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Zilda Maria Gesueli
Zilda Maria Gesueli
Professora
Linguagem e surdez: questões de identidade
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Publicado em 2008
Horizontes, v. 26, n.2, p. 63-72
Zilda Maria Gesueli
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Resumo

Dado que os mecanismos de produção de sentidos são também os mecanismos de produção dos sujeitos, segundo Eni Orlandi, não há como dissociar linguagem, identidade e cultura. No rastro de tal discussão buscamos observar aspectos da formação identitária de sujeitos surdos filhos de pais ouvintes em relação a sujeitos surdos filhos de pais surdos. Sendo 95% dos surdos filhos de pais ouvintes analisaremos a percepção da mãe surda sobre seu filho surdo e a percepção da mãe ouvinte sobre seu filho surdo. Esta pesquisa desenvolveu-se com alunos surdos na faixa etária de 4-7 anos de idade que freqüentam o Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel Porto” - CEPRE/FCM/UNICAMP.

Introdução

A área da surdez tem sido marcada pela proposta de educação bilíngüe (Skliar, 1997), a qual nos sugere mudanças que se mostram necessárias, sendo a mais importante delas o respeito à língua de sinais enquanto língua natural1 e de direito do surdo. Outra mudança se refere à condição bilíngüe do surdo, ou seja, ele deverá ter acesso à língua de sinais através do contato com a comunidade surda (dado o fato de 95% dos surdos serem filhos de pais ouvintes e adquirirem tardiamente a língua de sinais), possibilitando que a língua majoritária, oral e escrita, seja trabalhada como segunda língua.

Nessa perspectiva, a aceitação de uma língua implica sempre a aceitação de uma cultura, conforme lembra Behares (1993). Para este autor, a passagem para a educação bilíngüe significa uma mudança ideológica com respeito à surdez e não uma mudança meramente metodológica, destacando que a educação bilíngüe propõe-se a transformar a educação dos surdos em uma pedagogia socializada, abandonando as práticas clínicas e terapêuticas.

Os surdos, mediados pela língua de sinais, constroem suas relações sociais, adquirem conhecimento e se constituem em sua diferença. A questão da língua de sinais, portanto, está intimamente relacionada à cultura surda (Gesueli, 2006). Esta, por sua vez, remete à identidade do sujeito que (con)vive, quase sempre, com as duas comunidades (surda e ouvinte). Neste contexto, importa analisar o modo que os sujeitos inseridos em escolas bilíngües narram-se como sujeitos da comunidade surda.

A inserção do professor surdo e da língua de sinais em contexto escolar torna-se essencial para a construção da identidade surda e, conseqüentemente, para se conseguir uma educação condizente com as possibilidades lingüístico-cognitivas do surdo (Gesueli, 1998).

Atualmente temos nos debruçado sobre uma bibliografia que discute a questão da identidade surda, que mostra a importância do reconhecimento do surdo enquanto sujeito surdo; do seu contato com a comunidade e principalmente a importância do uso da língua de sinais. Como língua e identidade não estão desvinculadas, interessa-nos a condição da “identidade surda”, visto que o sujeito surdo faz uso de uma língua que não é a língua da maioria que o cerca. Geraldi (1996) afirma que “os sujeitos se constituem a medida que interagem com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste processo”.

A concepção de língua aqui assumida estará apoiada na discussão apresentada por Bakhtin (1995), na qual o sujeito não se situa nas extremidades ou na fonte do discurso e também não se constitui em mero reprodutor de discursos; o sujeito é, antes de mais nada, um produto dos discursos. É através do interdiscurso que ele se constitui:

Inspirado em Bakhtin, entende-se que o sujeito se constitui como tal à medida que interage com os outros sua consciência e seu conhecimento do mundo resultam como ‘produto sempre inacabado’ deste mesmo processo no qual o sujeito internaliza a linguagem e constitui-se como ser social, pois a linguagem não é trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico seu e dos outros e para os outros e com os outros que ela se constitui. (Geraldi, 1996, P.19).

Dado o papel da linguagem como atividade constitutiva (Franchi, 1977), nos interessa discutir a relação língua/identidade, entendendo que o sujeito se constitui como tal à medida que interage com os outros. Parafraseando Geraldi (1996), a língua e o sujeito se constituem nos processos interativos. “Isto implica que não há um sujeito dado, pronto, que entra em interação, mas um sujeito se completando e se construindo nas suas falas e nas falas dos outros” (Geraldi, 1996, p.19). Nesse contexto, a criança surda filhas de pais ouvintes cresce como estrangeiro na sua própria língua, pois não compreende a língua falada pelos pais e pela sociedade a sua volta. Daí as dificuldades e barreiras no processo de construção de sua identidade.

A interação com os pais e com a sociedade fica deveras prejudicada, e o que se obtém é a constituição de um sujeito deficitário, ou seja, um ouvinte deficiente, pois a comunidade majoritária visa constituir a criança surda como um sujeito ouvinte. A criança surda não interage para ser um sujeito surdo, mas para ser um sujeito ouvinte deficiente.

A proposta de pesquisa

Esta pesquisa tem como objetivo observar o processo de construção da identidade surda em crianças surdas filhas de pais ouvintes e em uma criança surda filha de pais surdos. A partir das práticas discursivas desses sujeitos, pretendemos mostrar a importância da língua de sinais nesse processo, sendo extremamente favorável à criança surda estar desde cedo em contato com outros surdos, interagindo em língua de sinais, principalmente em ambiente familiar.

Vale ressaltar que 95% dos casos de surdez acontecem em famílias de ouvintes, daí o fato de termos contato apenas, com uma criança surda filha de pais surdos.

Foram realizadas algumas entrevistas semi-abertas para que as mães pudessem apresentar suas expectativas em relação ao processo de envolvimento de seus filhos no que se refere à comunicação e ainda sobre como a surdez é concebida em âmbito familiar e nos contextos sociais em que a criança está inserida.

Inicialmente todas essas atividades foram realizadas com a mãe surda (que no momento da pesquisa só havia uma) e com todas as outras mães ouvintes (um total de 4 mães).

No decorrer da pesquisa consideramos importante observar as interações em atividades desenvolvidas no CEPRE (Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel Porto” FCM/Unicamp). O critério de escolha da criança surda filha de pais ouvintes foi o da faixa etária. Consideramos razoável a proximidade entre as crianças por serem do sexo feminino e terem a mesa idade (6 anos) o que facilitaria as observações.

Fez parte ainda dos objetivos da pesquisa observar as possibilidades de entendimento dessas crianças a respeito do que significa ser surdo, considerando as possibilidades de reconhecimento dessa identidade.

Formas de registro e coleta de dados

A presente pesquisa se deu a partir da observação de um sujeito surdo filho de pais ouvintes e de um sujeito surdo filho de pais surdos, com seis anos de idade. Os sujeitos foram observados em situações de interação no CEPRE, instituição na qual os sujeitos são atendidos, interagindo com seus pares e vivenciando a língua de sinais no contato com o professor surdo. Neste contexto as crianças desenvolveram atividades pedagógicas em interação com professores surdos e ouvintes que, dentre outras coisas, abordaram o tema das diferenças e, mais especificamente, o tema da surdez.

Os pais das crianças foram entrevistados (em entrevista semi-aberta) para se ter um melhor conhecimento dos sujeitos e a concepção desses pais a respeito da surdez. A partir do discurso dos pais em relação às crianças, pudemos assinalar as marcas de identidade presentes nas narrativas dos familiares.

A coleta de dados foi feita através de filmagens seguidas de transcrição. A metodologia de transcrição da língua de sinais foi baseada nos estudos de Ferreira Brito (1995). Os nomes das crianças foram mantidos em sigilo, utilizaremos nomes fictícios na exposição dos dados.

Em seguida, apresentaremos um recorte dos dados coletados para então, com base na discussão teórica abordada, analisar os discursos proferidos no que se refere à concepção de surdez e sujeito surdo.

“Coitada ela não escuta” – análise da entrevista com a mãe ouvinte

Mariana é uma criança que nasceu surda, com 7 anos de idade e filha de pais ouvintes. A mãe de Mariana que chamaremos de MO (mãe ouvinte) traz o seguinte depoimento:

Aí teve que, com um ano e meio mais ou menos, eu comecei a falar com meu marido: “Olha eu acho que a Mariana não escuta”. “Ah, você é louca! Isso é coisa da sua cabeça!” Aí eu mesma comecei a fazer testinhos. (...) Aí eu comentei sobre isso com a pediatra, aí ela falou: “olha, já que você tem dúvidas, então...” aí ela encaminhou para um otorrino. Foi aí que fez o exame e já falaram que ela era surda.

MO nos revela, logo no começo da entrevista, um pouco de sua experiência, um pouco dos discursos aos quais ela vai responder ao longo da entrevista semi-aberta. Quando percebe que a filha não escuta e comenta com o marido, ela recebe como resposta: “Ah! Você é louca!”. A resposta do marido revela como a sociedade vê os surdos, ou melhor, como a sociedade estigmatiza os surdos como deficientes.

A partir de Foucault (1979), estamos diante de uma norma legitimada pela disciplina das redes de poder, que busca agir sobre o corpo, homogeneizando indivíduos, adestrando, tornando-os controlados e dóceis aos poderes articulados pelo poder soberano do Estado. Assim, o surdo deve ser considerado deficiente, um indivíduo anormal, para que não reivindique seus direitos, para que não ofereça perigo à ordem social e nem às raças pretensiosamente puras. A partir do momento em que a mãe supõe que a filha é surda e enuncia tal fato, temos um discurso interditado que versa sobre um tema que está à margem da sociedade, sobre o indivíduo anormal, relacionado à loucura.

Mesmo a fala do pediatra, que supostamente deveria observar quaisquer indícios em relação à resposta da criança ao som, considera a dúvida da mãe como um capricho, expresso pelo “já que você tem dúvidas”. Como a mãe insistia nessa hipótese, o pediatra encaminha para um outro médico que atesta o laudo. Pelo fato de não apresentar nenhum estigma, o diagnóstico da surdez ainda pode ser demorado, fato que já vem se modificando nos dias atuais com os programas de prevenção, como o chamado “teste da orelhinha”. Ninguém espera por um filho surdo e nem sempre o pediatra suspeita de tal fato, pois o desenvolvimento de linguagem do bebê ouvinte e do bebê surdo são muito próximos até mais ou menos um ano de idade. A surdez se insere na anormalidade e representa o desconhecido, causando medo e muito sofrimento entre as famílias de pais ouvintes.

Você tenta se enganar. ‘Ah, deixa pra depois, pra amanhã, não é...’ Você vai se enganando, não é, aí sei que tem uma hora que você tem que cair na real mesmo. Então foi com dois anos que veio o diagnóstico mesmo.”
“O médico falou: ‘Ah, ela realmente não escuta’, tal, e aí eu já comecei a chorar. Aquela coisa toda né!

A hipótese da mãe sobre a surdez, anunciada perante o marido e o médico já vem em si carregada de significados. A sensação de desgraça e luto paira sobre a família. E a percepção de algo que é melhor nem pensar: um tabu. O discurso do marido, dos médicos e tantos outros perpassados pelo discurso da mãe determinaram seu olhar sobre a surdez, ou melhor, como ela enuncia, sobre a deficiência auditiva – termo utilizado como eufemismo, como tantos outros eufemismos que tentam amenizar as cargas semânticas dos preconceitos da sociedade.

E depois da certeza do diagnóstico, a reação foi o pranto e a “coisa toda, né”. É essa coisa toda que revela a consonância de seus atos com seu discurso. Num texto carregado de eufemismos, Brito e Dessen (1999) propõem que, com relação à descoberta do diagnóstico, há um período de choque, depois de tristeza ou ansiedade, para, em seguida e gradualmente, acorrer uma reorganização na direção da aceitação do bebê. Este período é denominado de “reação inicial de crise”, acompanhado de uma desorganização emocional.

Com o tempo os pais se adaptam à nova realidade e iniciam o processo de “arregaçar de mangas”, ou seja, tentam ajudar a criança ‘deficiente’ – período este que pode ser mais longo para uns do que para outros. Todos esses períodos são marcados pelos diferentes discursos que atravessam a vida familiar, o que pode retardar ou acelerar o processo de aceitação e acomodação à nova situação.

É através dos discursos que essas reações são perpetuadas e justificadas. Brito e Dessen, justificam as reações dos pais, com relação à descoberta da deficiência, propondo estratégias para que esse sofrimento seja amenizado, assim como a melhora da relação com a criança. Propõem que a revelação do diagnóstico seja feita de uma forma mais adequada, que haja uma discussão na família sobre valores e sobre necessidade, desejos e sentimentos, reflexões sobre o modo de vida que a família leva e o que ela quer para si.

No entanto, essas propostas buscam melhorar a relação familiar e não retirar a surdez do campo da deficiência. “Na família a desinformação sobre o surdo é total e geralmente predomina a opinião do médico, e as clínicas de fonoaudiologia reproduzem uma ideologia contra a diferença” (Perlin, 1998, p.68)

Falei: “E agora, o que que eu vou fazer?”. Sabe, pensei que ela não ia poder ir na escola, pensei que ela não ia aprender a ler, sabe quando cê acha que não pode fazer nada? Daí quando eu comecei a vir aqui [no Cepre] que a T. [fonoaudióloga] começou a me orientar, tudo, conheci também, né, o V. [ professor surdo], aí cê vai se acalmando e vai vendo que não é esse bicho de sete cabeças.

Seguindo a terminologia de Perlin (1998) encontramos no discurso acima dois tipos de ouvintismo. O ouvintismo tradicional que é formado por discursos que constroem “representações sobre os surdos de modo a não lhes dar saídas para outros modelos que não seja o modelo de identidade ouvinte. (...) Os surdos dessa cena vivem na ideologia servil ao ouvinte, uma resistência radical a qualquer mudança e diferença, uma desnecessária elitização da cultura ouvinte e conseqüente rechaço e subalternação da cultura surda” (Perlin,1998, p. 60). Esse tipo de ouvintismo propicia o entendimento da mãe ouvinte sobre a surdez, ou seja, a concepção de um indivíduo incompleto, deficiente que aparece em seu discurso.

O segundo tipo de ouvintismo presente na fala da mãe ouvinte é o chamado natural que defende a igualdade natural entre surdos e ouvintes, porém continua com o encapsulamento do surdo na cultura ouvinte. Admite que o surdo se constitui como bilíngüe e bicultural, mas não descarta que o surdo precisa integrar-se numa sociedade de cultura ouvinte (Perlin, 1998).

A mãe ouvinte começou a ter no CEPRE contato com outros discursos, outro tipo de produção de saberes, relacionados em algum momento com a área médica e suas formações discursivas, mas também relacionados aos discursos dos surdos militantes. Assim, a mãe conheceu a língua de sinais e as diferentes concepções de surdez, entendendo que esta não era “esse bicho de sete cabeças”, visão incorporada a partir de outros tantos discursos que a constituíram durante sua experiência de vida.

Se não fosse a língua de sinais... Quando ela era pequena, sabe, não tinha como eu tá explicando as coisas pra ela, sabe quando você vai sair e não fala para onde ia, essas coisas, não perguntava o que ela queria o que ela não queria, cê vai dando, cê vai levando a vida pra ela, e era assim que eu fazia. Mas depois da língua de sinais não, aí ela já começou a falar o que queria...

A língua de sinais aparece como uma forma de interação social através da qual a filha consegue comunicar-se efetivamente, diferente dos sinais caseiros através dos quais mãe e filha iam “levando a vida”. Porém, a mãe ainda não tem total clareza de que a LIBRAS é uma língua de fato, o que decorre muito mais de uma falta de conhecimento sobre o tema do que da recusa em aceitar a LIBRAS como língua – visto que ainda é senso comum que o “brasileiro não sabe falar direito nem o português”.

A questão apontada está na importância da língua de sinais para o desenvolvimento da filha, mesmo que o desejo da mãe seja ainda o da oralidade. Este depoimento mostra a compreensão da mãe sobre o papel da língua de sinais na comunicação com a filha, o que parecia, no momento, muito mais importante do que se conseguir a oralidade. A língua de sinais propicia um melhor desenvolvimento cognitivo-lingüístico da criança, visto que a aprendizagem de uma língua oral tem um empecilho biológico evidente.

O milagre da ciência é a tecnologia que pode possibilitar ao surdo um tipo de audição em diferentes graus a depender do grau de surdez. Sendo a surdez considerada como deficiência é natural que os pais procurem a cura para isso e o uso de aparelhos amplificadores traz muita esperança às famílias. Dessa forma, a mãe quase que obriga a filha a usá-lo, mesmo que ela não goste ou diga que dói e que faz muito barulho. O indivíduo só é completo (normal) se falar e escutar: “eu acho que a fala, a fala eu sei que vai vir depois, mas eu acho que não é tão importante quanto a audição”.

Nesse sentido, quando questionada a respeito do implante coclear a mãe chega a interromper a pergunta e muito entusiasmada responde que já procurou esta alternativa, mas que ainda vai esperar um tempo, pois ainda teme os resultados.

Como já dissemos anteriormente a identidade se constrói na interação com o outro, a partir das imagens que esse outro elabora sobre o sujeito e o contexto familiar marca o início desse processo. A subjetividade se inicia no seio da família nas interações entre familiares.

Muitas vezes ela senta e pede para ir brincar com ela de falar. Ela fala [sinaliza]: ‘vamos brincar de falar’. Então ela quer que eu faça o sinal para ela falar o que é. Ela pede muito isso e muitas palavrinhas ela já tá começando a falar e saber o que está falando, porque eu insisto um monte de vezes que ela saiba o que está falando e eu sei que ela está começando.

Observamos nesta produção as marcas da interdiscursividade que se relaciona com o que Authier-Révuz (1982) considera como heterogeneidade constitutiva. A autora discute duas formas de heterogeneidade: a explícita que se resume na presença do outro no texto de forma clara e evidente, dando como exemplo as formas de discurso relatado (discurso indireto e discurso direto), o uso das aspas, os enunciados metadiscursivos. E a heterogeneidade constitutiva, a qual não é marcada de forma clara no discurso, mas definida pela interdiscursividade, pela relação que todo texto mantém com outros textos (seja oral, sinalizado ou escrito).

As marcas da heterogeneidade explícita articulam-se com a heterogeneidade constitutiva da linguagem levando-nos a considerá-las não somente como marca sintática/semântica da fala do outro no texto. “Temos, então, uma aproximação entre a heterogeneidade explícita na linguagem e a heterogeneidade constitutiva da linguagem” (Gesueli, 1998, p.70) em que o sujeito, levado pelo desejo de dominância, “pela ilusão de ser a fonte do discurso, por um processo de denegação, localiza o outro e delimita o seu lugar para circunscrever o próprio território” (Brandão, 1997, p.285).

Toda esta discussão vem confirmar, como bem mostrou Bakhtin (1929/1995), que na construção de qualquer texto atravessam diferentes vozes de diferentes enunciadores, o que faz da linguagem um fenômeno essencialmente dialógico e, conseqüentemente, polifônico (Gesueli, 1999).

O enunciado da mãe ouvinte nos mostra as diferentes vozes que perpassam o discurso de Mariana quando pede para brincar de falar. O pronunciamento de Mariana sobre o desejo de falar vem perpassado pelos discursos alheios. Dessa forma, é possível identificar sem quaisquer dificuldades a que tipo de discursos Mariana responde, concorda e assume como seus.

“Brincar de falar” é marca de interdiscursividade, de todos os discursos turbulentos da mãe e dos discursos de toda uma sociedade oralista. Mesmo a mãe, quando “insiste um monte de vezes” para que ela entenda os sons que está proferindo, está sendo um arauto do já discutido ouvintismo tradicional, introduzindo outras regras na imaginação da filha, para que ela consiga, por vontade própria, querer falar, escutar e ser “normal”.

O discurso ouvintista tradicional é homogêneo na nossa sociedade que, portanto, é oralista. Daí o estigma e preconceito com relação ao surdo de que ele é inferior, limitado, um indivíduo servil na sociedade contemporânea – basta verificarmos enunciados como “Ah! Coitadinha, mas é tão linda”, ditos por uma senhora num ônibus, assim também como o discurso da mãe de Mariana: “ah, coitadinha, mas ela já não escuta”.

Neste contexto parece difícil que Mariana venha a construir uma identidade surda com base na concepção de Perlin (1998), ou seja, aquela que recria a cultura visual, reclamando à história a alteridade surda, denominada, a identidade política surda. No entanto, ainda imersa em um contexto marcadamente oralista, ouvintista tradicional, a criança tem acesso à língua de sinais mesmo que seja para atingir a oralidade. Ela tem acesso à cultura surda através do contato com os professores e alunos surdos do CEPRE com quem interage. Assim, existe ainda a possibilidade de se constituir uma identidade surda pautada na diferença.

Podemos apontar no discurso da MO enunciados que nos revelam os interdiscursos que perpassam o discurso de Mariana, convivendo com todos sem nenhum problema de incompatibilidade. Ao mesmo tempo em que deseja falar e brincar de falar: “ela sente falta de ouvir”, fica feliz quando um primo interage em sinais com ela e fica admirada quando vê outro surdo conversando.

“Hoje mesmo veio um rapaz no ônibus e ela falou: ‘olha lá fazendo sinais rápido, eu não sei fazer rápido assim’... Eu falei: ‘calma que você vai aprender”

A criança também deseja a fluência na língua de sinais, espera por isso e, muito provavelmente, para corresponder com o desejo da família, espera ainda poder falar e ouvir. O desejo de falar/ouvir é marcado pelo/no discurso alheio que perpassa o discurso de Mariana.

Em resumo, a entrevista com MO nos mostra que, além da importância fundamental da língua de sinais para o desenvolvimento cognitivo-lingüístico da criança, apresenta-se como destaque o papel da interdiscursividade, de como os discursos alheios exercem seu poder nas micro-relações cotidianas, de uma simples conversa de ônibus até uma brincadeira no lar, constituindo saberes, cadeias discursivas, sujeitos e identidades. Por fim, se são os poderes exercidos pelos discursos que constituem os sujeitos, a construção de identidades não se insere simplesmente, no âmbito cultural, mas principalmente, no político.

“O surdo entende o surdo” – análise da entrevista com a mãe surda

Brito e Dessen (1999) apontam pesquisas sobre estudos comparativos entre os filhos surdos de pais ouvintes e os filhos surdos de pais surdos. As conclusões demonstram que os primeiros parecem ter auto-estima menor do que crianças surdas, filhas de pais surdos.

Essa diferença entre crianças surdas filhas de pais ouvintes e crianças surdas filhas de pais surdos reflete a imagem que cada família tem da surdez. A mãe ouvinte quando soube da surdez da filha relata: “você vê seu mundo se acabando”.

Com a mãe surda é diferente, pois quando questionada sobre sua reação diante da surdez da filha, diz que ficou feliz – o que faz muita diferença na interação entre pais e filhos. O pai ouvinte entra em luto pelo significado de perda que se estabelece com a surdez. O pai surdo não está diante do desconhecido e sabe que terá que lutar contra o discurso ouvintista, pois não deseja para o filho o que ele vivenciou no processo de escolaridade e nas inúmeras tentativas de oralização.

Quando questionada sobre o motivo de sua felicidade diante da surdez da filha a mãe surda (doravante MS) responde: “Porque ela é surda igual a mim, então para mim não tem problema”. A questão que se coloca nos leva à discussão da alteridade, da identidade. Enquanto a mãe ouvinte deparou-se com uma filha diferente de si, supostamente “incompleta”, “deficiente”, que não poderia se constituir como um reflexo dos pais, a mãe surda deparou-se com uma criança igual a ela: uma criança surda também, um reflexo seu.

É possível supor que, se o filho da MS nascesse ouvinte haveria um certo estranhamento e decepção, conforme pudemos perceber no seguinte relato durante uma conversa informal (já fora do contexto da entrevista) ao ser questionada sobre qual seria sua reação diante de um filho ouvinte: “A gente ia amar igual, né? Fazer o que?”.

A constituição da identidade não está vinculada unicamente à questão lingüística, mas também às questões políticas e ideológicas, aos discursos que sustentam concepções diversas, quer seja de um ouvintismo tradicional ou natural, mas que fundamentam um tipo de preconceito.

O que faz com que Eduarda não tenha sofrido um tipo de rejeição da mãe, nem viva sempre aquém da normalidade são os discursos que constituíram sua mãe, sua experiência de vida, sua interação com outros surdos mediada pela LIBRAS, através da qual circulam saberes que contradizem o senso comum, saberes que sustentam que a surdez é uma diferença. Todo esse contexto modifica completamente o ambiente familiar e a interação mãe-filha.

...mas a professora [da escola de ouvintes] não conhecia os surdos, aí eu achei melhor colocar ela no CADAF (escola especial para surdos).
Porque lá (escola de ouvintes) não tem fono e a professora não conhece o grupo de surdos
....eu acho que ela [a professora do CADAF] é melhor, porque ela é surda igual.

Em todos os recortes apresentados encontramos uma necessidade da mãe de que a filha esteja em contato com outros surdos, ou melhor, que pelo menos a professora tenha conhecimento e esteja em contato com o grupo de surdos.

A professora ideal é a que conhece os surdos, que reconhece suas possibilidades de desenvolvimento cognitivo na mesma medida do ouvinte, considerando-se a diferença. Estamos diante de uma mãe imersa num ouvintismo crítico (Perlin, 1998), pois ela leva em consideração a alteridade - a identidade surda, e sua cultura advinda da língua de sinais. Nesta posição, o sujeito surdo batalha por seus direitos provenientes de sua diferença, lutando com os poderes exercidos pelo ouvintismo tradicional e todos os saberes a ele relacionados. O ouvintismo crítico produz saberes engajados na área da surdez, defendendo uma cultura surda para, a partir disso, exercer poderes e lutar por suas reivindicações.

Quando a mãe surda privilegia professores surdos, quer que sua filha dialogue com um tipo de saber específico, praticamente inexistente nas escolas regulares. Ela quer que sua filha se insira nesses discursos para se constituir como surda, com identidade surda e não ser apenas um reflexo imperfeito de uma criança ouvinte.

A comunidade surda se constitui sobre saberes a respeito da surdez e dos surdos que diferem da maioria ouvinte, no desejo de que o entendimento de um ouvintismo crítico circule, exerça poderes, constitua outros sujeitos surdos, com seu lugar politicamente estabelecido na sociedade majoritária como minoria lingüística.

Esses saberes só podem circular através dos discursos e, mais especificamente, dos discursos em língua de sinais, o que vem reforçar o que já foi apontado anteriormente com base nos autores como Vigotski, Bakhtin e Geraldi sobre o papel do outro no processo de aquisição da linguagem e, consequentemente, no processo de construção de identidade. Língua/discurso não se desvinculam do processo de subjetivação identitária. (Orlandi, 1998).

A resposta da mãe surda, quando questionada a respeito da língua de sinais mostra-se, então, previsível. Para a MS que considera ser melhor para a filha surda estudar com professores surdos, a língua de sinais adquire um status de língua, inerente à surdez.

A MS explica que a criança freqüentou a escola regular enquanto estava no CEPRE e em vários momentos da entrevista percebemos como a mudança da escola regular para a especial foi importante para a Eduarda:

...as pessoas tem preconceito por surdos. A Eduarda fica muito sozinha, com ouvintes não combina.

Quando ela estava na escola de ouvintes ela sempre voltava para casa triste, triste, triste; porque só tinha ouvintes na escola e ela ficava muito sozinha, por isso eu mudei ela para a escola especial. Agora ela está feliz, tem bastante amigo surdo que brinca e conversa com ela. Agora vejo que ela está feliz, lá na outra ela estava triste, sempre nervosa, brava.

Na escola de ouvintes Eduarda seria sempre um sujeito incompleto, pois não tinha nenhum outro com quem se identificar, encontrava o preconceito ou o sentimento de pena por parte dos ouvintes, além de não conseguir se comunicar, não ter como dialogar. Não tinha acesso aos saberes escolares, pois ouvintes e surdos ainda não partilham a mesma língua nesse contexto. Suas possibilidades lingüístico–cognitivas não eram respeitadas. Na escola de surdos, com outros surdos, a Eduarda tem com quem se identificar e, principalmente, com quem conversar. “Porque os surdos são iguais, eles combinam. O surdo entende o surdo”.

Vale ressaltar ainda que a MS constituída na sua identidade não deixa de lado a oralidade e enfatiza que é importante o trabalho da fonoaudióloga. Quando questionada a respeito da língua de sinais, mesmo considerando-a obviamente como fundamental, a MS vai dizer: “Para mim a língua de sinais é melhor, a fono também é importante, mas só falar, falar, falar é difícil para o surdo, ele demora pra entender, sinais é mais rápido.”

P(pesquisadora): E você acha aparelho importante?
MS: A professora diz que é importante porque ela grita muito.

O aparelho seria importante se a língua oral fosse considerada também importante. Em sua resposta, a mãe não assume a autoria do discurso, a interdiscursividade é marcada pelo discurso da professora. Essa professora é de uma escola especial que trabalha com sujeitos surdos. A MS colocou Eduarda nessa escola, porque buscava a possibilidade da filha conviver com outros surdos e ter uma professora surda, que a inserisse na comunidade surda. No entanto, a professora da escola especial sustenta um discurso no qual ainda circulam saberes sobre o sujeito surdo e sobre a surdez, pautados na oralização, para se atingir a inclusão social.

A MS não parece confiar nesse discurso, caso contrário não legaria a responsabilidade da necessidade do aparelho para a professora. No entanto, como a escola é supostamente uma autoridade no assunto, talvez a melhor saída para a mãe surda seja o silêncio. Ou ainda, porque ela mesma tem dúvidas sobre o caminho a ser percorrido pela filha, dado os inúmeros fracassos da comunidade surda no que diz respeito à escolaridade.

Quando questionada sobre o desejo de que a filha fale a MS afirma que a filha “precisa falar”. O que mais uma vez pode reafirmar a influência das práticas discursivas da escola, família e sociedade.

MS diz que a filha já usara aparelho, mas como machucava, achou melhor esperar mais. Vale ressaltar a diferença de resposta em relação à MO, que quase obrigava a filha ao uso da prótese apesar de todo desconforto, despreocupada com qualquer incômodo da filha, tudo em prol de sua “normalidade”.

A MS alega ainda que a filha sente vontade de usar a prótese: “ela vê outras crianças usando e também quer”.

Na escola especial, Eduarda entra em contato com outras crianças surdas identificando-se com elas, embora isso já viesse ocorrendo no CEPRE. E ainda hoje a escola especial não descarta a oralização e incentiva o uso de aparelhos amplificadores que possam facilitar o trabalho de exploração do resíduo auditivo e da leitura labial. Dessa forma, Eduarda demonstra ter muito mais vontade de ficar igual às amiguinhas do que curiosidade e vontade de ouvir.

Faz-se importante destacar a questão do implante coclear. A mãe ouvinte, interrompendo a entrevistadora, demonstrou euforia quando questionada sobre o implante. A reação da mãe surda é bem diferente:

Não, melhor não. (...) Porque já nasce surdo; pra quê o implante? Se desenvolve igual o ouvinte, não precisa de implante.

A mãe surda se coloca por fim contrária à prática do implante, considerando desnecessária, pois acredita nas possibilidades cognitivas do surdo e que este pode desenvolver-se de maneira igual ao ouvinte. Tal desenvolvimento, conforme apontado no início da entrevista, se daria num contexto em que a surdez seria considerada como uma diferença, levando em conta a alteridade e a língua de sinais como necessárias para a constituição da identidade surda.

Não é de se estranhar que a MS aborde sobre a identidade da filha na entrevista. A certeza de que a filha tem condições de um pleno desenvolvimento cognitivo não está alienada das questões da surdez, pelo contrário, é no entendimento da surdez que ela considera a criança “normal”.

Para MS a filha não é ouvinte, não tem que ser igual aos ouvintes: “Ela ficava copiando os ouvintes (e faz um sinal de movimentar a boca como se fosse um papagaio) porque ela ficava abrindo a boca. Aí eu falei: você não pode, você é surda.” A questão da identidade não se desvincula das relações de poder. Um surdo não pode ser ouvinte e hoje em dia a própria comunidade surda exerce poder sobre os surdos para que estes assumam sua identidade, seu papel político, fortalecendo o movimento surdo na luta para ocupar o seu lugar na sociedade majoritariamente ouvinte.

Eu falei pra ela, você é surda, não é ouvinte, você é igual a mim e seu pai. Titia , vovó são ouvintes. A maioria das pessoas; ouvem, você não, você é diferente. Então ela me pergunta: ‘Vovó ouve? Meu primo ouve?’”. Daí ela vai aprendendo.

A convivência com a comunidade surda é imprescindível para que a criança compreenda o que é ser surdo, diferente da concepção de ser um deficiente auditivo. Daí a importância do contato com os diferentes discursos sobre a surdez.

Assim, temos no discurso da MS a seguinte afirmação: “o surdo entende o surdo”, e no discurso da MO: “coitadinha, mas ela já não escuta”, o que marca definitivamente as diferentes concepções de surdez no contexto familiar e consequentemente, terão forte influencia no processo de construção da identidade desses sujeitos.

Conclusão

Fundamentada nas teorias de Bakhtin e Vigotski destacamos o papel da linguagem no processo de constituição da subjetividade o que nos leva a considerar que o melhor interlocutor do sujeito surdo é o próprio surdo. Se a mediação acontece na/pela linguagem não há como escapar do uso da língua de sinais (língua natural do sujeito surdo). O que não significa abandonarmos a oralidade, mas considerá-la como segunda língua a ser aprendida por esses alunos.

Temos apontando ainda para a necessidade em considerar os discursos que circulam nas interações surdos/ouvintes. O interdiscurso tem um papel fundamental nesse processo, pois nos identificamos com certas idéias, “com certos assuntos, com certas afirmações porque temos a sensação de que elas ‘batem’ com algo que temos em nós. Ora, este algo é o que chamamos de interdiscurso, o saber discursivo, a memória dos sentidos que foram se constituindo em nossa relação com a linguagem” (Orlandi, 1998, p.206).

A partir de Foucault (1979), necessário se faz levar em consideração que esses discursos produzem e reproduzem saberes que sustentam poderes na sociedade, não apenas um poder hegemônico, mas também micropoderes, isto é, não apenas discursos e saberes de um ouvintismo tradicional, mas também de um ouvintismo crítico.

A interação em língua de sinais propicia a identidade surda não apenas pelo desempenho lingüístico, mas pela comunidade que se forma como minoria constituindo a formação discursiva na surdez.

Voltando o olhar para as duas crianças, sujeitos dessa pesquisa, temos que: Eduarda, consciente de sua surdez, fluente em LIBRAS, filha de pais surdos, parece não encontrar barreiras em ser surda; convive com surdos em ambiente familiar, o que chega a ser um privilégio. O processo de construção identitária tem início na família, constitui o lugar no qual o eu começa a se formar com base na imagem e interação com o outro: “o surdo entende o surdo” (fala de MS).

Mariana, filha de pais ouvintes, apresenta uma identidade flutuante entre a surdez e o ouvintismo. Seus pais querem que ela seja ouvinte; ela assim deseja, mas também deseja conviver e interagir melhor com os surdos. Mariana se constitui como um sujeito incompleto, nem ouvinte, nem surdo.

Em contexto familiar, Mariana ainda é considerada um sujeito incompleto. Os pais estão à espera de um milagre da ciência que poderia “curar” sua filha. Essa espera faz com que Mariana seja superprotegida: “coitada, mas já não ouve” (fala da MO), e não tenha oportunidade de se desenvolver.

Para os pais de Eduarda a maior preocupação era que a filha soubesse que era surda e não ficasse copiando os ouvintes. Queriam que ela se identificasse com os sujeitos surdos, sem vergonha nem complexos, e com eles interagisse. Eduarda é considerada, no seio da família, uma criança absolutamente normal, como diria a mãe surda: “a Eduarda é muito viva, esperta!”.

Não basta ao surdo o contato ou mesmo a fluência em língua de sinais. A interação com a comunidade surda e sua discursividade são imprescindíveis para que os discursos sobre a surdez como diferença circulem e que os saberes já cristalizados no senso comum sobre a surdez estigmatizada como deficiência sejam confrontados com novos discursos críticos, engajados.

Assim, a questão que se coloca é da ordem dos discursos, dos saberes, portanto, da ordem dos poderes, da luta, da resistência. Em resumo, uma questão política pela qual os surdos devem lutar.

Buscamos, então, uma discussão teórica, passando pela sociedade, pelos discursos, pela família até chegar à criança, acompanhando os caminhos pelos quais os discursos formaram uma cadeia discursiva, fornecendo às crianças um outro para se identificarem e se constituírem. Conforme apontado anteriormente, se não for pela resistência dos surdos para que a língua de sinais seja legitimada, as identidades surdas serão cada vez mais fragmentadas e tornar-se-ão identidades incompletas, nem surdas nem ouvintes.

Para concluir, vale um argumento de peso de uma surda que, contrariando o senso comum e as estatísticas, resiste:

Isso, conforme Foucault, nos coloca em alerta para as posições onde necessitamos colocar sob suspeita os fundamentos racionalistas e humanistas que sustentam nossos discursos e prática e que nos promete utopias. A formulação comum de uma série de objetivos e estratégias de ação, na perspectiva surda, focaliza a perspectiva de uma sociedade onde os surdos são cidadãos normais e onde a justiça social se concretiza na resistência a todas as formas de discriminação e exclusão sociais. (Perlin, 1998, p. 71)

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