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Lak Lobato
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Implante Coclear: Expectativa versus Realidade
Inserido Quinta-feira, 13 de Novembro de 2014
Autor: Lak Lobato
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O resultado do implante coclear ainda é controverso. Muitas pessoas dizem que se realizam ao optar pelo IC. Outras, sentem-se frustradas pelo retorno auditivo não ser o esperado. Quais os fatores que podem ajudar ou atrapalhar diante de uma tecnologia onde os próprios utilizadores costumam dizer "cada caso é um caso".

Há mais de 5 anos, tenho um blog na internet, o "Desculpe, não ouvi!". Cinco anos exatos dedicados quase exclusivamente ao implante coclear.

A princípio, era uma narrativa subjetiva da minha experiência pessoal com o IC. Mas, pelo fato de eu me expor, pesquisar bastante e ter muito contato com profissionais e implantados, tornei-me uma espécie de referência sobre a tecnologia. Muita gente me procura com dúvidas e incertezas, pedindo ajuda para decidir se opta pela cirurgia para si, se opta pela cirurgia para o filho. Essas dúvidas são normais. Eu passei por elas. A maioria dos implantados com quem tive algum contato, passou por elas. E certamente a maioria dos futuros implantados irá passar por elas.

Por que temos dúvidas? Porque optar pelo implante coclear requer cirurgia. Porque para tirar o aparelho interno, caso não goste, precisa de outra cirurgia. E ninguém quer passar por uma (ou duas) cirurgias à toa. A cirurgia depende de anestesia geral, internamento, corte atrás da orelha, perfuração da cóclea para isenção do feixe de elétrodos. Requer recuperação... Tudo isso dá medo!

As pessoas relatam que, em momento algum antes da cirurgia, qualquer médico (que seja um bom médico) lhes dá certeza que o IC irá funcionar do jeito que a pessoa sonha. Fala-se em possibilidades, probabilidades, mas certeza garantida, ninguém fala. E por que não fala? Porque é impossível garantir.

A garantia que se pode dar é do potencial do aparelho: O implante coclear tem potencial de criar uma audição artificial que permitiria um nível auditivo que a pessoa consiga falar ao telefone e assistir televisão. Pode assistir uma aula numa sala silenciosa ou, junto com o sistema FM, numa sala de aula barulhenta. Que chegaria no ponto de entender perfeitamente a fala auditivamente, sem apoio da leitura labial. Já ouvir música ainda é controverso, porque o IC é desenvolvido para reconhecer as frequências da fala e não de música.

Agora, todo esse potencial do aparelho, é colocado em um ser humano. E cada ser humano é único. E a partir disso, cada caso de implante é um caso.

A medicina pode falar de probabilidades, mas não de certezas. Porque não dá para prever se a pessoa se irá adaptar ao som do aparelho. Não dá para prever se o córtex auditivo da pessoa se irá adaptar ao som robótico, ao ponto de achar que aquilo é natural. Não dá para prever se a pessoa consegue lidar com a expectativa versus a realidade. Não dá para prever se a pessoa terá paciência com o longo (sim, é longo para muitos, pode durar meses e até anos) processo de adaptação ou se ela irá desistir a meio do caminho. Ou simplesmente se a pessoa irá gostar de ser implantada.

A própria cirurgia é incerta. Pode ser que a cóclea esteja em excelente estado e a cirurgia seja simples e rápida. Pode ser que a cóclea tenha ossificação leve ou fibrose que NÃO apareceu na ressonância magnética (meu caso) e por isso, não permita a completa ou perfeita inserção do feixe de elétrodos. Pode ser que o nervo da pessoa também não esteja em excelentes condições e não responda aos impulsos elétricos dos eletrodos.

Depois da cirurgia, tem a ativação. A ativação, na minha opinião de quem observa o IC há 5 anos, pode ser um sonho, pode ser muito banal e aquém do esperado, pode ser uma frustração ou pode ser um pesadelo. Nada disso tem a ver com a competência ou o trabalho da fono, mas com o que a pessoa espera e o que ela faz com o que o implante fornece.

Pode ser que a pessoa ache muito baixo, muito alto, muito estridente, muito metálico, muito ruim. Pode ser que ela ache ótimo e seja tudo o que ela sonhava. Pode ser que ela ache besta e tenha a sensação que não ouviu nada demais.

Eu adorei a minha primeira ativação. Nasci de novo naquele dia. O que eu ouvi? Som de aplausos, um murmúrio indecifrável mas que eu conseguia perceber como entoação de fala, algumas notas musicais.

Por que eu amei tudo isso? Porque eu não ouvia nada disso há 23 anos. Nenhum aparelho captava qualquer um desses sons. e tudo soava como a mais encantadora melodia para os meus ouvidos.
A segunda ativação, que me deu um melhor resultado na discriminação da fala, já não gostei tanto. Achei que o som parecia um xilofone tocando sem parar. Não achei ruim, mas também não saí da ativação emocionada e comemorando.

Também já soube de gente que saiu da ativação falando ao telefone (geralmente recém ensurdecidos pós linguais) e ouvindo música.

A maioria das pessoas com quem conversei ao longo desses 5 anos diz-me que o som é como ouvir o tilintar de sinos, como um xilofone tocando o tempo todo como foi comigo, na ativação do implante bilateral, ou como passarinhos sem parar no ouvido deles. E teve gente que disse que saiu sem ouvir nada, de tão baixo que ligaram o aparelho. E de gente que chorou, que ficou frustrado, que disse que preferia continuar surdo que ouvir esse som horroroso. É, acreditem, “Que som horroroso!” é um comentário que já ouvi mais de uma vez…

Com o passar do tempo, a maioria vai-se adaptando. Muita gente realmente AMA usar o implante coclear. Outras dizem que gostam bastante. Outros simplesmente dizem que é a opção que têm e por isso, usam e ponto, mesmo não demonstrando muito entusiasmo.

Quem não se adapta, pelo menos dentre as pessoas com quem converso, é uma minoria. E menos frequente ainda, é o número de pessoas que sofre rejeição do aparelho (é raríssimo, mas acontece sim).
Algumas pessoas adaptam-se rapidamente. Mas também tem muita gente cujo período de adaptação é realmente longo.

O sucesso do IC depende desses fatores: condições físicas, tipo de caso de surdez, tempo de privação sonora, tempo e trabalho de adaptação (com fonoaudiólogo, reabilitação auditiva, muito treino – diário – e persistência). E também tem o fator emocional. Saber lidar com a possível frustração da ativação, ter paciência e perseverança para se adaptar, não se incomodar de treinar diária e arduamente, e saber levar a vida com leveza, em vez de se lamentar porque o IC não era a cura que a pessoa esperava, são fatores que podem ser decisivos nesse sucesso.

Durante muito tempo, eu sempre dava um parecer positivo e entusiasmado, quando alguém me procurava. Dizia “Vai! Faz sim! Vale a pena! Você vai gostar!” e, em troca, em inúmeros casos, recebia grosserias e falas estúpidas. Teve uma pessoa que me disse que eu só gostava dessa porcaria, porque era completamente surda e não tinha nenhuma noção de como era ouvir direito! (dito dessa forma bem mal educada mesmo, como se a frustração dela fosse minha culpa).

Por isso, com o tempo eu aprendi que as pessoas não querem uma tecnologia assistiva, elas querem a cura. E, infelizmente, isso o implante coclear não é. Nós continuamos surdos. A diferença é que agora somos surdos que ouvem através de uma tecnologia. Surdos que falam no telefone, que se deliciam com os barulhinhos do cotidiano, que raramente leem lábios, muitos que ouvem música e que tem uma vida comparável ao de normo-ouvintes, mas ainda assim, deficientes auditivos biológicos.

Por isso, tenho optado por falar de forma mais realista e menos empolgada. Falar que o implante PODE oferecer muito, mas é impossível prever, só dá para descobrir quando tentamos.

Outro dia, alguém me disse que eu deveria apoiar as pessoas emocionalmente. Discordo, se isso significar que eu deveria dizer o que as pessoas querem ouvir e depois ter que aturar os ataques e grosserias de quem teve uma ativação aquém do esperado. Acho que uma pessoa que está preparada para lidar com uma resposta sincera, está mais preparada para lidar com uma possível frustração inicial ou com um período longo de adaptação.

Por isso, atualmente, meu apoio é o seguinte: Pergunto para a pessoa: você quer fazer o implante, mesmo sabendo que é uma possibilidade e não uma certeza? (Porque a única certeza é que se você precisa do implante, é porque você já é surdo. E se a surdez você já tem, o que tem a perder de experimentar um pouco mais?). Você está disposto a conquistar o universo sonoro? Vendo o IC como um longo cortejo de sedução. Você coloca e vai conquistando cada som, vai comemorando cada conquista, vai se deliciando com cada descoberta? Você é daquelas pessoas que se emociona com o som do mar, que ama o barulho da chuva, que rolaria de rir de descobrir o miado de um gato? Ou só falar no telefone vai ser suficiente para você?

Coloque na balança o que você tem sem o IC e o que pode tentar conquistar com ele. Está disposto a correr o risco? Está disposto a conquistar o seu lugar ao som? Eu não faço falsas promessas, eu falo de possibilidades. Tal qual o médico te diria, tal qual a fono te diria, tal qual a psicóloga te diria.

Só prometo que se você escolher percorrer este caminho, estarei ao seu lado todo o tempo. E que irei entender se você desistir. Eu prometo o meu ombro e os meus ouvidos, te prometo o meu abraço e o meu carinho. Mas não prometo a mesma realização que eu tive, porque infelizmente não posso.

Se eu pudesse dar algo a cada candidato do IC, eu não daria certezas. Eu daria apenas a minha capacidade de respirar poesia e ser feliz por cada conquista por menor que fosse… Porque aí, independente de qual seja o resultado, a pessoa saberá apreciá-lo e optar pelo implante coclear será algo valerá a pena!

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