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Olhos que ouvem - Um mergulho no quotidiano de uma atleta surda
por porsinal     
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Quarta-feira, 11 de Janeiro de 2017 às 16:28:10
A alteta Eunice Almeida leva-nos numa viagem silenciosa, mas agitada, pelo seu dia-a-dia. A descoberta começou logo ao acordar, com um despertador especial.

O sorriso constante de Eunice Almeida, 19 anos, não é, apenas, sinónimo de simpatia. É sinal de força e persistência.

Vive na Casa Pia, em Lisboa, desde os 2 anos, a idade em que se tornou surda profunda, na sequência de uma otite grave. "Vim para cá aprender a minha língua materna, a Língua Gestual Portuguesa", explica, com gestos frenéticos. Atualmente, vai a casa nas férias e fins de semana, mas houve tempos em que as dificuldades económicas da mãe a afastaram da filha, durante meses. Contudo, nunca deixou de a visitar para lhe fazer tranças no cabelo - brio de mãe guineense.

Eunice é a primeira aluna surda a chegar ao 12.º ano do curso profissional de Desporto, no Centro de Educação e Desenvolvimento Pina Manique, uma instituição da Casa Pia. Também é atleta de natação. Este ano, participou, pela primeira vez, nos Jogos Surdolímpicos, realizados na Bulgária. No ano passado, recuperou o contacto com pai, que vive em Espanha, através do Facebook. Quando o visitou, a sua maior surpresa foi ver as meias-irmãs, de 10 e 4 anos, a derem-lhe as boas-vindas em Língua Gestual Portuguesa (LGP) que aprenderam na internet. Nesse momento, fez justiça ao seu nome gestual (alcunha que os surdos usam para evitar soletrar as letras do nome): "menina preta que ri".

Despertar

Como é que se chega a horas, sem ouvir o despertador? Eunice dorme com um relógio vibratório junto da almofada. No Lar de Apoio de São Marçal (Casa Pia), foram introduzidas várias adaptações para facilitar o dia a dia dos onze jovens que ali vivem, com idades entre 14 e 21 anos. A campainha da porta, por exemplo, aciona uma luz amarela, indicativa de que chegaram visitas.

Gente a mais

A intimidade de uma consulta médica está-lhe, habitualmente, vedada. "Há coisas que são muito difíceis de explicar por escrito", traduz o coordenador do lar da Casa Pia, onde vive, Ricardo Niza, que a acompanha ao Hospital Curry Cabral. Muitos surdos têm algumas dificuldades no uso da língua portuguesa, já que a conjugação dos verbos da LGP é mais semelhante ao inglês. "Seria bom que, nas instituições públicas, alguém soubesse LGP", sugere Eunice, quando a avisam de que acabaram de a chamar para a consulta.

Música para os sentidos

Está desde os 8 anos no grupo Ritmos, um projeto de Educação Musical da escola Jacob Rodrigues Pereira, da Casa Pia, que põe alunos surdos a tocarem percussão. "Adoro fazer barulho", brinca Eunice, especialista de tambor. Atentos à sinalética das professoras, verdadeiras maestrinas, os estudantes seguem no mesmo ritmo, sentindo a vibração dos instrumentos.

Correr contra o preconceito

Foi difícil convencer os professores de que, com a ajuda de um intérprete, nas aulas teóricas (nas práticas, os gestos são suficientes), teria sucesso no curso de Desporto, mas conseguiu. Quando chegou a uma turma só de ouvintes, sentiu-se perdida. Hoje, os colegas já sabem algumas palavras de LGP e, quando há "muitas coisas para dizer", usam o telemóvel para comunicarem por escrito. O seu objetivo é estudar Desporto, na Faculdade de Motricidade Humana (Oeiras).

Mergulho profundo

A paixão pela natação só foi perturbada por um assalto, no ano passado, numa paragem de autocarro junto do Complexo Desportivo do Jamor (Oeiras). Como não a entendia, um homem que se apercebeu da zaragata deixou fugir a assaltante com os pertences de Eunice, que ainda teve de esperar pelos educadores da Casa Pia para conseguir fazer queixa na polícia. Recuperou a tranquilidade na piscina. "Calma" é a palavra que descreve o que sente debaixo de água, onde é só mais uma nadadora, mergulhada no silêncio.

Fonte: Visão

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