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A investigadora Ingrid Finger fala sobre a benéfica relação entre bilinguismo e a neurociência
por porsinal     
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Sábado, 30 de Maio de 2020 às 17:35:39
Desde a conclusão do seu doutoramento, no ano 2000, a professora Ingrid Finger interessa-se em associar conhecimentos da linguística e das neurociências. Em 2010, desenvolveu estudos no Departamento de Neurociências da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, e chegou a participar da composição de um artigo publicado no jornal The New York Times.

Afirmo com convicção que fenómenos complexos como o bilinguismo somente serão elucidados a partir de estudos interdisciplinares”, garante a hoje coordenadora do Laboratório de Bilinguismo e Cognição da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), numa entrevista sobre o desenvolvimento cognitivo em crianças bilíngues.

Num de seus artigos, a Sra. afirma que crianças bilíngues parecem possuir uma maior capacidade de reconhecer que as pessoas podem perceber o mundo a partir de perspectivas diferentes. Em que sentido é possível visualizar essa afirmação?

Um grande número de estudos que avaliam o desenvolvimento cognitivo tem mostrado que as crianças bilíngues, em comparação com as monolíngues, parecem possuir um desenvolvimento mais acelerado de certas capacidades cognitivas, principalmente no que se refere às chamadas funções executivas.

As funções executivas são compreendidas como um conjunto de habilidades integradas que tornam o indivíduo capaz de direcionar seus comportamentos a partir de objetivos e, a partir das consequências de seus atos, avaliar a adequação desses comportamentos. Assim, se o indivíduo possui maturidade cognitiva, é capaz de planejar e tomar decisões, abandonar estratégias ineficientes, redirecionar metas, adaptar-se a novas situações e encontrar soluções para problemas concretos.

Alguns desses estudos que avaliam flexibilidade cognitiva em indivíduos bilíngues têm demonstrado que eles normalmente obtêm escores mais altos nesse tipo de teste e essa vantagem tem sido atribuída à prática de uso de duas línguas, que gera nos bilíngues a necessidade de lidar com elas, ao mesmo tempo, em sua vida diária.

A partir de qual idade escolar já é possível acompanhar esse tipo de benefício?

Há uma enormidade de estudos envolvendo crianças de todas as faixas etárias. As pesquisas iniciais testaram crianças monolíngues e bilíngues com 6 anos de idade, que é o caso de Bialystok e Shapero (2005) e de Carlson e Meltzoff (2008). Mas em 2009 foi publicado um estudo envolvendo bebês de 7 meses de idade que eram expostos a duas línguas desde a infância, de autoria de Kovács e Mehler (2009), que também encontrou vantagens para as crianças bilíngues. A pesquisa de Poulin-Dubois et al. (2011), por sua vez, testou crianças de até 2 anos. Todos esses mostraram vantagens bilíngues em testes cognitivos bem específicos.

De fato, parece ser verdade que a experiência bilíngue causa impactos positivos na cognição e é consensual entre os pesquisadores a afirmação de que o cérebro bilíngue difere de modo fundamental do cérebro monolíngue. Entretanto, há uma escassez enorme de pesquisas que analisem esses efeitos em contextos de sala de aula, ou seja, muito pouco se sabe ainda sobre o tipo de contexto de ensino (aulas de língua adicional vs. aulas de conteúdo na língua adicional, por exemplo) e a quantidade de exposição e de interação necessárias para que os efeitos positivos do bilinguismo escolar possam ser evidenciados.

Existe uma questão muito presente na vida dos pais sobre qual o momento ideal para inserir a criança no ensino bilíngue. Qual a sua visão sobre esse ponto?

Essa é uma das perguntas que mais tenho recebido, tanto de pais quanto de professores. Minha resposta é sempre: o quanto antes, melhor! Isso não significa dizer que existe um limite de idade para aprendizado de línguas, mas sim que o aprendizado é mais facilitado quanto mais jovem é o indivíduo. O cérebro da criança é preparado para um aprendizado intenso desde o momento do nascimento e não existe “sobrecarga” cognitiva no caso das crianças.

São numerosas as opções do ensino bilíngue no idioma inglês. No entanto, como a Sra. enxerga o papel das demais línguas nesse conjunto de benefícios?

Toda a literatura que trata de possíveis vantagens linguísticas e cognitivas advindas de uma experiência bilíngue não faz qualquer distinção entre as línguas. Estamos falando de uma experiência bilíngue, ou seja, do uso de mais de uma língua no cotidiano para agir e interagir no mundo, independentemente de elas serem ou não consideradas como sendo de prestígio pela sociedade.

Isso significa dizer, portanto, que os benefícios que têm sido evidenciados na pesquisa se aplicam, inclusive, no caso de usuários de línguas indígenas ou minoritárias. Nos Estados Unidos, por exemplo, as políticas linguísticas vão no sentido contrário e têm valorizado as línguas de imigração, que são as que as crianças trazem de casa e que, portanto, não são consideradas línguas de prestígio na sociedade.

BNCC e o bilinguismo

Apesar de o texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não apresentar implicações diretas para a educação bilíngue, uma vez que trata de ensinos de idiomas na escola regular, os especialistas ouvidos para esta reportagem mostram pontos convergentes no sentido de priorizar a formação do cidadão do mundo.

A política relacionada ao ensino de idiomas na escola que está presente no documento está embasada em uma visão que é consistente com os princípios de uma educação bilíngue de qualidade, pois encara as línguas adicionais como ferramentas de comunicação que possibilitam a participação dos alunos num mundo cada vez mais globalizado, em que as fronteiras entre países e interesses pessoais, locais, regionais, nacionais e transnacionais estão cada vez mais difusas e contraditórias”, salienta a professora Ingrid, da UFRGS.

Para Regina Madureira, da International School, é importante que os materiais estejam de acordo com o texto da BNCC, com relação ao desenvolvimento de competências em cada faixa etária.

Isso permite que nossas sugestões de aulas sejam adequadas para diversas realidades brasileiras, porque são desenhadas para fomentar a evolução dessas habilidades, mas considera que cada sala é um universo diferente que mostra momentos de aprendizagem diferentes e, por isso, o papel do professor é tão considerado em nosso modelo”, conclui.

Fonte: Revista Educação

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