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Lak Lobato perdeu a audição enquanto dormia e recuperou-a após 25 anos. Hoje, é comunicadora.
por porsinal     
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Quarta-feira, 27 de Março de 2019 às 01:45:00
Perto de completar 10 anos de idade, uma menina carioca de nome indiano foi surpreendia com uma perda que iria durar um longo tempo de sua vida. Lakshmi Lobato Austregesilo, filha de mãe apaixonada pela mitologia hindu, perdeu a audição enquanto dormia. Hoje, aos 41, conta que nunca teve uma confirmação exata da causa, embora a deficiência tenha sido diagnosticada como sequela de caxumba ou meningite.

Duas décadas depois do ocorrido, voltou a ouvir. A recuperação deu-se após implante coclear – dispositivo eletrónico que garante sensação auditiva aos seus utilizadores. Os seus relatos de superação e as experiências vividas enquanto não ouvia renderam dois livros e, com frequência, convites para participação em eventos relacionados ao tema. Na semana passada, Lak Lobato – que assim passou a assinar seu nome de referência à deusa hindu da fortuna – esteve em Araçatuba e participou do 1º Encontro de Implantados, uma iniciativa da empresária e auxiliar administrativa Márcia Angelo Ferraz Lazarini – mãe de Ian, menino de 6 anos que tem surdez total e autismo.

Desafios

No tempo em que não ouvia, as dificuldades foram várias.
Elas apareciam num simples atendimento telefónico ou presencial, quando faltava boa vontade para a pessoa repetir. O mesmo ocorria na sala de aula. “Havia professores com boa vontade para me ensinar; outros ignoravam a minha necessidade, de que falassem de frente para mim, caminhando pela sala ou ficando de costas”, diz.

Lak Lobato acredita que isso refletiu em seu ingresso no mercado de trabalho. “Como agendar uma entrevista de emprego na era pré-email? Ou como convencer uma empresa a te contratar, quando você não consegue atender telefone? São coisas pequenas, que fazem uma diferença enorme na prática”, avalia.

Mas ela superou-se. Como a perda da audição ocorreu quando já tinha aprendido a falar e possuía boa aquisição de linguagem, conseguia compreender as pessoas por meio da leitura labial. Por pelo menos 25 anos, afirma ela, esse recurso foi sua única forma de comunicação. “Lia lábios, e falava oralmente. Eu adquiri sotaque característico de quem tem baixa audição ao longo dos ano e conseguia me virar muito bem”, diz. Lak Lobato formou-se em comunicação social.

Por isso, na atualidade, ela apresenta-se como comunicadora, palestrante e escritora. Até a colocação do implante coclear, relembra ela, foi uma longa aprendizagem. Precisou reaprender a reconhecer praticamente todos os sons do dia a dia e a compreender a voz das pessoas. Surpreendia-se ao redescobrir “a poesia de ouvir o som da chuva” ou reconhecer o latido de um cachorro sem ter de perguntar a alguém que som era aquele. Tudo isso, relembra ela, foi um momento especial. ”Lembro de sorrir de orelha a orelha, ao escutar o som do bem-ti-vi num parque. E de me deliciar com o som da pipoca estourando na panela”, recorda, Lak, que, há 35 anos, mora em São Paulo.

Como se fosse um ouvinte

Hoje, Lak Lobato ouve de forma similar a um ouvinte, salvo as devidas limitações da tecnologia. Consegue falar pelo telefone. Ouve música. Participa de uma conversa com várias pessoas. Marca presença em reuniões. Assiste televisão sem precisar de legenda. “Obviamente, não são todos os implantados que conseguem. Depende do histórico de surdez e da adaptação da pessoa. E teve todo um processo de aprendizado, amparado pelo trabalho de uma fonoaudióloga especializada em reabilitação auditiva”, conta.

Ela explica que o implante coclear é coberto pelos planos de saúde e pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Ele tem duas partes: a interna (daí o nome implante), que é inserida por cirurgia e permanente; e a externa, que pode ser colocada e tirada, conforme a necessidade. Ambas só funcionam em conjunto.
Coloco a parte externa assim que acordo e permaneço com ela o dia todo, tirando apenas para tomar banho e dormir. Mas, claro, é um aparato eletrônico, depende de todas as peças estarem funcionando bem, depende de bateria, etc. E a reposição de peças e a manutenção da tecnologia dependem da cobertura dos planos de saúde e/ou do SUS”, analisa. Para ela, essa é a parte mais complexa, pois nem todos tem acesso a planos de saúde e nem os serviços do SUS possuem verba para a parte da manutenção e eventuais avanços na tecnologia. Essa tem sido a maior luta dos “implantados”, ou seja, não apenas fazer a cirurgia, mas ter todo o amparo para mantê-la.

Nos livros e nas palestras, a importância da informação

Lak já publicou dois livros. O primeiro, Desculpe, não ouvi, é autobiográfico, com compilação de histórias compartilhadas desde 2009 no blog www.desculpenaoouvi.com.br. A home page foi criada para abordar a surdez no olhar de quem não se comunica através da língua de sinais, mas do português oral, além das tecnologias auditivas que dão acesso ao som, como é o caso do implante coclear.

A segunda obra, “E não é que eu ouvi?”, traz a história infantil de uma personagem usuária de implante coclear. A ideia desse livro veio da necessidade que muitas famílias demonstravam de representatividade para suas crianças.

Mensagem

Nas suas palestras, Lak Lobato procura passar a ideia de que a surdez é uma condição que pode ser amparada por tecnologias auditivas. “Compartilhamos os mesmos medos, dúvidas, desejos, etc. E que ter a informação certa, no momento certo, pode fazer muita diferença.
Especialmente se você tiver uma rede de apoio para os altos e baixos que surgem no processo de reabilitação auditiva através de uma tecnologia. É essa a minha mensagem: Ouvir vale a pena, mas ninguém precisa viver esse momento sozinho. Juntos, somos mais fortes”, finaliza.

Fonte: O Liberal Regional

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