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Ensino da Língua Gestual Assistido por Personagens 3D Virtuais
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Publicado em 2002
Departamento de Informática - Universidade do Minho
Leonel Domingues Deusdado
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Resumo

A Língua Gestual Portuguesa (LGP) debate-se com um nível de divulgação demasiado baixo, tanto entre a comunidade surda como na comunidade ouvinte. A comunicação por parte de um surdo, para ser eficaz, envolve o conhecimento da LGP, não só da parte do emissor como também do receptor. É também fundamental que ambos falem a mesma língua gestual. Devido à falta de informação, ou falta de disponibilização da mesma, é frequente verificar-se que, na prática, pessoas de regiões distintas, utilizam gestos diferentes para as mesmas palavras, sem que cada um entenda a variação do seu vizinho. É nesta babilónia, em termos linguísticos, que os surdos actualmente vivem. Sendo a comunicação um factor crucial para a aprendizagem, torna-se fundamental explorar todas as formas possíveis para fazer chegar a LGP ao maior número de pessoas. O trabalho apresentado, debruça-se sobre a utilização das novas tecnologias para divulgação e ensino da língua gestual. Embora exista um consenso sobre a necessidade de intervenção humana no ensino de uma língua gestual, também é verdade que não há contestação em relação ao valor acrescentado que as novas tecnologias representam como material complementar desse ensino. Nesta tese é dado um especial ênfase às tecnologias que utilizam imagens sintetizadas e/ou modelos baseados em gráficos tridimensionais para produzir gestualistas virtuais.

Capítulo 1

Introdução

1.1 A Língua Gestual

A língua gestual é uma língua de movimento e de espaço, das mãos e dos olhos, da comunicação abstracta assim como do contar de uma história icónica, mas acima de tudo, é a língua da comunidade surda. Não se trata de uma nova língua nem de um sistema recente de comunicação desenvolvido por pessoas ouvintes, pelo contrário, trata-se de uma forma de comunicação que ocorre entre pessoas que não ouvem. É uma língua que até há bem pouco tempo tinha sido algo ignorada e por esse motivo parecia subvalorizada no seu potencial. É diferente, muitas vezes impressionantemente diferente das línguas faladas, mas partilha características e processos gramaticais com muitas outras línguas faladas. A verdade é que o mundo da comunicação em língua gestual não é um mundo triste, cinzento, um mundo de silêncio. É um mundo alegre, colorido e ás vezes mesmo muito barulhento. É a primeira língua para os surdos, aquela que em primeiro lugar e naturalmente utilizam para comunicar.

A língua gestual existe em Portugal, há incontáveis gerações. Mas por ser falada por uma minoria, ela, pura e simplesmente, aos olhos do cidadão comum, não existia. Mas isso não obsta a que, no nosso país, haja efectivamente duas línguas autóctones: a Portuguesa e a Gestual Portuguesa. Isto para não falar do Mirandês e dialectos afins.

A necessidade de remover as barreiras que impedem o reconhecimento das línguas gestuais tem estado presente em diversos documentos de cariz internacional. Assim, vários  congressos de surdos a nível internacional recomendaram quer o reconhecimento das línguas gestuais, quer da profissão de intérprete. Também as Nações Unidas se pronunciaram sobre o assunto, integrando esta problemática na resolução nº 48/96 que definiu as "normas sobre igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência". Finalmente, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre línguas gestuais que prevê a abolição pelos estados-membros dos obstáculos à utilização das línguas gestuais e sublinha a importância do intérprete de língua gestual. Também a Constituição Portuguesa passou a ter, após a última revisão constitucional referência à língua gestual Portuguesa. Trata-se de uma língua própria, diferente da língua Portuguesa e das línguas gestuais dos outros países, isto é, das outras comunidades de surdos.

A aprendizagem da língua gestual Portuguesa é por isso um instrumento indispensável para a verdadeira integração dos surdos portugueses e para que usufruam da sua plena cidadania. As crianças e os jovens surdos são talvez os principais afectados por não estar ainda garantido o ensino e o acesso generalizado da língua gestual Portuguesa e a sua utilização nas mais diversas situações na sociedade.

1.1.1 A Língua Gestual na Europa

Contrariamente à crença popular, a língua gestual não é internacional. Cada país tem a sua própria língua gestual. Nos países onde existem duas ou mais línguas faladas, por exemplo, a Bélgica e Espanha, existem o mesmo número de línguas gestuais. As pessoas surdas tal como as pessoas ouvintes, são educadas na língua da sua região e raramente o serão numa outra língua do país. Por exemplo, na Bélgica, as pessoas surdas flamengas são educadas em escolas de surdos flamengas e não nas escolas de surdos de expressão francófona, e vice - versa. Em Portugal isto também tende a acontecer, daí ser fundamental também um unificador da língua gestual Portuguesa para que os surdos não se sintam “fora” cá “dentro”. As línguas gestuais não dependem das línguas dos seus respectivos países. Isto pode ser comprovado pelo facto de a Grã-Bretanha, Irlanda e os Estados Unidos da América serem todos países falantes de Inglês, mas terem línguas gestuais completamente diferentes. De facto, a língua gestual Americana (ASL1) está mais próxima da língua gestual Francesa (LSF2) do que da língua gestual Britânica (BSL3). A explicação é simples: as raízes da ASL encontram-se em França, e não na Inglaterra.

É quase impossível determinar o número de utilizadores de língua gestual na União Europeia, pois não foram recolhidos dados nesse sentido, e existem muito poucas pesquisas quantitativas para nos reportamos. O número de gestualistas surdos deverá ser mais ou menos o mesmo da incidência de pessoas surdas pré-linguais, 1 por 1000/1500, apesar de nem todos os surdos pré-linguais gestualizarem e, pelo contrário, alguns surdos pós-linguais são gestualistas.

1.1.2 Questões mais Frequentes a Propósito da Língua Gestual

  1. A língua gestual é "universal"?
    NÃO. Cada país, por vezes cada região, tem uma língua gestual própria, testemunha de uma cultura e dos modos de vida que são exclusivos da comunidade surda desse país ou região.
  2. É possível exprimir um pensamento totalmente abstracto na língua gestual?
    SIM. Do mesmo modo que nas línguas orais.
  3. É difícil aprender a língua gestual?
    SIM... e... NÃO. As pessoas ouvintes não estão habituadas a exprimirem-se numa base totalmente visual, nem de utilizarem as mãos e o corpo para tal. No entanto o nível de dificuldade depende igualmente das capacidades de cada pessoa.
  4. Os surdos "soletram" todas as palavras para comunicar?
    NÃO todas. Os surdos utilizam os gestos que são as imagens simbólicas dos conceitos exprimidos. É o conjunto dos parâmetros do gesto assim como a expressão da face e o movimento do corpo que criam uma imagem precisa da ideia exprimida. No entanto há palavras que por serem pouco usuais ou muito específicas necessitam de ser soletradas.
  5. Como se chama a língua gestual em Portugal?
    Chama-se língua gestual Portuguesa, abreviadamente designada por LGP. Erroneamente ainda há muitas pessoas que continuam a designá-la só por linguagem gestual.
  6. Que diferença existe entre a língua gestual Portuguesa e o Português gestual?
    A língua gestual Portuguesa é uma verdadeira língua com um léxico e uma gramática próprios. É a comunicação das pessoas surdas, cada língua gestual é portadora da cultura das pessoas que a utilizam. O Português gestual é um método deturpado de comunicação que utiliza o vocabulário da língua gestual Portuguesa numa estrutura gramatical e numa ordem pertencente à língua oral Portuguesa. Serve unicamente para mostrar a ordem dos gestos numa frase em Português mas não transmite de maneira válida o pensamento de alguém, visto não respeitar as regras gramaticais da língua gestual Portuguesa e a necessidade duma lógica visual.
  7. Existe um gesto para cada palavra em Português?
    Como nas línguas orais, a língua gestual tem por vezes várias traduções diferentes (segundo os sentidos) para uma palavra de Português ou, ao inverso, um só gesto permite traduzir várias palavras de Português.

1.2 A Comunidade Surda

Para dissipar quaisquer dúvidas, convém esclarecer, desde já, que nem todos os surdos pertencem à comunidade surda, e que esta inclui também pessoas ouvintes. A comunidade surda é um conceito antropológico e linguístico: são os falantes da língua gestual portuguesa, é uma minoria linguística do nosso país. Os filhos ouvintes de pais surdos também fazem parte dela, porque aprenderam a língua gestual, desde miúdos, para comunicar com os pais [1].

Para classificarmos um indivíduo como “surdo”, devemos levar em consideração, aspectos anatómicos-fisiológicos e também significados qualitativos, pois a surdez possui graus muito diferentes, nuances extremamente subtis. Dentre as muitas e diferentes formas de classificação de surdez, usaremos a que Oliver Sacks (1986) utilizou no seu livro “Vendo Vozes”:

  1. “Audição deficiente, pessoas que só conseguem ouvir alguma coisa com o uso de acessório auditivo e bastante paciência por parte daqueles que lhes falam. Muitos de nós terão pais ou avôs nessa categoria.
  2. Extremamente surdos, muitos em decorrência de uma doença ou lesão no ouvido nos primeiros anos de vida, mas no caso deles, como também acontece com as pessoas de audição deficiente, ainda é possível ouvir e falar, especialmente com os novos aparelhos auditivos.
  3. Profundamente surdos, que não tem qualquer esperança de ouvir alguma fala. As pessoas profundamente surdas não podem conversar de maneira usual, podem interpretar a leitura labial, usar a língua gestual ou fazer as duas coisas.”

Calcula-se que existam cerca de 100 a 150 mil pessoas que não ouvem bem em Portugal. Há as pessoas que nasceram surdas, outras perderam o ouvido, por vários motivos, por acidente, por trabalhar expostos ao ruído intenso durante vários anos, etc. Mas alguns deles, por variadíssimas razões (incompreensão, falta de informação ou preconceito) nunca chegaram a entrar em contacto com a LGP. Portanto, não fazem parte da comunidade surda.

Há cerca de 15 mil pessoas, em Portugal, que têm como língua primeira a língua gestual Portuguesa, o seu modo de expressão, o seu principal traço de identidade pessoal e de grupo. A língua gestual tem para eles exactamente o mesmo papel que tem para nós o Português. Daí que, naturalmente, prefiram 'juntar-se aos seus'. Não se trata de um apartheid, mas de uma comunidade diferente, que fala a mesma língua. E tal como os surdos podem sentir-se 'noutro país' quando comunicam com um ouvinte, também um ouvinte se sentirá 'estrangeiro' se entrar, por exemplo, no bar da Associação Portuguesa de Surdos, onde a língua gestual é falada por todos. A leitura labial também é importantíssima, é talvez a primeira coisa que em qualquer escola de surdos se ensina a uma criança surda, é fundamental para que qualquer pessoa surda possa comunicar com pessoas ouvintes, ou pelo menos conseguir entendê-los. Em Portugal o ensino da leitura labial não se generaliza muito a surdos que ensurdecem na idade adulta. Como facilmente se entende a língua gestual é mais rica, mais esclarecedora, mais eficaz, mas o desejável é o complemento destes dois tipos de comunicação.

1.3 A Revolução Silenciosa

Portugal e a Finlândia são os únicos países europeus que reconhecem os surdos como minoria linguística na Constituição. A Lei Fundamental Portuguesa consagra, no art. 74, ponto 2, alínea h, a necessidade de o Estado ' proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e de igualdade de oportunidades '.

Pela primeira vez, é reconhecido o direito de uma criança surda frequentar a escola com possibilidade de ter o ensino em língua gestual Portuguesa. E o salto qualitativo é por demais evidente, visto que, de acordo com os estudos existentes, só assim ela poderá, mais facilmente, aprender o Português. Em Copenhaga, numa escola onde se  oncentram
parte dos alunos surdos da Dinamarca, e cujo corpo docente é constituído por professores surdos e professores ouvintes, os miúdos aprendem como segunda língua, e sem dificuldade nenhuma o Dinamarquês, sendo por consequência bilingues. Fazem todo o seu percurso escolar juntos, comunicam em língua gestual e tiram apontamentos em Dinamarquês, com toda a naturalidade. Em Portugal, esta é ainda uma realidade nova, mas os estudos feitos nos países escandinavos concluem que as crianças surdas que têm a língua gestual do seu país como língua primeira tem resultados semelhantes às crianças ouvintes.

Em Portugal, os professores surdos escasseiam. Ora, sem um professor que fale em LGP ou um intérprete, nenhum aluno surdo consegue ultrapassar as dificuldades inerentes às matérias leccionadas no ensino secundário. Para já nem falar no ensino superior. Faltam, portanto, os intérpretes. Existem alguns intérpretes que não escolheram, por assim dizer, a aprendizagem, porque são filhos de pais surdos.

Barbara Schmidbauer (PSE/D), em nome da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais, questionou a Comissão Europeia com a pergunta oral B4-489/98 nos seguintes termos:

  • O projecto Linguas Gestuais demonstrou que o principal problema com que os surdos se vêem confrontados consiste na ausência de reconhecimento oficial das linguagens gestuais por parte dos Estados-Membros da UE que lhes permita afirmarem os seus direitos enquanto cidadãos da UE de pleno direito. Estará a Comissão disposta a publicar uma Comunicação ou uma Directiva relativa ao reconhecimento oficial das linguagens gestuais utilizadas pelos surdos em cada um dos Estados-Membros?
  • Dada a ausência de intérpretes qualificados em línguas gestuais em muitos países da UE, que medidas adoptou a Comissão Europeia visando garantir o financiamento da UE a programas no domínio da educação e da formação profissional destinados à formação de formadores e de intérpretes de línguas gestuais?
  • Atendendo à importância de que para os surdos se reveste a informação visual, tenciona a Comissão Europeia introduzir legislação-quadro relativa à transmissão, em línguas gestuais, de um número mínimo de programas televisivos?
  • Existem nos Estados-Membros da UE sete sistemas diferentes de "telefone e teletexto", os quais não são compatíveis entre si, o que gera inúmeros problemas aos utilizadores surdos que telefonam a amigos surdos em outros Estados-Membros da UE. Tenciona a Comissão introduzir legislação-quadro que garanta a compatibilidade dos equipamentos de telecomunicação por texto e de videofone destinados aos surdos em toda a Europa?
  • Tenciona a Comissão Europeia adoptar medidas que garantam um "design" universal das aplicações multimédia, por forma a que os surdos não sejam excluídos das novas aplicações?
  • Que medidas tenciona a Comissão adoptar, a fim de garantir que os funcionários actuantes nas instituições da UE sejam formados nas questões relativas à surdez e que as reuniões públicas realizadas pelas instituições da UE sejam acessíveis aos surdos?

O Comissário Franz Fischler, durante a sua intervenção, confirmou o facto de a Comissão estar consciente da importância da língua gestual, tendo afirmado ainda que a Comissão tudo fará para sensibilizar os cidadãos para se prestar um maior apoio às pessoas que fazem uso da língua gestual como meio de comunicação.

1.4 O Futuro “Ideal”, as Possibilidades Tecnológicas Perante as Pessoas Surdas

O que é que aconteceu realmente ao longo destes últimos anos? Os meios audiovisuais já estão a ser efectivamente usados na educação e formação das pessoas surdas? Já existem conteúdos pedagógicos em CD-ROM´s, sites WWW, Cassetes Vídeo, ou noutro suporte audiovisual destinados ao ensino da língua gestual Portuguesa de modo a alargar as possibilidades de comunicação, aprendizagem, integração e socialização de todas as pessoas surdas? É um dos objectivos desta tese, procurar caminhos novos para o futuro, na aprendizagem de LGP, para essas novas gerações de cidadãos que só tem a comunicação visual como suporte para acederem à informação e ao conhecimento: as pessoas surdas.

Actualmente, uma nova forma de uso do computador no processo de ensino-aprendizagem, tem sido a educação à distância. Esta modalidade de ensino (dito virtual) remonta a sua origem ao final do século XIX, quando era feita através de cartas. No século XX este forma de ensino foi gradualmente incrementada, incorporando os avanços tecnológicos, começando com a rádio, passando à televisão, e chegando ao uso do computador e da Internet. E é exactamente este último avanço que tem sido o foco de diversos estudos e pesquisas nestes últimos anos. As suas características acarretam certamente vantagens no apoio ao ensino de pessoas com deficiências auditivas.

Está em desenvolvimento desde 1996, num consórcio formado sobretudo por universidades, uma rede ultra rápida de comunicação, chamada de Internet2. Esta rede seria bem parecida com a Internet que se tem hoje, com a diferença de ser bem mais veloz. Isto permitiria o uso de vídeo-conferência em tempo real, sem aqueles problemas (muito desconfortáveis) que muitas vezes acontecem hoje em dia devido à falta de largura de banda. Esta rede já está em funcionamento em algumas universidades dos EUA como a Universidade de Gallaudet e a Universidade de Georgetown, que têm aproveitado para ensinar língua gestual através da Internet. E isto é só o começo, pois as potencialidades desta nova rede são realmente muito grandes.

No entanto, algo que está actualmente na vanguarda da tecnologia é a realidade virtual, com imagens em três dimensões (3D), que se aproximam bastante da nossa realidade concreta. A realidade virtual apresenta um grande potencial de interacção entre as pessoas, e pode fazer uso, além dos recursos audio-visuais a que estamos acostumados, de outros sentidos para uma interacção mais humana e realista. O que se percebe é o grande potencial pedagógico e integrador desta nova realidade. Várias pesquisas estão em curso, e muitas outras ainda são necessárias para, de facto, poder fazer-se uso das potencialidades que esta nova tecnologia parece oferecer.

O telefone de voz tornou-se num importante meio de comunicação, aproximando as pessoas, mas esta tecnologia não pode ser usada directamente por todos. Pessoas com deficiências auditivas precisam de serviços de telecomunicações alternativos, os quais têm que ser disponibilizados em iguais termos. A conversação pessoal via telecomunicações pode agora dar um grande passo em direcção à acessibilidade para todos. Os futuros serviços de telecomunicações podem oferecer aos utilizadores a possibilidade de comunicar simultaneamente através de vídeo, texto e voz. Um dos principais serviços que uma grande parte dos países europeus já possui é o serviço de intermediação telefónica e conversores de texto-voz e voz-texto para cidadãos com deficiência de audição e fala. Baseado num serviço de intermediação entre o emissor e o receptor, constituído por operadores que transcrevem de voz para texto ou de texto para voz consoante a necessidade dos interlocutores da comunicação, dão assim a possibilidade de se estabelecer uma comunicação entre uma pessoa surda e um ouvinte. A 3ª geração de telemóveis (UMTS) vem aí e promete abrir uma nova era de comunicações a surdos e a pessoas com dificuldades na fala, já que se poderá alargar as potencialidades da Internet e da multimédia a um dispositivo móvel de reduzidas dimensões.

Nos últimos quinze anos a comunidade surda assistiu com expectativa a esta saga prodigiosa da evolução das tecnologias de informação. Para eles aquilo que encontravam de mais fascinante nas tecnologias de informação era a comunicação com o computador se poder processar no modo ideal para uma pessoa surda: através da comunicação visual. Também é com as pessoas ouvintes que devemos contar, pessoas que vivem fascinadas na aprendizagem desta língua ou aquelas que por necessidade têm de aprender a comunicar em língua gestual. São pessoas que adoram ou necessitam praticar essa forma de comunicação mas que se vêem por vezes frustradas na concretização desse objectivo.

Uma das coisas que mais tem impressionado é a atitude da juventude actual. São muitos os jovens que querem aprender a comunicação em língua gestual. São jovens do chamado ensino integrado que querem aprender a comunicar com os seus colegas surdos. E, para o comprovar, apresenta-se um "estudo de caso" feito junto das escolas de instrução da Guarda Nacional Republicana. Há quase mil agentes actuais e futuros da Guarda Nacional Republicana muito interessados em conhecer um conjunto de expressões em língua gestual que os habilitassem a comunicar com uma pessoa surda em momentos específicos que acontecem na comunicação com os agentes das forças de segurança: um acidente, um crime, uma transgressão às regras de trânsito ou um simples pedido informação.

A verdade é que tudo o que possa contribuir para dar resposta as necessidade das pessoas surdas é sempre bem vinda. A resposta poderá encontrar-se naquilo que nós designamos como os meios de comunicação interactivos dos quais "et pour cause" a Internet surge como meio privilegiado. A Internet está na moda. Para a comunidade surda sempre houve um relacionamento difícil com as modas do momento, mas a Internet é apenas uma faceta surgida a "posteriori" daquilo que já pensavam há 25 anos: potenciar para a efectiva integração social das pessoas surdas os meios audiovisuais, na sua componente "visual". Portanto, não é uma moda mas apenas uma "peça de roupa" que já imaginavam há um quarto de século em meio "virtual".

Aprender uma língua gestual é um processo difícil, trabalhoso e exigente em termos de vontade e de perseverança. Contudo, e tal como acontece com as línguas faladas, esse processo exige uma prática constante num meio que mesmo não sendo real, pode ter feição virtual através animações virtuais WWW, CD-ROM´s ou cassetes. E porque o tempo corre, e é preciso desenvolver uma estratégia que possa responder aos anseios de muitas pessoas no tempo mínimo útil, que se concebe aquilo a que designamos como a produção de suportes digitais interactivos em 3D de comunicação/formação em língua gestual.

É esta a realidade que se impõe com toda a evidência. Ou seja, com a estratégia que se tem seguido até hoje nunca se conseguirá uma eficiente formação na comunicação em língua gestual [2]. E, por tabela, a efectiva integração das pessoas surdas na comunidade sempre continuará como uma miragem algo distante e inacessível. E, pelo contrário, uma estratégia que tire partido das tecnologias multimédia e da Internet já abre perspectivas mais vastas para essa integração. É uma estratégia que não só envolverá as pessoas surdas, mas também as suas organizações. Ou seja, a estratégia conducente à produção de um Gestuário digital interactivo em 3D acessível através da Internet. Isto é um objectivo perfeitamente ao alcance do estado actual da arte nas tecnologias da informação. Mas, as possibilidades tecnológicas e da Internet não se ficam por aqui. Actualmente, perante os recursos mais rápidos na computação gráfica e processamento de imagem, já nos encontramos num estádio em que a comunicação visual se poderá realizar de um modo efectivo e acessível. As modernas animações tridimensionais e a conversão da voz em texto abrem às pessoas surdas possibilidades que ainda há bem poucos anos só eram imagináveis no mundo da ficção científica. Aquela façanha do computador HAL, de ser capaz de interpretar pela leitura labial, que Stanley Kubrick imaginou no seu filme "2001 Odisseia no Espaço" já é hoje possível.

1.5 Objectivos da Tese

A possibilidade do uso das novas tecnologias, principalmente da Internet, dos CDROM, e todos os serviços associados a estas, para a supressão ou redução de barreiras linguísticas e sociais, que ainda vigoram entre uma sociedade dita “normal” e uma sociedade com dificuldades auditivas com uma língua própria, permanece ainda nos nossos dias como um claro objectivo.

Os novos desenvolvimentos em áreas como a computação gráfica, bases de dados distribuídas, redes de computadores, paralelamente ao desenvolvimento galopante do hardware, renovam as esperanças de obter um sistema global de aplicações integradas, capazes de se adaptar e preencher carências de utilizadores com necessidades especiais sob a forma de ajuda linguística ou de comunicação num mundo dominado pelas maiorias.

Pretende-se com esta dissertação implementar um sistema de apoio à língua gestual Portuguesa, virado sobretudo para o ensino de pessoas com deficiências auditivas que se iniciam nesta língua. Este tipo de aplicação não se poderá resumir à comunidade surda, o objectivo é também dar a conhecer esta língua aos ouvintes, pois para uma comunicação entre surdos e não surdos é necessário um esforço também dos segundos. O sistema contará com as potencialidades multimédia da Internet, com a apresentação de ambientes gráficos tridimensionais com personagens virtuais. A aplicação será proposta através de quatro directrizes principais:

  1. Construtor 3D – Será a componente mais ambiciosa de toda a aplicação. Em geral permitirá a construção de gestos completos de LGP. Uma página Web interactiva será proposta com um modelo completo 3D de um humanóide, e mãos adicionais (direita e esquerda). Assim sendo, o utilizador comporá os gestos com a ajuda de manipuladores tridimensionais, rotações e translações dos modelos, que após a sua composição serão associados a palavras, letras ou números em língua gestual, para numa fase futura, serem armazenados numa base de dados. Esta componente permitirá assim memorizar a construção dos gestos pormenorizadamente, bem como organizar e armazenar uma série de construções de gestos próprios a utilizar em várias traduções aquando da aprendizagem da LGP.
  2. Abecedário 3D – Serão construídas animações 3D realistas para todas as letras do abecedário LGP, com a possibilidade de visualizar a animação de vários pontos de vista. Assim sendo, e a partir do modelo do braço e mão de um humanóide 3D, serão armazenadas as animações de todas as letras, e apresentadas numa página Web, permitindo assim a aprendizagem ou aperfeiçoamento de gestos da língua gestual. Pretende ser uma animação bastante perfeita com modelos e cinemática proporcionada por aplicações externas.
  3. Animações Vídeo – À imagem do que acontece com tantos sites, animações vídeo serão adicionados para descrever gestos em LGP. Mas as animações serão construídas a partir de modelos 3D animados e não a partir de imagens reais. Serão numa primeira fase animados somente os verbos.
  4. Gestuário 2D – Imagens 2D serão apresentadas a partir do Gestuário [3] e associadas a um texto explicativo sobre a posição dos dedos e mãos. Será também  associada uma chamada de atenção para possíveis confusões ou erros com gestos semelhantes.

1.6 Resumo dos Capítulos Seguintes

O texto que se segue toma uma sequência lógica desde a observação de estudos e projectos para o apoio de ensino de língua gestual até à apresentação da aplicação desenvolvida com os respectivos resultados, testes de usabilidade e conclusões.

Assim, no capítulo 2 é apresentada uma vista geral do estado da arte no que respeita à integração e trabalho de apoio na formação de pessoas surdas, respectivamente no desenvolvimento de aplicações específicas direccionadas para pessoas com dificuldades auditivas no campo das interfaces, ensino e aperfeiçoamento de língua gestual.

No capítulo 3 é descrito em linhas gerais a interface do ambiente gráfico onde se incluem aplicações virtuais multimédia e o modo de interacção destas com utilizadores, com especial atenção à manipulação de objectos tridimensionais, cinemática e cinemática inversa como recurso à construção de modelos articulados, navegação em mundos virtuais e diferentes interfaces para uma possível e correcta utilização das tecnologias gráficas 3D.

No capítulo 4 é apresentada a descrição do trabalho desenvolvido no CD-ROM que acompanha esta dissertação, começando com a realização de um construtor de movimentos para língua gestual. Desde a construção dos modelos até à aplicação propriamente dita passando pela biomecânica e articulação dos modelos, especificação da interface e manipuladores bem como do uso de cinemática inversa para controlar de forma natural e humana os modelos apresentados. É também dedicado à descrição do restante trabalho prático para complementar esta tese que resulta de uma aplicação global, interactiva, 3D, distribuída na rede (www) ou CDROM, para ajudar o ensino e aperfeiçoamento de LGP a pessoas surdas e ouvintes que a queiram aprender para poder comunicar-se com pessoas com dificuldades auditivas que comuniquem neste tipo de língua. Através de um numerário, abecedário, vídeos e restantes palavras em língua gestual num gestuário 2D, apresentar-se-à a construção da respectiva aplicação. Será também uma oportunidade de uniformizar a língua gestual que dentro de um mesmo país poderá conter certas diferenças que representam os hábitos de uma sociedade numa dada região.

O capítulo seguinte é reservado a testes de usabilidade com base nos resultados obtidos a partir de inquéritos sobre a integração do trabalho prático numa instituição de ensino de LGP.

Por último são retiradas as conclusões e apresentadas sugestões para um possível trabalho futuro.

 

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