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Joana Morêdo Pereira
Joana Morêdo Pereira
Investigadora/Docente no Ensino Superior
Análise Diacrónica em Língua Gestual Portuguesa (LGP): O caso da Família
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Publicado em 2010
Mertzani, M. (ed). Sign Language Teaching and Learning. Papers from the 1st Symposium in Applied Sign Linguistics. (Ensino e Aprendizagem das Línguas Gestuais. Artigos do 1º Simpósio em Linguística Aplicada das Línguas Gestuais). Pp: 93-101. Centre for Deaf Studies. (Centro de Estudos Surdos). Bristol. UK
Joana Morêdo Pereira
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Resumo

Este artigo pretende apresentar um estudo piloto sobre a variação diacrónica em Língua Gestual Portuguesa (LGP), focalizando-se no campo semãntico da família. A recolha de dados efectuou-se por meio de inquéritos feitos junto de sujeitos Surdos de várias faixas etárias, desde crianças até cidadãos idosos. Os resultados deste estudo serão integrados numa base de dados cujo objectivo será o de registar a diacronia em LGP em vários campos semânticos, constituindo uma construção pioneira da etimologia da LGP.

«A história de uma palavra é a história da sua cultura e estrutura;
Ambos os aspectos devem ser descritos, na sua relação um com o outro,
Tal como se fossem dois lados de uma mesma moeda 2»

(Helmut Ludtke, 1968)

Este artigo foi apresentado no Simpósio Internacional de Línguística Aplicada das Línguas Gestuais, em Bristol (2009), e traduzido do original para Língua Portuguesa pela primeira autora (2011).

1. Notas Introdutórias

As línguas são entidades vivas que são moldadas pelo uso que lhes é dado pelos seres humanos que as utilizam, sofrendo desta forma mudanças ao longo do tempo. “As Línguas Gestuais Naturais são sistemas linguísticos autónomos, estruturalmente independentes das línguas orais, com as quais podem coexistir numa mesma comunidade 3“ (Lucas et al., 2001:4). Tratando-se de línguas verdadeiras, complexas em termos das suas estruturas fonológicas, morfológicas e sintácticas (Kyle & Woll, 1985), tal como qualquer outra das línguas humanas, as línguas gestuais são um organismo vivo, dinâmico, que se altera e evolui, adquirindo, modificando e eliminando unidades lexicais.

Na década de 1960, quando Stokoe procurava, aos olhos de um mundo céptico, provar que a Língua Gestual Americana (ASL) tinha todo o mérito para ser aceite como uma língua com pleno potencial, as descrições da variação em ASL contradiziam os seus argumentos, perturbando-o na sua senda de conseguir o reconhecimento da ASL (Stokoe et al., 1965). No entanto, as variações linguísticas são algo de estruturado e sistemático (Lucas et. al, 2001), são um fenómeno natural que faz parte da evolução de qualquer língua e sem o qual as línguas humanas deixariam de ‘respirar’.

Na Constituição da República Portuguesa, a LGP surge reconhecida como uma verdadeira língua, uma língua que o governo Português deve “Proteger e valorizar (...) como expressão cultural e instrumento de acesso à educação e à igualdade de oportunidades” (4ª Revisão Constitucional, 2007:ART.74). Porém, apesar desta conquista importante, em Portugal, a investigação quanto ao léxico desta língua está ainda no início.

As pessoas culturalmente Surdas 4, cuja ‘pátria’ em termos de espaço material, psicológico e emocional é a Comunidade Surda (Lane, 2006), têm utilizado a LGP desde o final do século XV (Almeida, 2007). Porém, não existem registos escritos sobre os gestos mais antigos e a evolução que foram sofrendo ao longo do tempo. Isto torna a àrea da etimologia gestual num objecto de estudo que apenas poderá ser explorado por meio do contacto directo com a população Surda nativa da LGP. São eles a única fonte através da qual poderemos procurar mapear a história das unidades lexicais da LGP. Assim sendo, neste trabalho fomos compelidos a recorrer à etimologia popular, tendo feito um registo das crenças que as pessoas Surdas têm no que concerne a sua língua e às origens dos gestos que a compõem. É importante que mantenhamos em mente que os dados recolhidos e os resultados obtidos neste investigação-piloto podem, efectivamente, corresponder a um verdadeiro conhecimento etimológico, passado de geração em geração, mas podem também constituir meras suposições.

De qualquer das formas, o objectivo deste estudo é meramente o de conseguir uma primeira recolecção de propostas etimológicas, que serão sujeitas a uma análise mas aprofundada em estudos posteriores, e serão testadas por um grupo de participantes maior em número, um grupo que seja mais representativo da Comunidade Surda Portuguesa.

2. Corpus Utilizado

Neste estudo exploratório, pretendemos retraçar o caminho histórico e a etimologia quanto a um campo semântico específico: a família.

O nosso corpus gestual foi composto por 32 gestos da LGP, todos referentes a laços familiares: MÃE, PAI, AVÓ, AVÔ, FILHO, FILHA, TIO, TIA, PADRINHO, MADRINHA, AFILHADO, AFILHADA, IRMÃO, IRMÃ, PRIMO, PRIMA, CUNHADO, CUNHADA, SOGRO, SOGRA, ENTEADO, ENTEADA, PADRASTO, MADRASTA, SOBRINHO, SOBRINHA, NORA, GENRO, BISAVÔ, BISAVÓ, NETO E NETA.

3. Participantes

A recolha de dados foi conseguida através da participação de 15 gestuantes Surdos. Quisemos obter um conjunto de dados o mais fiável possível, e para isto precisávamos de gestuantes com muito bom domínio da língua. Daí que os nossos critérios centrais para a selecção de participantes tenham sido uma alta fluência em LGP e uma aquisiçao precoce da mesma (antes dos 6 anos de idade). Como pretendiamos recolher informação oriunda de diferentes gerações de pessoas Surdas, os nossos informantes ficaram divididos em três grupos etários: (i) cinco com mais de 10 anos, (ii) cinco com mais de 25 anos, (iii) e cinco com mais de 45 anos.

O grupo de participantes total era composto por seis sujeitos do sexo masculino e nove do sexo masculino, todos residindo na Área Metropolitana de Lisboa.

Os informantes do grupo (i) eram estudantes. Nos grupos (ii) e (iii) encontravam-se quatro professores/as de LGP, um/a assistente operacional escolar, um/a secretário/a, um/a professor/a de artes, um/a técnico/a de próteses dentárias, um/a tipógrafo/a e uma pessoa desempregada. Tinhamos três filhos de pais Surdos (Children of Deaf Adults - CODA) e sete sujeitos com pais ouvintes. Doze dos nossos participantes eram parte integrante de Associações de Surdos ou organizações da Comunidade Surda, enquanto que outros três não o eram. Em termos de experiência educacional, o grupo era bastante diverso: sujeitos com experiências em escolas de Surdos, outros em escolas de ouvintes mas em turmas de Surdos, outros em escolas de ouvintes em turmas integradas, e ainda experiências mistas onde um mesmo sujeito passara pelos vários percursos educacionais. Todos os participantes ficaram surdos durante a gestação ou a uma idade muito precoce (antes dos 4 anos), à excepção de um deles (ensurdeceu aos 15). Este último participante, apesar de não corresponder a um dos critérios de selecção delineados - o critério da aquisição precoce da LGP - foi, apesar disto, integrado/a no grupo, por ser em gestuante com muito bom domínio da LGP, reconhecido/a como tal pela comunidade Surda.

5. Métodos e Materiais

Os 32 gestos foram apresentados aos informantes sob o formato de uma lista das palavras correspondentes em Língua Portuguesa. Foi pedido aos sujeitos que produzissem os gestos correspondentes e explicassem a origem de cada um dos gestos, de acordo com o seu conhecimento, intuição ou ponto de vista. Foi-lhes dito que estas contribuições poderiam ser oriundas de contactos com outras pessoas Surdas, ou apenas fruto da sua própria sensibilidade como pessoas Surdas gestuantes. As propostas etimológicas apresentadas por cada sujeito foram contabilizadas e, para cada um dos 32 gestos, a proposta mais mencionada foi registada, bem como o nível de coesão do grupo quanto a esta proposta mais mencionada. O nível de coesão foi determinado através do número de participantes que tinham sugerido uma determinada proposta etimológica; Fraco [1 a 5]; Médio [5 a 10]; e Alto [10 a 15]. Dentro destas categorias, foram também identificadas sub-categorias de coesão: Fraco– [1 a 2]; Fraco* = 3; Fraco+ [4 a 5]; Médio– [6 a 7]; Médio* = 8; Médio+ [9 a 10]; Alto– [11 a 12]; Alto* = 13; Alto+ [14 a 15]. Quando nenhuma resposta foi obtida quanto a uma determinada unidade lexical, os resultados foram rotulados de Nulos.

6. Resultados

De acordo com a proposta mais mencionada pelos nossos informantes, foi elaborada uma lista de possíveis origens etimológicas para cada um dos gestos, como podemos ver em seguida.

GESTO COESÃO PROPOSTA ETIMOLÓGICA

PAI

Médio+

Associação com o gesto HOMEM e BIGODE, ambos muito semelhantes ao gesto PAI.

MÃE Fraco+

Costume antigo, o de os filhos beijarem as mãos às mães;

Protecção das mães para com os seus filhos.

AVÔ Fraco-

Influência da dactilologia “A” no início do gesto;

Associação da ideia de “avô” com o conceito de “velho”, donde virá a localização do gesto no queixo.

AVÓ

(FEMININO+AVÔ)

Fraco- Influência da dactilologia “A” no início do gesto;

Associação da ideia de “avó” com o conceito de “velha”, donde virá a localização do gesto no queixo.

BISAVÔ

(AVÔ+SEGUNDO)

Médio*

AVÔ + SEGUNDO = “o segundo avô”.

BISAVÓ

(AVÓ+SEGUNDO)

Médio*

AVÓ + SEGUNDA = “a segunda avó”.

FILHO Fraco-

Associação com o gesto MÃE e com o conceito “mãe”:

  • “posse da mãe”;
  • ”que se segue à mãe na árvore genealógica”
  • “que nasce da mãe”.
FILHA

(FEMININO+FILHO)

Fraco-

Associação com o gesto MÃE e com o conceito “mãe”:

  • “posse da mãe”;
  • ”que se segue à mãe na árvore genealógica”
  • “que nasce da mãe”.
IRMÃO Fraco+

“alguém que é e vive como igual” ao irmão;

alguém “que cresce com outro irmão, estando sempre junto àquele”; alguém “que tem o mesmo sangue”.

IRMÃ

(FEMININO+IRMÃ)

Fraco+

“alguém que é e vive como igual” ao irmão;

alguém “que cresce com outro irmão, estando sempre junto àquele”; alguém “que tem o mesmo sangue”.

TIO

Fraco*

Origem na dactilologia: T-I-O.

TIA

(FEMININO+TIO)

Fraco*

Origem na dactilologia: T-I-A.

PRIMO Fraco-

Triângulo visual que se forma na árvore genealógica e que ilustra a relação entre dois primos ou duas famílias.

PRIMA

(FEMININO+PRIMO)

Fraco- Triangulo visual que se forma na árvore genealógica e que ilustra a relação entre dois primos ou duas famílias.
SOBRINHO Fraco*

Relação antiga entre sobrinhos(as) e tios(as), que eram também padrinhos/madrinhas. Estas pessoas estavam ligadas não apenas por uma questão de consanguineidade mas também por laços impostos pela cerimónia religiosa do baptismo, pelo que a localização e movimento de SOBRINHO é igual às de PADRINHO/MADRINHA/BAPTISMO.

SOBRINHA

(FEMININO+SOBRINHO)

Fraco*

Relação antiga entre sobrinhos(as) e tios(as), que eram também padrinhos/madrinhas. Estas pessoas estavam ligadas não apenas por uma questão de consanguineidade mas também por laços impostos pela cerimónia religiosa do baptismo, pelo que a localização e movimento de SOBRINHA é igual às de PADRINHO/MADRINHA/BAPTISMO.

PADRINHO Alto-

Associação com o movimento realizado no baptismo – o de deitar água na cabeça da pessoa baptizada.

MADRINHA

(FEMININO+PADRINHO)

Alto-

Associação com o movimento realizado no baptismo – o de deitar água na cabeça da pessoa baptizada.

AFILHADO

(PADRINHO+FILHO)

Fraco+ Vem dos gestos PADRINHO/BAPTISMO, pois o afilhado é um “filho” adquirido por meio do baptismo.
AFILHADA

(PADRINHO

+FEMININO+FILHO)

Fraco+ Vem dos gestos PADRINHO/BAPTISMO, pois o afilhado é um “filho” adquirido por meio do baptismo.
SOGRO Fraco- Dactilologia “I” vindo da ideia de “importante na família” (explicação dada foi dada como mera suposição, sem certezas).
SOGRA

(FEMININO+SOGRO)

Fraco- Dactilologia “I” vindo da ideia de “importante na família” (explicação dada foi dada como mera suposição, sem certezas).
GENRO Nulo ----------------------------------------------------------------------------
NORA

(FEMININO+GENRO)

Nulo ----------------------------------------------------------------------------
CUNHADO Fraco*

Associação ao gesto SEGUINTE/AO LADO, que se manifesta na configuração identica ao do gesto CUNHADO.

CUNHADA

(FEMININO+CUNHADO)

Fraco*

Associação ao gesto SEGUINTE/AO LADO, que se manifesta na configuração identica ao do gesto CUNHADA.

PADRASTO

(PAI+SEGUNDO)

Médio*

Combinação dos gestos PAI+SEGUNDO, contendo várias associações:

  • um segundo pai;
  • um falso pai;
  • uma segunda pessoa que se casa com a mãe.
MADRASTA

(MÃE+SEGUNDO)

Médio*

Combinação dos gestos MÃE+SEGUNDO, contendo várias associações:

  • uma segunda mãe;
  • uma falsa mãe;
  • uma segunda pessoa que se casa com o pai.
ENTEADO

(FILHO+SEGUNDO)

Fraco+

Combinação dos gestos FILHO+SEGUNDO, contendo várias associações:

  • um segundo filho;
  • um falso filho, que não é o verdadeiro.
ENTEADA

(FEMININO

+FILHO+SEGUNDO)

Fraco+

Combinação dos gestos FILHO+SEGUNDO, contendo várias associações:

  • uma segunda filha;
  • uma falsa filha, que não é a verdadeira.
NETO

Fraco-

Associação com AVÔ E AVÓ, como origem para a localização no queixo.
NETA

(FEMININO+NETO)

Fraco-

Associação com AVÔ E AVÓ, como origem para a localização no queixo.

Tabela 1: Propostas mais mencionadas pelos participantes para as unidades lexicais em LGP pertencentes ao campo semântico “Família”.

A lista acima apresentada mostra as várias contribuições fornecidas pelos nossos informantes. Tencionamos aplicar esta lista em investigações futuras, recrutando um grupo de participantes Surdos Portugueses mais amplo, por forma a determinar a etimologia mais precisa neste campo semântico. É importante referir que, embora o nosso grupo de participantes fosse pequeno, alguns aspectos referidos são dignos de profunda reflexão. Uma análise detalhada da informação recolhida levou à construção de seis rumos para uma investigação futura. Estes rumos compreendem em si mesmos hipóteses ou questões de investigação válidos, a serem confirmadas em estudos posteriores a este.

1 - Gestos mais facilmente identificados

Os gestos cujas origens foram mais facilmente identificadas (ou sugeridas) pelos participantes foram PAI, MÃE, BISAVÔ, BISAVÓ, MADRINHA, PADRINHO, AFILHADO, AFILHADA, MADRASTA e PADRASTO. Estes resultados poderão ter a ver com o facto de que todos estes gestos se referem a familiares directos, a pessoas próximas dos nossos informantes. Talvez, por isso, sejam gestos mais utilizados no discurso diário dos nossos participantes, nas conversas em língua gestual. Assim sendo, integrando estes gestos, frequentemente, diálogos e discussões, existem mais probabilidades das suas origens terem sido discutidas entre os gestuantes, nestes momentos de diálogo, e transmitidas a outros.

2 - Similaridade no Género

Dos 32 gestos analisados, compostos por 16 pares de género (e.g. pai/mãe, filho/filha, etc.), em 12 dos pares (ou seja, em 24 gestos) houve um emparelhamento das justificações dadas pelo grupo. Apenas foi registada disparidade de propostas etimológicas nos pares PAI/MÃE; e ENTEADO/ENTEADA. É interessante notar que este emparelhamento de justificações aconteceu até no par PADRASTO (PAI+SEGUNDO)/MADRASTA (MÃE+SEGUNDO). Repare-se que neste caso o género do gesto não é marcado por meio da presenla do gesto FEMININO no início, mas sim através da utilização do gesto MÃE.

3 - Conhecimento vs capacidade criativa

Neste estudo, é provável que os participantes tenham feito uso das suas capacidades criativas de forma a explicar a origem do gesto. Visto que não existe qualquer registo dos gestos antigos da LGP, aceitámos as justificações dadas pelos informantes como possivelmente decorrentes da transmissão de conhecimento, das gerações mais antigas às mais recentes. Não obstante, temos de considerar que as propostas etimológicas recolhidas poderão ter constituido também meras explicações dadas no momento do inquérito, explicações dadas tendo como base as motivações visuais do gesto e a sensibilidade do informante como gestuante e membro da comunidade Surda.

4 - O Ensino da língua em estudo

No grupo (ii), registou-se uma correspondência interessante: os professores de LGP deram mais propostas etimológicas para os gestos do que os restantes informantes. Ensinar a língua em estudo poderá ser um factor que condicione a existência de um mais profundo conhecimento da etimologia dos termos da mesma.

5 - Factor Histórico

As pessoas que integravam o grupo (iii) (com mais de 45 anos) foram educadas sob a égide do sistema oralista, durante o período em que a ditadura de Salazar estava no poder. Nessa altura, anterior à Revolução dos Cravos (25 deApril de 1974), o divórcio era uma realidade escassa e, assim sendo, os gestos que expressam estes conceitos, quanto à realidade do divórcio (padrasto, madrasta, enteada, enteado...) foram sempre enunciados pelos informantes mais velhos com recurso à dactilologia.

Isto ocorre no grupo (iii) mas não no grupo (i), onde encontramos os participantes Surdos mais jovens. Estes jovens são estudantes já são parte integrante de uma realidade educacional em que os alunos Surdos têm modelos Surdos adultos disponíveis na escola, os seus (professores Surdos nativos de LGP), com quem têm a hipótese de criar uma dinâmica de interacção onde o passado da sua língua é absorvido pelos alunos e o futuro da mesma modelado por eles e pelos seus modelos linguístico-culturais. Neste processo de criação e evolução da língua, surgem termos linguísticos já adaptados às condições que a sociedade oferece no presente. Sendo assim, são de comum conhecimento dos gestuantes os gestos referentes a laços familiares decorrentes do divórcio. Na realidade, a grande parte dos participantes do grupo (iii) é filha de pais divorciados.

6 - Correlação entre grupo etário e consciência metalinguística

O grupo onde mais participantes deram um maior número de respostas sem justificação, ou seja, onde mais pessoas apenas disseram o gesto e afirmaram que não sabiam a origem do mesmo, foi o grupo (ii) (4 informantes), seguido do grupo (i) (3 informantes) e, por último, do grupo (iii) (1 participante). Isto parece indicar que, na parcela da população estudada, as crianças e jovens adultos revelam ter mais conhecimento sobre a origem dos gestos do que os participantes idosos. De certa forma, esta ideia contradiz a nossa expectativa inicial, a de que quanto mais velhos fossem os participantes mais conhecimento teriam sobre a origem e evolução dos gestos. A nossa observação, oposta ao que a equipa de investigação esperava de início, pode provavelmente ser justificada através do seguinte postulado: nos dias que correm a LGP é estudada nas escolas e ensinada de uma forma formal, o que não acontecia no passado. Assim sendo, uma consciência metalinguística ter-se-á aguçado devido ao reconhecimento e ensino da língua.

6. Notas Finais e Investigação Futura

Este estudo exploratório levou à construção de uma lista de propostas etimológicas para gestos da categoria semântica da família, a serem testados com uma população mais vasta de participantes. Conseguimos também elaborar algumas hipóteses que tencionamos explorar, nomeadamente a referente à possível correlação entre o grupo etário e a consciência etimológica, bem como a que aponta para um interesse didático maior dos professores Surdos nas descobertas etimológicas.

Em investigações futuras, no que concerne a etimologia em LGP, para além de insistirmos num alargamento do grupo de sujeitos Surdos a incluir nos estudos, é importante ressalvar que deverão ser exploradas diferentes áreas geográficas no país de forma a incluir no estudo a variação regional. Alargaremos também o foco dos nossos estudos, apontando para a exploração de outras categorias semânticas, para que possamos construir dicionários e materias didácticos que possam apresentar de uma forma mais clara um registo do percurso histórico da Língua Gestual Portuguesa.

 

Notas

2 Traduzido, do paper original, pela autora.
3 Traduzido, do paper original pela autora.
4 Neste artigo utilizamos a proposta terminological convencionada por James Woodward em 1972; ‘Surdo’ refere-se a gestuantes surdos que abraçam a cultura e língua Surdas como suas, e que são membros activos de uma determinada comunidade Surda (Ladd, 2003).

Bibliografia

Almeida, M. J. (2007). A criança surda e o desenvolvimento da literacia. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Aveiro/Escola Superior de Educação de Setúbal. Portugal.

Kyle, J. e Woll, B. (1985). Sign Language. The study of deaf people and their language. Cambridge University Press. Cambridge. UK.

Ladd, P. (2003). Understanding Deaf culture: In Search of Deafhood . 1st Edition. Multilingual Matters Ltd. Clevedon. UK.

Lane, H. (2006). Serão as Pessoas Surdas deficientes? In: M. Bispo, A. Couto, M. Clara, L. Clara (eds). O Gesto e a Palavra . Editorial Caminho, Lisbon. Portugal.

Lucas, C.; Bailey, R.; Valli, C. (2001). Sociolinguistic Variation in American Sign Language. Gallaudet University Press. Washington DC. USA.

Stokoe, W., Casterline, D. e Croneberg C. (1965). A dictionary of American Sign Language on linguistic principles. Gallaudet College Press. Washington DC. USA.

Quarta Revisão Constitucional da República Portuguesa de 20 de Setembro de 2007. Diário da República nº 218.

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