Recursos para educação de crianças com necessidades especiais e articulação entre educação especial e inclusiva
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Resumo
Este breve artigo de revisão sumaria alguns recursos disponíveis para escolarização e alfabetização de crianças com dificuldade escolar, bem como de crianças com distúrbios de comunicação e linguagem de etiologia neurossensorial (e.g., surdez congênita), neuromotora (e.g., paralisia cerebral) e neurolingüística (e.g., dislexia do desenvolvimento). O artigo defende a articulação entre educação especial e educação inclusiva em contra-turno, num aranjo em que a escola especial funciona como base de apoio para preparar a criança para aprender e prosperar na escola comum, ao passo que essa escola comum funciona como campo de prova para assistir a educação especial na descoberta e calibragem de implementações capazes de tornar a criança efetivamente apta a aprender e prosperar na escola comum, vicejando academicamente e se integrando socialmente.
Este breve artigo apresenta uma breve revisão de uma série de novos recursos poderosos e acessíveis que desenvolvemos para triar e avaliar, bem como para prevenir e tratar problemas de aprendizagem em crianças e jovens desde a educação infantil (no nível maternal aos dois anos de idade) até o ensino superior. Tais recursos compreendem um amplo conjunto de baterias e de protocolos para emprego por clínicas-escolas de universidades, bem como por sistemas e redes de ensino particular e públicas, e secretarias municipais de educação para identificar as crianças que precisam de atenção especial e prescrever intervenções necessárias customizadas para cada criança, bem como para avaliar o efeito dessas intervenções sobre o nível de desenvolvimento de uma série de competências vitais e calibrar os parâmetros de modo a assegurar progresso contínuo desse desenvolvimento.
Para assegurar o maior impacto possível sobre a população escolar brasileira, priorizamos aquele que, segundo a Unesco, é o principal fator de exclusão e fracasso escolar no Brasil: a dificuldade na alfabetização, ou seja, no ensino-aprendizagem das habilidades de ler, escrever e contar, que compromete a aprendizagem escolar como um todo (Capovilla, Capovilla, 2006c). Recursos nesta área encontram-se em materiais de ampla aceitação e comprovada eficácia (Capovilla, Capovilla, 2000; Capovilla, Capovilla, 2002) como Problemas de leitura e escrita: como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica (Capovilla, Capovilla, 2007c), Alfabetização: Método fônico (Capovilla, Capovilla, 2007b), Alfabetização fônica: construindo competência de leitura e escrita (Capovilla, Capovilla, 2006), Alfabetização fônica computadorizada (Capovilla, Capovilla, 2007a), que receberam apoio e indicação formais do Relatório da Comissão Internacional de Peritos em Alfabetização Infantil elaborado por delegados das universidades de Harvard, Leeds, Bruxelas e Rennes por encomenda do Congresso Nacional em 2003, e publicado sob o título Os novos caminhos da alfabetização infantil (Capovilla, 2005).
Para os casos em que o método fônico de alfabetização precisa ser complementado e adaptado de modo especial, desenvolvemos diversos instrumentos validados e normatizados para avaliação de compreensão auditiva (Nikaedo et al, 2006), vocabulário receptivo auditivo (Capovilla, Prudencio, 2006) e vocabulário expressivo na fala (Ferracini et al, 2006), competência de decodificação grafofonêmica de palavras e pseudopalavras durante a leitura em voz alta (Capovilla, Capovilla, Macedo, 2008), competência de decodificação e reconhecimento visual de palavras durante a leitura silenciosa (Capovilla, Varanda, Capovilla, 2006), qualidade da produção ortográfica da escrita para nomear figuras (Lukasova et al, 2005), consciência sintática (Capovilla, Capovilla, Soares, 2004; Capovilla, Capovilla, 2006c), dentre outras. Além disso, criamos também uma série de instrumentos de diagnóstico diferencial e intervenção preventiva e remediativa de diversos distúrbios que interferem de modo marcante no rendimento escolar, como a dislexia do desenvolvimento (Capovilla, Capovilla, Trevisan, Rezende, 2006; Capovilla, Capovilla, 2006b), o distúrbio de processamento auditivo central (Capovilla, 2002), o distúrbio do sistema vestibular (Capovilla, Miyamoto, Capovilla, 2003), o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (Assef et al, 2007; Capovilla, Cozza, Capovilla, Macedo, 2005; Capovilla, Cozza, Primi, et al, 2004), a perda auditiva (Capovilla, Portugal, 2002), os distúrbios invasivos do desenvolvimento (Covre et al, 2005), distúrbios de memória (Capovilla, Cozza, Primi, et al, 2004; Capovilla, Capovilla, 2002; Capovilla, Capovilla, 2006b), dentre outros. Tais recursos podem ser encontrados em uma miríade de artigos (Capovilla, Capovilla, 2002) e em livros como Transtornos de aprendizagem: da avaliação à intervenção (Sennyey, Capovilla, Montiel), Temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem (Valle, Capovilla, 2004), Temas em neuropsicolingüistica (Macedo, Capovilla, 2005), Neuropsicologia e aprendizagem: Uma abordagem multidisciplinar (Capovilla, 2004), e Teoria e pesquisa em avaliação neuropsicológica (Capovilla, 2007d), dentre outros. Todos os recursos desenvolvidos foram elaborados a partir de materiais selecionados com o mais alto rigor e controle, tais como figuras com graus controlados de iconicidade e univocidade, palavras com graus controlados de complexidade silábica e grafêmica, extensão e regularidade grafofonêmica, familiaridade, e assim por diante (Capovilla, Roberto, 2008), assegurando a validade das avaliações normatizadas e a eficácia das intervenções planejadas.
Para não deixar nenhuma criança para trás, desenvolvemos recursos de ensino-aprendizagem e avaliação que contemplam as necessidades educacionais de crianças com os mais severos quadros de dificuldades de etiologia neurossensorial (como na surdez congênita e surdocegueira), neuromotora (como na anartria e tetraplegia da paralisia cerebral) e neurolinguística (como na dislexia do desenvolvimento e na afasia), bem como mista (como no surdo congênito que veio a se tornar tetraplégico, ou do disléxico com paralisia cerebral), como documentado em diversos artigos (e.g., Capovilla, Capovilla, Macedo, 2001; Capovilla, Capovilla, Macedo, 2006) e livros como Tecnologia em reabilitação cognitiva (Capovilla, Gonçalves, Macedo, 1998; Gonçalves, Macedo, Sennyey, Capovilla, 2000; Macedo, Gonçalves, Capovilla, Sennyey, 2002), entre outros.
Desenvolvemos baterias para diagnóstico diferencial das dificuldades no contexto escolar e para acompanhamento do desenvolvimento das competências lingüísticas e cognitivas que vêm sendo empregadas para teleavaliação em todo o Brasil (Capovilla, Capovilla, Macedo, 2007; Capovilla, Macedo, Penna, Capovilla, 2006; Lukasova, Macedo, Nikaedo, Orsati, Diana, Capovilla, Capovilla, 2005; Macedo, Capovilla, Diana, Orsati, Nikaedo, 2004; Macedo, Capovilla, Nikaedo, Orsati, Lukasova, Capovilla, Diana, 2005), além de uma miríade de recursos altamente eficazes para intervenção preventivoremediativa. Tais recursos incluem sistemas de alfabetização fônica e de comunicação alfabética assistida especialmente adaptados às dificuldades motoras de crianças com paralisia cerebral (e.g., método fônico adaptado à alfabetização de crianças anártricas e tetraespásticas, que passam, então a comunicar-se por escrita assistida via sistemas falantes, como Notevox) (Capovilla, Capovilla, Macedo, 2001); sistemas computadorizados de comunicação entre surdos e ouvintes baseada em sinais animados e falantes e acionáveis pelo piscar, como SignoFone (Capovilla, Duduchi et al, 2003; Capovilla, Macedo, 2006); sistemas de busca de sinais por surdos que dicionarizam a língua de sinais e a tornam instrumento prático e acessível como metalinguagem para adquirir o Português, como BuscaSigno (Capovilla, Duduchi et al, 2006; Duduchi, Capovilla, 2006); além de sistemas de alfabetização de surdos baseados na ancoragem fonética sistemática calibrada pelo grau de legibilidade orofacial dos visemas do Português e pelo grau de regularidade das relações entre visemas e grafemas do Português (Capovilla, Sousa-Sousa, Ameni, Neves, 2008).
Para a educação de surdos desenvolvemos amplo arsenal de materiais de suporte à aprendizagem e ao desenvolvimento da linguagem, tanto de sinais quanto oral e escrita. Em termos de desenvolvimento da linguagem de sinais, produzimos materiais como o Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira (Capovilla, Raphael, 2005; Capovilla, Raphael, 2006) já distribuído gratuitamente a mais de 70 mil alunos surdos de escolas públicas de todos os municípios do Brasil, além da Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileira em 19 volumes (Capovilla, Raphael, 2004a; Capovilla, Raphael, 2004b; Capovilla, Raphael, 2005a; Capovilla, Raphael, 2005b; Capovilla, Raphael, 2005c), e da Enciclopédia digital da Libras que permite ao aluno surdo usar a Libras como metalinguagem para adquirir leitura e escrita alfabéticas em Português. Estamos agora concluindo a 4ª. edição expandida do Dicionário de Libras (Capovilla, Raphael, Mauricio, 2008), com o triplo de sinais das edições anteriores, bem como levantamento sobre validade geográfica e etimologia e morfologia dos sinais. Tais materiais em Libras assistem o alunado surdo no conhecimento do mundo e no desenvolvimento de um amplo léxico semântico e de sinais da Libras capaz de nomear tudo o que nele existe. E também assistem o alunado surdo no uso da Libras como ferramenta para adquirir competências essenciais do Português como leitura e escrita alfabéticas para compreender e produzir textos, e leitura orofacial para compreender a fala e, assim, integrar-se no mundo dos ouvintes.
Para documentar a eficácia do ensino da escrita alfabética via mapeamento visêmico durante a leitura orofacial, criamos sistemas de avaliação e de desenvolvimento da competência de leitura orofacial baseados em modelos de legibilidade orofacial fonético-articulatório dos fonemas do Português (Capovilla, Sousa-Sousa, Ameni, Neves, 2000). Nossos materiais de alfabetização visêmico-grafêmica do surdo introduzem de modo sistemático as palavras (cujos sinais são bem conhecidos) de acordo com o grau de visibilidade orofacial dos fonemas que as compõem (dos mais visíveis aos menos visíveis) bem como de acordo com o grau de regularidade das relações entre os visemas na face do locutor e os grafemas do texto (das biunívocas às regradas por posição às irregulares). Asseguram, também, processamento semântico profundo do Português na medida que ancoram a análise morfológica das palavras do Português à análise morfológica dos sinais da Libras (Capovilla, Capovilla, Raphael, Macedo, 2005). Assim tal abordagem sistemática incorpora os mais recentes e eficazes desenvolvimentos de pesquisa em linguagem falada, escrita e de sinais, assegurando o pleno desenvolvimento das competências cognitivas e lingüísticas do alunado surdo a partir do acompanhamento sistemático do desenvolvimento das competências dos surdos e da calibragem dos parâmetros de ensino às características desse desenvolvimento.
Ao longo das últimas duas décadas, tais recursos de avaliação e ensino vêm sendo objeto de programas de pesquisa sistemática rigorosa compreendendo centenas de estudos experimentais conduzidos no laboratório, na clínica e na escola para avaliar sua validade, sensibilidade, robustez e eficácia em cada um dos contextos. Uma série desses estudos (Capovilla, 2008) comparou o desenvolvimento cognitivo e lingüístico de 7.500 crianças surdas e deficientes auditivas de centenas de escolas públicas e particulares de ensino fundamental até superior espalhados por 15 estados brasileiros em diversas competências como as habilidades de decodificação e reconhecimento visual direto de palavras escritas (Capovilla, Capovilla, 2006a; Capovilla, Capovilla, Mazza et al, 2006; Capovilla, Capovilla, Viggiano et al, 2005; Capovilla, Viggiano et al, 2004), de compreensão de leitura de sentenças e textos (Capovilla, Capovilla, Macedo, 2005; Capovilla, Viggiano et al, 2005; Nikaedo, Macedo et al, 2006), de compreensão de sinais da Libras (Capovilla, Capovilla, Viggiano, Bidá, 2004; Capovilla, Viggiano et al, 2004), de leitura orofacial do Português falado (Capovilla, Sousa-Sousa, Ameni, Neves, 2008), de nomeação de figuras e sinais da Libras por escolha de palavras (Capovilla, Mazza, 2008; Capovilla, Mazza, Ameni, Neves, Capovilla, 2006; Capovilla, Viggiano et al, 2005; Capovilla, Viggiano, Raphael, Bidá et al, 2005) e por escrita à mão livre (Capovilla, Ameni, 2008), bem como a qualidade da produção ortográfica dessa escrita, dentre outras (Capovilla, Capovilla, Soares, 2004). Comparando o desenvolvimento de alunos diferentes sob condições de ensino-aprendizagem, tais estudos identificaram diversas interações significativas de profunda relevância para a condução de políticas públicas de educação. De modo notável, os estudos revelaram que alunos surdos (i.e., cuja língua materna é a Libras) se desenvolvem melhor quando estudam em meio a colegas surdos em escolas especiais para surdos com professores proficientes que ministram ensino em Libras; ao passo que alunos com deficiência auditiva (i.e., cuja língua materna é o Português) se desenvolvem melhor quando estudam sob regime de inclusão em meio a colegas ouvintes em escolas comuns com professores comuns que ministram aulas em Português. Este estudo, que é o maior do mundo já conduzido sobre o desenvolvimento de uma população escolar surda, revelou a necessidade de articular as educações inclusiva e especial em contra-turno para assegurar o melhor desenvolvimento da criança surda, superando, assim, o desafio da descontinuidade entre Libras e Português (Capovilla, Capovilla, 2004). Nesse arranjo, que combina as vantagens dos dois modelos e assegura ganhos que ultrapassam os de cada um deles em separado, a escola especial funciona como base de apoio para preparar a criança para aprender e prosperar na escola comum, ao passo que essa escola comum funciona como campo de prova para assistir a educação especial na descoberta e calibragem de implementações capazes de tornar a criança efetivamente apta a aprender e prosperar na escola comum, vicejando academicamente e se integrando socialmente.
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