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Rafaela Cota Silva
Rafaela Cota Silva
Intérprete de Língua Gestual Portuguesa
Somos só três: professor, aluna surda e intérprete!
Inserido Sábado, 31 de Maio de 2014
Autor: Rafaela Cota Silva
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Este texto retrata uma situação vivenciada e experienciada na primeira pessoa enquanto intérprete de língua gestual num contexto muito particular e pouco habitual no ensino superior: O ensino individualizado durante aulas de orientação de estágio.

Abordar a questão da educação de um aluno surdo a nível superior não é tarefa fácil, assim como, também não o é, o processo educacional em si. Porém, se se pensar no idealismo de uma escola para todos há que recordar que estes alunos têm exactamente o mesmo direito de progredirem nos seus estudos. Só deste modo se poderá falar de igualdade de acesso e oportunidades.

No entanto, poucos são os alunos surdos que chegam a um nível de ensino superior, e os que o conseguem, trazem consigo algumas lacunas, sendo as mais notáveis a dificuldade na escrita do português e na capacidade do pensamento abstracto. Além disto, sucede por vezes o facto de o aluno surdo sentir dificuldades de integração num meio ouvinte onde não compreende o que acontece à sua volta, nem é compreendido pelos que o rodeiam.

Ora, pondo de parte a teoria e reportando-me à nossa situação em concreto: aulas individuais de seminário de orientação de estágio curricular de uma aluna surda a frequentar a Licenciatura em Ensino Básico – variante Educação Visual e Tecnológica. Neste sentido, há que salientar que o contexto era, de facto, especial, uma vez que o ensino era individualizado, estando presente apenas três elementos: o professor, a aluna surda, e a intérprete de língua gestual. Neste cenário, as barreiras comunicacionais que poderiam à partida existir estariam de todo solucionadas o que, seria por si só, um ponto de partida para que todo o trabalho pudesse ser desenvolvido de forma satisfatória e produtiva. De facto, foi o que sucedeu. Desde o início da Unidade Curricular que o professor se mostrou sensível à problemática da pessoa surda, aceitando as características individuais da aluna em questão, compreendendo as condições da sua pessoa e promovendo estratégias de ensino que apelassem à participação activa da aluna.

Tendo esta aluna uma dificuldade de raciocinar sobre o abstracto, houve, desde sempre, a preocupação do professor de, aquando da introdução de nova temática e durante o desenvolvimento desta, mostrar exemplos práticos do tipo de trabalho que poderia ser produzido. Ora, para uma aluna que não ouve, mas que, em contrapartida, possui uma capacidade visuo-espacial bastante apurada, e estando nós dentro de um contexto orientado para o ensino das Artes Visuais, penso que desta forma a aluna conseguia integrar e absorver melhor a informação que pretendia ser passada. A preocupação por parte do professor para que as necessidades da aluna fossem satisfeitas, desenvolve na mesma um sentimento de bem-estar. Por sua vez, sendo a aluna capaz de assimilar e reter o que lhe é transmitido, conseguindo estabelecer a lógica entre os vários processos em que se desenrola a aula, adquire mais autonomia na realização das actividades.

Assim, tal como se depreende do parágrafo anterior, quando um professor está perante um aluno surdo, deve recorrer muito a exemplos reais, adaptar os materiais ao tipo de aluno a que se destinam, adoptar métodos e estratégias que tentem desenvolver o potencial do aluno. Por vezes, a interpretação não era suficiente para proporcionar a compreensão total, havendo a necessidade de se recorrer ao desenho ou à explicação escrita – esta preocupação em incentivar e estimular a aluna para que compreenda, ajuda-a a ir para a frente com o trabalho, a acreditar em si própria, a ser capaz de fazer e a ter noção das suas capacidades.

É do senso-comum que o desenvolvimento de um aluno depende da sua personalidade, da sua interacção social, da sua actividade escolar e do grau de exigência desta, sendo também muito importante o grau de comunicação com quem o rodeia. Tal, só pode suceder em condições ideias com a presença de um elemento fundamental para estabelecer a ponte de comunicação entre uma pessoa ouvinte e uma pessoa surda, o intérprete de língua gestual. Com a utilização deste na sala de aula o ensino pode ser feito sem qualquer barreira, sentindo-se a aluna (neste caso particular, e os aluno em geral) mais seguros. É de facto, um aspecto fulcral, que o aluno surdo possa ter acesso aos conteúdos programáticos através da sua língua materna – a língua gestual. Só desta forma poderá ter rendimento no trabalho que se dispõe a fazer.

No que toca aos intérpretes, estes apenas conseguirão desempenhar a sua função com total clareza e eficácia quando se verifica uma ajuda recíproca entre este e o docente da disciplina. É fundamental uma partilha de objectivos que concorram para um fim comum – a realização plena da aula e o sucesso escolar do aluno. Recorre-se deste modo a uma resposta multifacetada que visa satisfazer a necessidade do estudante.

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