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Polícias surdos trabalham onde ver conta mais que ouvir
por porsinal     
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Quarta-feira, 09 de Janeiro de 2013 às 14:53:16
230 câmaras de segurança em Oaxaca, no México, são monitorizadas por 20 polícias surdos. A atenção visual intensificada permite que os polícias surdos vejam os problemas a acontecer no ecrã mais rapidamente do que outros policias que podem ouvir e falar.

Quando o polícia observou um homem a agir de modo suspeito, caminhando de modo errático e com um olhar estranho, ele imediatamente chamou reforços. Isto é, ele girou a sua cadeira no centro de comando da polícia e rapidamente sinalizou para o colega em lingua gestual.

Gerardo, de 32 anos, faz parte de um quadro de 20 polícias surdos que se formaram há alguns meses para ajudar a vigiar este centro turístico. O homem suspeito que ele avistou na câmara de segurança acabou por ser o suspeito principal de um caso de assassinato.

"Embora não possamos escutar, podemos encarregar-nos de qualquer trabalho", Gerardo disse, através de um intérprete.

Mais de 200 câmaras observam a cidade, uma das muitas no México que instalaram tais sistemas de segurança nos últimos anos com a finalidade de combater a criminalidade nas ruas. Mesmo tendo levantado algumas preocupações com a privacidade, os polícias comemoraram a instalação dos sistemas, que lhes darão uma ferramenta a mais para diminuir o tempo de resposta e documentar crimes.

Os polícias daqui reconhecem que chegar rapidamente com as unidades ao local do crime é apenas uma parte do problema. As vítimas dos crimes frequentemente decidem não prestar queixa, por falta de fé no sistema judiciário.

Os turistas desta cidade colonial, famosa pela arte e pela comida, parecem tranquilos com as câmaras de segurança e com o fato de passearem ao lado de avisos de que a área está a ser vigiada. Embora Oaxaca não seja conhecida por uma alta taxa de criminalidade, os turistas podem ser alvos fáceis para assaltos, e os bairros de classe operária têm a sua cota de tráfico de drogas, ladrões de carros e crimes violentos.

O estado reformulou o centro de comando em 2012, mas achou que este precisava de uma ajuda extra para monitorizar as 230 câmaras, uma tarefa demorada e monótona. Havia outro problema: já que as imagens não tinham som, os polícias tinham problemas em determinar o que as pessoas estavam a falar.

"Nós não sabíamos fazer leitura labial, então ocorreu-nos usar pessoas surdas, já que muitos deles sabem", disse Ignacio Villalobos, o subsecretário de segurança pública.

Ele disse que a atenção visual intensificada permitiu que os polícias surdos vissem os problemas a acontecer no ecrã mais rapidamente do que outros polícias que podem ouvir e falar, mas que estão frequentemente distraídos pelos toques dos telefones, scanners policiais e conversas no centro de operações.

Villalobos disse que os polícias surdos — "nossos anjos silenciosos", como ele os chama — já ajudaram a resolver ou deram assistência em vários casos, embora ele se tenha recusado a prover dados específicos, até uma futura avaliação do programa. Ele chamou o caso de assassinato de "o maior sucesso".

Os polícias receberam treino dos procedimentos policiais, mas não são polícias de patrulha juramentados e não têm armas. O seu trabalho está limitado ao centro de comando, mas os supervisores não quiseram os seus sobrenomes publicados, devido ao envolvimento deles nos relatos de crimes.

Poucos deles tinham trabalhos lucrativos antes de se tornarem combatentes do crime. Os deficientes auditivos no México têm altas taxas de desemprego e, frequentemente, são ajudados pela família e pelos amigos.

Mas o setor privado e algumas fundações estão a trabalhar para reverter isso. Entre os programas de maior visibilidade está um no aeroporto internacional na Cidade do México, onde pessoas em cadeiras de rodas trabalham na verificação dos documentos de identificação nas filas de segurança e no esclarecimento de dúvidas de turistas.

Uma manhã recente mostrou a monotonia que geralmente caracteriza o trabalho da polícia, conforme vários polícias surdos fixavam seus olhos nos ecrãs que mostravam a natureza rotineira da vida na cidade.

"Parece uma guerra lá", disse um oficial entusiasmado, conforme os expedidores apanhavam os seus rádios e mandavam unidades. Mas os polícias rapidamente determinaram que era apenas um grupo de crianças criando confusão.

Um outro polícia viu um casal a abrir o que pareciam ser cervejas no seu carro, estacionado na berma de uma estrada. Uma unidade de patrulha foi enviada, mas o casal foi liberado para ir embora com uma advertência, depois de esvaziarem as garrafas. No início, os polícias veteranos riam das reações embasbacadas dos novatos diante de acidentes de carro e roubos de bolsa rotineiros mas, com o tempo, os novatos estão a desenvolver uma "carcaça" mais dura.

"Nós os desumanizamos um pouco, e eles nos humanizaram", disse Villalobos com uma gargalhada.

Os polícias, a maioria recrutada de organizações de serviços sociais, disseram que depois da batalha para conseguir um emprego, o trabalho na polícia era recompensador.

Uma mulher polícia novata, Eunice, de 26 anos, disse que havia sido rejeitada em outros empregos de escritório e lojas, com poucos gerentes dispostos a dar-he uma chance ou ajustar os cargos de acordo com sua surdez.

Mas ela achou seu nicho como polícia. Recentemente numa noite, disse ela, a imagem de alguém a ser atropelado por um carro apareceu no seu ecrã, a princípio deixando-a chocada. Mas ela rapidamente se recompôs e alertou o expedidor.

Com um sorriso cheio de orgulho, ela simplesmente disse: "nós somos os olhos deles".

Fonte: The New York Times News Service/Syndicate

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