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Materiais lexicográficos e pedagógicos para a educação de surdos: revisitando a história e as produções
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Publicado em 2020
Revista do Centro de Ciências da Educação, V. 38, Nº 4, p. 01-24
Paulo Vaz de Carvalho
Cássia Geciauskas Sofiato
  Artigo disponível em versão PDF para utilizadores registados
Resumo

A educação de surdos teve seu início no século XVI e, a partir de tal período, houve a produção de materiais lexicográficos e pedagógicos para o registro das línguas gestuais ou de sinais. Tal fato ocorreu mesmo com a abordagem oralista que predominava na educação de surdos em alguns países e em alguns colégios especializados. Dentro desse contexto, este estudo tem por objetivo inventariar materiais lexicográficos e pedagógicos portugueses e brasileiros para a educação de surdos e refletir sobre suas concepções didático-pedagógicas a partir do século XVIII. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa, do tipo bibliográfica e documental (GIL, 2002), com base em obras de referência produzidas em diferentes períodos históricos e diferentes países, em especial Portugal e Brasil. Com base nos estudos realizados, destacamos que existe uma quantidade considerável de materiais lexicográficos e pedagógicos, produzidos de forma impressa, em CD-ROM, DVD e, atualmente, on-line. Tais materiais mantêm uma tradição iconográfica, independentemente de seu formato. Percebe-se, por meio do estudo, que houve avanços em relação à representação das línguas gestuais ou de sinais no que tange ao destaque à imagem em movimento; todavia, os materiais que são produzidos de forma on-line carecem de ajustes e ampliação com base em Corpora.

Introdução

Desde o advento da escola pública para surdos, em Paris, pela mão do Abade de L’Épée (1760), que a tentativa de registro das línguas gestuais 1 e da criação de materiais pedagógicos para o ensino de surdos tem sido uma constante até os dias de hoje, passando por fases diferentes, tendo em vista as metodologias de ensino utilizadas para este tipo do ensino, assim como a própria evolução da sociedade e o desenvolvimento tecnológico.

A lexicografia das línguas gestuais ou de sinais foi, até pouco tempo, uma área relativamente obscura no panorama geral da lexicografia. Os desafios que os lexicógrafos das línguas sinalizadas enfrentam ao longo dos tempos são de diversas ordens.

Várias são as questões que desafiam os compiladores de materiais lexicográficos e pedagógicos das línguas gestuais ou de sinais, tais como a forma de organizar esses materiais (seja por ordem alfabética, por temas, pelos parâmetros das línguas ou por meio de uma combinação de todas essas formas). A própria representação dos gestos ou sinais nesses materiais não tem sido consensual ao longo dos tempos. Outras questões também mantêm acesas intensas discussões na área, como: a bidirecionalidade; o número de entradas dos dicionários; a variação e o uso de exemplos para a realização dos gestos ou sinais; e a construção desses materiais baseados em um Corpora das diversas línguas gestuais ou de sinais existentes. Certo é que o sucesso de tais línguas e, por consequência, da educação de surdos, depende também da boa qualidade desses materiais ilustrados.

Assim sendo, o objetivo deste estudo é o de inventariar materiais lexicográficos e pedagógicos portugueses e brasileiros para a educação de surdos e refletir sobre suas concepções didático-pedagógicas a partir do século XVIII. Estudos de tal natureza, envolvendo a produção de Portugal e do Brasil, ampliam a perspectiva da transposição de fronteiras e nos possibilitam conhecer diferentes experiências educativas.

O estudo em questão possui uma abordagem qualitativa e é do tipo bibliográfico e documental. O trabalho envolvendo o corpus foi realizado de acordo com Gil (2002, p. 45): “a pesquisa documental vale- se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”. Para a escolha do corpus, foram considerados os seguintes critérios: a representatividade que os materiais possuem nas comunidades surdas portuguesas e brasileiras; o caráter inovador de cada material em sua época de produção; e o uso de suportes distintos. Dada a vasta abrangência temporal de mais de dois séculos e a evolução das produções de materiais no campo da educação de surdos, optamos por considerar em nosso estudo materiais lexicográficos e pedagógicos. Além disso, elegemos os diferentes suportes em que foram elaborados: materiais impressos, em multimídia (CD-ROM e DVD) e on- line.

Ademais, destacaremos as contribuições e as fragilidades do corpus inventariado com vistas a contribuir para a valorização das línguas gestuais e, por consequência, da educação de surdos.

1. Materiais internacionais impressos nos séculos XVIII e XIX

Tal como a educação pública para surdos começou na França, na cidade de Paris, pela mão do Abade de L’Épée (1760), também foi neste país que encontramos as primeiras tentativas de registrar, de forma organizada e sistemática, uma língua gestual ou de sinais. Segundo Vergês (2006), os primeiros dicionários de surdos-mudos (termo utilizado na época) apareceram um pouco antes da Revolução Francesa. O primeiro foi composto por um discípulo do Abade de L’Épée, o Abade Ferrand (1731–1815), e publicado em 1797, mas possivelmente redigido dez anos antes. O dicionário era manuscrito e continha 4.087 entradas em francês, correspondendo a 500 gestos.

O segundo dicionário é do próprio Abade de L’Épée, que o entregou sob a forma de manuscrito ao seu sucessor, o Abade Sicard, à frente dos destinos do Instituto Real de Surdos-Mudos de Paris (IRSMP – título da época), em 1786. Continha 4.450 palavras organizadas por ordem alfabética, mas descritas por apenas uma centena de gestos. A partir desse dicionário, foram decalcados o dicionário portátil de Richelet e o de Wailly. Passado mais de meio século, apareceram mais sete dicionários autênticos com a tradução do francês para a língua francesa de sinais, por volta de 1850. Seis dos sete dicionários foram impressos com transcrições muito variáveis; apenas um foi manuscrito para uso interno dos frades de Saint-Gabriel.

A expansão do Instituto de Paris como modelo para outras regiões da França, e depois pelo resto do mundo, levou os pedagogos a se dotarem de alguns materiais didáticos, que foram ferramentas desenvolvidas, claro está, mais para os mestres do que para os próprios surdos. Em 1850, o Dr. Blanchet produziu um dicionário destinado a todos aqueles que se dedicavam ao ensino de surdos. Uma das grandes dificuldades que se apresentavam no caminho da realização de dicionários e de materiais didáticos através de gestos ou sinais residia na identificação das unidades das duas línguas e na equivalência entre as unidades da língua-fonte e da língua-alvo. As entradas nesses dicionários eram feitas por meio de palavras escritas na língua francesa; muitas vezes, em entradas diferentes em francês, encontrava-se apenas um único gesto ou sinal. Sabemos que um gesto ou sinal pode corresponder a várias palavras escritas, assim como uma palavra escrita pode corresponder a vários gestos ou sinais.

A maioria dos dicionários utilizava palavras do francês para descrever os gestos ou sinais, e, por esta razão, depreendemos que esses materiais eram mais para os professores do que para os alunos surdos. Todavia, entre 1855 e 1868, quatro autores optaram por outro tipo de representação: o uso do desenho.

Foram eles: Josephine Brouland (1855), Piérre Pelissier (1856), o Abade Lambert (1852) e o Abade Laveau (1868). Segundo Valade-Gabel (1859), a aplicação do desenho à descrição dos gestos mímicos constituía um progresso real e deveria trazer novos avanços. As obras desenvolvidas no século XIX que se utilizavam de desenho ou gravura para a representação de gestos ou sinais ganharam o nome de Iconographia.

Em relação à macroestrutura, Vergês (2006) distingue duas formas de classificação e organização desses materiais: ordem alfabética e ordem noemática ou por temas. A grande maioria dos autores optou pela ordem alfabética, à exceção do Abade Sicard, de Pelissier e de Lambert, que optaram pela noemática.

Aquela que nos parece mais interessante, que se destinava aos alunos e que podemos também considerar como um material pedagógico, é a obra L'enseignement primaire des sourds-muets mis à la portée de tout le monde, avec une iconographie des signes de Pelissier, publicada em 1856. O autor organizou a obra por meio de uma progressão didática, classificando os saberes sob a forma de pranchas com indicações dos títulos: I – Dactilologia; II – Alimentos e objectos da mesa; III – Bebidas e objetos da mesa; IV – Objectos para escrever; V– Objectos dispersos pela classe; VI – Individualidades, profissões. A concepção dicionarística de Pelissier era, portanto, noemática, gramatical e desenhada. Podemos dizer que esse foi o primeiro material a contemplar entradas de outra forma que não a palavra escrita, sendo, portanto, mais concebido para os alunos surdos do que para os professores ouvintes.

No que diz respeito à microestrutura, a maioria desses materiais propõe a equivalência palavra-gesto ou sinais, independentemente da forma de representação (glosa ou desenho). Raros foram os autores que vislumbraram outras abordagens mais completas. Bébian foi uma exceção, pois em suas obras de 1817 e 1827 forneceu uma dupla explicação por gestos ou sinais e em francês, com o uso de exemplos. Podemos afirmar que Bébian foi o primeiro autor a refletir em seus trabalhos sobre a noção gramatical de uma língua gestual ou de sinais e a necessidade de criar materiais didáticos para a educação de surdos por meio da língua gestual ou de sinais, da língua escrita e da imagem. Porventura, estava prestes a lançar as bases do que viríamos a chamar no século XX de educação bilíngue. A noção gramatical da língua gestual ou de sinais está bem delineada em sua obra de 1825: Mimographia ou o ensino da escrita mímica própria para regularizar a linguagem mímica dos surdos-mudos. Em tal obra, Bébian descreve todos os parâmetros fonológicos da língua francesa de sinais, criando símbolos para representá-los, sendo seu objetivo máximo o registro correto da língua.

A descrição de Bébian é pormenorizada e aprofundada, e é com base nessa obra que Stokoe publicou o livro The Sign Language Structure (1960), que revolucionou os estudos línguísticos mundialmente e no qual faz referência a Bébian, na introdução. O segundo aspecto a que Bébian se dedicou foi a necessidade da criação de manuais didáticos para o ensino dos surdos. Assim, em 1827, publicou a obra Ensino Prático dos Surdos-Mudos, Tomo I- Modelos de Exercícios. Em relação ao manual, Bébian (1827) referiu:

É para o estudo da língua que devemos levar os esforços iniciais do professor. Este é o objecto especial da instrução dos surdos-mudos, é também o objecto deste manual. Encontramos em todas as línguas gestuais, gestos para expressar ideias e gestos para explicar as relações que captamos ou que se estabelecem entre elas. As primeiras formam o adicionaria da língua e as outras são o objecto da gramática (língua escrita). Pensamos que é indispensável fazer andar a par estes dois ramos do ensino. (BÉBIAN, 1827, n.p.).

O manual a que fizemos referência é, por essa razão, o primeiro manual didático para o ensino das duas línguas (a língua gestual ou de sinais e a língua escrita). A metodologia utilizada nesse manual incide no uso da língua gestual ou de sinais, da língua escrita e da imagem, com exercícios para o efeito.

Infelizmente, com a mudança de política no Instituto Real de Surdos-Mudos de Paris, com a chegada do Barão Joseph-Marie de Gérando à administração, coadjuvado por Jean Itard, Bébian acabou por ser afastado do Instituto, e o seu trabalho foi interrompido, assim como a utilização da língua gestual ou de sinais como meio de ensino dos surdos. O trabalho desse autor foi em parte recuperado quase um século depois por William Stokoe, em 1960. Tal trabalho serviu de base para a construção do dicionário escolar bilíngue que estamos construindo para a Língua Gestual Portuguesa/Português (http://academialgp.weebly.com).

Podemos concluir que os dicionários impressos nos séculos XVIII e XIX para as línguas gestuais ou de sinais já abordavam questões que ainda hoje estão em “cima da mesa”, como, por exemplo, a forma de organizar as entradas nos dicionários ou a inclusão dos exemplos de uso das línguas. Por estas razões, esses dois séculos são considerados como a época de ouro da lexicografia das línguas gestuais ou de sinais, e também a época de ouro da educação de surdos, devido à utilização de tal língua como meio de ensino aos surdos e à existência de professores surdos.

2. Materiais internacionais impressos nos séculos XX e XXI

Em relação aos materiais lexicográficos e pedagógicos impressos no século XX, a produção também foi vasta, considerando-se os materiais franceses das décadas de 1970, 1980 e 1990. Destacamos os dicionários em papel de Chambery (1980), de Poitiers (1982), L’IVT (1983–1990 e 1997–1998) e o dicionário impresso e digital Le Fournier Signé (1999).

Em relação à macroestrutura, os dicionários seguem a tradição dos séculos anteriores, organizando- se ou por ordem alfabética ou por ordem noemática. É interessante observar que a forma de organizar tais materiais ultrapassou o tempo e se manteve a mesma na maioria dos casos, constituindo uma certa tradição iconográfica (SOFIATO, 2011).

Por ordem alfabética, destacamos o de d’Oléron (1974), o de Puy (1984), o dicionário técnico de bolso (1996) e o de Monica Companys (2000). De ordem noemática, destacamos o de Pellet (1938), o de Vuillemey (1940) e o de Jouison – Associação Ferdinand Berthier (1978).

Um dicionário que veio revolucionar a organização macroestrutural foi o da L’IVT, com entradas por meio da língua francesa de sinais e por temas. Em relação à microestrutura, todos esses dicionários utilizam a notação dos gestos ou sinais através do desenho e apresentam detalhes sobre a realização e o emprego do gesto ou sinal, a homonímia e polissemia e sobre a origem dos gestos ou sinais (Vergês, 2006). Em termos mundiais e seguindo esta estrutura dos dicionários franceses, destacamos o Dicionário de Língua de Signos Española (2005), o Dicionário Manos con Voz (2011), American Sign Language Dictionary (1998), o Dicionário Ilustrado Trilingue da Língua Brasileira de Sinais (2001).

Sendo este o panorama geral da lexicografia impressa para as línguas gestuais ou de sinais, devemos salientar as duas únicas exceções que encontramos ao longo de nossa pesquisa, devido ao seu caráter inovador: o Dictionary of British Sign Language/English (1992) e o Signs of Australia: New Dictionary of Auslan (1998). Os dois dicionários são inovadores tanto em relação à macroestrutura quanto à microestrutura. No que tange à macroestrutura, ambos disponibilizam entradas por meio dos parâmetros fonológicos das respectivas línguas gestuais ou de sinais, nestes casos, a configuração das mãos. No tocante à microestrutura, o dicionário da British Sign Language (BSL) fornece uma completa descrição gramatical da língua (orientação da mão, localização, combinações das mãos e pontos de contato), glosas e ainda a notação dos gestos inspirada no sistema de notação de William Stokoe (1960).

Dessa forma, excluindo as duas exceções que acabamos de referir, todos os outros dicionários impressos apresentam problemas lexicográficos, tanto de macroestrutra como de microestrutura, e carecem de resolução. O suporte informatizado parece ser o único meio que permite verdadeiramente propor um dicionário bilíngue, questão essa que abordaremos nos pontos seguintes referentes aos materiais multimídia e on-line.

Em relação aos materiais impressos, existe ainda mais uma honrosa exceção, que é o Dictionary od New Zealand Sign Language (Kennedy et al., 1996), mas que, por ser uma obra inovadora e por estar intimamente ligada ao Online Dictionary of New Zealand Sign Language (Mackee e Mackee, 2013), será salientado no ponto em que abordaremos os materiais on-line.

3. Materiais Multimídia (CD-ROM/ DVD) e on-line: produções mundiais

São diversos os dicionários e materiais didáticos multimídia para as línguas gestuais ou de sinais que surgiram, em sua maioria, na década de 1990 e no início do século XXI. Alguns mantêm os problemas macro e microestruturais que assinalamos para os materiais impressos. Outros foram mais longe e resolveram algumas questões que vamos considerar. Os trabalhos multimídia que, a nosso ver, mais se destacaram para as línguas em questão foram o Multimedia Dictionary of American Sign Language (Wilcox et al., 1991), o Multimedia Dictionary and Synthesis of Sign Language (Solina et al., 2001) e o Bilingual Sign Language Dictionary for Learning a Sign Language without Learning the Target Spoken Language (Suzuki et al., 2004), por serem inovadores. Destacamos ainda outros como o Signs of Australia on CD- ROM (Johnston, 1998), o Handbook on Internacional Sign Language (WFD, 2007), o Dicionario Normativo de Lengua de Signos Española (CNSE, 2008), Glosarios de Lenguajes Especificas: propuesta de una terminologia especifica para distintos ámbitos del saber (FCNSE, 2002, 2003).

Estes são alguns dos muitos materiais que têm sido publicados em CD-ROM e DVD. Nem sempre a qualidade de tais materiais acompanhou a quantidade, já que muitos problemas lexicográficos se mantiveram, tais como a questão da impossibilidade de se pesquisar por meio da língua gestual ou de sinais, a indisponibilização de exemplos de uso, o problema da limitação de armazenamento de vídeos e, principalmente, a incapacidade de produzir materiais a partir de um corpus digital de língua gestual.

Em função do desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, houve avanços no que tange às plataformas de internet e à capacidade de armazenamento de dados. Tais aspectos possibilitaram um novo paradigma para a lexicografia das línguas gestuais ou de sinais: os dicionários on- line e materiais pedagógicos on-line. Muitos dos problemas lexicográficos que identificamos nos dicionários impressos e em multimídia puderam ser colmatados nos dicionários on-line, em relação à macroestrutura e à microestrutura.

Os primeiros dicionários on-line tinham uma boa funcionalidade, fruto do desenvolvimento tecnológico, mas a pesquisa lexicográfica das línguas gestuais ou de sinais não acompanhou esse desenvolvimento numa primeira fase. Poderíamos elencar vários dicionários on-line de diversas línguas gestuais que têm surgido nos últimos anos, mas a grande maioria apenas adaptou os dicionários impressos e multimídia anteriores para o meio on-line, aumentando unicamente o número de entradas, de acordo com a capacidade de armazenamento de dados em vídeo que o meio on-line permite.

Segundo Troedsgard e Kristoffersen (2008), os projetos de dicionários contemporâneos das línguas orais/escritas lidam, muitas vezes, com Corpus de texto equilibrado e extenso, e pode-se facilmente decidir quais são as palavras de uso frequente. O mesmo deve ser feito com a língua gestual ou de sinais se houver acesso a um Corpus de língua gestual extenso e equilibrado. No entanto, a construção de um Corpus de língua gestual ou de sinais é uma tarefa demorada e complexa. Todos os dicionários que referimos até aqui não foram construídos com base em um Corpus amplo, equilibrado de tal língua, e muito menos eletrônico.

A primeira tentativa de se construir um dicionário com as características acima referidas foi o Electronical Dictionary of Danish Sign Language – DNZSL (2008). Todavia, como a constituição de um Corpus da língua era uma tarefa que ultrapassava em muito os objetivos do projeto, a equipe dinamarquesa optou por uma abordagem diferente, dividida em duas fases. A primeira consistia em uma coleta acrítica de gestos ou sinais, e a segunda fase compreendia a seleção de um lema real. Embora não seja um dicionário elaborado com base em um Corpus eletrônico extenso e equilibrado, tal material foi o primeiro passo para a criação de um dicionário com base num Corpus da língua.

Outro exemplo exitoso de dicionário surgiu em 2011, intitulado Online Dictionary of New Zealand Sign Language – ODNZSL (Mackee; Mackee, 2011). Trata-se de um dicionário contemporâneo de língua gestual ou de sinais que alia os meios digitais à constituição de um Corpus de tal língua. Pode ser considerado um verdadeiro dicionário bilíngue e bidirecional (NZSL-Inglês/Inglês-NZSL), pois permite o acesso ao utilizador de uma forma versátil por meio dos parâmetros fonológicos da língua gestual ou de sinais, da palavra escrita, de tópicos e marcas microestruturais nas entradas e da combinação de todas essas possibilidades.

O ODNZSL baseou-se no DNZSL impresso, um dos primeiros dicionários a permitir a pesquisa através dos parâmetros gramaticais da língua gestual ou de sinais, mas incluiu todas as vantagens que o sistema on-line oferece. O formato on-line possibilitou um redesenho do dicionário com relação à macroestrutura e à microestrutura (HAUSMAN; WIEGARD, 1989 apud MACKEE; MACKEE, 2013).

Segundo Mackee e Mackee (2013), há avanços rápidos no desenvolvimento de Corpora de língua gestual ou de sinais com o advento do software que permite uma transcrição e anotação pesquisável de arquivos de vídeo-tempo por meio de links. O Eudico Linguístic Annotator (ELAN) tornou-se numa ferramenta-padrão para o Corpus, pois permite que alguém crie, edite, visualize e procure multicamadas de anotações para dados em vídeo e áudio (JOHNSTON; SCHEMBRI, 2005; LEESON; NOLAN, 2008).

Na universidade de Hamburgo, também foi desenvolvida uma base de dados sofisticada de multimídia relacional, o ILEX, com o objetivo de criar um Corpus lexicográfico de anotação (HANKE; STORZO, 2008). Os Corpora de língua gestual ou de sinais estão sendo desenvolvidos em diversos países como Inglaterra, Holanda, Alemanha, Suécia e Japão.

Também os materiais pedagógicos e didáticos começam a ser construídos no sentido de serem disponibilizados em ambiente on-line e, muitas vezes, desenhados a partir de Corpus de língua gestual ou de sinais e língua escrita, quando falamos de materiais bilíngues para surdos. O processo de ensino e aprendizagem para os surdos torna-se mais interativo, cativante e linguisticamente correto e eficaz, pois é baseado em Corpora. A nova lógica que o meio on-line permite é que exista uma rede de ligações entre os dicionários, as gramáticas e os materiais didáticos e pedagógicos por meio de links e hyperlinks, deixando de fazer sentido isolá-los em demasia, o que nos obriga a repensar a forma de concepção e utilização desses materiais.

Após termos destacado alguns materiais mundialmente constituídos desde o século XVIII, trataremos, a seguir, de obras específicas de Portugal e do Brasil, a fim de que se conheçam os materiais de referência que até hoje ocupam um lugar na educação de surdos nos dois países em questão.

4. Materiais lexicográficos de Língua Gestual Portuguesa e Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e pedagógicos

4.1. Materiais lexicográficos de Língua Gestual Portuguesa e Língua Brasileira de Sinais

Segundo Martins et al. (2012), o primeiro registro de um dicionário para a Língua Gestual Portuguesa (LGP) data de 1980, e se intitula Mãos que Falam, editado pelo Laboratório de Fonética da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e pela Direção do Ensino Especial, da Direção Geral do Ensino Básico, do Ministério da Educação. É um dicionário que remonta à tradição da elaboração de dicionários para as línguas gestuais desde os anos finais do século XVIII, principalmente em relação à macroestrutura, ou seja, organizados por ordem alfabética ou por temas. No entanto, esse é um dicionário de extrema importância, pois marca o início da lexicografia das línguas gestuais em Portugal. Foi necessário esperar mais uma década para que surgisse um outro trabalho lexicográfico para a LGP, mas com outras preocupações lexicográficas que o dicionário anterior não teve.

Essa obra, ainda hoje tida como a grande referência lexicográfica da LGP, intitula-se Gestuário e foi publicada em 1991 pelo então Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência (SNRIPD), hoje Instituto Nacional de Reabilitação (INR). Esse dicionário teve a coordenação de António Vieira Ferreira, que contou com pesquisadores de renome em sua equipe, como Sérgio Niza (fundador do movimento da escola moderna em Portugal), Maria Raquel Delgado Martins (linguista da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) e Ana Silva (Intérprete de LGP).

O Gestuário, em conjunto com a outra obra editada em 1994, intitulada Para uma Gramática da Língua Gestual Portuguesa, de autoria de Maria Raquel Delgado-Martins, Maria Augusta Conde do Amaral e Amândio Coutinho, seriam as grandes bases teóricas da Comissão que viria a conseguir que a LGP fosse reconhecida na Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 1°, h) em 1997. A publicação do Gestuário foi um dos marcos do fim do método oralista para surdos em Portugal.

Em 1991, foi publicado o dicionário Comunicação Bimodal e Português Gestual, Guia para Pais, Educadores e Técnicos, obra coordenada por António Vieira Ferreira e Faria Moura. O dicionário, com características de manual, continha exercícios e incluía ainda uma explicação sobre a definição da comunicação bimodal e português gestualizado. Devemos salientar que em Portugal se tentava encontrar alternativas para o oralismo de surdos com o protocolo Luso-Sueco, na década de 1970, e com a aproximação do Colégio de Gallaudet nos Estados Unidos da América (EUA), na década de 1980. No ano de 1999, foi publicado o primeiro dicionário com origem na região autônoma dos Açores.

No Brasil, os primeiros materiais de que se tem notícia para a educação de surdos foram desenvolvidos no Imperial Instituto de Surdos-Mudos, primeira instituição escolar fundada em 1857, com a anuência de D. Pedro II. Tal instituição funcionou como única dessa natureza no país até a terceira década do século XX. Destacaremos alguns materiais e recursos desenvolvidos por iniciativa de alguns diretores do Instituto, com o auxílio de pessoas envolvidas com a causa.

Um material que ganhou destaque pela sua importância e autoria foi a obra Iconographia dos Signaes dos Surdos Mudos, de Flausino José da Gama. De acordo com Sofiato (2011 apud LEITE, 1875), Flausino da Gama, que era surdo, vendo entre os livros da biblioteca do Instituto “a obra do ilustre surdo-mudo Pélissier, professor do Instituto de Paris, manifestou o desejo de reproduzir as estampas para os falantes conversarem com os surdos-mudos”. O diretor do Instituto na época, o Dr. Tobias Rabello Leite, não mediu esforços para que o desejo de Flausino fosse concretizado. Por intermédio da influência do diretor e contato com importantes litógrafos do Império, Flausino pôde produzir a Iconographia dos Signaes dos Surdos Mudos, em 1875. A obra continha 20 estampas, totalizando 382 sinais. Os sinais eram organizados por indexação noemática. As estampas traziam como conteúdo o alfabeto manual dos surdos- mudos, além de sinais referentes a alimentos, bebidas, objetos de mesa, objetos para escrever, objetos de aula, individualidade e profissões, animais (peixes, pássaros e insetos), adjetivos, pronomes, verbos, preposições e interjeições. A obra foi produzida por meio de desenho litográfico. Cada sinal representado tem a descrição de sua forma de realização em língua portuguesa. A Iconographia dos Signaes dos Surdos Mudos de Flausino da Gama foi elaborada com base em um material já mencionado neste estudo: L’ enseignement primaire des sourds-muets mis a la portée de tout le monde avec une iconographie des signes, de autoria de Pierre Pélissier, em 1856.

O manual intitulado Linguagem das Mãos, de autoria de Eugênio Oates, teve grande visibilidade no Brasil, pois seu autor era um missionário norte-americano que divulgava a sua obra em diferentes estados brasileiros. A sua primeira edição data de 1969 e traz uma indexação noemática. Os temas apresentados são variados, dentre eles: verbos, substantivos, homem e família, alimentos e natureza, animais etc. A diferença em termos de representação do sinal refere-se à apresentação em fotografia, em preto e branco. Cada sinal é acompanhado de uma descrição de sua forma de realização.

Depois das publicações apresentadas anteriormente, muitas outras foram lançadas trazendo em seu bojo as mesmas características, ou seja, um desenho ou uma fotografia referente a um sinal que se quer apresentar e um texto explicando a sua forma de realização. Uma novidade que foi surgindo em alguns materiais desta natureza foram os desenhos relativos ao significado do sinal, além de sua representação em Libras.

Uma mudança considerável no processo de dicionarização da língua brasileira de sinais ocorreu com a publicação do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue: Lingua de Sinais Brasileira, em 2001, cuja autoria é de Fernando Cesar Capovilla e Walkiria Duarte Raphael. Em tal obra, os autores apresentam 9.500 sinais por meio da indexação em ordem alfabética. Os sinais são apresentados por meio da representação quirêmica, da representação pictórica do significado, da descrição da forma de realização do sinal, do Sistema Sign Writing e da tradução do significado do verbete da língua portuguesa para a língua inglesa. Esse material lança mão da hibridização de vários recursos para que o acesso e a tentativa de realização dos sinais sejam mais eficazes. Os referidos autores publicaram outras obras após essa que foi descrita e, em cada uma delas, apresentaram novos sinais e algum outro diferencial.

Na obra Novo Deit-Libras: Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira de 2009 (primeira edição), além de Fernando César Capovilla e Walkiria Duarte Raphael, Aline Cristina A. Maurício também faz parte da autoria. Nesse dicionário, além dos elementos apresentados no dicionário anterior, convém destacar a inserção da datilologia de cada sinal indexado. O número de sinais totaliza 10.296, e eles são apresentados em dois volumes. Em 2017, foi lançado o Dicionário da Língua de Sinais do Brasil, de Fernado César Capovilla, Walkiria Duarte Raphael, Janice Gonçalves Timóteo e Antonielle Cantarelli Martins. A obra em questão registra mais de 13 mil sinais em três volumes, além de conter as seguintes características: verbetes correspondentes ao sinal em português e inglês; a definição do significado do sinal e dos verbetes; ilustrações e a descrição detalhada da forma do sinal, além de exemplos ilustrativos do uso funcional apropriado do verbete em frases; e a especificação do escopo de validade geográfica em relação aos estados brasileiros (CAPOVILLA et. al, 2017, n.p). Esta obra é a mais completa em termos de apresentação do léxico da Libras até o momento.

4.2. Dicionários/manuais mistos: impressos e em CD-ROM/ DVD

Alguns dicionários de LGP começaram a ser produzidos no formato misto, com suporte impresso e em CD-ROM/ DVD, e, por isso, consideramos que devem ser categorizados à parte. Destacamos dois principais: o dicionário intitulado Os meus Primeiros Gestos: Guia para os pais, Língua gestual para bebés de 2010, de autoria de Susana Azevedo, com 150 entradas com ilustrações dos gestos, ordenadas alfabeticamente, incluindo uma descrição de diversos aspectos relacionados à aquisição da linguagem e músicas infantis associadas a alguns gestos (Martins et al., 2012). O livro contém um bloco com a totalidade dos gestos ordenados alfabeticamente com indução das configurações da mão e dos diversos temas. A obra contém ainda um poster com 20 gestos e um DVD com todos os gestos ordenados alfabeticamente e com a audição da palavra em português (MARTINS et al., 2012).

O outro dicionário misto português que destacamos surgiu no mesmo ano de 2010, intitulado Dicionário de Língua gestual Portuguesa, de autoria de Anabela Baltazar, com 5.200 entradas fotográficas ordenadas alfabeticamente, com a descrição da articulação; incluía também uma breve descrição gramatical. O dicionário contém um DVD com a audição das palavras em português e a descrição da articulação.

No caso brasileiro, antes dos dicionários on-line, os materiais mistos foram bastante utilizados em cursos de Libras ou em espaços escolares. A imagem em movimento constituía-se como um plus, tendo em vista que alguns parâmetros das línguas de sinais são melhor identificados e reproduzidos desta forma. Escolhemos duas obras para ilustrar esse tipo de produção.

Uma delas é o livro Libras em Contexto, cuja autoria é de Tânya Amara Felipe. A primeira edição de tal material é de 1997, seguida de muitas outras. Por meio dessa obra, intenta-se ensinar a Libras de uma forma contextualizada, com base em um léxico selecionado, de apresentação da gramática da Libras e de exercícios. A obra é disponibilizada em duas versões: uma para o professor e outra para o aluno, e ambas vêm acompanhadas de DVDs. Os sinais são apresentados por meio de desenhos em preto e branco.

O manual Aprendendo Libras com rapidez e eficiência é outro exemplo de material com essas características. De autoria de Éden Veloso de Almeida e Valdeci Maia Filho, ambos surdos, o material apresenta o léxico da Libras com base na indexação noemática e por meio de fotografias correspondentes aos sinais que fazem parte do conteúdo. Acompanha também um DVD, que, segundo os autores, apresenta o alfabeto manual, além de lições e diálogos em Libras. A primeira edição é de 2009 e até 2015 já estava na décima.

A combinação composta por material impresso acrescido de CD-Rom ou DVD foi uma forma de aprimorar a apresentação da Libras e de favorecer o seu aprendizado por meio das atividades interativas propostas.

4.3. Materiais pedagógicos portugueses e brasileiros: ensino de língua e linguagem

O primeiro material didático de que temos notícia para o ensino de surdos em Portugal data de 1823 e foi desenvolvido pelo Professor Sueco Per Aron Borg, fundador do primeiro Instituto de Surdos na Suécia, em 1808, e mais tarde, em 1823, do Real Instituto de Surdos-Mudos e Cegos em Portugal. O seu material didático para a educação de surdos consistia em um teatro mecânico e representações da configuração dos lábios:

Para o ensino dos surdos-mudos há quadros em que estão pintadas as coisas mais necessárias ao uso da vida. Um pequeno teatro mechanico, no qual aparecem por meio de pinturas os objectos de que se deseja dar-lhes vida (…) Tem finalmente outros quadros representando a configuração da boca e a posição dos lábios para a pronúncia, conseguindo por este meio que eles pronunciem algumas palavras (MANHEIM, 1822 apud PER ARON BORG, 1822).

Em 1871, o padre Aguilar, no seu colégio de surdos de Guimarães, desenvolveu materiais pedagógicos para o ensino da leitura, da escrita e da matemática. Para fins de leitura e escrita, os seus materiais consistiam na construção de quadros de palavras, que eram ligadas em suas aulas por meio de um ponteiro. Os alunos surdos respondiam às questões da mesma forma, ou seja, utilizando os mesmos quadros de palavras que uniam por meio de um ponteiro.

Este processo de ensinar por meio de quadros de palavras, dispostas ao acaso, sem ter as mais pequenas relações entre si, agradavam às creanças pelo movimento exigido nos exercícios […] (ANICET FUSSILLIER, 1892, n.p).

O padre Aguilar também possuía materiais para o ensino da matemática:

[…] A arithmética era o objecto dos cuidados do reverendo padre. Tinha na aula num contador todas as moedas portuguezas e algumas estrangeiras, uma ballança com a collecção dos pesos […] Exercitava os alumnos nas quatro operações fundamentais […] pesavam os objectos, media-se e os resultados eram escritos na lousa […] Ensinava a divisão do tempo (ANICET FUSSILIER, 1892, n.p).

Em 1905, Nicolau Pavão de Sousa, diretor da Seção de Surdos da Casa Pia de Lisboa, incumbido de reorganizar a educação de surdos nesta instituição, desenvolveu vários aparelhos para aprimorar o ensino da oralidade nos alunos. Para atingir os seus objetivos, replicou alguns aparelhos que observou no Instituto de Surdos-Mudos de Paris, e outros que ele próprio inventou, como o repuxo respiratório, a régua graduada de respiração, o espirômetro para avaliar a respiração, o aparelho de lutas respirárias, a fonte de compressão, o audiômetro para a educação pelo ouvido, os trabalhos de tecelagem em papel, a dobradura em papel e os jogos Froebel.

A partir de 1935, João Sousa Carvalho, após um estágio prolongado em escolas de surdos na Bélgica, onde assistiu a diversas aulas para surdos, desenvolveu vários materiais didáticos para o ensino da leitura, da escrita e da oralidade. O seu manual didático foi publicado na revista editorial O Século com o título O método de Aprender a Ler (1935). O manual continha diversas gravuras com a configuração da boca, a posição dos lábios e da língua para a produção de vogais e consoantes. Continha ainda imagens com um quadro ao lado que apresentava as palavras escritas correspondentes. No fim desses quadros, surgiam ainda algumas frases para ensinar e aperfeiçoar a sintaxe.

Em 1945, a professora do Instituto Jacob Rodrigues Pereira, Albertina de Jesus Lourenço, com base no manual de Sousa Carvalho, desenvolveu um conjunto vasto de materiais pedagógicos divididos por temas – materiais (algodão, madeiras, pedras, tecidos), transportes, alimentação, entre outros – e também para o ensino da leitura e escrita da língua portuguesa, com base no manual acima referido. Todavia, essa professora foi ainda mais longe que o seu antecessor, porque, além das ilustrações, palavras escritas e configurações da boca, criou, em conjunto com os seus alunos surdos, gestos para as ilustrações representadas. Consciente ou inconscientemente, essa professora iniciava o que iríamos chamar na década de 1980 e 1990 de educação bilíngue para alunos surdos.

A partir de 1999, começam a surgir vários materiais em LGP, alguns com pretensão a serem dicionários, mas que, na nossa opinião, aproximam-se mais de materiais didáticos e/ou ferramentas pedagógicas. A informação gramatical é muito escassa e, por vezes, incorreta, além de incluir exercícios frequentemente; por essa razão, consideramos denominá-los materiais didáticos, e não dicionários.

O primeiro material com estas características surgiu em 1999 e consistia em uma coleção de livros intitulada Apoio a Necessidades Educativas Especiais, de autoria de Cristina Frias, compostos pelos seguintes temas: Alimentação, Animais e Família.

Em 2005, foi lançada uma sebenta de formação em LGP intitulada Língua Gestual Portuguesa para todos, de autoria de Sofia Afonso (MARTINS et al., 2012). Tal material contém exercícios para praticar e breves explicações do que é ser surdo, dos princípios básicos da LGP, das questões mais frequentes, dos cuidados que se deve ter com a comunicação com uma pessoa surda e sobre a cultura surda (MARTINS et al., 2012).

No ano de 2007, foi publicado mais um material pedagógico com o objetivo de ensinar a LGP, intitulado Guia Prático da LGP: Ouvir o Silêncio, de autoria de Isabel Mesquita, Sandra Silva, Susana Barbosa e Sérgio Sampaio. Esse material possui sugestões para a prática e também inclui uma descrição de aspectos gramaticais e, no fim, um índice remissivo para palavras em Português (MARTINS et al., 2012).

No Brasil, estabelecendo uma ordenação cronológica, elencamos primeiramente o Compêndio para o Ensino dos Surdos-Mudos, traduzido e publicado em 1881 por Tobias Rabello Leite. Tal obra é de autoria de J. J. Valade Gabel, do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos da França. Nessa obra, encontramos uma parte teórica e outra prática, com lições e pormenores sobre o ensino de língua (portuguesa). Destacamos que esse livro serviu de referência para o ensino de surdos no Rio de Janeiro e outras províncias no período imperial.

Um dos livros que foi publicado no século XX, em 1946, com base na abordagem oralista, foi a cartilha Vamos Falar, de autoria de Léa Paiva de Borges Carneiro e Jorge Mário Barreto, ambos professores do Instituto Nacional de Surdos Mudos, no Rio de Janeiro. Outro material da mesma envergadura é a cartilha Posso Falar, de Alpia Couto, publicada em 1991, que tinha como objetivo alfabetizar os surdos por meio de seu conteúdo. Essas obras foram largamente usadas no auge do oralismo no Brasil.

Com a abordagem do bilinguismo na educação de surdos, que tem como pressuposto que a primeira língua a ser ensinada e aprendida deve ser a língua de sinais e a segunda, a língua portuguesa (no caso de países que adotam tal língua oficial), mais materiais foram elaborados para favorecer o processo de alfabetização e letramento dos surdos. Entre eles, podemos citar o Letramento em Libras I e II, de 2010, de Heloir Montanher, Jefferson Diego de Jesus e Sueli Fernandes. De acordo com os autores, o material “se propõe ao desafio de criar oportunidades para que as crianças surdas tenham acesso a experiências comunicativas em Libras, na educação infantil, de maneira mais natural possível, de modo a constituir sua identidade linguística e cultural” (2010). O material, produzido no estado do Paraná, apresenta conteúdos baseados em temas e exercícios para fixação e é composto pelo livro do professor e do aluno.

Em 2011, no mesmo estado, foi lançado o material Letramento em língua portuguesa I e II, cuja autoria é de Ana Lúcia dos Santos de Lima. Segundo a autora, tal obra objetiva “garantir a aprendizagem da leitura e da escrita, com base na diversidade de textos que circulam socialmente”. O material tem explicações sobre a língua portuguesa e exercícios, além de ser bastante ilustrado; é semelhante a um livro didático utilizado para a alfabetização de ouvintes, e também apresenta o livro do professor e do aluno, tendo sido elaborado com o intuito de orientar a prática pedagógica de profissionais que atuam na educação de surdos.

Para encerrar este tópico, destacamos que no estado de São Paulo foi lançada, em 2013, uma série de livros intitulada Caderno de Apoio e Aprendizagem: Libras, do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental. Trata-se de uma iniciativa da Secretaria Municipal de Educação para o ensino de Libras aos alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental das escolas bilíngues. Por meio de uma série de atividades bem ilustradas e com o acompanhamento de DVDs, aspectos da gramática da Libras são apresentados numa perspectiva discursiva. A coleção foi reeditada no ano de 2015 e apresenta o livro do professor e do aluno.

4.4. Os materiais multimídia em CD-ROM e DVD para a LGP

Segundo Martins et al. (2012), o primeiro dicionário multimídia sem impressão, em formato de CD- ROM, surgiu em 1997, intitulado Dicionário de Língua Gestual Portuguesa, editado pelo Laboratório de Fonética da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com a coordenação de Raquel Delgado Martins. É composto por 770 entradas em vídeo, ordenadas alfabeticamente por temas, classes gramaticais e configuração da mão. Esse dicionário revela já uma elevada preocupação lexicográfica, ao contrário dos anteriores, embora não consiga resolver alguns problemas, como a questão da bidirecionalidade, uma vez que as opções de pesquisa das entradas se mantêm por palavra escrita, ordenadas alfabeticamente, e há escassez dos exemplos de uso, que consideramos serem duas funções incontornáveis para a lexicografia das línguas gestuais. Em 2000, o dicionário foi reeditado e substancialmente melhorado em relação às suas funcionalidades e à acessibilidade às pessoas surdas, pois, além do dicionário, contém três CD-ROMs com uma história animada em LGP, uma base de dados para análise da LGP e uma enciclopédia multimídia em LGP.

Em 2001, o laboratório de psicolinguística da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a coordenação de Isabel Hub Faria, editou os Materiais de Apoio ao Ensino da Língua Gestual Portuguesa: +LGP. O projeto resultou em três publicações em CD-ROM: a Casa, o Corpo, o Mundo. Cada CD-ROM conta com cerca de 500 entradas organizadas alfabeticamente por temas e configurações da mão. As entradas incluem classe gramatical, definição, explicação da sua utilidade e relação com conceitos e/ou palavras relacionadas.

Em 2005, surgiu o primeiro dicionário de regionalismos em LGP intitulado Língua Gestual Portuguesa: Regionalismos entre Lisboa e Porto, coordenado por Mônica Cabrita e Manuel Silva (MARTINS et al., 2012).

Em 2008, foi publicado o Gestuário Digital pelo Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) e a Associação de Pais para a Educação de Crianças Deficientes Auditivas (APECDA), com a coordenação de Ana Cristina Reis. O dicionário digital tem 1.675 entradas, significativamente mais que os anteriores dicionários, organizadas alfabeticamente, por temas.

Em 2009, foram publicados dois materiais pedagógicos para o ensino da LGP em CD-ROM: O Curso de Língua Gestual Portuguesa – Níveis I, II e III, de autoria de Anabela Baltazar, e Aprender Língua Gestual Portuguesa, publicado pela Associação Portuguesa de Surdos, em Parceria com a NAV Portugal, em DVD. O Curso de Língua Gestual Portuguesa conta com 500 entradas para cada nível, as quais são ordenadas por temas. Em todos os níveis, as palavras também são produzidas oralmente. O DVD Aprender Língua Gestual Portuguesa conta com 121 entradas em vídeo ordenadas por temas. As palavras também são produzidas oralmente.

Em 2012, o dicionário intitulado Os meus Primeiros Gestos foi publicado pela Casa Pia de Lisboa, coordenado por Marta Morgado, com cerca de 700 entradas em vídeo ordenadas alfabeticamente e por temas. Tal dicionário oferece a possibilidade de se efetuar uma pesquisa dos termos por meio de ilustrações, resolvendo, de alguma forma, a questão de pesquisa por palavra escrita ou por parâmetros gramaticais da LGP.

4.5. Os dicionários de Língua Gestual Portuguesa e Língua Brasileira de Sinais on-line

Com a internet, houve uma maior democratização da informação, no sentido de produção e recepção (ESCOBAR, 2005, p. 4). Outro aspecto que, segundo a autora, faz parte desse processo é a interatividade, que pode ser definida como “a capacidade de possibilitar uma participação maior do público no processo comunicacional, abrindo-lhe um leque de escolhas.”

Nesta esteira, alguns dicionários foram desenvolvidos e se encontram atualmente on-line para uso, pesquisa e divulgação. Dessa forma, o acesso a tais materiais tornou-se mais democrático e globalizado, mas este ainda é um segmento em expansão, tendo em vista a evolução das línguas de sinais e a demanda de criação de novos léxicos.

Em relação a Portugal, os dicionários on-line, como já salientamos ao longo do presente estudo, estão ainda a dar os primeiros passos. Todavia, destacaremos, nesta seção, três trabalhos pioneiros nesta área: o projeto internacional Spread The Sign, sediado em Portugal na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto; o Dicionário Terminológico em LGP, em Ciências da Linguagem da Universidade Católica Portuguesa; e Academia LGP, do Instituto Jacob Rodrigues Pereira – Casa Pia de Lisboa I.P.

No Brasil, a criação dos primeiros dicionários on-line de Libras possibilitou um maior número de acesso e interatividade do público interessado por tal língua. Este tipo de dicionário apresenta algumas vantagens em relação aos impressos, tais como a possibilidade de visualização da execução do sinal, contemplando o parâmetro movimento e percepção de detalhes das configurações das mãos, além do uso de recursos visuais que conferiram uma estética outra ao conjunto das obras. Nesta seção, destacaremos dois desses materiais, apesar da existência de outros. O critério de seleção deu-se pela acessibilidade e usabilidade.

Um dos primeiros dicionários on-line foi o Dicionário Digital da Língua brasileira de Sinais, produzido em 2005 por Guilherme de Azambuja Lira e Tanya Amara Felipe e a organização Acessibilidade Brasil. Tal dicionário também se apresenta na versão em CD- ROM. A pesquisa referente ao léxico pode ser feita por ordem alfabética ou por temas, ou seja, noemática. Cada sinal é apresentado por meio de um vídeo, e, além disso, o usuário visualiza na mesma tela a palavra em língua portuguesa, o assunto, a classe gramatical a que pertence o sinal, a origem, a acepção, um exemplo de frase em língua portuguesa e um exemplo em Libras.

Por conta da necessidade de ampliação do léxico da Libras, vários glossários estão sendo constituídos na contemporaneidade em diferentes estados brasileiros, por iniciativa de diferentes atores sociais da comunidade surda. Estes materiais contemplam, inclusive, sinais de diferentes áreas do conhecimento, geralmente ainda não indexados nos dicionários mais conhecidos que reúnem um grande número de sinais.

Selecionamos como exemplo um glossário do Instituto Nacional de Educação de Surdos, intitulado Manuário Escolar e Acadêmico, que faz parte de um projeto desenvolvido por Janete Mandelblatt e Wilma Favorito. Segundo o site em que o Manuário está alojado, o trabalho começou em 2011 com a necessidade de registro dos sinais da Libras que circulam no Colégio de Aplicação e no Curso Bilíngue de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos. Os sinais são apresentados em vídeo e indexados de forma temática, mas o site também contempla um índice geral com todas as letras do alfabeto para possibilitar a busca por palavras e sinais específicos.

Diante das várias iniciativas de organização de glossários no Brasil, entendemos a necessidade de um rigor científico para a pesquisa (ou criação), recolha, validação e registro dos sinais com a participação de surdos.

5.0. Tradutores de Libras on-line

Além da lexicografia presente na área, com a tecnologia presente no campo, contamos com o desenvolvimento de aplicativos que intentam traduzir sinais da Libras para a língua portuguesa e vice-versa em textos e áudio. O objetivo da criação dos aplicativos era “romper a barreira da comunicação entre surdos e ouvintes” (ProDeaf, 2019, n.p). Nesta seção, destacaremos três recursos de tal natureza: o Hand Talk, o ProDeaf e o VLibras.

A Hand Talk foi criada em 2012 e tem como protagonista o “intérprete virtual” Hugo. De acordo com o site do aplicativo:

A Hand Talk realiza tradução digital e automática para a Língua Brasileira de Sinais, por meio de dois produtos principais: seu tradutor de sites traz acessibilidade digital em Libras para a comunidade surda e seu aplicativo quebra a barreira de comunicação que há entre ela e os ouvintes. As soluções buscam democratizar o acesso à informação e à comunicação, sendo complementares ao trabalho dos intérpretes de Libras (HAND TALK, 2019, n.p).

O site da Hand Talk apresenta alguns materiais gratuitos, envolvendo a questão da acessibilidade, mediante uma inscrição no endereço eletrônico.

O ProDeaf nasceu de um projeto desenvolvido na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 2010, por João Paulo Oliveira, a partir do contato com um colega de curso, surdo. O Hand Talk e o ProDeaf eram aplicativos concorrentes, e, a partir de 2018, a Hand Talk adquiriu a ProDeaf, que foi descontinuada em 29 de janeiro de 2019. Quando concorrentes, os dois aplicativos tinham características comuns: possuíam personagens em 3D que sinalizam a partir da seleção do conteúdo desejado pelos usuários; comportavam um grande número de sinais indexados da Libras; e possuíam uma apresentação estética cuidada, além de outras funcionalidades. O Hand talk ainda preserva essas características.

Além do acesso a usuários, os aplicativos contavam com clientes específicos; com a fusão, segundo informações colhidas na website da Hand Talk, o objetivo é “levar a acessibilidade digital para cada vez mais organizações” (HAND TALK, 2019, n.p).

Por fim, o VLibras, segundo seu website, “é resultado de uma parceria entre o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP), por meio da Secretaria de Tecnologia da Informação (STI) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB)”. Assim como os aplicativos citados anteriormente, o Vlibras:

Consiste em um conjunto de ferramentas computacionais de código aberto, responsável por traduzir conteúdos digitais (texto, áudio e vídeo) para a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, tornando computadores, dispositivos móveis e plataformas Web acessíveis para pessoas surdas (VLIBRAS, 2019, n.p).

O aplicativo também tem um avatar que traduz o conteúdo selecionado de língua portuguesa para Libras e apresenta algumas funcionalidades, entre elas: controle de velocidade, tamanho da tela, legenda em português e tradução do português para Libras em tempo real.

Considerações acerca dos materiais inventariados

Após inventariar materiais lexicográficos e pedagógicos para a educação de surdos e destacar a produção de Portugal e do Brasil, cabe, nesta seção, fazer algumas reflexões a respeito das contribuições que tais materiais trouxeram para a educação de surdos e das fragilidades ainda expressas nas obras, apesar dos avanços relativos aos suportes que foram delineados ao longo deste estudo.

A necessidade de registrar as línguas gestuais ou de sinais é antiga, como pudemos constatar nesta incursão histórica. Segundo Sofiato (2005), a elaboração de materiais desta natureza é uma tarefa bastante exigente e envolve muitos cuidados relativos à informação, que, neste caso, é visual. Tratamos aqui de um problema histórico e universal que parece ter sido minimizado com o advento do uso da imagem em movimento e com os estudos sobre as línguas gestuais ou de sinais, mas que está longe de ser contemplado em sua totalidade.

Ao longo do estudo, percebemos que a tradição de construção dos primeiros dicionários se baseava, geralmente, em listas de palavras, ou seja, um conjunto de palavras escritas retiradas de uma língua oral, sendo cada palavra acompanhada por um desenho ou fotografia de uma pessoa a produzir um gesto ou sinal equivalente a essa palavra (JOHNSTON, 2003). Assim, poucas informações sobre o gesto ou sinal eram disponibilizadas, e raramente surgia mais que um gesto ou sinal por palavra.

Segundo Zwitserlood (2010), esses dicionários eram necessariamente unidirecionais, ou seja, de língua oral/escrita para a língua gestual ou de sinais, ordenados alfabeticamente, por temas ou ambos. À medida que as línguas gestuais ou de sinais começaram a ser reconhecidas em todo o mundo, surgiu a necessidade de aprendê-las, principalmente em caráter educacional, e, por consequência, foram necessários mais dicionários contendo mais gestos ou sinais e mais informação sobre os mesmos.

Como uma forma de superar as fragilidades encontradas nas primeiras obras que se tornaram referência, começaram a surgir dicionários mais específicos de língua gestual ou de sinais, glossários por áreas temáticas como, por exemplo, animais, plantas, saúde, dentre outros. Todavia, mesmo sendo elaborados por profissionais, tais materiais ainda apresentavam o mesmo formato, ou seja, unidirecionais, partindo sempre da palavra escrita da língua oral para o gesto ou sinal, organizados alfabeticamente ou por temas e com escassa informação sobre os gestos ou sinais, salvo raras exceções que assinalamos ao longo do nosso estudo.

O aparecimento da possibilidade de integração de vídeos em suportes digitais veio contornar alguns dos aspectos referidos, mas não todos. Os dicionários multimídia em CD-ROM e DVD proporcionaram a utilização de vídeos digitais que tornaram mais rigorosas as representações dos gestos ou sinais, inclusive aos componentes não manuais, tão difíceis de representar nos dicionários impressos. Alguns poucos dicionários em CD-ROM e DVD começaram a oferecer a possibilidade de uma pesquisa bidirecional, mas eram ainda muito rudimentares e difíceis de consultar. Esses dicionários multimídia são essencialmente o meio de transição entre os dicionários impressos e os dicionários on-line, já que quase na totalidade mantiveram a estrutura dos dicionários impressos.

O advento dos dicionários on-line resolveu muitos problemas que identificamos para os dicionários impressos e a multimídia, principalmente em relação ao espaço de inclusão de vídeos, que se torna ilimitado. Além disso, existe a possibilidade de correção, adição e revisão dos dicionários, que passou a existir em tempo real, sem os custos financeiros inerentes a uma nova publicação.

Todavia, sobre a disponibilização de informação relativa às entradas, há ainda um grande caminho a percorrer, não por problemas de suporte, mas em relação às pesquisas das línguas gestuais ou de sinais.

Em função das possibilidades do meio on-line, os lexicógrafos passaram a ter que lidar com outros desafios, tais como: a constituição de corpus de língua gestual ou de sinais; a seleção de lemas; a informação linguística e gramatical, como neologismos, arcaísmos, empréstimos, variação e exemplos de uso, dentre outras.

Constatamos que houve uma mudança de paradigma na lexicografia das línguas gestuais ou de sinais com o aparecimento do meio on-line. Os dicionários impressos e multimídia tinham problemas em relação ao suporte, ou seja, o formato papel e o formato CD-ROM e DVD não davam conta, muitas vezes, da quantidade de informação linguística que era necessária para compor um dicionário.

Com o meio on-line, a situação inverteu-se. Tal meio tornou as possibilidades em relação ao suporte quase ilimitadas; por isso, muitas das áreas da linguística das línguas gestuais ou de sinais que não estavam suficientemente estudadas, porque não havia forma de registro, passaram agora a ser a grande lacuna. A possibilidade de criação de Corpora variado de língua gestual ou de sinais permitirá que vários aspectos linguísticos desconhecidos possam ser estudados; mas, por outro lado, evidenciará as pesquisas que precisam ser realizadas para que o funcionamento de tais línguas possa ser cada vez mais compreendido.

Considerações finais

Diante do estudo delineado, concordamos com Zwitserlood (2010) em três aspectos. Em primeiro lugar, não existe uma ortografia consensual para as línguas gestuais ou de sinais, apesar de terem sido desenvolvidos vários sistemas de notação. Pelo fato de não haver tal ortografia, as escolhas em termos de planejamento, organização e indexação ficam a cargo dos autores dos materiais lexicográficos e pedagógicos. Nem sempre, ao longo da história, tais materiais tiveram escolhas assertivas e que levassem em consideração os aspectos linguísticos e visuais das línguas gestuais ou de sinais.

Em segundo lugar, poucos são os recursos lexicográficos das línguas gestuais ou de sinais desenvolvidos a partir de Corpora de tais línguas, dos quais se possam deduzir e calcular frequências e retirar exemplos de uso. Entendemos que carecemos de mais produções que possam servir de referência para os profissionais que se dedicam a produzir materiais da natureza em questão.

Em terceiro lugar, as línguas gestuais ou de sinais são muito diferentes das línguas orais, pois são línguas de modalidades diferenciadas. As línguas gestuais ou de sinais são de modalidade espaço-visual, e as línguas orais apresentam uma modalidade sequencial e temporal e são orais-auditivas. Isso reforça a importância da participação dos surdos na elaboração de materiais lexicográficos e pedagógicos, pois, como usuários da língua, podem colaborar com escolhas mais fidedignas para o alcance do objetivo dessas obras: a divulgação da língua e seu uso.

Notas

1 Neste estudo, utilizaremos os termos línguas gestuais, línguas de sinais, língua gestual portuguesa (LGP) e língua brasileira de sinais (Libras), tendo em vista que o presente trabalho envolve, principalmente, dois países: Portugal e Brasil. Em tais países, utilizam-se essas denominações, e não é possível uma uniformização em virtude de diferenças conceituais e culturais. Para o contexto português, utilizaremos língua gestual e, para o brasileiro, língua brasileira de sinais.

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O presente trabalho foi realizado com o Apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001” .

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