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Elsa Catarina Silva
Elsa Catarina Silva
Intérprete de Língua Gestual Portuguesa
Intérprete de Língua Gestual – um diamante por lapidar
Inserido Terça-feira, 26 de Maio de 2015
Autor: Elsa Catarina Silva
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Este texto tem como origem a minha visão pessoal acerca da profissão de intérprete de língua gestual portuguesa. As certas questões que se vão colocando ao longo do tempo. As certas expressões interiores despertas, tentando eu desmistificar.

Expor sobre o intérprete de língua gestual portuguesa é primeiramente questionar o habitual "O que é um intérprete de língua gestual?" pois a resposta será (mais uma vez) o habitual, de forma automática e concisa "É a ponte de comunicação entre a comunidade surda e a comunidade ouvinte”, esta resposta será dada vezes sem conta aqui, ali ou acolá, mas (mesmo assim) ainda aproveitando e complementando esta definição, "É o elo de entendimento entre duas línguas, uma língua gestual e uma língua oral e concretamente, entre duas culturas, a cultura surda e a cultura ouvinte ", mas … servirão sempre, somente estas as palavras que definem o intérprete de língua gestual, ou haverá algo mais a acrescentar?

Ao iniciar o contacto com esta língua e sendo ela visual, é normal que, individualmente, certos gestos sejam eleitos como os mais bonitos para nós, ou os que mais gostamos, passando agora eu refletir sobre um, que faz parte do grupo dos vários eleitos para mim. Este gesto tem como conceito “mudança de personagem” e para além de achar o gesto bonito e peculiar, acho que a sua definição é plenamente bem enquadrada à sua realização na prática. Então, apoderando-me deste gesto para (curiosamente) aplicar à roda gigante que é a profissão de intérprete de língua gestual, afirmo que, subtilmente, eu o pratico vezes sem conta, ou até mesmo, quase sempre! Mesmo sem me aperceber de tal ação! Atenção! Não estou a afirmar que a profissão de intérprete de língua gestual é uma representação teatral, ou com pouca veracidade, ou muito menos que não seja exercida de forma genuína. Estou sim a demonstrar, através de um gesto, o que na realidade pode ser o dia a dia este profissional. Afirmo novamente, ‘pode ser’, dependendo da temática, do público-alvo ou até de quem a exerce.

O Ser intérprete de língua gestual leva-nos a sermos capaz de mediar vocabulário com vários níveis de domínio no mesmo grupo de surdos e ao mesmo tempo, ou seja, por exemplo: traduzir uma aula de matemática e passar imediatamente para uma aula de filosofia e logo de seguida de língua francesa, ou, de uma prestação de serviços num serviço da função pública com adultos fluentes em língua gestual, a seguir estar a traduzir para uma criança com um nível de língua gestual básico, ou até mesmo, de um funeral logo de seguida estar a traduzir uma música leve e alegre. Perante estes vários cenários, o intérprete tem que ser apto a assumir uma versatilidade de tal forma coesa, de forma a estabelecer fluidamente um elo comunicacional e, principalmente, de entendimento para cada indivíduo dentro do seu público-alvo, pois, para cada um, a intervenção linguística terá que corresponder ao seu grau de entendimento.

Refletindo … quantas personagens o intérprete revestiu em reduzido intervalo de tempo?! Pois, para cada uma delas teve que assumir, profissionalmente, o seu papel polivalente de forma enquadrada…

Falo deste Ser, que tem uma cultura enraizada nas veias mas vive maioritariamente inserida em outra. Que caminha entre dois universos. Que transforma uma só cor em arco-íris. Este corpo que vive a vida do outro como uma dança, que é a sombra do outro, a quem exigem a imparcialidade num mar imenso de sentidos e emoções, onde nenhum dos dois (surdo & ouvinte) é maior do que o outro, pois, simplesmente, cada um é um todo e cada um representa uma parte das várias partes do outro e somente juntos darão início a um diálogo e a um caminho com um destino em comum.
Este Ser que, inconscientemente, vai construindo uma cultura interior de raiz, mas que nem é cultura surda nem cultura ouvinte (ao contrário do CODA, com a LGP como língua materna e com cultura surda), simplesmente é uma cultura só dele, fruto do que observa, aprende e cresce.
Este Ser, tantas vezes esquecido e que antes de (com bastante sentimento) mudar, novamente, de personagem, volta à pergunta inicial do texto e nunca colocada:

“- Olá! Eu sou Intérprete de Língua Gestual Portuguesa. Queres conhecer a minha cultura?”

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