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Dulcilene Saraiva Reis
Dulcilene Saraiva Reis
Pedagoga (Professora)
Sala de Recursos multifuncionais e a formação docente: Um estudo a partir das escolas públicas de Porto Velho/RO
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Publicado em 2012
V Congresso Brasileiro de Educação Especial - V CBEE, São Carlos - SP
Dulcilene Saraiva Reis
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Resumo

A inclusão de alunos com necessidades especiais está cada vez mais presente nas escolas brasileiras, tornando-se necessária uma reflexão acerca da formação docente dos professores que realizam o Atendimento Educacional Especializado – AEE a estes alunos. O presente artigo, que faz parte da pesquisa que resulta em dissertação de mestrado, em fase de qualificação, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Rondônia, se propõe a discutir a formação docente dos professores das Salas de Recursos Multifuncionais – SRM, no município de Porto Velho/RO. Tem abordagem qualitativa, do tipo descritiva e foi realizada com 08 professores que atuam em SRM, no período de maio à agosto de 2012. Para a coleta de dados utilizou-se questionários padronizados e entrevistas semiestruturadas. Contou como aporte teórico com as contribuições de Mendes (2006), Tardiff (2002), Feltrin (2004), entre outros, além dos documentos básicos pertinentes. Os resultados indicaram que a formação inicial dos professores não contemplou, de forma abrangente, a educação especial e que a formação continuada ainda é tímida diante da demanda de alunos com as mais diversas deficiências. A pesquisa apontou também que algumas SRM não estão funcionando por falta de professor, devido ao reduzido número de profissionais capacitados para a educação especial.

Introdução

O atendimento educacional especializado, além de ser um direito, é um dos caminhos para a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais. Alguns pontos merecem ser levantados quando se fala em inclusão: Como vem acontecendo esta inclusão? Quem forma o professor destes alunos? Qual é o papel das Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) neste processo?

Esta pesquisa é parte de dissertação de mestrado que tem como tema a educação de surdos e a formação docente. Buscou-se neste recorte conhecer a realidade das SRM no que diz respeito à formação do professor que atua neste espaço.

Foram escolhidas 4 escolas públicas municipais de Porto Velho (RO), que possuem SRM e destas escolas foram selecionados 8 professores, sendo 6 que atuam na SRM há mais de 3 anos e 2 que atuam há menos de 2 anos. A escolha temporal deu-se ao fato de confrontar as realidades de quem já está nesta área há algum tempo e quem começou recentemente. Utilizaram-se questionários e entrevistas semiestruturadas para a coleta de dados.

Serviram como suporte para a análise deste estudo a legislação pertinente à educação especial e inclusiva, bem como sobre formação docente, como os estudiosos da área: Mendes (2206), Tardif (2002), Feltrin (2004), entre outros. Buscou-se investigar a legislação das três esferas: Federal, Estadual e Municipal.

O presente artigo está dividido em 2 partes: a sala de recursos multifuncionais; a formação docente para a educação especial. Na primeira parte será discutido sobre as especificidades da SRM e sua funcionalidade na escola e os dados coletados com relação ao quantitativo de SRM em funcionamento e também as que existem, mas não estão funcionando e o número de professores atuando nestes espaços. Na segunda parte buscou-se conhecer o perfil dos professores, a formação inicial e continuada, suas perspectivas em relação à educação especial.

Sala de Recursos Multifuncionais: atendimento especializado ao aluno

Informa o Relatório Mundial sobre a Deficiência (2012) que, a fim de atingir as perspectivas melhores e mais duradouras do desenvolvimento que integram o núcleo das Metas de Desenvolvimento do Milênio de 2015 é prioritária a capacitação das pessoas que vivem com deficiência, removendo as “barreiras que as impedem de participar na comunidade, de ter acesso a uma educação de qualidade, de encontrar um trabalho decente e de ter suas vozes ouvidas” 3.

Talvez o maior dos desafios para a implementação das políticas educacionais inclusivas, a fim de garantir um ensino de qualidade e a aprendizagem de todos os alunos, seja a existência de uma política de formação de professores. Nesta direção a Política de Educação brasileira vem se ajustando aos compromissos internacionais e confirmando tal compromisso, é o que se observa nos documentos referentes à formação de professores. O documento norteador é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em vigor, Lei nº 9394/96, quando, a princípio, trata do Direito à Educação e do Dever de Educar, no artigo 4, parágrafo III, enfatizando que “o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ser realizado em classes comuns do ensino regular em qualquer etapa ou nível de educação básica”. Também ao assegurar que as instituições de formação docente deverão prever programa de formação para os profissionais de educação dos diversos níveis, como preconiza o seu artigo 67, Inciso II ao afirmar que os sistemas de ensino deverão oferecer aperfeiçoamento profissional continuado.

Outro importante documento legal orientador das politicas públicas de formação docente é a Resolução nº 03/97 do Conselho Nacional de Educação que define no artigo 5º que os sistemas de ensino devem implementar programas de desenvolvimento profissional dos docentes em exercício, incluída a formação de nível superior em instituições credenciadas, bem como, em programas de aperfeiçoamento em serviço. No entanto, no Estado de Rondônia, ainda não se evidenciam pesquisas na área da formação de professores para o atendimento ao aluno na Sala de Recursos Multifuncionais, no âmbito da escola regular. Certamente que a implantação do Observatório Estadual de Educação Especial, seguindo a metodologia e as orientações do Observatório Nacional de Educação Especial (vinculado à UFSCAR 4), dará contribuições significativas às pesquisas nesta área e ao desenvolvimento regional.

Percebe-se que cada vez mais a inclusão vem exigindo transformações no interior da escola, transformações estas que não se limitam ao espaço físico. O número de matrículas de alunos com algum tipo de deficiência vem aumentando gradativamente e com isso aumentam também os problemas decorrentes, entre outras coisas, da falta de formação especializada dos profissionais da educação. A inclusão tem provocado mudanças significativas na estrutura da escola e na formação docente, seja para promover a acessibilidade física, com construção de rampas, alargamento de portas, colocação de pisos táteis, seja pela formação continuada, com cursos, capacitações e sessões de estudo.

Diferente da integração, onde os alunos é que tinham que se adequar à escola, hoje, com a inclusão, é a escola que tem que atender as especificidades dos alunos, seja ele deficiente ou não. É neste cenário que foram criadas as Salas de Recursos Multifuncionais, que tem como objetivo realizar atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência ou que apresentem dificuldades ou limitações de aprendizagem.

Os alunos que necessitem de atendimento educacional especializado possuem duas matrículas, sendo uma na classe comum e outra na SRM e o atendimento neste espaço é realizado no contraturno. Para que o atendimento aconteça é necessário um encaminhamento, seja por parte do professor da classe comum, seja pela equipe pedagógica da escola ou uma equipe multidisciplinar. Alguns dos objetivos da SRM são: atender as necessidades específicas dos alunos com necessidades educacionais especiais; integrar professores, pais e demais alunos da escola no processo educacional; propiciar situações de aprendizagem que busquem sanar ou minimizar as dificuldades dos alunos.

Geralmente o atendimento é realizado em pequenos grupos e, dependendo do caso, individualmente. A carga-horária seguida pela maioria das SRM é o de 2 horas semanais, duas vezes por semana. O aluno da SRM será atendido pelo tempo que for necessário, devendo ser seguido um programa elaborado de acordo com as especificidades de cada um.

Observa-se que uma das inovações trazidas pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) é o Atendimento Educacional Especializado – AEE, que se trata de um serviço da educação especial que "[...] identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas" (SEESP/MEC, 2008).

Entende-se que o AEE complementa e/ou suplementa a formação do educando, objetivando a sua autonomia na escola e fora dela, constituindo oferta obrigatória pelos sistemas de ensino. É realizado, de preferência, nas escolas comuns, em um espaço físico denominado Sala de Recursos Multifuncionais. Assim sendo, é parte integrante do projeto político pedagógico da escola e se agrega à inclusão dos alunos “público alvo” no Ensino Regular.

Destacamos os conteúdos do AEE: Língua Brasileira de Sinais – Libras e Libras tátil; Alfabeto digital; Tadoma; Língua Portuguesa na modalidade escrita; Sistema Braille; Orientação e mobilidade; Informática acessível; Sorobã (ábaco); Estimulação visual; Comunicação alternativa e aumentativa – CAA; Desenvolvimento de processos educativos que favoreçam a atividade cognitiva.

Quanto aos recursos do AEE: Materiais didáticos e pedagógicos acessíveis (livros, desenhos, mapas, gráficos e jogos táteis, em Libras e em Braille, com contraste visual, imagéticos, digitais, entre outros); Tecnologias de informação e de comunicação (TICS) acessíveis (mouses e acionadores, teclados com colmeias, sintetizadores de voz, linha Braille, entre outros); e recursos ópticos; pranchas de CAA, engrossadores de lápis, ponteira de cabeça, plano inclinado, tesouras acessíveis, quadro magnético com letras imantadas, entre outros.

Entende-se, pois, que o desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem é favorecido pelo professor (com formação adequada e prevista na legislação nacional) e, certamente, pela participação da família dos alunos. Dessa forma, a fim de elaborar os Planos de AEE, o professor necessita dessa parceria continuamente. Como parte das etapas pelas quais os professores de AEE estabelecem contatos com as famílias de seus alunos, colhendo informações, repassando outras e estabelecendo laços de cooperação e de compromissos, temos as reuniões, visitas e entrevistas.

Quanto ao Financiamento, o Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, que dispõe sobre o Atendimento Educacional Especializado, destina recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB ao AEE de alunos público alvo, matriculados na rede pública de ensino regular, admitindo o cômputo duplo da matrícula desses alunos em classes comuns de ensino regular público e no AEE, concomitantemente, conforme registro no Censo Escolar.

O professor que atuará na SRM deverá ter formação na área de educação especial, observada a prioridade conferida ao docente habilitado. A Resolução CNE/CEB n.4/2009, no seu artigo 12 afirma que “[...] o professor deve ter formação inicial que o habilite para exercício da docência e formação específica na educação especial”.

Como afirma Tardif (2002): “os saberes do professor se originam de várias hierarquias: da família, da escola que o formou, da sua cultura pessoal, dos seus pares, da universidade, das formações continuadas”. Então, a queixa do professor que não teve esse preparo é pertinente, se for levado em conta que não é comum ter um aluno, por exemplo surdo, na sala de aula regular. Entretanto, apesar desta lacuna em sua formação, alguns professores buscam na formação docente, o caminho para promover a inclusão e, consequentemente, desenvolver a sua prática de forma a atender adequadamente os alunos inclusos.

A Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009, que Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial, traz em seu art. 10: “O projeto pedagógico da escola de ensino regular deve institucionalizar a oferta do AEE prevendo na sua organização: I – sala de recursos multifuncionais: espaço físico, mobiliário, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos”. Em seus Incisos V ao VII prevê:

V– professores para o exercício da docência do AEE; VI – outros profissionais da educação: tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais, guia-intérprete e outros que atuem no apoio, principalmente às atividades de alimentação, higiene e locomoção; VII – redes de apoio no âmbito da atuação profissional, da formação, do desenvolvimento da pesquisa, do acesso a recursos, serviços e equipamentos, entre outros que maximizem o AEE.

Mais incisiva do que outras, a legislação em pauta prevê a formação específica do profissional da educação para este atendimento: “Art. 12: Para atuação no AEE, o professor deve ter formação inicial que o habilite para o exercício da docência e formação específica para a Educação Especial”.
Não seria outra a preocupação senão o melhor atendimento às pessoas com necessidades especiais que necessitem da SRM para potencializar o seu desenvolvimento, entendido o educando como um ser integral. Senão, vejamos quais sejam as atribuições do professor do Atendimento Educacional Especializado, em seu art. 13:

I – identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos público-alvo da Educação Especial;
II – elaborar e executar plano de Atendimento Educacional Especializado, avaliando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade;
III – organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na sala de recursos multifuncionais;
IV – acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade na sala de aula comum do ensino regular, bem como em outros ambientes da escola;
V – estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais na elaboração de estratégias e na disponibilização de recursos de acessibilidade;
VI – orientar professores e famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo aluno;
VII – ensinar e usar a tecnologia assistiva de forma a ampliar habilidades funcionais dos alunos, promovendo autonomia e participação;
VIII – estabelecer articulação com os professores da sala de aula comum, visando à disponibilização dos serviços, dos recursos pedagógicos e de acessibilidade e das estratégias que promovem a participação dos alunos nas atividades escolares.

A perspectiva legal garante um olhar mais atento nesta pesquisa, no que se refere à formação inicial e continuada do professor que presta tal atendimento na escola pública do município de Porto velho, Estado de Rondônia.

A criação da SRM faz parte de um programa instituído pelo Ministério da Educação e da Secretaria de Educação Especial, que integra o Plano de Desenvolvimento da Educação. O Decreto nº 7611, de 17/11/201, no artigo 1º, Inciso IV, coloca ser necessária a “adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena”.

Mendes (2006, p.13), quanto aos sistemas estaduais e municipais, observa que:

[...] diretrizes políticas de reforma norteadas pelos princípios da inclusão escolar estão sendo anunciadas, mas em geral observa-se a ausência de procedimentos de avaliação, o que compromete o processo de implementação das propostas. Faltam indicadores para monitorar o processo, os que acenam com estatísticas promissoras muitas vezes não possuem dados confiáveis, e outras vezes não complementam seus estudos com descrições de quem é esse alunado e de como está sua situação educacional – ou, mais especificamente, se eles estão tendo acesso ao currículo, se estão socializando na direção desejável e se estão sendo socialmente aceitos na escola (MENDES, 2006, p. 13) 5.

Segundo dados coletados na Secretaria Municipal de Educação de Porto Velho existem 38 Salas de Recursos implantadas, sendo 23 na área urbana e 15 em escola do campo 6. Deste total, 9 salas não estão funcionando. Um dos principais motivos para o não funcionamento destas salas é a falta de profissional. Conforme a Secretaria Municipal de Educação estão lotados nas SRM 74 professores.

O Plano Estadual de Educação de Rondônia, Decênio 2011-2020, faz um balanço da situação da educação especial que, de acordo como Censo Escolar/2008, o Estado possui aproximadamente 3.146 educandos com necessidades educacionais especiais, atendidos tanto em salas comuns, como em salas especiais, bem como em escolas especiais e instituições especializadas. Um dos objetivos do Plano é implantar e implementar SRM em todas as escolas do Estado.

Formação Docente para Educação Especial

Certamente a formação docente é uma área que merece atenção no contexto da inclusão. Sabe-se que formar professores especializados em educação especial não é algo comum na realidade brasileira. Sabe-se também da importância de se preparar os professores para o atendimento aos alunos que necessitem. Existe uma lacuna entre a formação inicial e a sala de aula.

Conforme relata a professora 7 da SRM, uma das participantes de nossa pesquisa:

Eu trabalho há 3 anos na sala de recursos e gosto muito do meu trabalho. Mas nem sempre foi assim. Quando iniciei nesta área não foi por opção, mas por necessidade. Não tinha vaga na escola para a sala de aula e então a diretora me perguntou se eu queria ir para a sala de recursos, foi aí que eu tive que aceitar. No começo eu não sabia o que fazer, nunca tinha feito curso sobre educação especial, na graduação eu vi muito pouco sobre isso e só a teoria. Foi quando percebi que a minha formação é que era deficiente. (P1 – atua há 3 anos na SRM)

Percebe-se na fala da professora a consciência de que a formação inicial não “formou” para a educação especial. Apesar da professora P1 já estar na área da educação há mais de 10 anos foi só no momento em que foi trabalhar na sala de recursos é que ela começou a fazer capacitação nesta área.

Eu sempre fui professora das séries iniciais, hoje fala-se anos iniciais, quando eu trabalhava com as crianças eu nunca tinha feito curso para alunos especiais. Eu já tive uma aluna com síndrome de down, mas eu nunca fiz curso para saber como é que eu ensinaria ela. Foi difícil, pois ela tinha 15 anos e ainda não era alfabetizada. Eu tentava de tudo, mas não consegui que ela lesse. Já na sala de recursos eu já fiz vários cursos oferecidos pela SEMED, cursos muito bons, que me ajudaram. (P1)

Todas as professoras pesquisadas relataram que não tiveram formação adequada para atender alunos com necessidades educacionais especiais, mas depois que ingressaram na sala de recursos passaram a ter mais contato com a realidade dos alunos através dos cursos de formação oferecidos pelas secretarias de educação, tanto Estadual quanto Municipal.

Um fato relevante é que todas as professoras buscaram um curso de especialização na área de educação especial e atualmente 5 delas já tem o curso e as demais estão fazendo uma pós-graduação nesta área. Como se observa na fala da professora abaixo:

Assim que eu soube que iria trabalhar na sala de recursos eu fui logo procurar um curso de pós-graduação em educação especial. Meu objetivo era aprender de verdade como trabalhar com meus alunos. Não vi isso quando eu fiz Pedagogia. Por exemplo, na pós eu estudei sobre Piaget e sobre o teste operatório piagetiano. Eu vi a teoria e a prática, pois meu grupo teve que fazer o teste com uma criança mesmo. Vi a importância dos estudos neste momento. Foi maravilhoso fazer depois com meus alunos e ver em qual estágio operatório eles estão. Não vi isso no curso de Pedagogia, uma pena. (P2 – há 1 ano na SRM)

Na fala da professora P2 percebe-se claramente a deficiência dos cursos de formação de professores para a educação especial. Apesar de a disciplina Educação Especial constar na grade curricular de todos os cursos de Pedagogia se faz necessário investigar de que forma esta disciplina está sendo oferecida, se a carga-horária é suficiente, se os docentes estão realmente capacitados para a disciplina e outras possíveis implicações para o não atendimento dos objetivos propostos. A queixa dos professores é a mesma: saem da graduação sem os conhecimentos necessários para atender, com qualidade, os alunos com necessidades educacionais especiais.

A sensação é de impotência dos professores diante da demanda cada vez crescente de alunos que necessitem de atendimento especializado. Isso fica claro nos relatos a seguir:

Nós nos sentimos, muitas vezes, impotentes, sem saber o que fazer. Os alunos olham pra gente, a gente olha pra eles e não sabemos nem conversar. Meu aluno é surdo, ele sabe um pouco de Libras e eu não sei nada de Libras. E aí, como é que eu vou ensinar? (P3 – há 2 anos na SRM)

Tenho uma aluna que não fala, apesar de ter 15 anos tem cabecinha de 5. Não consegue pegar direito no lápis, tem deficiência múltipla. Ela chegou este ano e agora preciso estudar mais sobre a deficiência dela. Eu atendo há 2 anos alunos com Síndrome de Down e baixa visão e já sei pelo menos como planejar o meu trabalho com eles. Agora com a minha nova aluna, vou começar do zero. É difícil isso. (P4 – há 3 anos na SRM)

Observa-se que o trabalho docente constantemente impõe novos desafios ao professor. Ele precisa conhecer as especificidades de cada deficiência ou transtorno dos alunos, a cultura que envolve a diferença, a legislação que trata da educação especial de um modo geral. São vários os fatores que comprometem o fazer pedagógico, conforme Feltrin (2004, p. 20):

Na escola, o educador enfrenta o aluno, enfrenta a instituição, enfrenta o sistema, enfrenta a sociedade. Conspiram contra ele as dificuldades econômicas, a falta de recursos e de equipamentos didáticos, a má vontade e a falta de estímulo do sistema e das autoridades, os alunos negligentes, arrogantes e desinteressados, a incompreensão de diretores e dos próprios pais, a morosidade e a longa espera pela colheita. Além disso, vem a sociedade que costuma lançar em cima da escola e do professor a culpa de todos os problemas sociais.

Este enfrentamento tem trazido sequelas para alguns dos professores investigados. Uma delas é o grande número de professores que apresentam algum tipo de estresse, como a fadiga, o mal-estar, a depressão, a subida da pressão arterial, levando-os a constantes idas ao médico e, posteriormente, licenças para tratamento. Entre outras causas apresentadas, estão:

  • A pressão da escola (professores, gestores, coordenadores) para que todos os alunos sejam atendidos com qualidade, mesmo sabendo que a maioria dos professores não tem a formação adequada para atender os alunos com NEE;
  • O tempo dispensado ao planejamento, que é o dobro da sala comum, devido a falta de conhecimentos específicos na área da educação especial, levando-as a levar “trabalho” para casa;
  • A falta de acompanhamento familiar, geralmente a família pouco comparece na escola;
  • Os vários cursos que tem que ser feitos, pois, apesar de serem bons, às vezes os professores ficam a semana toda sem ir à escola e isso gera um desconforto com os demais profissionais da escola.

Apesar da queixa, todos os professores pesquisados gostam do que fazem, identificaram-se com o trabalho na área da educação especial e dizem não querer parar por aqui.

Considerações

A inclusão escolar verdadeira, em que pese muitos outros argumentos sociais, não se faz, de fato, sem formação adequada, como demonstram os dados desta pesquisa. A chave para o sucesso da inclusão é investir na formação dos profissionais da educação como um todo integrado, da portaria à sala de aula, todos devem ter conhecimento sobre a educação especial. As salas de recursos são locais de acolhimento, investigação, conhecimento e, principalmente, crescimento.

São várias as demandas, mas a principal é a urgente necessidade de formação, tanto inicial como continuada. As universidades e as faculdades precisam rever seu currículo, pois são várias as pesquisas que apontam o déficit na formação inicial. Este é também um ponto a se considerar na sequência deste estudo. Falar de inclusão é ainda algo que incomoda, pois desmascara a exclusão que ainda percorre os corredores das escolas.

Apesar de tantas dificuldades apontadas percebeu-se o encantamento com que os professores pesquisados falam sobre as Salas de Recursos Multifuncionais. Na emergência de se fazer a verdadeira inclusão social, o clamor pela formação docente é um pedido que merece ser considerado.

Notas

4 Universidade Federal de São Carlos
5 Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v11n33/a02v1133.pdf>. Acesso em 20.ago.2012.
6 Dados referentes ao ano de 2012.
7 A identidade das professoras será preservada, sendo usada, portanto, a sigla P1 – Professora 1, P2 – Professora 2 e assim por diante.

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