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Susana Rebelo
Susana Rebelo
Professora e Investigadora
Abordagens de Ensino de Português L2 para Surdos
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Publicado em 2013
XII Congresso Internacional, XVIII Seminário Nacional do INES
Susana Rebelo
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Resumo

De todas as questões que se colocam relativamente à educação de surdos, é o ensino-aprendizagem da língua escrita, língua da comunidade ouvinte do país e segunda língua do sujeito surdo, que, sem dúvida, se constitui como principal problemática que, por ser transversal a todas as outras áreas escolares, e fulcral na vida social e profissional do surdo, se pretende ver debatida e amplamente analisada.

O presente artigo tem como objetivo fazer uma breve descrição do Programa de Português Língua Segunda para Alunos Surdos, documento homologado em 2011, e que se institui como o eixo norteador das práticas docentes da disciplina de Português, língua segunda para alunos surdos, em Portugal. Apresenta-se também uma reflexão sobre o tema central, partindo da caraterização da população escolar surda do CED Jacob Rodrigues Pereira e propõem-se linhas de atuação, tendo em conta as atuais necessidades da didática desta disciplina, no contexto português, para os ensinos Básico e Secundário.

Introdução

A mudança de paradigma educativo, não só em Portugal como em outros países, decorrente das propostas das investigações científicas das últimas décadas nas áreas das ciências médicas, das ciências da linguagem e das ciências da educação, veio proporcionar ao aluno surdo um ensino que lhe reconhece o direito à diferença, assegurando o pleno desenvolvimento cognitivo e comunicativo, e garantir o direito de igualdade no acesso ao currículo e, por extensão, à vida na sociedade ouvinte.

Em Portugal, o diploma legal que legitima claramente a filosofia bilingue para a educação dos surdos é o Decreto-Lei n.º3/2008, de 7 de Janeiro 1 que vem instituir a criação de escolas de referência para a educação bilingue de alunos surdos (EREBAS), determinando igualmente a introdução de áreas específicas no currículo dos alunos surdos: LGP como primeira língua (L1), Português como segunda língua (L2) e uma língua estrangeira como terceira língua (L3).

Os alicerces do projeto educativo bilingue viriam, contudo, a ser reforçados, em 2011, com a homologação do Programa de Português Língua Segunda (PL2) para Alunos Surdos, para os Ensinos Básico e Secundário. 2 É hoje uma evidência incontornável que a LGP deve ser a primeira língua dos indivíduos surdos, mas tal constatação não desvirtua a importância da LP como língua de acesso à relação com o mundo ouvinte. Além disso, o desenvolvimento das tecnologias de informação e de comunicação implica que a escrita adquira novos contextos de utilização no quotidiano.

A investigação realizada no campo da Educação refere-nos que as aprendizagens resultam de processos cognitivos complexos em que o sujeito desempenha um papel ativo e relevante na construção dos seus saberes e capacidades. Decorrente deste facto, todo e qualquer Programa Curricular concebido para o ensino de uma língua segunda deve supor a planificação de atividades de contexto de uso de língua, o mais próximo possível, das reais necessidades da sua utilização em sociedade. De igual forma, o ensino da segunda língua, neste caso, da Língua Portuguesa, deve revestir-se de propostas significativas para o aluno, motivando-o a ler e a escrever com diferentes sentidos e intencionalidades.

Um olhar sobre o programa de PL2 para Surdos (apresentação geral e descrição sumária dos aspetos conceptuais e estruturais)

O Programa de PL2 foi elaborado para o 1º, 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e Ensino Secundário, estrutura-se numa matriz comum e não se verifica uma visão estanque dos quatro ciclos, antes se evidencia uma progressão entre eles. Cada ciclo é visto como uma unidade dentro da qual se distribuem os vários conteúdos programáticos, e a gestão do Programa é realizada por cada escola autonomamente que o articula e implementa, levando em consideração o Projeto Educativo, o Projeto Curricular de Turma e o Programa Educativo Individual.

O professor da disciplina de PL2, enquanto agente de desenvolvimento curricular, tem a responsabilidade de operacionalizar o que está disposto no Programa, tendo em conta a realidade educativa da sua escola e os alunos surdos a quem leciona. O Programa prevê que na última etapa da escolaridade obrigatória, no Ensino Secundário, o desenvolvimento de competências se aproxime o mais possível do que é enunciado no programa curricular do ensino regular, na medida em que este é o ciclo que antecede o ensino superior ou a entrada na vida laboral.

Relativamente à estrutura dos Programas de LP2, são enunciadas finalidades que abrangem os quatro ciclos:

  • Fornecer uma educação academicamente desafiadora, mas acessível e em que os alunos desenvolvam um sentido positivo de auto-estima e uma literacia fundada em bases sólidas.
  • Promover uma educação bilingue e bicultural, de modo a formar cidadãos competentes e integrados, tanto na comunidade surda, como na ouvinte.
  • Promover o desenvolvimento das competências comunicativas, tanto em LGP como em LP, a fim de formar cidadãos interventivos e capazes de interagir em sociedade, com sucesso e autonomia.
  • Munir os alunos de competências que lhes permitam ser pensadores críticos, criativos e reflexivos, capazes de tomar decisões e de resolver problemas, cooperando e colaborando efectivamente uns com os outros a fim de alcançarem objectivos comuns em situações de vida e de grupos que reflectem diferenças culturais, sociais e académicas.
  • Contribuir para facilitar o início de um projecto de vida baseado nos seus interesses, capacidades e características, incorporando o conhecimento e a defesa dos seus direitos e mobilizando os recursos disponíveis para uma realização pessoal efectiva.

Fonte: ME/DGIDC, Programa de Português L2 para Alunos Surdos, Ensinos Básico e Secundário, op.cit, p.23.

Os quatro ciclos apresentam Domínios Temáticos de Referência, eixos que contextualizam as aprendizagens e em torno dos quais se aglutinam os temas de comunicação, pressupondo a adoção de uma metodologia próxima da que é utilizada no ensino das línguas estrangeiras. Para os1º, 2º e 3ºciclos, os Domínios Temáticos de Referência são os mesmos. No Ensino Secundário, para cada um dos três anos, são contemplados outros temas de maior abrangência e complexidade sendo que a lógica que preside à sua articulação é igualmente a de progressão.

A planificação dos conteúdos do Programa para os vários ciclos materializa-se através dos Descritores de Desempenho - que determinam o que os alunos devem saber fazer em cada uma das competências – Leitura, Escrita e Conhecimento da Língua 3 - e dos Conteúdos que constituem os saberes a adquirir em cada uma delas e para as quais, também em separado, são enunciados os resultados esperados, i.e., todos os desempenhos linguísticos que o aluno, no final de cada ciclo, deverá ser capaz de realizar. O Programa apresenta sugestões de caráter metodológico na secção de cada ciclo de estudos.

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Fonte: ME/DGIDC, Programa de Português L2 para Alunos Surdos, Ensinos Básico e Secundário, op.cit.

Conceptualmente, o Programa espelha a filosofia educativa de cariz bilingue, defendendo a aprendizagem lexical por unidades temáticas na medida em que pressupõe a aquisição e aprendizagem prévias desse mesmo léxico na L1, a LGP. Nesta lógica, advoga-se o trabalho articulado entre as duas disciplinas, PL2 e LGP, para que os mesmos temas sejam estudados nas duas aulas de língua e viabilizem o desenvolvimento de competências bilingues que mutuamente se consolidam 5. De acordo com o se preconiza como Pedagogia Surda, enunciada no Programa de PL2, (indiquemos, como exemplo, a gestão e organização do espaço da sala de aula, utilização de recursos visuais, entre outros aspetos) a Língua Portuguesa escrita é complementar à LGP, constituindo o seu suporte gráfico uma vez que permite o registo de conceitos, da informação e dos saberes. É, pois pretendido que o aluno surdo aprenda a utilizar as duas línguas com uma função complementar e sempre que o (s) contexto (s) e o (s) interlocutor (es) tal o requeiram.

Ao longo do processo da aprendizagem da escrita, o português, enquanto segunda língua, apresentará vários “ estágios de interlíngua 6” e, como está definido no Programa de PL2, sugere-se que o docente planifique e desenvolva atividades diversificadas e sistemáticas com o intuito de desenvolver essa competência basilar. O treino regular da escrita constitui um eixo estruturante da aula de PL2.

Retomando o trabalho científico desenvolvido por Duarte 7, o Programa de PL2 propõe a implementação de estratégias como a criação de Laboratórios Gramaticais na própria aula, momentos em que se privilegia o ensino e aprendizagem do conhecimento da língua 8. De acordo com este documento orientador, o estudo dos mecanismos estruturais da LP pressupõe dinâmicas que contemplam o ensino explícito e sistemático, numa linha de análise contrastiva com os aspetos gramaticais da LGP. Numa outra lógica de atuação pedagógica, pressupõe-se também que o professor trabalhe implicitamente o Conhecimento da Língua, contextualizado em sequências textuais lidas ou em atividades de produção escrita dos alunos.

Para o desenvolvimento da competência de leitura, ao longo dos quatro ciclos, o Programa propõe-nos a promoção de ambientes culturalmente ricos e estimulantes, através do recurso a diferentes textos, sejam eles autênticos ou construídos, textos literários ou não literários. A leitura deverá ser fomentada, nas suas diferentes modalidades, à medida que o aluno progride nos anos escolares e nos diferentes ciclos, sendo sistematicamente apoiada nas competências comunicativas e linguísticas em LGP. Para o Ensino Secundário, são dadas sugestões para a criação de Fóruns de Leitura, que viabilizam atividades de leitura autónoma, embora possam ser orientadas através de pequenos guiões. Além das competências linguísticas implícitas, o Fórum de Leitura permite dinamizar atividades onde residem competências sociais que são muito comuns na comunidade surda: apresentar publicamente um tema, debater uma questão perante uma assembleia. No âmbito da aula de PL2 e aproveitando as leituras recreativas, os alunos apresentam em LGP os livros que leram, manifestam opiniões, captam da parte dos colegas da turma “outros olhares” sobre o tema, cativam, formam outros leitores. O Fórum de Leitura pode complementar-se com uma Oficina de Escrita.

No que respeita à avaliação das aprendizagens, o Programa adota claramente o paradigma do desenvolvimento das competências consubstanciado no domínio consistente dos conteúdos. Preconiza uma avaliação formativa, que consiste na “mais importante modalidade avaliativa. 9” Este tipo de avaliação permite monitorizar o processo de ensino-aprendizagem, ao mesmo que, sendo mais regular, implica mais o aluno na gestão do seu percurso formativo, dando também feedback ao professor sobre os aspetos a manter, a reestruturar ou consolidar relativamente à gestão da sua aula.

Ensino do PL2 a alunos surdos – contexto e necessidades

A criação e aplicação do Programa de PL2 para alunos surdos representam uma das respostas para o ensino desta população, há muito desejada pelos docentes desta disciplina e constituem também o enquadramento teórico natural e previsível decorrente da adoção de um novo paradigma na educação dos alunos surdos. Desde há dois anos que o Centro de Educação e Desenvolvimento Jacob Rodrigues Pereira (CED JRP) e a rede de Escolas de Referência para a Educação do Ensino Bilingue de Alunos Surdos (EREBAS) têm vindo seguir a planificação prevista no referido programa e a colocar em prática algumas das sugestões metodológicas aí enunciadas. O tempo, ainda breve de aplicação, na medida em que ainda não perfez um ciclo completo de estudos, não nos permite tecer grandes considerações, aferir da sua pertinência e adequação ao perfil da população escolar surda na dimensão nacional, possibilita-nos, todavia, levantar algumas questões relativas à realidade observada no contexto do ensino do PL2 no CED JRP, nos 2º, 3º ciclos e ensino secundário e que, acreditamos, ser também visível nas EREBAS.O ponto de partida para a nossa reflexão consiste na caraterização linguística, em termos gerais, dos alunos que frequentam os ciclos de estudos mencionados, no CED JRP.

O cenário linguístico e comunicativo com que nos deparamos atualmente é complexo, na medida em que a maioria dos alunos se encontra ainda numa fase de transição entre dois modelos distintos de educação de surdos (oralismo e educação bilingue) e, como tal, não apresentam no presente o domínio pleno e necessário da sua 1ª língua, a LGP, que lhes possibilita atingir os níveis de desempenho linguístico contemplados no Programa. Por outro lado, temos em praticamente todos os ciclos, alunos surdos provenientes de países africanos de língua oficial portuguesa, cujos percursos de vida e de escolaridade irregulares e, muitas vezes, acidentados, inviabilizaram ou, no mínimo, dificultaram a aquisição de uma língua estruturada. A situação destes alunos implica que a resposta educativa ao nível da aprendizagem de uma língua seja reestruturada e que, depois de uma análise cuidada do seu processo escolar, enquadrada nas medidas previstas pelo Decreto-Lei nº3/2008, se prevejam reforços curriculares em termos de horas suplementares ao horário do aluno. No CED JRP, estes alunos beneficiam de aulas de apoio individualizado nas disciplinas de PL2 e LGP. O processo tem sido lento, moroso, mas com visíveis ganhos na motivação destes alunos nas aulas de PL2, na sua participação nas várias atividades e na comunicação entre pares surdos e ouvintes.

Atualmente, o CED JRP reúne um conjunto de docentes de PL2 especializados, fluentes em LGP e com vasta experiência no ensino de surdos. Ainda que tenhamos os recursos humanos para desenvolver projetos pedagógicos que correspondam às necessidades educativas e, neste contexto particular, às necessidades linguísticas e comunicativas dos nossos alunos surdos, existem, no nosso entender, materiais e dinâmicas que necessitam de ser criados e implementados num futuro muito próximo sob pena de comprometermos as aprendizagens escolares dos alunos surdos e de não estarmos a ser coerentes com a filosofia bilingue que norteia o programa curricular de PL2 e a educação de surdos. Propormo-nos pois, em seguida, elencar um conjunto de propostas que, de acordo com os resultados esperados enunciados para cada ciclo escolar no Programa de PL2 para alunos surdos, levam também em consideração as necessidades e dificuldades sentidas pelos alunos e pelos professores desta disciplina. Consideramos que existem outras medidas a implementar, na medida em que o processo de ensino-aprendizagem nunca está concluído, mas julgamos serem estas as áreas prioritárias de intervenção, para que o ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa sejam uma realidade com resultados eficazes, subentendendo maior rigor e uniformização e articulação das práticas docentes e possibilitando que o aluno surdo desenvolva um trabalho autónomo, útil e proveitoso dentro e fora do espaço escolar.

1. Manuais de Português Língua Segunda para alunos surdos

Depois da publicação do Programa de PL2, é agora necessário conceber manuais escolares que sirvam esta disciplina e que permitam a organização funcional dos conteúdos programáticos. Sem colocar em causa ou limitar a criatividade do professor, a sua flexibilidade e capacidade de coordenar e ajustar as abordagens aos alunos, o manual, construído com o rigor científico e organizado tendo em conta a especificidade de perceção visual do sujeito surdo, permite que o professor trabalhe sobre uma estrutura já organizada dos vários saberes. Para o aluno, o manual representa um material que serve de guião das suas aprendizagens, é um auxiliar de estudo, uma ferramenta de trabalho. Os manuais de LP2 permitem também padronizar as abordagens linguísticas, culturais ou de natureza estético-literária e possibilitam uniformizar, tanto quanto possível, critérios de avaliação das aprendizagens dos alunos, em cada etapa ou sequência do manual.

2. Materiais de apoio escolar bilingues

Os alunos surdos necessitam de realizar trabalhos de casa, de estudar, de consultar, por exemplo, os resumos de obras obrigatórias constantes no Programa de PL2, à semelhança do que existe no mercado português para os alunos ouvintes. Sabemos que ler uma obra literária, no contexto escolar, nem sempre implica prazer e facilidade, quer pelo nível de língua utilizado, pelos temas, pela estrutura discursiva, quer pelos referenciais distantes da realidade imediata do leitor-aluno. Para o aluno surdo, todos estes aspetos terão de ser tidos em conta, acrescidos da circunstância de que se trata de algo escrito numa língua que não é a sua. Será, assim, da máxima pertinência proceder à conceção e publicação de materiais que contemplem as duas línguas (LGP e LP escrita): livros que apresentam resumo de obras do Programa; sebentas de apoio ao estudo; livros de preparação para exames com fichas de questionário, com esquemas apelativos da matéria, com guiões de leitura das obras obrigatórias e com provas-modelos e respetivas grelhas de auto-correção.

Destacamos ainda do conjunto de materiais bilingues de apoio ao ensino da Língua Portuguesa, a relevância da criação de um Glossário Bilingue para os termos e conceitos específicos desta disciplina. Na aula de PL2, determinados termos, sobretudo os que dizem respeito aos aspetos gramaticais, os que se referem à linguística textual e à literatura, não têm ainda gesto correspondente em LGP ou existindo, o mesmo não está estabilizado. A criação deste material proporciona uniformidade, relativamente ao uso de terminologia, nas práticas docentes e beneficia o trabalho autónomo do aluno surdo que poderá aceder ao termo aprendido na aula, através do português escrito e do vídeo em LGP.

3. Maior articulação entre docente de PL2 e docente de LGP

De acordo com os vários estudos realizados nesta área, é hoje inquestionável que o processo de ensino e aprendizagem de uma segunda língua beneficia exponencialmente o aluno, se houver uma plataforma linguística de base onde realizar ancoragens do que vai aprendendo e, mediado pelo professor, as análises contrastivas realizadas entre as duas línguas permitem que o aluno adquira uma visão mais abrangente e significativa do fenómeno linguístico. Por outro lado, desejando-se que as duas línguas sejam complementares, no contexto escolar, é necessário que haja articulação entre os docentes das duas disciplinas: PL2 e LGP. Temáticas abordadas na aula da primeira língua (L1) podem ser retomadas, para efeitos de registo escrito, na aula de segunda língua (L2). Particularidades gramaticais de uma das línguas podem ser alvo de uma reflexão e discussão na turma, sendo contextualizadas pelo professor que, ao apresentar exemplos de uso desses aspetos do funcionamento da língua, poderá salientar a (s) diferença (s) ou analogias na outra língua. Pelo exposto anteriormente, torna-se evidente que para existir esta articulação é necessário que os dois professores tenham um bom domínio da língua-alvo para que as abordagens e chamadas de atenção para as particularidades sejam credíveis e bem sustentadas.

4. Maior envolvimento da família na leitura e na escrita

A aprendizagem da segunda língua para os alunos surdos não se esgota no contexto escolar. Eles necessitam de ler e escrever fora das aulas, seja ler para obter informações de transportes, de funcionamento de serviços, seja para escrever um recado a um amigo ou familiar, enviar um email ou preencher um formulário num serviço de utilidade pública. Estimular o contacto com os textos escritos é uma responsabilidade dos professores mas também deverá ser um dever dos pais e encarregados de educação, enquanto agentes responsáveis pela educação e formação da criança ou jovem surdo. A escola poderá desenvolver ações de sensibilização junto das famílias no sentido de as lembrar de que a competência de leitura e escrita é um processo sempre em aberto e que os seus educandos beneficiarão se não se limitarem à leitura e escrita funcional, e antes dominarem os textos escritos com diferentes estruturas e intenções. Os professores de PL2 poderão também dinamizar atividades que impliquem a participação dos pais e encarregados de educação nos trabalhos de leitura e escrita. Por exemplo, na criação de dossiers ou portefólios de leitura e apreciação de livros lidos pelo aluno e pelo seu pai ou mãe. No final de cada período letivo, poder-se-á fomentar um sarau de apresentação de livros e de comentários aos mesmos.

Considerações finais

A educação do sujeito surdo, no seu sentido lato, e a formação escolar, numa perspetiva mais restrita, sobretudo os processos de ensino e aprendizagem dos surdos nas várias disciplinas curriculares têm constituído os eixos estruturantes de diversos trabalhos científicos que traduzem a preocupação dos profissionais da educação e das políticas educativas em melhorar as práticas docentes e adequá-las à filosofia bilingue que atualmente norteia a educação dos surdos.

De todos os desafios que se colocam na educação escolar dos sujeitos surdos é o ensino eficaz de uma segunda língua na sua modalidade escrita que monopoliza as reuniões e encontros de professores, quer no contexto do ensino básico e secundário quer nos meios universitários e científicos onde esta problemática se insere e é alvo de investigação. Como sabemos, o conhecimento e uso adequado da língua escrita da comunidade ouvinte assegura uma multiplicidade de funções e relações entre o sujeito surdo e a sociedade onde vive, estuda e trabalha. No contexto escolar, o domínio da língua escrita é uma necessidade transversal ao elenco das disciplinas que compõem o currículo nacional.

A existência, em Portugal, de um Programa de Português Língua Segunda para Alunos Surdos, um documento que define e distribui pelos vários ciclos e anos escolares as temáticas, os conteúdos a lecionar e diversas sugestões metodológicas é um passo importante e decisivo para regular e auxiliar o trabalho do professor de PL2.

O cumprimento de um Programa não garante, contudo, a resolução das dificuldades que encontramos no terreno, no contexto português, essencialmente por dois motivos: a) grande maioria dos alunos surdos não parte de uma plataforma linguística suficientemente estruturada (na sua primeira língua) ou não beneficiou de uma escolaridade anterior baseada numa metodologia bilingue consistente e b) não existem manuais e materiais de apoio escolar à disciplina de PL2, sobretudo a partir do 1ºciclo, que permitam ao aluno surdo a autonomia e consolidação das suas aprendizagens, fora do contexto escolar.

Decorrente destas circunstâncias e da natural heterogeneidade das turmas de surdos (em termos de etiologia da surdez, idade de aquisição da LGP, percursos escolares, entre outros fatores), os professores de PL2 têm diante de si um trabalho desafiante que carece de um suporte de material didático concebido adequadamente para os alunos surdos.

Acreditamos, todavia, que o caminho percorrido nas últimas décadas, seja pelo reconhecimento da LGP como língua da comunidade surda e pela promulgação do Decreto-Lei nº3/2008 que dispõe uma série de medidas que visam garantir a organização das escolas em função das diferenças, igualdades, direitos e deveres dos alunos surdos, quer seja pela proliferação de estudos científicos nesta área e pela crescente especialização dos docentes de língua portuguesa para alunos surdos, faz supor o início, a curto e a médio prazo, de trabalhos e projetos promissores de importantes ganhos no processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa como língua segunda para alunos surdos.

Notas

1 DECRETO-LEI nº 3/2008, publicado no Diário da República -I série, n.º4, de 7 de Janeiro. Fonte: http://dre.pt/
2 ME/DGIDC, Programa de Português L2 para Alunos Surdos, Ensinos Básico e Secundário, Lisboa, 2011.
3 O Conhecimento da Língua segue o disposto no Dicionário Terminológico. Fonte: http://dt.dgidc.min-edu.pt
4 São apresentadas as propostas contempladas no Plano Nacional de Leitura para alunos surdos. A seleção dos textos deve considerar o nível de proficiência dos alunos, os domínios temáticos e o projeto curricular de turma. Plano Nacional de Leitura. Fonte: http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt
5 ME/DGIDC, Programa de Português L2 para Alunos Surdos, Ensinos Básico e Secundário, op.cit.
6 QUADROS, R.,M. & SCHMIEDT, M., L., P., Ideias para Ensinar Português para Alunos Surdos, Brasília: MEC, SEESP, 2006.
7 DUARTE, I., O Conhecimento da Língua: desenvolver a consciência linguística, Lisboa: DGIDC, 2007.
8 No decurso da sua intervenção pedagógica junto de alunos surdos do Ensino Secundário, no âmbito da realização do curso de Mestrado em Ensino, Martins concebeu e desenvolveu uma Oficina Gramatical sobre os conetores sintáticos que emanam dos possíveis nexos estabelecidos pela conjunção coordenativa “e”. Os resultados obtidos permitem constatar a pertinência da utilização da Oficina Gramatical, pelas dinâmicas de análise aprofundada e contrastiva gerada no decurso da mesma. Martins, M, Ensino de Conexões Complexas a Alunos Surdos do 10ºano de Escolaridade, ainda no prelo, 2012.
9 ME/DGIDC, Programa de Português L2 para Alunos Surdos, Ensinos Básico e Secundário, op.cit, p.152.

Bibliografia

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ME/DGIDC, Programa de Português L2 para Alunos Surdos, Ensinos Básico e Secundário, Lisboa, 2011.

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SOLÉ, I, Estratégias de leitura, 6 ed., Porto Alegre: Artmed, 1998.

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