Há alguns anos atrás, surgiram os agrupamentos de escolas, concentrando sob uma mesma escola sede o ensino pré-escolar, primeiro, segundo e terceiro ciclos.
Recentemente, temos vindo a assistir ao seu alargamento, ou seja, à criação de agrupamentos ainda maiores que incluem, para além de escolas do ensino básico, também uma escola do ensino secundário. O conceito mega expandiu-se, assim, para o campo educativo. Já não temos apenas megabytes, mega filmes e mega hits. Temos também mega agrupamentos com milhares de alunos, sob a égide de um só diretor.
Geralmente, o critério para a criação destes mega agrupamentos é o da proximidade das escolas. A escola secundária agrupa com escolas próximas, para que os alunos dessa área geográfica possam prosseguir estudos dentro da mesma zona de residência.
No caso da educação de surdos, a filosofia foi sempre diferente. A área de abrangência das EREBAS nunca se relacionou com as áreas de influência dos diferentes agrupamentos, circunscrevendo-se, em contrapartida, a uma área geográfica muito mais ampla, em articulação com a rede nacional definida em 2008, pelo Ministério da Educação, de acordo com as orientações do Decreto-Lei n.º 3/2008. Seguindo as recomendações das Nações Unidas e da Declaração de Salamanca, as EREBAS procuraram favorecer a concentração de alunos surdos em comunidades linguísticas de referência e em grupos de socialização constituídos por adultos, crianças e jovens de diversas idades que utilizassem a Língua Gestual Portuguesa.
Acresce-se que as escolas secundárias de referência foram definidas como tal, não por ficarem próximas de agrupamentos de referência, mas por oferecerem ofertas educativas específicas, que iam de encontro aos interesses e necessidades destes alunos. Deste modo, procurava-se assegurar diferentes possibilidades de prosseguimento de estudos. Estas escolas foram dotadas de recursos e o corpo docente foi fazendo formação em Língua Gestual Portuguesa e na educação bilingue de alunos surdos. Estamos a referir-nos não só aos docentes da Educação Especial, para os quais foram criados lugares de quadro, mas também aos docentes do ensino regular. Estes profissionais passaram, assim, a constituir uma equipa educativa experiente e com formação adequada.
É importante não esquecer que as características dos alunos surdos são significativamente diferentes das dos outros alunos com necessidades educativas especiais. O facto de estes alunos possuírem uma língua própria para comunicar exige uma equipa multidisciplinar altamente especializada, que não se constrói de um dia para o outro. São necessários muitos anos, quer para interiorizar a filosofia bilingue, quer para dominar a LGP.
Não se compreende, por isso, que, de um dia para o outro, se deitem a perder projetos que foram solidamente construídos, que professores que dedicaram muitos anos da sua vida ao ensino de surdos, fiquem, de repente, sem alunos e com horário zero, enquanto outros que nunca trabalharam com estes alunos e que não sabem como comunicar com eles, os passem a ter diante de si. Com esta decisão, o país revela mais uma vez o seu avesso e total desorientação.
Ao agrupar com o Agrupamento Vertical de Lamaçães, a Escola Secundária D. Maria II substitui a Escola Secundária Carlos Amarante, como escola de referência para a educação bilingue de alunos surdos, cabendo-lhe a ela a gestão dos recursos, enquanto escola sede. A mesma situação está a acontecer em Coimbra. Ao formar um mega agrupamento com o Agrupamento de Escolas Silva Gaio, a Escola Secundária Jaime Cortesão toma o lugar da Escola Secundária de Avelar Brotero, uma escola com uma longa tradição no ensino de surdos. Provavelmente, existirão outras situações semelhantes em outras zonas do país.
Estamos perante mais um momento de retrocesso da educação de surdos em Portugal. O nosso país continua a não valorizar a formação de professores, os projetos das escolas e as necessidades reais dos alunos surdos. Em vez de se privilegiar a construção de um ensino de qualidade, amadurecido e consistente, destrói-se todo o investimento humano e científico realizado.
Assistimos a uma decisão política vazia de humanidade, que não tem em consideração a singularidade da comunidade surda e que, por isso, os visados não podem desculpar.