de professores (surdos e ouvintes) com alunos surdos, buscando indicativos de obstáculos metodológicos que podem estar presentes no processo de comunicação matemática em situações de ensino envolvendo estes sujeitos.

Definimos como problema de pesquisa a seguinte questão: Quais obstáculos metodológicos estão presentes no processo de comunicação matemática em situações de ensino envolvendo professores (surdos e ouvintes) e alunos surdos em aulas de matemática? E na busca de encontrar caminhos que respondessem à problemática definimos como objetivo principal analisar as diferentes maneiras pelas quais professores ouvintes e surdos interpretam e traduzem - para a língua de sinais e para a linguagem matemática - problemas matemáticos, de estruturas multiplicativas, elaborados em Língua Portuguesa.

Durante a pesquisa procuramos também elucidar questões tais como: diferenças de método didático quando as situações de ensino são conduzidas por professores surdos ou ouvintes e a identificação de obstáculos de comunicação matemática no processo ensino e aprendizagem dos surdos decorrentes dos métodos aplicados por professores surdos e ouvintes.

Este trabalho suscita reflexões acerca de alguns dos resultados encontrados que nos remetem ás implicações pedagógicas que a docência com alunos surdos demanda.

Caminho metodológico

Para realizarmos esta investigação utilizamos o método exploratório descritivo de abordagem qualitativa considerando que o mesmo visa proporcionar maior familiaridade com o problema na busca de sua explicitação assim também como a descrição de suas características específicas.

Esta é uma pesquisa de caráter qualitativo sendo compreendida como um processo que comporta

uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações (CHIZZOTTI, 2005, P.79.)

As técnicas de coletas foram os registros de filmagens de aulas, entrevista em sua forma semi-estruturada sendo compreendida como um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social (MARCONI & LAKATOS 2007,P.197,). A entrevista aplicada pode ser tomada como semi-estruturada porque se desenvolveu a partir de uma relação fixa de perguntas estabelecidas a partir de um questionário prévio.

O lócus da pesquisa se configurou em uma Unidade Educacional Especializada na educação de surdos que é uma instituição de referência no atendimento a esta clientela. É parte integrante das instituições da SEDUC-PA. Está situada em um dos bairros centrais da capital paraense, em um local de fácil acesso. Desde o princípio da pesquisa elucidamos que fundamentalmente nossa pesquisa parte da premissa da busca de melhor conhecer as situações de ensino e aprendizagem em aulas de matemática com surdos no sentido de construirmos efetivas condições para a melhoria deste processo educativo.

Discussão dos resultados

Mediante esta pesquisa foi possível evidenciar quais características presentes na docência dos profissionais envolvidos podem constituir obstáculos à comunicação do conhecimento matemático em aulas para surdos. As características acima referidas foram identificadas como: Limitação de estratégia de ensino/limitação de domínio de conteúdo; Uso inadequado de material manipulável; Dificuldades de domínio da L2 (Língua Portuguesa) e Dificuldade de domínio do conteúdo matemático/ dificuldade de domínio de L1(LIBRAS).

Estas foram ações, que mesmo esporádicas, constituíram partes da dinâmica da prática destes profissionais, as quais nos debruçamos neste estudo para refletir as implicações das mesmas no processo de ensino e aprendizagem de seus alunos. São ações, portanto, que constituíram-se no diferencial no sentido do que mais pode ter causado obstáculos de metodologia e de comunicação matemática no processo ensino aprendizagem dos sujeitos envolvidos na pesquisa.

Os resultados foram refletidos em cinco situações retiradas dos registros de filmagens das aulas dos professores. No entanto a título deste estudo destacaremos apenas duas destas situações.

A primeira situação definida foi denominada de Limitação de estratégia de ensino/limitação de domínio de conteúdo. Foi construída tendo como foco a ação de um professor surdo, graduado em matemática, que mostrou como característica marcante em sua prática docente a realização de atividades de multiplicação onde recorre a estratégia de utilizar “casas de multiplicação” com uma técnica de multiplicar que envolve o raciocínio de sempre acrescentar o multiplicando ao produto da operação anterior para se encontrar o novo produto.

Exemplo: Paula Francinete tem 3 caixas de sabonetes. Em cada caixa tem 6 sabonetes. Quantos sabonetes ela tem no total?

(...)

24-P - O professor recorre a casa de tabuada 3 para chegar ao resultado da operação 3x6=, com a idéia de que pode acrescentar ao resultado precedente o número 3 e o novo resultado será encontrado.

EX:
3X0=0+3
3X1=3+3
3X2=6+3
3X3=9+3
3X4=12+3
3X5=15+3
3X6=18

25- P - O professor chama a atenção para a diferença do sinal de vezes e de mais. Busca sempre sugestões dos alunos quanto ao resultado. Ao chegar ao resultado 18 determina como sendo o certo.
26 - Maurício: CERTO! ENTENDER? (mostra a articulação/comparação entre o resultado conseguido e a operação do problema).
27 - Maurício: OK! ENTENDER? OK!

Consideramos que este professor na pesquisa denominado de Maurício, demonstra nesta sua prática dois equívocos metodológicos. O primeiro deles diz respeito a escrever 3x0=0 e acrescentar + 3 para indicar o produto seguinte 3x1=3. Repete este equívoco de registro sistematicamente até chegar ao produto 3x6=18. Isto confunde totalmente o aluno que, não tendo facilidade de compreender o processo, realmente fica impossível de saber o que o professor está querendo ensinar: O que é 3X3=9+3? Isto não faz o menor sentido do ponto de vista do registro.

O segundo equívoco ocorre quando o professor utiliza o raciocínio aditivo para resolver o problema multiplicativo, sem procurar a superação deste processo, contribuindo para uma possível estagnação do pensamento matemático dos alunos.

Esta situação nos suscita reflexões acerca do processo de desenvolvimento profissional do professor Maurício mediante as circunstâncias de ensino que podem ter acarretado déficits de formação deste sujeito, o que pode estar incorrendo diretamente sobre sua prática educativa atual.

Consideramos que a limitação de estratégia deste educador que se apresenta na maioria dos problemas que ensina seja reflexo direto da sua dificuldade de domínio de conteúdo matemático, entendendo que, a criatividade docente ou o uso adequado de estratégias e metodologias de ensino passam por um amplo domínio de conteúdo de ensino do profissional matemático.

Enquanto conseqüência da dificuldade de domínio de conteúdo temos o acirrado privilégio de uma técnica em detrimento da compreensão e, certamente a construção de inúmeras barreiras na apropriação do conhecimento matemático uma vez que assume um caráter estanque, compartimentado, sem sentido. Trata-se apenas do emprego de técnicas aqui muita das vezes inadequadas sem nenhuma análise, negociação de significado, sem inferência de sentido. A nosso ver esta é uma situação que precisa ser urgentemente revista.

Porém é fundamental para efeito de análise considerarmos também o histórico de desenvolvimento profissional deste professor e aproveitamos aqui para registrar possibilidades bastante concretas das consequências do oralismo muito presentes na formação deste sujeito.

Quando analisamos seu histórico vemos que o acesso e domínio da sua Língua materna aconteceu muito recentemente, e na verdade não somos sabedores realmente de como foi conduzido o seu processo de ensino escolar embora possamos suspeitar claramente das situações em que eram conduzidas este processo mediante as atuais condições de inclusão aí presentes.

Mediante a situação apresentada recorremos a Fávero e Pimenta (2006,p.1) já presentes em nosso referencial teórico quando dizem que

...a dificuldade dos surdos frente a problemas de matemática advém do processo de escolarização que prima pela aquisição de regras de procedimentos de resolução, em detrimento da aquisição conceitual e pelo uso inadequado da LIBRAS como instrumento para a organização de significados semióticos e aquisição de conhecimentos.

Consideramos que isto pode ter sido um dos fatores que contribuíram para esta limitação de conteúdo matemático por parte do professor Maurício e que hoje incide na sua forma de ser professor. Neste sentido atentamos também para o que Sá (2002) defende no sentido de que historicamente o ensino de surdo é marcado por uma trajetória conduzida exclusivamente por ouvintes onde o “jeito de ser, pensar e entender surdos” não foi considerado.

Neste sentido Lacerda (2000, p.2) afirma que

As propostas educacionais desenvolvidas ao longo do último século não se mostraram eficientes e encontra-se um grande número de sujeitos surdos que após anos de escolarização apresentam uma série de limitações, não sendo capazes de ler e escrever satisfatoriamente e não tendo um domínio adequado dos conteúdos acadêmicos.

O distanciamento das ações de planejamento e execução de práticas educativas para surdos onde os mesmos são apenas receptores só tem acarretado seqüelas na formação destes sujeitos. Daí defendermos um processo educativo onde surdos e ouvintes sejam “parceiros” em um processo de interação onde os dois lados têm muito a crescer no processo de construção de conhecimento em qualquer que seja sua área.

A segunda situação foi denominada de Uso inadequado de material manipulável. Inicialmente podemos considerar que há um forte apelo para o uso do material concreto em sala de aula, em qualquer área de conhecimento, mas seguramente, este apelo é muito acirrado quando o conhecimento em questão é a matemática.

Podemos entender material manipulável como

objetos ou coisas que o aluno é capaz de sentir, tocar manipular e movimentar. Podem ser objetos reais que tem aplicação no dia a dia ou podem ser objetos que são utilizados para representar uma idéia (REYS apud NACARATO. 2004-2005 p. 4)

Muitas das vezes, contudo, a utilização destes materiais é conflituosa com o objetivo de ensino proposto e acaba por ser um fim em si mesmo. A situação aqui em destaque foi gerada a partir de um destes equívocos.

Exemplo: Paulo Vítor tem uma certa quantidade de livros. Helielton possui 15 livros que é três vezes mais do que Paulo Vítor tem. Quantos livros Paulo Vítor tem?

Tipo: Partição – quantificador: ? X I (quantificador)= E

P - A professora Mariane inicia a explicação do problema mostrando que a operação é de divisão de valor 15 para 3. Chama uma aluna (Suzana) para realizar o processo de divisão com o auxílio de barras do material dourado. A aluna demonstra muita dificuldade em entender o processo de resolução, chegando a soluções equivocadas. A professora toma para si a tarefa de realizar a divisão exemplificando como se daria o processo, ainda com o material manipulável. Analisemos um recorte deste episódio.
(...)

39 - P: A professora reparte unidade a unidade as 15 barras entre 3 alunos.
40 - Mariane: QUANT@ TEM 1?
41 - P - Espera a resposta do aluno.
42 - Mariane: QUANT@?
43 - Mariane: UM? (pergunta a um aluno).
44 - Mariane: UM. QUANT@?
45 -Mariane: VOCÊ. (se dirige a um aluno) ESPERAR. UM, DOIS, TRÊS, QUANT@?
46 - P: Aluno responde que 5.
47 - Mariane: VOCÊ E VOCÊ (indica a outros dois alunos).
48 - P: Professora espera os alunos fazerem a contagem.
49 - Mariane: PRESTA ATENÇÃO! TER ANTES QUINZE. AGORA DIVIDIR, REPARTIR.
50 - Mariane: UM, CADA UM. VOCÊ, VOCÊ, VOCÊ. (aguarda a resposta dos alunos).
51 - P: A professora volta ao quadro e trabalha com a operação que montou inicialmente.
52 - Mariane: ANTES QUINZE. AGORA DIVIDIR (aponta p/ a operação no quadro) UM,UM,UM.
53 - P: A professora escreve a resposta 5.
54 - Mariane: QUANT@ LIVR@ PAULO VITOR TER?
55 - Mariane: HELIELTON TER QUINZE.
56 - Mariane: PAULO VITOR, PAULO VITOR. PORQUE LEMBRA? DISTRIBUIR.
57 - Mariane: ANTES, QUINZE HELIELTON. AGORA DISTRIBUIR.
58 - Mariane: POR QUE, PERGUNTA: QUANT@ LIVR@ PAULO VITOR TER?
59 - Mariane: HELIELTON MAIS. QUINZE. HELIELTON QUINZE.
60 - Mariane: PORQUE HELIELTON TER TRÊS VEZES MAIS.
61 - Mariane: LEGAL (GESTO)! ENTENDEU? LEGAL! ACABOU.

Percebemos que no contexto do problema ensinado o material dourado foi utilizado somente para efetivar um processo de divisão sem estabelecer o processo de comparação entre um sujeito que possuía três vezes mais do que outro. Então neste caso a estratégia de resolução se distancia do problema proposto. Nesse sentido o processo de comunicação matemática fica obstaculizado.

Em relação ao material manipulável em aulas de matemática Fiorentini e Miorim (1990,p.1) advertem que

O professor nem sempre tem clareza das razões fundamentais pelas quais os materiais ou jogos são importantes para o ensino-aprendizagem da matemática e, normalmente, não questiona se estes realmente são necessários, e em que momentos devem ser usados (...) costuma-se justificar a importância desses elementos apenas pelo seu caráter “motivador” ou pelo fato de se ter “ouvido falar” que o ensino da matemática tem de partir do concreto ou, ainda, porque através deles as aulas ficam mais alegres e os alunos passam a gostar da matemática.

Os autores também afirmam que ao aluno deve ser dado o direito de aprender. Não um ‘aprender’ mecânico, repetitivo, de fazer sem saber o que faz e porque faz (ibid, p.6). Portanto, há de se considerar que

... o professor não pode subjugar sua metodologia de ensino a algum tipo de material porque ele é atraente ou lúdico. Nenhum material é válido por si só. Os materiais e seu emprego sempre devem estar em segundo plano. (ibid,1990, p6).

Consideramos que em relação ao ensino de surdos a manipulação de material deve se estruturar sob reflexões acerca dos fins e consequências dos mesmos para não incorrermos em práticas que acabam por obstaculizar o processo de ensino destes alunos, incorrendo em não aprendizagem.

Na utilização de material manipulável na educação de surdos, assim como na de ouvintes, deve-se ter muito cuidado na articulação promovida entre as idéias fornecidas pelo material e sobre o que se quer de fato ensinar. Neste sentido o professor deve estar muito consciente de sua prática.

Na educação de surdos ainda há a necessidade premente de se erradicar o pensamento de que o surdo tem um pensamento concreto e só aprende através de material concreto/manipulável. É claro que este tipo de recurso pedagógico tem sua utilidade, quando bem utilizada, muito rica por sinal. Em casos por exemplo, nos quais, há um domínio restrito no uso da LIBRAS, por parte de quem ensina e aprende, ele tem um papel importante como ressalta Vasconcelos (2010).

No entanto como diz Botelho (2005 pp.58/59)

ao se estabelecer a conclusão de que esta é condição necessária para o aprendizado dos surdos, o professor a toma, como condição suficiente. E equivaler o necessário ao suficiente é estabelecer um raciocínio mágico...A aprendizagem de surdos e de ouvintes se faz de muitas maneiras, e não somente pela experiência direta.

Sabemos que nem tudo em matemática é possível de ser manipulado concretamente então, se o pensamento vigente for de que a única forma de propiciar o ensino ao educando surdo através do material manipulável, então quais conteúdos iremos ensinar? A manipulação de materiais manipuláveis em aulas de matemáticas podem ser importantes para o desenvolvimento de certos conteúdos mas não podem ser utilizados como um fim em si mesmo.

Muitas das vezes a utilização de material manipulável está assentada em ações vazias porque destituída de uma real intencionalidade ou de uma intencionalidade que dê conta de desenvolver o raciocínio implícito da situação problema proposta, caso contrário converte-se em uma ação sem significado. Neste caso precisamos ficar atentos pois ao invés de estar contribuindo com a formação do pensamento do aluno, o material manipulável pode estar se tornando um elemento impulsionador do fracasso escolar. Se faz fundamental, portanto estarmos cuidadosos em relação aos fatores que podem estar contribuindo com esta realidade.

Considerações finais

Do que nos foi revelado na pesquisa surge-nos muitas reflexões acerca de como deve ser o profissional que conduza um processo de ensino que de fato possa possibilitar condições de efetiva aprendizagem por parte do aluno surdo, assim como o delineamento claro das características essenciais que o mesmo precisa assumir para se converter naquele que melhor conduzirá o processo de ensino do aluno surdo.

Enquanto educadores, matemáticos ou não, precisamos tomar consciência da potencialidade da Língua de Sinais no processo de formação de nossos estudantes. Sem ela podemos principalmente nas aulas de matemática reforçar ainda mais o empobrecimento do conteúdo ensinado, construindo situações de ensino que se transformam apenas na manipulação de símbolos destituídos de significados ou incorrendo no erro de pensar que estes alunos só apreendem conteúdos desta área de conhecimento quando é possível atribuirmos a eles uma dimensão de “concreticidade” a partir do uso de materiais concretos.

Muito claramente nos é evidenciado que um profissional verdadeiramente habilitado para atuar significativamente deve conseguir fazer “a ponte” entre os dois mundos que na maioria das vezes estão em clara oposição pedagógica: a dos ouvintes e dos surdos. O professor precisa conhecer a forma de pensar do sujeito surdo e isto incorre diretamente no domínio da linguagem deste sujeito.

Sendo conhecedor profundo da Língua deste sujeito este profissional tem perfeitas condições de fazer a interpretação/tradução do conhecimento matemático para a Língua materna dos surdos levando em consideração um fator importantíssimo do processo, que é o fato de que esta Língua ainda está em construção, então nas situações em que um sinal precisa ser “instituído” provisoriamente só um conhecimento profundo da Língua pode auxiliar o professor a lidar com a situação sem com isso obstaculizar a aprendizagem do aluno.

Em um processo de ensino que prime de fato pela apropriação significativa do conhecimento por parte do aluno surdo se faz imprescindível um profundo domínio da Língua de Sinais, particularmente por parte do educador que conduz o processo, assim também como do Conhecimento Matemático, da Língua Portuguesa e de metodologias apropriadas que consigam corresponder as especificidades destes sujeitos. Isso é justificado por duas das categorias da pesquisa não elencadas neste artigo, mas que referem-se a prática de um dos professores sujeitos da pesquisa que melhor conduziu as atividades de ensino, particularmente junto aos alunos fluentes em LIBRAS e creditamos isto á sua formação que contempla a apropriação de saberes matemáticos, uma vez que é graduando na área, domínio de Língua Portuguesa e LIBRAS, graduando de Letras-LIBRAS e intérprete, assim como da sua vivência próxima a comunidade surda; é ouvinte e casado com uma surda atuando efetivamente em meio aos membros da comunidade.

Isto repercutiu no seu trabalho, ao criar condições efetivas para o pensar e busca de soluções na resolução dos problemas propostos aos alunos bem como na utilização de metodologias específicas, como por exemplo, o uso de marcações espaciais (outra das categorias da pesquisa), elemento de sintaxe próprio da LIBRAS, que somente um conhecedor da Língua poderia utilizar no sentido de possibilitar maior entendimento no processo comunicativo com os alunos, aqui em evidência o conhecimento matemático. Em contraposição, embora não totalmente explorados neste estudo, identificamos os obstáculos como originários justamente da falta de domínio de uma ou outra dessas áreas de conhecimento.

Definimos como obstáculos as características já elencadas anteriormente neste artigo, que de alguma forma impossibilitaram ou dificultaram o processo de comunicação matemática, provenientes dos métodos de ensino aplicados pelos professores, sujeitos de pesquisa.

Mediante nossas análises consideramos que é fundamental que os educadores ao organizarem situações didáticas que favoreçam a aprendizagem de seus educandos surdos levem em consideração que o processo de apropriação de conhecimento deste educando passa pela exploração da competência que lhes é mais desenvolvida, que é a visual-espacial. O cuidado é que não se construam percepções extremadas que entendam que o surdo só entende o que enxerga sem condições de realizar abstrações.

Há diferenças na maneira como os diferentes profissionais envolvidos na pesquisa, interpretam o conteúdo matemático nitidamente não no aspecto meramente isolado da tradução em LIBRAS, mas da forma como conseguem manter interrelacionados estas áreas de conhecimento que vez por outra estão sendo prejudicadas em função da falta de domínio de uma ou mais dessas áreas.

A professora ouvinte demonstra dificuldade no conteúdo matemático e, embora domine bem sua L1, ainda está em fase de apropriação da LIBRAS. Daí que, mesmo que com muita fluência, apresenta dificuldades em articular LIBRAS com o conhecimento matemático em uso, o que se mostra um elemento complicador, gerando dificuldades no processo de ensino, o que leva a recorrer a formas de explicação que confundem mais do que elucidam e/ou ao uso de material concreto desarticulado da função de elucidar o raciocínio matemático proposto no problema.

O professor surdo por dificuldades de domínio da L2 demonstra dificuldade de apropriação do conhecimento matemático e já considerando as ressalvas que fizemos neste trabalho a este respeito, consideramos aspectos de sua formação que podem ter conseqüência direta na sua prática educativa.

Nosso estudo então corrobora nossa hipótese inicial de pesquisa, que se confirma à medida em que consideramos que, o professor mais adequado para construir situações de ensino e aprendizagem significativas para o aluno surdo será aquele que conseguir dominar com profundidade a LIBRAS, a Língua Portuguesa e o conhecimento Matemático assim também como a articulação de metodologias apropriadas. Neste sentido o processo de fato de comunicação em matemática, passa pela competência do profissional docente em dominar estas diversas áreas de conhecimento.

Limitações do estudo e pesquisas futuras.

Esta é uma área de estudo que se tem muito a conhecer. Acreditamos ser de suma importância a aproximação e apropriação do processo educativo de alunos surdos na área de Matemática no sentido de efetivamente garantirmos situações propícias a sua aprendizagem.

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