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Entrevista com Clélia Regina Ramos, Diretora Executiva da Editora Arara Azul
por porsinal     
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Quarta-feira, 09 de Maio de 2012 às 21:08:33
Jornalista de profissão, Clélia Regina Ramos, uma paulista radicada em Petrópolis há 15 anos, é uma dessas pessoas que depois de viver no Rio de Janeiro se apaixonou pela Cidade Imperial.

Doutora em Semiologia e Ciência da Literatura, ambas pela UFRJ, está à frente da Editora Arara Azul, que fundou em Petrópolis com o marido, Mario Malagoti Neto. Seria essa uma atividade comum, não fosse ela especializada em livros digitais para deficientes auditivos - caminho esse ao qual foram conduzidos pelo amor, após o nascimento do único filho, Toríbio, com surdez. O casal fez dessa experiência uma empreitada rumo a um objetivo altamente positivo, que tornou a Arara Azul a única no Brasil a editar livros didáticos na versão Libras, realizando trabalho significativo junto ao MEC. No Brasil, mais de 5% da população possui dificuldades auditivas de vários graus. Atualmente está em discussão, a inclusão dessa fatia da sociedade, cujas necessidades educacionais são especiais.

Revista Petrópolis - Como e quando surgiu a Editora Arara Azul, e quais são seus objetivos?

Clélia Regina Ramos – A Editora surgiu como uma consequência dos estudos que eu vinha realizando desde 1991, cursando uma pós-graduação na UERJ e tendo contato com um grupo de profissionais que estavam trabalhando com projetos envolvendo surdos e a Libras/Língua Brasileira de Sinais. Na verdade, antes disso, com o nascimento de meu filho surdo em 1985, comecei a me interessar por essa questão. Mas a entrada no “mundo surdo” realmente só começou em 1991. Como sou jornalista e já havia trabalhado como assistente de edição da Editora Francisco Alves por dois anos, meu marido e eu resolvemos fundar uma editora, especializada no tema surdez.

R.P. – O que difere o livro para deficientes auditivos dos livros comuns?

C.R.R. – Para as pessoas com surdez e que fazem uso da Língua de Sinais (Libras) essa “novidade”, que chamamos de Livro Digital em CD-ROM, é muito importante, ou seja, um livro bilíngue que traz o recurso de vídeo acoplado ao texto escrito. Assim, os surdos podem acessar todas as informações escritas também em suas Libras.

R.P. – Através do MEC estes livros têm chegado também aos alunos das escolas públicas. Fale um pouco sobre esta parceria.

C.R.R. – O MEC – Ministério da Educação e Cultura, acatando as diretrizes da Lei 10.436, de 24 de abril de 2002, conhecida como a “Lei de Libras”, regulamentada pelo Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, desde 2007, vem oferecendo os chamados Livros Didáticos Digitais Bilíngues Português/Libras, para os estudantes surdos cursando o Ensino Fundamental das escolas públicas brasileiras. Até o momento a Editora Arara Azul produziu 25 volumes, atendendo mais de 80 mil alunos da rede. Mas é um projeto que exige ainda muito investimento...o mercado está aberto, já que os editais para livros didáticos garantem a aquisição desses materiais. O que faltam são editoras interessadas em produzir seus livros nesse formato. A Editora Arara Azul está estruturada para atender esta demanda e estamos lutando para que os estudantes surdos possam ter todo e qualquer livro didático na versão Libras.

R.P. - Trata-se de um trabalho pioneiro no Brasil?

C.R.R. – É a única no gênero no Brasil. Em termos mundiais, posso afirmar com certeza que o trabalho de edição de livros didáticos (e com a distribuição gratuita realizada pelo MEC) só é realizado por nós. E aqui em Petrópolis!

R.P. - Por que a criança surda não aprende a falar naturalmente?

C.R.R. – Uma criança que nasce surda ou ensurdece antes de começar a falar, no caso dessa surdez ser profunda (lembrando que existem muitos tipos de surdez, indo desde a surdez moderada, severa até a profunda), terá grandes dificuldades para falar naturalmente. Hoje em dia as técnicas de reabilitação fonoaudiológica, aliadas à eficiência dos aparelhos auditivos, permitem que em alguns anos de trabalho intenso a criança venha a oralizar. Mas isso dependerá de inúmeros fatores. Porém, mesmo que as condições do entorno sejam as melhores, muitas crianças terão grande dificuldade para falar corretamente e com clareza. Acredito que com a ajuda da Libras, que é uma língua de aquisição natural para os surdos em situação de convívio social com a comunidade surda, é possível que as pessoas surdas sejam bilíngues e possam lidar com tranquilidade com as questões que envolvem a língua oral.

R.P. - Quais são as peculiaridades da comunidade de deficientes auditivos no sentido da aprendizagem e leitura?

C.R.R. – Eu gosto de exemplificar essa questão da seguinte maneira: se uma pessoa aprende inglês em uma escola americana, por exemplo, em um curso com duração de 3 anos, que é um tempo razoável para esse tipo de formação, e segue sozinho para uma viagem para a Austrália...desde a imigração ela vai começar a ficar perdida....são termos diferentes, sotaques estranhos...Claro que depois de alguns dias irá se acostumar. Mas podemos dizer que os surdos estão sempre chegando em um país estranho falando só um pouco da língua local. A criança que ingressa na escola ainda sem poder compreender a língua oral de seu país, certamente terá problemas em seu letramento. E isso acabará prejudicando sua aprendizagem como um todo. É por isso que defendemos a utilização da Libras como língua de instrução.

R.P. - Fale sobre o projeto de criação do Centro de Produção de materiais para surdos.

C.R.R. – Temos um projeto há algum tempo, e que ainda temos esperança de poder desenvolver, que é a criação de um Centro de Produção de Materiais para Surdos. A ideia é a formação de profissionais surdos em diversas áreas para atendimento das necessidades de produção desse tipo de material: técnicos de informática, tradutores de Libras, técnicos de iluminação de estúdio, de filmagem e até mesmo maquiadores e figurinistas.

R.P. - Qual o percentual de deficientes auditivos no Brasil e em Petrópolis?

C.R.R. – O Censo 2010 do IBGE pesquisou a questão da deficiência auditiva da seguinte maneira: com uma divisão em três categorias, indo desde “alguma dificuldade para ouvir”, passando por “grande dificuldade para ouvir” e até “não consegue ouvir de modo algum”, chegou-se a um total de 9.723.363 de brasileiros, um índice de 5,09% da população. Aqueles que poderíamos chamar de “pessoas com surdez”, os que apresentam grande dificuldade para ouvir ou que não conseguem ouvir de modo algum, somam 2.147.366 (1,12% da população). A surdez se espalha “democraticamente” em todos os agrupamentos humanos, assim, ainda segundo os dados do Censo 2010, Petrópolis tem 295.917 residentes. Portanto, são mais ou menos 3.400 pessoas com surdez severa ou profunda em nossa cidade. Se pensarmos em ensurdecidos e pessoas com surdez leve, esse número chegará a 15 mil petropolitanos. Gostaria de convidar todos os petropolitanos a visitarem nosso site www.editora-arara-azul.com.br e conhecer um pouco mais sobre nosso trabalho.

Fonte: Revista Petrópolis, Maio 2012 por Marilízia de Azevedo, Foto: Isabela Lisboa

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