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Katia Regina Conrad
Katia Regina Conrad
Especialista em Educação Especial
Educação e Surdez: Um Resgate Histórico pela Trajetória Educacional dos Surdos no Brasil e no Mundo
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Publicado em 2011
RVCSD - Revista Virtual de Cultura Surda e Diversidade, Edição nº 08
Katia Regina Conrad
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Resumo

Este artigo apresenta um resgate pela história da educação dos surdos, buscando as atitudes mais comuns que eram executadas ora a favor, ora contra a educação e até mesmo a sobrevivência das pessoas com deficiência. Teve como objetivo geral o resgate e apresentação de acontecimentos históricos referentes à educação dos Surdos, como objetivos específicos, buscar as primeiras metodologias do ensino dos surdos; descobrir os primeiros professores de surdos; pesquisar quem foram os precursores dos métodos específicos para tal área da educação; verificar que outros procedimentos e atitudes eram aplicados com estas pessoas. A metodologia de pesquisa aplicada contemplou uma abordagem qualitativa dos fatos históricos em diferentes grupos sociais; a coleta de dados ocorreu de forma exploratória, buscando, pesquisando e analisando, em diferentes referenciais bibliográficos, os acontecimentos e fatos históricos que apresentassem o tema em questão: a trajetória de Educação do Surdo no Brasil e no mundo. Descrevem-se, no decorrer desta trajetória, os cuidados e práticas de ensino desde os tempos primórdios, antes da civilização, dos períodos Escravista, Feudal e da Idade Moderna à Contemporânea. Cada período citado traz suas mudanças políticas, econômicas, sociais e no que isso influenciou a educação dos Surdos. Hoje, pode-se dizer que a inserção do Surdo na sociedade efetivamente já aconteceu, no entanto, a verdadeira inclusão da Cultura Surda no currículo escolar ainda não. Propomos ao leitor uma reflexão sobre os atendimentos e metodologias destinadas às pessoas com surdez e atual situação educacional do cidadão Surdo, compreendendo-os em sua Cultura e tamanha importância à sociedade.

1. Introdução

Desde 1994 quando a Declaração de Salamanca decretou que a educação é de direito de toda e qualquer criança, independente de sua etnia, classe social ou necessidade especial, todas as pessoas com deficiência vêm sendo inseridas nas escolas que são de melhor acesso a sua família, a escola que pertence à mesma comunidade em que reside.

Fato este reafirmado com a LDB – Lei e Diretrizes de Base da Educação, número 9.394 de 1996. Este documento ressalta que é de direito a oportunidade de acesso e permanência de todos os alunos em escolas regulares de ensino. Às crianças com necessidades educacionais especiais lhe serão cedidas o subsídio que for necessário.

Contudo, ainda que amparados por Lei, no caso do aluno Surdo, mais do que acesso e adaptação arquitetônica são necessários para sua efetiva inclusão. O Surdo 3 (este com letra maiúscula para identificar) é como um estrangeiro em sala de aula, pois pertence a uma cultura e utiliza de uma língua diferente da comunidade escolar e da que vive.

O Surdo é uma pessoa com experiências puramente visuais, pessoas com uma visão de mundo muito diferente das que escutam. Tendo esta compreensão de mundo de forma silenciosa e visualmente muito mais perceptiva, é obvio que este também terá uma cultura diferente, a Cultura Surda, bem como uma língua que se identifique com tal cultura, que melhor expresse essa visão de mundo: a Língua de Sinais; que no Brasil se oficializou como Libras – Língua Brasileira de Sinais (Lei n. 10.436 de 24 de Abril de 2002).

O interesse neste trabalho justifica-se por experiência prévia da autora 4 em diferentes áreas da educação de Surdos, cujas considerações não são favoráveis aos mesmos.

A construção do presente artigo teve por principal objetivo apontar os acontecimentos históricos referentes à educação dos Surdos. Para garantir um resgate e apresentação destes fatos, o presente artigo teve por objetivos específicos buscar as primeiras metodologias do ensino dos surdos na história; Descobrir quais foram os primeiros professores de surdos; Pesquisar quem foram os principais defensores de métodos específicos para tal área da educação; Verificar que outros procedimentos e atitudes eram aplicados com estas pessoas.

2. Metodologia

A pesquisa realizada para a construção do presente estudo contemplou, inicialmente, uma metodologia de abordagem qualitativa, descrevendo fatos históricos de diferentes grupos sociais

A coleta de dados, por sua vez, ocorreu de forma documental, pois se buscou, pesquisou e analisou, nos mais diferentes referenciais teóricos, através de uma Pesquisa Bibliográfica, os acontecimentos e fatos históricos que apresentassem o tema em questão: a trajetória de Educação do Surdo no Brasil e no mundo.

3. Referencial Teórico

Buscar registros históricos mais antigos sobre a educação de surdos, ou mesmo de outras pessoas que tinham deficiência, é reconhecer práticas de cuidado destinadas ao deficiente ao invés de metodologias e procedimentos educacionais. Pois no início dos tempos, sequer cuidados lhes eram concedidos como na atualidade é observado. Somente após muita evolução de fundamentos educacionais que alguma preocupação com a educação especial e, neste caso evidenciado, a educação de Surdos começou a receber alguma atenção.

3.1. A deficiência nos tempos primitivos

Deficiência é um termo que, em geral, independente da cultura local, exprime imperfeição. As pessoas a utilizam para definir o ser que não é perfeito ou normal perante àquela sociedade. No entanto, o normal ou ideal é um conceito que muda consideravelmente de cultura para cultura. Pois o ser, o homem ideal para uma cultura não será ideal para a outra. Isso dependerá dos costumes situados em locais e tempos distintos.

No afã histórico de construir sua existência, os indivíduos, como afirma Marx (1977, p.24), vão estabelecendo relações “[...] determinadas, necessárias, independente da sua vontade, relações de produção, que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais”. (BIANCHETTI e FREIRE, 2002, p.27).

O homem ideal nos tempos primitivos, por exemplo, não será o normal para a atualidade. Isso se dá porque nesse tempo, as pessoas moravam em cavernas e viviam como animais. Conforme Bianchetti e Freire (2002), neste tempo a principal característica de sobrevivência dos povos era o nomadismo. Ou seja, os homens tinham que ter força e agilidade à caça e sustento da família, já as mulheres, boas protetoras e artesãs, cuidando das crianças e construindo ferramentas e vestimentas.

Os diferentes gêneros já ocupavam lugares na comunidade pré-estabelecidos. A mulher ou o homem que tivesse qualquer característica que impedisse sua função, não era apropriado para casar, pois seria incapaz de se sustentar.

É evidente que alguém que não se enquadra no padrão social e historicamente considerado normal, [...] acaba se tornando um empecilho, um peso morto, fato que o leva a ser relegado, abandonado, sem que isso cause os chamados sentimentos de culpa, característicos da nossa fase histórica. [...] “quem não tem competência não se estabelece’. Isto é, não há uma teorização, uma busca por causas, havia simplesmente uma espécie de seleção natural: os mais fortes sobrevivem”. (BIANCHETTI e FREIRE, 2002, p.28).

Deste modo, era comum que os recém nascidos fossem submetidos a uma análise e ao se detectar tal incapacidade, sacrificados. Isso ocorria também nas tribos indígenas, onde há uma cultura de grupo em que todos cooperam uns com os outros. Pois deste modo, uma criança com deficiência seria privilegiada ou sofreria até a morte.

Bianchetti e Freire (2002, p.28) afirmam que ainda nesta cultura “[...] é indispensável que cada um se baste por si e ainda colabore com o grupo”. Considerando que eles nada sabiam sobre deficiência, era um risco muito grande aceitar e mudar tanto pelo desconhecido.

3.2. O início da Filosofia

Em meados de 400 e 300 anos a.C. começa a preocupação em compreender a mente e o comportamento humano. Aristóteles, essencial filósofo quanto à evolução da humanidade, traz a filosofia para a sociedade. No entanto, as considerações filosóficas com respeito às deficiências deixam algumas lacunas, essencialmente tratando-se de Surdos.

Nesta fase, em Roma e Grécia, essencialmente em Esparta e Atenas, cidades de grande respeito quando se tratava de guerras, não poderiam admitir pessoas com imperfeições. Bianchetti e Freire declaram que,

Se, ao nascer, a criança apresentasse qualquer manifestação que pudesse atentar contra o ideal prevalecente, era eliminada. Praticava-se, assim, uma eugenia radical, na fonte. A eliminação dava-se porque a criança não se encaixava no leito de Procrusto dos Espartanos. (BIANCHETTI e FREIRE, 2002, p.29).

Essa cultura grega se dava pela grande preocupação em formar “perfeitos guerreiros”. Eles acreditavam que para um bom resultado em guerra, os homens deveriam obrigatoriamente ser muito fortes, sadios, corajosos. E para gerar esse homem ideal para a guerra, a mulher deveria também ter ótima saúde, ser bela, delicada, feminina. A mulher que não tivesse essas características seria incapaz de gerar um guerreiro ideal (BIANCHETTI e FREIRE, 2002, p.29).

Veloso e Maia Filho (2009) alegam que em Atenas os Surdos normalmente eram deixados nas praças públicas ou campos, em Esparta, jogados de rochedos e em Roma atirados no Rio Tiger. Ou seja, cada sociedade adotava diferentes posições a serem tomadas perante as pessoas com deficiência: extermínio, oferta aos deuses, abandono; cada um baseado em sua cultura. Porém, nenhum com o devido respeito a estas pessoas.

Em 384 a.C. Aristóteles defendeu arduamente que o homem expressava seus conhecimentos e inteligência através da fala, se um indivíduo não tem linguagem, logo, tão pouco possuirá inteligência. Isso tornava os Surdos incapazes de receber educação. Veloso e Maia Filho (2009, p.21) revelam que Aristóteles

Dizia que “[...] de todas as sensações, é a audição que contribui mais para a inteligência e o conhecimento…, portanto, os nascidos surdos se tornam insensatos e naturalmente incapazes de razão’. Ele achava absurda a intenção de ensinar o surdo a falar”.

Portanto, ainda que com a preocupação filosófica, tantos estudos da mente e consciência humana, os Surdos continuavam sem dignidade e lugar na própria sociedade.

3.3. Da era Cristã até o fim sa Idade Média

Os anos 30 d.C. são marcados pela peregrinação de Jesus Cristo e registrados, anos mais tarde no documento mais antigo e conhecido pelo mundo: a Bíblia. Este documento apresenta o surgimento de uma nova concepção de mundo. A distinção entre céu e inferno, o bem e o mal. A partir deste momento, acredita-se em um único Deus: nosso Senhor / Pai e que somente Este nos dá vida. Consequentemente, a pessoa que nascesse com deficiência se dava pelo castigo Dele, devido a algum pecado que fora cometido por ele ou seus pais.

Ao passar, Jesus viu um cego de nascença. Os discípulos perguntaram: _Mestre, quem foi que pecou para que ele nascesse cego? Foi ele ou seus pais? Evangelho de João [9:1-2].

Questionamento este, que deixa claro o pensamento da sociedade até esta era. Muitos extermínios eram concedidos, pois assumir um filho deficiente é assumir ser pecador, pois ao invés de filho, têm-se um “fruto do pecado” (BIANCHETTI e FREIRE, 2002).

No entanto, as atitudes de Jesus trazem uma posição social diferente perante as deficiências. Conforme os registros Bíblicos, Jesus fazia exorcismos, e ao fazê-lo, as pessoas voltavam a ser “normais”. Ou seja, o deficiente era na realidade um possuído pelo Demônio.

Jesus estava expulsando um demônio que era mudo. Quando o demônio saiu, o mudo começou a falar, e as multidões ficaram admiradas. Evangelho de Lucas [11:14].

Nesta fase fica marcada a crença de que o corpo com deficiência era uma “Oficina do Diabo” que precisava ser exorcizado para poder tomar seu lugar na sociedade. Milhares de Surdos e demais pessoas com deficiência, por não passarem pelo exorcismo, foram queimadas na “fogueira da inquisição”, para purificar suas almas (BIANCHETTI e FREIRE, 2002).

Pouco tempo mais tarde, palavras já ditas por Jesus Cristo começam a ser pensadas e aceitas pela sociedade dando um novo rumo às muitas culturas. Como se pode observar na resposta de Jesus Cristo aos discípulos no Evangelho de João citado anteriormente: “Não foi ele que pecou, nem seus pais, mas ele é cego para que nele se manifestem as obras de Deus”. Evangelho de João [9:3], STORNIOLO & BALANCIN, 1998.

Estas palavras trazem à sociedade a crença de que pessoas com deficiência eram instrumentos de Deus para alertar ao próximo a tomar atitudes corretas, não pecaminosas. Mas caso o fizesse, havia uma oportunidade de se redimir e aplicar a caridade como forma de arrependimento e salvação. Ou seja, o sofrimento de uns proporcionava a salvação de outros (BIANCHETTI e FREIRE, 2002, p.33).

Contudo, com esse sentimento da piedade cristã, a posição da sociedade começa a mudar perante as pessoas com deficiência. Já não se exterminava mais, pois se sentia pena, maior pecado seria matar uma criatura que também é de Deus.

As pessoas que geravam ou achavam esses desfavorecidos, os levavam às igrejas e demais espaços religiosos. E quem os cuidava eram Abades, Padres, Madres e demais pessoas do Clero. Essas crianças cresciam e eram educadas nesses espaços até atingirem a fase adulta (JANNUZZI, 2004).

A partir deste costume, surgem as Santas Casas de Misericórdia, no final da Idade Média. Instituições especificamente para abrigar e cuidar das crianças abandonadas. Ainda assim, não existia uma educação formal / científica, eram apenas acolhidas.

Veloso e Maia Filho (2009, p. 23) declaram que, ainda nesta fase,

Aos surdos era proibido receber a comunhão por serem considerados incapazes de confessar seus pecados. Também haviam decretos bíblicos contra o casamento de duas pessoas surdas, só sendo permitido aqueles que recebiam autorização do Papa. Também existiam leis que proibiam os surdos receber heranças e votar e, enfim, de todos os direitos de cidadãos. (VELOSO e MAIA FILHO, 2009, p. 23).

Contudo, a partir das Santas Casas de Misericórdia, aparece a preocupação de ensino a estes indivíduos e, segundo Veloso e Maia Filho (2009, p. 22), é nesta fase que “começa um caminho para a educação do surdo”.

3.4. A Idade Moderna e o início da Educação Institucionalizada

Poucos anos após 1500, conforme Veloso e Maia Filho (2009) começam a aparecer interessados e até mesmo defensores da capacidade dos Surdos para a aprendizagem. Mas, de acordo com Gomes (2008), somente no século XVI, isso fica demarcado.

Isso porque aparece, na Espanha, Pedro Ponce de Léon, um monge beneditino, contratado por famílias nobres para educar seus filhos e provavelmente futuros herdeiros reais. Nascido em data indeterminada e tendo vivido até 1584, Ponce tinha por objetivo ensiná-los a ler e escrever. Era herbólogo e também manipulava alguns remédios a base de ervas com o intuito de “curar” e fazer falar os Surdos (GOMES, 2008).

Ponce constituiu uma escola para Surdos em seu próprio monastério. Utilizava, para educar seus alunos, um alfabeto bi-manual – utilizando ambas as mãos – e alguns sinais simples. No entanto, Gomes (2008, p.9) afirma que “Dessa forma, com o alfabeto bi-manual o estudante aprendia a soletrar, letra por letra, qualquer palavra, mas não a se comunicar”.

Fora da sala de aprendizagem, Gomes (2008) assegura que era proibido o uso de gestos, pois o objetivo principal ainda era torná-los o mais normal possível perante a sociedade. Contudo, Ponce de Leon provou, com esta atitude, que era sim possível educar e ensinar conteúdos científicos para Surdos.

No entanto, ele nunca citou ou alertou à sociedade a importância disso. E também não passou adiante seus métodos de ensino, após sua morte seus registros permaneceram abandonados. Ponce “(…) só se tornou conhecido a partir de 1986, ano em que foi encontrado no Arquivo Histórico Nacional de Madri (Espanha), um manuscrito com relatos rudimentares de seu método” (GOMES, 2008, p.9).

Ainda que só conhecido recentemente, o monge beneditino é, atualmente considerado o primeiro professor de Surdos da História. Sem descartar o fato de que, como ele cobrava em dinheiro por esse trabalho, os Surdos pobres continuavam se não nas ruas, ainda sem educação e cultura. Fato comprovado mais adiante nos relatos.

No século XVII, um professor chamado Juan de Pablo Bonet, é incumbido de educar o filho Surdo de Juan Fernandéz de Velasco, o jovem Luis Velasco. Tendo executado este feito com sucesso, “Bonet passou a se dedicar à elucidação dos mistérios da fala e aos segredos do som, das letras e das estruturas gramaticais e fonéticas, com o objetivo de fazer com que as crianças [...] conseguissem ler e até falar com mais facilidade” (GOMES, 2008, p.12).

O alfabeto gestual das mãos fazia parte desta metodologia e serviam para representar cada letra do alfabeto (já existente anteriormente), mas apenas como meio e facilitador na comunicação e aprendizagem em sala. Seu método foi nomeado de Oralismo, pois o objetivo central era propiciar o desenvolvimento individual dos Surdos, a partir do aprendizado dos gestos, a capacidade e o hábito da leitura visual e, mais tarde, da escrita (GOMES, 2008).

Estranhamente, até pouco tempo, era atribuído a Bonet a invenção da linguagem de sinais, mas ele próprio, no prólogo de sua obra, relega o uso dos mesmos. Se não bastasse, ele também foi acusado de plagiar o método de Pedro Ponce de Léon, no entanto, seu antecessor, não se preocupou com nenhum aspecto da fala, apenas se restringiu a instruir a ler e escrever. (GOMES, 2008, p.13).

Contudo, ainda segundo a mesma autora, fica o século XVII marcado pela primeira metodologia registrada especialmente para a educação de Surdos: o Oralismo Puro, tendo como primeiro educador partidário o padre espanhol: Juan de Pablo Bonet (1573 – 1633).

Na Alemanha, em torno de 1778, o professor Samuel Heinicke (1729 – 1790) funda a primeira escola de Oralismo Puro na Alemanha, porém sua escola tinha apenas nove alunos. Enquanto nesta mesma época, na França, o Abade Charles Michel L’Epée (1712 – 1789) ganha grande reconhecimento e respeito pelos Surdos e críticas por professores oralistas, essencialmente Heinicke (VELOSO E MAIA FILHO, 2009).

Honora e Frizanco (2009) contestam que no século XVII era visível o grande interesse que os estudiosos demonstravam pela educação de Surdos, principalmente por possibilitar grandes ganhos financeiros, pois as famílias abastadas que tinham descendentes Surdos pagavam fortunas para que estes aprendessem a falar, ler e escrever.

Provavelmente foi aí que L’Epée passou a ser repudiado pelos educadores oralistas, pois L’Epée iniciou e manteve contato com os Surdos carentes que viviam pelas ruas de Paris. A partir deste convívio procurou aprender seus meios de comunicação. Transformou sua própria casa em uma escola para Surdos carentes ensinando-os através da combinação da Língua de Sinais e da gramática francesa sinalizada, denominada de “Sinais Metódicos” (VELOSO e MAIA FILHO, 2009).

L‘Epée ainda que muito criticado pelos demais profissionais, defendia que a Língua de Sinais constitui a linguagem natural dos Surdos e que é o verdadeiro meio de comunicação e de desenvolvimento do pensamento. Publicou, de acordo com Veloso e Maia Filho (2009), o primeiro Dicionário de Sinais e em 1789, quando faleceu, já havia fundado 21 escolas para Surdos na França e Europa.

Trabalhando em prol dos Surdos, independente de classe social, L’Epée foi o fundador da primeira escola pública do mundo para Surdos. Sua obra mais importante foi: “A Verdadeira Maneira de Instruir os Surdos-Mudos”, publicada em 1776, e por tanta luta e sacrifícios, ficou conhecido como “Pai dos Surdos” (HONORA e FRIZANCO, 2009).

Conforme mesmas autoras (p.21), nesta fase ainda existiam muitos educadores lucrando com a educação caríssima dada aos Surdos da nobreza. O que é observado essencialmente por Thomas Braidwood (1715 – 1806), educador de Surdos inglês que em 1760 fundou a primeira escola privada na Grã-Bretanha. Seus alunos aprendiam: “palavras escritas, seu significado, sua pronúncia e a leitura orofacial, além do alfabeto digital”.

Outras escolas foram organizadas e utilizavam o método de Braidwood, porém, era proibida a propagação do mesmo. Quem o utilizasse, deveria pagar ao dono do método – Braidwood – metade de tudo o que recebia (HORONA e FRIZANCO, 2009).

Contudo, o século XVIII é considerado por muitos, segundo as mesmas autoras, o período que qualitativamente a educação de Surdos melhor evoluiu por conta da fundação de diversas escolas que utilizassem a Língua de Sinais, pela qual os Surdos podiam aprender e dominar diversos assuntos e exercer diversas profissões.

3.5. A Idade Contemporânea

O início desta fase é marcado por acontecimentos do fim do século XVIII, como a morte de L’Epée, que trás grandes disputas de poderes pela cadeira de diretor de sua escola e as experiências e maiores interesses em descobertas científicas.

Honora e Frizanco, 2009, afirmam que o médico cirurgião e psiquiatra Jean Marc Gaspard Itard (1774 – 1838) assume o posto de médico residente no Instituto Nacional de Surdos em Paris (Escola de L’Epée). Seguindo os pensamentos de Condillac, filósofo defensor de que as sensações eram a base para o conhecimento humano e de que a fonte de conhecimento estava somente na experiência externa do indivíduo

Veloso e Maia Filho (2009) também destacam que o médico, a partir de 1802, trabalhava para a erradicação ou diminuição da surdez, para que o Surdo tivesse acesso ao conhecimento. Para descobrir as causas da surdez, Itard executou diversas experiências científicas em cadáveres e até mesmo Surdos vivos, aplicando-lhes cargas elétricas, sanguessugas, fraturando crânios e membranas timpânicas. Após publicar vários artigos destas experiências, batizou seus aparelhos – cateteres para o ouvido – de Sonda de Itard.

Com a “evolução” e desenvolvimento da medicina, o Surdo passa a ser entendido como um doente. E experiências, eficazes ou não, passam a ser frequentemente usadas. Honora e Frizanco (2009) afirmam que somente após dezesseis anos de trabalho em prol da oralização e reabilitação auditiva, Itard admite o fato de o Surdo somente puder ser educado através da Língua de Sinais.

Joseph Marie Baron de Gerando (1772 – 1842), citado anteriormente, era o diretor administrativo do Instituto Nacional de Surdos de Paris. Acreditava na superioridade do povo europeu mediante os demais povos, tidos por ele como selvagens. Inicia a utilização dos primeiros métodos de Itard na escola para fazer os Surdos falarem (VELOSO E MAIA FILHO, 2009).

Os mesmos autores ponderam que Gerando também substituiu os professores Surdos por ouvintes e contesta que os Sinais deveriam ser banidos. No entanto, ele não consegue atingir o pretendido e finalmente modifica sua opinião, reconhecendo a utilização e metodologia da Língua de Sinais.

Nos demais países do mundo, a educação de Surdos sofreu grande dificuldade devido ao problema de acesso à metodologia de educação de Surdos da Europa. Como ocorrido com Thomas Gallaudet (1787 – 1851), que ao visitar a família Braidwood e Kinniburg, internacionalmente famosas, não obteve apoio algum. Gallaudet então pediu ajuda nas escolas de L’Epée (HONORA e FRIZANCO, 2009).

Gallaudet foi facilmente inserido como estagiário no Instituto Nacional de Surdos de Paris onde conheceu Laurent Clerc (1785 – 1869), professor Surdo do Instituto que o acompanhou de volta aos Estados Unidos, em 1816, para juntos fundarem a primeira escola de Surdos dos Estados Unidos (HONORA e FRIZANCO, 2009).

Veloso e Maia Filho (2009) afirmam que em viajem aos Estados Unidos, uma travessia de cinqüenta e dois dias, Clerc ensina à Gallaudet a Língua de Sinais Francesa e Gallaudet à Clerc a Língua Inglesa. Juntos fundam a primeira escola permanente para Surdos em Hartford (Connectcut). O rápido sucesso da escola oportuniza a abertura de diversas outras.

A Língua de Sinais usada inicialmente foi a Francesa, mas automaticamente foi se modificando e adequando à cultura dos Surdos norte-americanos, tornando-se a Língua Americana de Sinais – American Sign Language (HONORA e FRIZANCO, 2009).

Em 1846 surge um dos mais fortes e influentes defensores do Oralismo: Alexander Grahn Bell (1847 – 1922), que caracterizava a Língua de Sinais imprecisa e inferior à fala. Defendia que a Língua de Sinais deveria ser usada como um apoio a Língua Oral. O método do Oralismo era preferencialmente usado sem sinais, pois julgava que sua utilização conjunta poderia prejudicar a fala (VELOSO e MAIA FILHO, 2009).

Entre 1870 e 1890, os mesmos autores citados acima asseveram que Alexander Grahn Bell publicou vários artigos censurando o casamento entre Surdos, a Cultura Surda, as escolas residenciais para Surdos; alegava que estes eram fatores de isolamento dos Surdos. Argumentava também que o uso das Línguas de Sinais não proporcionava aos Surdos seu desenvolvimento intelectual.

Grahn Bell deu aulas de fisiologia da voz para Surdos na Universidade de Boston em torno de 1873. Neste mesmo ano Grahn Bell conhece a Surda Mabel Gardiner Hulbard, com quem se casa em 1877 (VELOSO e MAIA FILHO, 2009).

Honora e Frizanco (2009) declaram que para Grahn Bell o casamento entre duas pessoas Surdas representava um perigo para a sociedade. Os Surdos, no pensamento de Bell, deveriam estudar e conviver em meio aos ouvintes, dever-se-ia evitar que andassem muitos juntos, pois isso poderia estimular a criação de congregações.

As mesmas autoras declaram que Grahn Bell criou o telefone em 1876, tentando também criar um acessório para Surdos. Contudo, apesar de parecer por diversas vezes preocupado com a questão da Surdez, ele foi considerado “o mais temido inimigo dos surdos americanos”, conforme Veditz, ex-presidente da Associação Nacional de Surdos.

3.6. O início da Educação de surdos no Brasil

Em 1855 chega ao Brasil o professor Surdo francês chamado Eduard Huet (1822 – 1882), por solicitação de Dom Pedro II com o intuito de criar uma escola de Surdos no país. No Rio de Janeiro então, em 1857 fundou-se o primeiro instituto de Surdos em 26 de Setembro, data até atualmente comemorada como o Dia Nacional do Surdo (VELOSO e MAIA FILHO, 2009).

Este instituto, inicialmente batizado de ISM – Instituto de Surdos-Mudos que em seguida se torna o INSM – Instituto Nacional de Surdos-Mudos funcionava como um colégio de internato. As crianças e adolescentes eram deixados lá durante todo o ano, estudavam os conteúdos disciplinares e também oficinas para a profissionalização no caso dos meninos, as meninas aprendiam a cozinhar e fazer artesanatos (JANUZZI, 2004).

O alfabeto manual francês foi difundido no Brasil pelos próprios Surdos, alunos do tal instituto que logo recebeu o nome de INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos. Veloso e Maia Filho (2009) afirmam que pais de todo o Brasil levavam seus filhos Surdos ao INES.

Ainda estes autores afirmam que em 1861 Huet viaja para o México para lecionar aos Surdos de lá, inicialmente por problemas pessoais. Januzzi (2004) assevera que Huet vendeu seus direitos relacionados ao instituto ao governo imperial neste mesmo ano devido ao término de seu contrato de trabalho.

Conforme ambos os autores, Januzzi (2004) e Veloso e Maia Filho (2009), em 1862 o Dr. Manoel Magalhães Couto foi incumbido da direção do INES, substituindo o célebre Eduard Huet.

No entanto, antes que esta língua tomasse uma estrutura no Brasil, educadores de todo o mundo mobilizam-se para convenções mundiais para a discussão e definição do que realmente era a inclusão do Surdo na sociedade: os métodos de ensino da Língua de Sinais ou seria mesmo o Método do Oralismo?

3.7. Decadência na Educação dos surdos em todo o Mundo

Em 1880 reúnem-se representantes da França, EUA, Canadá, Bélgica, Suécia e Rússia no Congresso de Milão. O congresso não discutiu diretamente métodos de ensino de linguagem. Conforme Veloso e Maia Filho (2009),

O interesse era reafirmar a necessidade de substituição da língua de sinais pela língua oral nacional. Foram retomados velhos princípios de Aristóteles que dizia: “[...] a fala viva é o privilégio do homem, o único e correto veículo do pensamento, a dádiva divina, da qual foi dito verdadeiramente: a fala é a expressão da alma, como a alma é a expressão do pensamento divino”. (VELOSO e MAIA FILHO, 2009, p.39).

Foi executada uma votação neste Congresso. Apenas um Surdo estava participando, mas a este, foi impedido o direito a voto. Apenas pessoas ouvintes puderam votar e a metodologia de ensino de Surdos preferida foi do Oralismo, abolindo definitivamente o uso de Sinais na educação de Surdos (HONORA e FRIZANCO, 2009).

Este fato fez muitos Surdos decaírem seu desempenho educacional, fato notório e discutido em muitos outros congressos seguintes. Observava-se uma fala ininteligível nos Surdos, chamando a atenção de diversos estudiosos, como do Dr. Willian Stokoe (VELOSO e MAIA FILHO, 2009).

No Brasil, Januzzi (2004) acusa para o fato de que nem mesmo a educação das pessoas que não obtinham deficiência era motivo de preocupação. Nesta fase a maior parte da população era iletrada e tão pouca a educação popular razão para apreensão.

Stokoe (1919 – 2000), de acordo com Veloso e Maia Filho (2009) começou uma intensa pesquisa em torno de 1960 sobre a vida cotidiana dos Surdos, comparando duas situações. Ele pesquisou a vida de um grupo de Surdos que eram únicos com tal deficiência na família (filhos Surdos de pais ouvintes) e outro que eram filhos de pais Surdos (filhos Surdos de pais Surdos).

Sua conclusão ficou muito clara. O grupo de crianças com surdez que não conviviam com outros Surdos, automaticamente não usavam a língua de sinais. Em casa seus familiares comunicavam-se oralmente por desconhecerem os sinais e na escola era proibida tal comunicação (VELOSO e MAIA FILHO, 2009).

Já o grupo de crianças que conviviam em família com outros Surdos, ainda que na escola fosse proibido, não havia outra forma de se comunicar em casa. Esta criança, diferente da outra, tinha oportunidade de crescer e se desenvolver através da língua de sinais, esta era sua língua materna (VELOSO e MAIA FILHO, 2009).

A comparação destes dois grupos resultou no seguinte: o grupo de Surdos com a língua materna sendo a língua de sinais não prejudicava, mas sim ajudava no desenvolvimento muito melhor e mais depressa do que outro grupo. Os Surdos, deste modo, compreendiam o mundo a sua volta e tinham identidade (VELOSO e MAIA FILHO, 2009).

Stokoe publicou esta pesquisa, e como já lecionava no Instituto Gallaudet nos Estados Unidos, logo após um novo congresso mundial em Paris, começa-se a tomar as devidas providências. Veloso e Maia Filho (2009) declaram que a partir daqui a educação de Surdos passa a utilizar como método a Comunicação Total.

A Comunicação Total era o ensino do Surdo por todos os meios de comunicação, oral, gestual, mímica, etc. O que ocasionou um pouco de confusão. Pois nem mesmo os Surdos se entendiam entre si. Cada uma se expressava de um modo diferente do outro, pois ainda para aqueles que utilizavam Língua de Sinais, não existia um padrão, então, cada objeto tinha um sinal diferente para cada pessoa (GOLDFELD, 2002).

Em 1987 foi fundada no Brasil a FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos também no Rio de Janeiro. Mas só conseguiu uma sede própria em 1993 (VELOSO e MAIA FILHO, 2009).

3.8. Respeito e dignidade para os surdos no Brasil

Em 1994 é aprovado o direito de todas as crianças, com deficiência ou não estarem inseridas em escolas de rede regular de ensino conforme a Declaração de Salamanca. Mas a estas, a mesma lei ainda define que o devido atendimento as suas necessidades deverão ser atendidos (BRASIL, 1994).

Em vinte e quatro de Abril de 2002, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso sanciona a Lei número 10.436. Lei esta que oficializa a Libras – Língua Brasileira de Sinais como segunda língua do Brasil e declara a mesma como de direito de todo cidadão Surdo como sua língua materna (BRASIL, 2002).

Em 2005 aprova-se também o Decreto 5.626 no dia 22 de Dezembro. O decreto sustenta a Lei 10.436 de 24 de Abril de 2002 e especifica os demais direitos dos cidadãos Surdos como na área da saúde, educação, trabalho. Também defende a Cultura Surda e a importância e obrigatoriedade do Intérprete de Libras e sua devida formação. Esclarece esses direitos e seus devidos responsáveis (BRASIL, 2005).

Atualmente, seguindo as exigências de tais legislações a Língua Gestual-Visual Brasileira ou Língua Brasileira de Sinais vêm sendo inserida nos cursos de graduação com licenciatura; intérpretes de Libras vêm sendo contratados para atuarem em diversos espaços da sociedade. Em algumas Universidades Federais do Brasil também já encontramos o curso de Letras / Libras com Licenciatura para formar Professores de Libras e Bacharelado para formação de Intérpretes. Veloso e Maia Filho (2009), declaram que estes cursos tiveram início, respectivamente, em 2006 e 2008, contemplando alunos Surdos e Ouvintes.

Deste modo, os Surdos consequentemente têm a oportunidade de exercer diversos papéis na sociedade em que vivem igualmente como os demais cidadãos, bem como receberem a devida educação institucionalizada; uma educação de qualidade respeitando suas limitações e capacidades.

4. Análise dos dados

Viabilizando uma pesquisa qualitativa, procurou-se escolher bibliografias de autoria conhecida e confiável, para garantir a autenticidade dos dados. Ainda deste modo, para uma análise ampla, uma pesquisa exploratória foi feita.

Deste modo, se buscou, pesquisou e analisou em diferentes bibliografias, acontecimentos e fatos históricos relacionados ao tema em questão: a trajetória de Educação do Surdo no Brasil e no mundo. Foram encontrados livros, legislações e revistas tratando deste assunto.

Para dar início então a organização dos fatos encontrados, organizamo-los a fim de analisar quais das referências seriam de fato utilizadas. No Quadro 1 pode-se observar esta organização e análise, pois este apresenta os autores pesquisados, o ano em que cada autor publicou suas considerações e ponderações de tal contribuição, visando o objetivo geral deste artigo.

Objectivo Autores Ano Avaliação da bibliografia
Resgatar e apresentar acontecimentos históricos referentes à educação dos Surdos.






Bianchetti e Freire. 2002 Consideram diversos aspectos da periodização da educação não somente das deficiências, deixando o leitor bem situado historicamente.
Bíblia Sagrada. 1998 Primeiro livro publicado no mundo contempla conceitos da sociedade em épocas passadas.
Goldfeld. 2002 Abrange muitas questões pertinentes sobre surdo e educação, porém, estas, entram em discordância com bibliografias mais seguras, como datas e até nomes.
Gomes. 2008 Bibliografia atual complementou (por ser mais abrangente e explicativa) as ideias apresentadas por Veloso e Maia Filho.
Januzzi. 2004 Bem como Bianchetti e Freire, nos deu um amparo histórico bastante completo.
Veloso e Maia Filho. 2009 Autores surdos, estudantes da faculdade de Letras/Libras pela UFSC. O que garante a legitimidade da bibliografia é a revisão de Karin Strobel, doutora e pesquisadora surda presidente da associação nacional de surdos (FENEIS) e professora de diversas disciplinas de História e Educação Surda em tal Universidade.
Legislações 1994, 1996, 2002, 2005 Documentos seguros por serem oficialmente registrados, porém nos dá respaldo de resultados, não de conceitos e aspectos diretamente situados historicamente.

Quadro 1 – Busca e Avaliação das Bibliografias

Ao avaliar e comparar os fatos extraídos destas bibliografias constatou-se que alguns dados entravam em oposição. Como os anos de trabalho do primeiro professor de surdos do mundo: Pedro Ponce de Léon, o nome correto do primeiro professor de surdos do Brasil, data do início da escolarização de surdos no Brasil.

Observando que os fatos apresentados em discordância com os demais dados, em geral, vinham de um mesmo autor, priorizou-se a avaliação feita a Veloso e Maia Filho, devido essencialmente à revisão de texto ser da Professora Doutora Karin Strobel. Considerando que esta professora (surda) leciona diversas disciplinas relacionadas a fundamentos e história da educação de surdos e faz também pesquisas na área da educação e história da Cultura Surda, utilizou-se este referencial como base para avaliar e utilizar os demais.

Assim, tendo como base este livro – Aprenda LIBRAS com Eficiência e Rapidez de Veloso e Maia Filho, 2008 – foram estruturados por períodos históricos os acontecimentos extraídos deste e demais bibliografias. Neste compasso, o Quadro 2 apresenta, a partir destes períodos históricos, os tratamentos e metodologias destinados a educação / instrução de surdos e seus respectivos precursores.

Analisando, contudo, que a partir do objetivo central deste artigo apresentado no Quadro 1 pretende-se, sequencialmente, oportunizar à educadores e demais interessados uma reflexão acerca das metodologias de educação de surdos e compreensão da atual situação educacional do cidadão Surdo, assim como sua Cultura e importância à sociedade; elaborou-se um diagnóstico sobre os resultados deixados no desenvolvimento e processo de ensino-aprendizagem do surdo.

Tempo Trajetória Precursores Conseqüência
Primitivo Exclusão Social, Extermínio. Culturas:
Grécia,
Roma,
China.
Sociedade ilusoriamente perfeita: sem “deficientes”.
300 a.C. Início da Filosofia. Aristóteles Surdos: incapacidade para a razão. Isolamento e exclusão educacional.
Era Cristã e Idade Média. Piedade Cristã. Jesus Cristo.
Pessoas do Clero.
Surdos bem acolhidos, mas sem instrução.
Idade Moderna Oralismo Puro Ponce de Leon
Thomas Braidwood
Grahn Bell
Baixa qualidade na aprendizagem. Sem autonomia e personalidade. Decadência.
Idade Contemporânea Comunicação Total Dr. Stokoe Confusão no ensino-aprendizagem. Sem melhora educacional.
A partir de 1960 Utilização das Línguas de Sinais L’Epée
Eduard Huet
Personalidade e autonomia para os Surdos. Contato com a Identidade e Cultura Surda. Qualidade no ensino e sucesso na aprendizagem.
Atual Bilingüismo FENEIS,
Pesquisadores da UFSC,
Legislação atual
Melhor desenvolvimento cognitivo-lingüístico para os surdos. Direitos humanos igualitários, com atendimentos educacionais especializados. Melhor resultado na qualidade de ensino e autonomia da pessoa surda.

Quadro 2 – Análise dos Dados Encontrados

Assim, das análises feitas, pode-se assegurar que durante muito tempo estes resultados se apresentaram negativamente perante a educação dos surdos. Pois na antiguidade, somente o extermínio e exclusão lhes sobravam, e com o início da filosofia, a exclusão se tornou ainda mais forte, igualando a deficiência auditiva com deficiências e doenças intelectuais/ mentais.

Quando o surdo começa a receber algum tipo de instrução, é por piedade ou por pertencer à corte. Constatou-se que somente no século XVIII os surdos começaram a de fato ter algum respeito e direitos educacionais perante a sociedade. Contudo, no século seguinte, a rica Filosofia do Oralismo consegue dominar a educação mundial dos surdos, é só no século XXI que a língua utilizada pelos surdos é estruturada como tal e reconhecida. Assim como os direitos destas pessoas como cidadãs que são.

No entanto, para verificar se estes direitos de fato auxiliam na educação dos surdos, surge também, neste processo de resgate histórico, um interesse em buscar amparos teóricos nas legislações pertinentes. Verificou-se então as principais legislações, iniciando com a Declaração de Salamanca (1994), que apresenta questões sobre a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais nas classes regulares de ensino e a Lei e Diretrizes de Base 9.394 de 1996 que contempla de forma ampla os direitos e deveres a todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

Contudo, as leis que mais chamaram a atenção foram a Lei 10.436 de 2002, que regulamenta a Libras – Língua Brasileira de Sinais como segunda língua oficial do Brasil e língua materna de todo cidadão surdo e o Decreto 5.626 de 2005, que sustenta a Lei citada anteriormente e descreve sobre os direitos do surdo em diferentes espaços educacionais e da sociedade.

Deste modo, o Quadro 3 foi constituído exclusivamente para avaliar cada lei e suas contribuições para a vida do surdo em sociedade e principalmente, seu desenvolvimento educacional, apresentando em que período histórico ela foi criada, sancionada, e quais foram as contribuições.

Legislação Período Contribuição ao surdo
Declaração de Salamanca 1994 Mobilizou a educação especial, dando direito a todos ao ensino regular, porém pouco contribuiu exclusivamente para educação de surdos.
Lei 9.394 1996 Pouco tratou de direitos específicos de alunos com Surdez.
Lei 10.436 2002 Reconhecimento e respeito à língua e Identidade / Cultura Surda.
Decreto 5.626 2005 Intérpretes de Português/Libras nas áreas educacionais públicas e privadas;
Professor Bilíngue para turmas de alunos surdos;
Salas de recurso com professores especialistas;
Disciplina de Libras em todos os cursos de Licenciatura e fonoaudiologia;
Obrigatoriedade de formação para os profissionais.
Dignidade e respeito ao surdo em diversos outros âmbitos.

Quadro 3 – Legislação

Observando as primeiras leis não se percebe, a princípio, evolução na educação de surdos. Contudo, em 1994 a metodologia de uso das línguas de sinais recém havia retornado às escolas. A educação vigente era ainda o final da Comunicação Total, como mostra o Quadro 2. Observando que, no Brasil, a língua de sinais só foi regulamentada em 2002, entende-se que em 1996 também não havia muita estrutura na educação de alunos com surdez.

Acredita-se que, provavelmente, este período em que a educação especial estava ganhando espaço entre os direitos igualitários, estudos e pesquisas estariam acontecendo para, em 24 de Abril de 2002, a lei que dá ao aluno surdo o direito de aprender a LIBRAS como sua primeira língua ser sancionada como a Lei 10.436.

A partir deste primeiro passo, vem em seguida um decreto para subsidiar a lei e dar melhor estrutura à educação de surdos. O Decreto 5.626 de 22 de Dezembro de 2005 dispõe do direito do surdo em todas as esferas educacionais e demais espaços da sociedade. Além de firmar a LIBRAS como sua língua materna, oficializando como metodologia o Bilingüismo – pois também consta no decreto a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa como segunda língua – este decreto descreve quais os agentes que devem participar do processo de ensino aprendizagem do surdo e qual a formação destes profissionais.

Das análises feitas até o momento nesta trajetória, pode-se observar, através dos resultados refletidos na educação dos surdos em comparação essencialmente com as contribuições do Decreto 5.626 do (Quadro 3) e os resultados consequentes do Bilinguismo (Quadro 2) na educação dos surdos, que a Metodologia Bilíngue é o que de melhor contribuiu para o desenvolvimento de alunos com surdez.

5. Considerações Finais

Como pode ser visto o resgate dos principais eventos históricos foram apresentados neste artigo, permitindo uma maior compreensão e análise acerca da educação dos Surdos. Através da reflexão que o artigo nos propiciou, observamos que as principais conquistas, oficializações e diretrizes no que tangem a educação dos Surdos são bastante recentes. Portanto, muito ainda tem-se a explorar, melhorar e acrescer.

Estas pesquisas, discussões e reflexões identificam que a educação dos Surdos já sofreu diversas modificações até os dias atuais, no entanto, muito ainda tem a evoluir para efetivamente melhorar este processo e avançar quanto à metodologia e organização curricular do ensino aprendizado do Surdo.

Percebemos então, que a maior deficiência está nas políticas públicas, pois é nessas que se baseiam toda a organização da escola e o planejamento do professor. Sem uma política adequada e adaptada para todos os alunos, é impossível que se formem pessoas / cidadãos críticos e ativos na sociedade.

Notas

3 A identificação com letra maiúscula está para identificar o Surdo não simplesmente como aquela pessoa com deficiência auditiva, mas àquele especificamente que nasceu e/ ou se desenvolveu desde a infância no mundo do silêncio e por isso, terá outra visão de mundo, outra compreensão do meio: outra cultura: a Cultura Surda.
4 A autora Katia Regina Conrad Lourenço trabalha com a educação de Surdos desde 2005, quando aprendeu a Língua brasileira de Sinais e se apaixonou por essa língua e cultura singulares. Atuou como intérprete de Libras em eventos diversos, como professora de turmas regulares de ensino que contemplavam somente alunos com surdez, assim como em Sala de Recursos entre outros. Mais informações em http://www.acessolibras.com.

Bibliografia

BIANCHETTI, Lucídio; FREIRE, Ida Mara. Aspectos históricos da apreensão e da educação dos considerados deficientes. In Um olhar sobre a diferença: interação, trabalho e cidadania. 5.ed. Papirus Editora, 2002.

BÍBLIA SAGRADA. Trad. Ivo STORNIOLO & Euclides Martins BALANCIN. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1998.

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BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996. Acesso em 19/Set/2010. Às 21h17min. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm

BRASIL. Lei nº 10.436 de 24 de Abril de 2002. Acesso em 19/Set/2010. Às 21h17min. http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10436.htm

GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. 2.ed. São Paulo: Plexus Editora, 2002.

GOMES, Morgana. Pedagogia no século XVI: Pedro Ponce de Leon. Educativa: a Revista do Professor. n.3. Edição Especial. São Paulo: Minuano Cultural, 2008.

Pedagogia no século XVII: Juan de Pablo Bonet. Educativa: a Revista do Professor. n.3. Edição Especial. São Paulo: Minuano Cultural, 2008.

JANNUZZI, Gilberta S. de M. Primeiras iniciativas de encaminhamento da questão. In: A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XXI. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.

VELOSO, Éden; MAIA FILHO, Valdeci. Aprenda LIBRAS com eficiência e rapidez. vol.1. Curitiba, PR: Mãos Sinais, 2009.

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