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Elielson Sales
Elielson Sales
Professor de Matemática
Deficiência e Educação: uma perspectiva histórica da educação de surdos
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Publicado em 2012
Interfaces da Educação (UEMS/Paranaíba/MS), v.3, n.9, p.30-44
Elielson Sales
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Resumo

Procuramos resgatar diferentes momentos e marcos históricos da educação de surdos com o objetivo de analisar os fatos que influenciaram as práticas educacionais contextualizadas a partir dos processos históricos e sociais. Consideramos, principalmente Mazzota (2001), Mendes (1995) e Sassaki (1997), para situar as discussões em períodos, desde a Antiguidade, quando as pessoas identificadas como deficientes eram eliminadas ou abandonadas, passeando pela Idade Média, onde observamos claramente os comportamentos excludentes encobertos por práticas caritativas. No âmbito das políticas socioeducacionais, pudemos observar o desenvolvimento de diferentes trabalhos, indo da exclusão total à práticas de oralização para normalização, educação com base em princípios da comunicação total até as atuais propostas de educação inclusiva bilíngue. Embora cada modelo tenha seu apogeu em momentos históricos distintos, hoje, eles co-existem, desenhando um cenário de realidades diversas, com avanços e entraves de várias ordens.

1 Introdução

Para tecermos algumas considerações sobre a educação de pessoas com deficiências é necessário percorrermos nosso olhar no tempo, para verificar como elas foram vistas socialmente e educadas ao longo da história. Vale ressaltar que temos o objetivo, neste artigo, fazer um relato a respeito da história da Educação Especial, com ênfase na Educação de surdos, das nuanças de sua educação e de todos os aspectos que permearam sua condição até os dias de hoje. As discussões acerca da Educação Especial e Inclusão não são tão recentes, como alguns querem admitir; para entendermos o contexto atual é necessário fazer um breve passeio histórico a fim de percebermos melhor seu significado no momento atual. Alguns teóricos da área da Educação Especial, traçando esta trajetória histórica em países da Europa e América do Norte, constatam quatro momentos transitórios no desenvolvimento do atendimento às pessoas que apresentam deficiências (MAZZOTA, 2001; MENDES, 1995; SASSAKI, 1997).

2 A era da negligência - até o século XVII

Na era pré-cristã, época em que não havia nenhum tipo de atendimento, as pessoas com deficiência eram abandonadas, perseguidas e eliminadas devido às suas condições que diferiam das ditas “normais”, e a sociedade legitimava essas ações como sendo algo natural. Na era cristã, segundo Ribeiro (2003, p. 42), passou a haver uma tolerância a essas pessoas e uma aceitação por caridade. Passou-se a considerar que o deficiente possuía alma e para os cristãos matar o deficiente se transformou em pecado. Nesta época alguns deficientes 4 eram vendidos aos nobres para divertir suas festas ou então eram conservados em instituições religiosas ou mendigando, sempre dependendo da caridade alheia. O tratamento variava segundo as concepções de assistencialismo ou castigo predominantes na comunidade em que o deficiente estava inserido. Com a propagação do cristianismo houve uma tendência de melhora no tratamento dessas pessoas com necessidades especiais, pois a sociedade passou a protegê-las e compadecer-se delas.

3 A era da institucionalização - século XVIII E XIX

Numa outra fase da história, no século XVIII, com as influências dos ideais da Revolução Francesa (14 de julho de 1789), que alteraram o quadro político e social da França, novas relações foram formadas na sociedade semeando novas ideologias na Europa. Terminaram os privilégios da nobreza e do clero, um primeiro passo no sentido do igualitarismo, transferindo-se o poder para aqueles que dominavam a produção e o comércio de bens, o povo ganhou respeito e direitos sociais e a força de trabalho passou a ser um fator de produção.

Neste século reinava a pedagogia da essência que passa a ser superada para uma “pedagogia da existência”. Segundo Aranha (1989, p. 108),

na pedagogia da essência os valores, dogmas tradicionais e eternos e, sua educação visa educar para a realização de sua essência verdadeira. Já a pedagogia da existência se acha voltada para a problemática do indivíduo único, diferenciado, vivendo e interagindo com um mundo dinâmico.

A pedagogia da essência é baseada numa concepção ideal de homem, racionalista em Platão, cristã em Tomás de Aquino; parte de uma essência imutável de homem - onde todos deveriam ser tratados de forma homogênea - mais uma vez as pessoas que apresentavam algum tipo de deficiência foram consideradas um peso para a sociedade e eram segregadas e protegidas em instituições residenciais, surgindo assim os primórdios de uma forma de atendimento caracterizado como assistencialista (hospitais, abrigos e prisões), na qual organizações cristãs prestavam ajuda aos doentes de toda espécie. Mesmo assim, ainda pouco interesse se tinha por essas pessoas que continuavam sendo marginalizadas pela sociedade.

Com relação à natureza da deficiência, começaram a surgir novas idéias, a pessoa deficiente que antes era considerada possuída pelo demônio ou castigada pelos pecados, passou a ser pesquisada e entendida sob a luz do discurso clínico e as explicações passam a ter caráter médico organicista. Os cientistas passam a perceber que os fatores de uma deficiência eram causas naturais e que eram liberadas pelo nosso organismo. Portanto, ao se comparar o corpo a uma máquina, percebeu-se que a deficiência estava relacionada a uma disfuncionalidade.

Com o advento da idade moderna, houve maior valorização do ser humano pelo predomínio de filosofias humanistas. Iniciaram-se investigações sobre a pessoa excepcional do ponto de vista da Medicina. Cresceram os estudos e experiências sobre a problemática das deficiências atreladas à hereditariedade, aspectos orgânicos, biotipologia, etiologia, caracterização de quadros típicos, distorções anatômicas etc. Embora relatado como um caso médico, pode-se dizer que o trabalho de Itard (1774-1838) com o selvagem de Aveyron constituiu um dos primeiros documentos representativos da busca de uma teoria de avaliação e de uma didática para deficientes mentais (RIBEIRO, 2003, p. 42).

Os ideais da Revolução Francesa trouxeram grandes contribuições que exerceram fortes influências sobre a educação e Educação Especial, por meio da disseminação de princípios importantes como a igualdade, fraternidade e liberdade, que apontavam para o reconhecimento dos direitos universais de “todos os seres humanos”; no entanto os “anormais” e “diferentes” não faziam parte desse “todos”, e ainda estavam expostos à segregação e à exclusão social vivenciadas nos modelos manicomiais.
As duas etapas do processo histórico da Educação Especial abordadas - Negligência e Institucionalização - são características do paradigma da segregação.

4 A era da educação - século XX

O terceiro estágio - final do século XIX até meados do século XX - é marcado pela redução da segregação e da exclusão, através do desenvolvimento de escolas e/ou classes especiais em escolas públicas, instituições especiais capazes de lhes proporcionar uma educação que respeitasse suas limitações, visando a oferecer à pessoa deficiente uma educação à parte e a atendê-las por meio de intervenções didático-pedagógicas específicas.

Em 1959, estudos para a implementação de serviços de atendimento a excepcionais na Dinamarca, Mikkelsen (1978) coloca como objetivo de todo Serviço de Educação Especial: “Criar condições de vida para a pessoa retardada mental semelhantes, tanto quanto possível, às condições normais da sociedade em que vive” (RIBEIRO, 2003, p. 43).

Já no trabalho no qual realizava produções em série, a mesma idealizada por Taylor e Henry Ford “... a tarefa especializada não exigia um homem inteiro, mas apenas uma parte...” (TOFFLER, 1980, p. 62). Então, podemos observar que o preconceito ainda estava inserido neste contexto histórico.

5 A era da inclusão - década de 70 do SÉCULO XX

No quarto estágio, no do século XX, por volta da década de 70, observa-se um movimento de repulsa à postura de exclusão em discussões de âmbito mundial. O atendimento dispensado às pessoas com deficiência tende a aproximá-las cada vez mais do universo cultural das pessoas ditas “normais”. Observa-se um movimento que aponta para uma preocupação com estas pessoas e sua integração no meio social, tanto quanto possível; é o paradigma da Integração. Este movimento culmina hoje com uma nova mudança nos paradigmas educacionais, fazendo surgir, assim, o paradigma da Inclusão, que tem como princípio norteador oferecer uma educação para todos (BUENO, 1993).

O termo inclusão foi oficializado na Conferência Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO sobre Necessidades Educacionais Especiais, em 1994. Dessa conferência mundial resultou a Declaração de Salamanca, um documento que definiu os princípios, a política e a prática da educação para pessoas com necessidades especiais, e afirmou a consolidação imediata de ações educacionais capazes de reconhecer a diversidade das crianças e atender quaisquer que fossem as suas necessidades (BRASIL, 1998).

De acordo com essa Declaração:

O princípio fundamental desta Linha de Ação é de que as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras (…) As escolas têm que encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças, inclusive as com deficiências graves. O desafio que enfrentam as escolas integradoras é o de desenvolver uma pedagogia centralizada na criança, capaz de educar com sucesso todos os meninos e meninas, inclusive os que sofrem de deficiências graves. O mérito dessas escolas não está só na capacidade de dispensar educação de qualidade a todas as crianças; com sua criação dá-se um passo muito importante para tentar mudar atitudes de discriminação, criar comunidades que acolham a todos e sociedades integradoras.

O paradigma da inclusão, para Veríssimo (2001), caracteriza-se por um processo no qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. Trata-se de um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.

Observa-se, portanto, que a Educação Especial, por meio de um movimento gradual, vem se modificando, evoluindo, ao longo dos séculos. Esta trajetória que é marcada pela negligência, pelo preconceito e por inúmeras lutas, também pode ser identificada no processo histórico da inclusão no Brasil.

6 A história do deficiente no Brasil

O debate sobre a inclusão dos portadores de necessidades especiais nos processos normais de ensino, ou seja, na escola regular, bem como dos direitos destes ao exercício pleno de sua cidadania tem se intensificado nas últimas duas décadas em nosso país. Este cenário vem sendo delineado com maior ênfase e impacto sobre a sociedade a partir da Constituição Federal do Brasil de 1988 - Educação Especial, a saber:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Art. 208. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de: III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade. Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I - comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação.

Com muita propriedade, Ribeiro (2003, p. 46) revela esse contexto dizendo que

A década de 1990 iniciou-se sob o impacto dos efeitos das conquistas estabelecidas na Constituição Federal do Brasil de 1988, que em seu artigo 206 afirma a igualdade de condições de acesso e permanência na escola e, em seu artigo 208, ressalta o dever do Estado com a educação, efetivado mediante a garantia de: ensino fundamental obrigatório e gratuito para todos, inclusive aos que a ele não tiverem acesso na idade própria, e, ainda, atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

Para entendermos o momento atual, caracterizado como paradigma da Inclusão, de grandes conquistas para a Educação Especial, é pertinente retrocedermos no tempo a fim de elucidar como eram vistas as pessoas que possuíam algum tipo de deficiência e ressaltar a história desses movimentos educacionais no Brasil.

No Brasil, até 1854, não se falava em atendimento à pessoa deficiente. É somente a partir dessa data que temos indícios desse tipo de atendimento e os precursores foram os médicos que afrontaram os conceitos que vigoravam na época, passando estes a acreditar nas possibilidades educacionais de indivíduos considerados ineducáveis. Porém, as informações acerca de como eram feitos esses atendimentos são insuficientes para caracterizá-los como educacionais. Existem apenas indicativos de atendimentos médicos a crianças deficientes mentais em instituições residenciais e hospitalares, portanto, fora do sistema da educação geral (MAZZOTTA, 2001).

No final do século XIX e início do século XX, houve declínio das instituições segregacionistas que se afiguravam como "meras prisões". A Constituição de 1934 foi a primeira a incluir um capítulo especial sobre a educação como direitos de todos; a obrigatoriedade da escola primária integral; a assistência aos estudantes necessitados (PILETTI e PILETTI, 1991).

A Constituição de 1946 estabeleceu regras ao ensino ministrado pelos poderes públicos e manteve ensino religioso obrigatório. Essa proposta perduraria até 1961, quando começou a vigorar a lei 4.024/61(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) (PILETTI e PILETTI, 1991).

Somente na era Vargas pensou-se na legalização da Educação Nacional. Para tal foi enviado ao Congresso Nacional o projeto de Lei que criava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1947, publicada em 1961. (CARNEIRO, 1998). O conflito de garantia de uma educação de qualidade, laica e gratuita, tem início na educação brasileira (pelo menos oficialmente) em 1949, quando começa a ser discutida a lei 4024/61, que faz pela primeira vez menção à educação desse grupo - os deficientes - até sua promulgação em dezembro de 1961.

A grande demanda de crianças deficientes e a falta de instituições especializadas levaram, durante a década de 50, a iniciativa privada e filantrópica para este serviço. E foi somente na década de 60 que surgiram políticas públicas significativas sensíveis à questão do atendimento educacional das pessoas deficientes (MAZZOTTA, 2001).

Dessa forma, a fase da institucionalização da Educação Especial no Brasil aconteceu quase dois séculos depois de ocorrido na Europa, ou seja, a partir da década de 70, do século XX. Período no qual o atendimento de pessoas deficientes já procurava inserir esses indivíduos no universo cultural das pessoas que não apresentam dificuldades acentuadas.

Atualmente, ou melhor, desde 1988 (período pós-constituição), observamos que, legalmente, a Educação Especial tem um amparo legal, sólido - considerando a própria constituição, e legislações complementares que afetam o processo de inclusão - como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN (1996), por exemplo. Neste sentido, os passos dados são conquistas na história da inclusão no Brasil, mas restam ainda muitos obstáculos a serem superados, dentre os quais vale destacar: o desafio de transpor as dificuldades de implementação efetiva, real, do que já está posto, do que já foi legalmente conquistado dentro e fora das escolas.

No entanto, é fundamental observarmos que o foco principal desta pesquisa é o surdo, por isso a seguir faremos uma breve abordagem sobre a trajetória histórica deste grupo de deficiente de forma bem específica.

7 A história da educação do surdo

A possibilidade de abordar, aqui, o percurso histórico da educação do surdo, com todas as suas nuanças, já configuraria, sem dúvidas, um extenso trabalho de levantamento. No entanto o nosso intuito é contribuir com uma visão geral deste percurso e discutir seus aspectos mais relevantes para esta pesquisa.

A história da Educação de surdos começa muda e apagada e segundo Lima (2004, p. 14) "é uma história que não é contada por seus principais protagonistas: os surdos", sendo que os ouvintes que trabalham com esses alunos, na maioria das vezes, é que registram suas impressões e representações. Como bem aponta Perlin (2002, p. 16) ao se referir à história da educação de surdos:

A história dos surdos é escrita pela história da educação, e a história da educação dos surdos foi sempre contada pelos ouvintes. É natural que muitos surdos tenham se apropriado dela como se fossem verdades absolutas e as tenham absorvido exatamente como lhes foi dito, isto é, que eles eram deficientes, menos válidos, incapazes...

Os indícios históricos da educação de surdos remontam aos povos egípcios, há cerca de 4000 anos, os quais acreditavam que os surdos eram sujeitos incapazes de aprender. O sujeito surdo, à luz dos antigos egípcios, não era considerado humano, haja vista que ele não usava a fala e, conseqüentemente, não conseguia se exprimir através da língua oral (LIMA, 2004).

No período de 2000 a 1500 a.C., no Egito, as leis judaicas em vigor visavam à proteção do indivíduo surdo. E defendiam o direito à vida para o surdo, no entanto, cerceavam sua educação.

No ano de 384 a.C., na Grécia, os surdos eram concebidos como seres desprovidos de raciocínio e sensibilidade. Essa idéia fundamentava-se no fato de que o surdo, por ser impossibilitado de se comunicar por meio da língua oral, era considerado como um ser "não humano".

Capovilla e Raphael (2001) fazem referências a textos clássicos e até sacros que contribuíam para reafirmar a idéia que ignorava os direitos dos surdos à educação.

Para Aristóteles, no século IV a.C., o surdo era um indivíduo incapacitado para a fala, além de defender a idéia de que o processo de aprendizagem ocorria através da audição, sendo esta uma condição sine qua non para o desabrochar dos processos cognitivos. Sendo assim, não se admitia para os surdos a possibilidade de construção do pensamento.

Nesse sentido Lima (2004, p.15) nos afirma que

Essa impossibilidade de pensar, porque não falava, tornava o surdo um sujeito incapaz de ser educado, pois ele não conseguia se expressar oralmente ou, até mesmo, demonstrar aquilo que sentia a outrem. Em uma palavra, um “não-humano”. Fardo pesado que devia ser conduzido por toda a vida.

Com Paulo de Tarso, na sua Epístola aos Romanos, a fé provém de se ouvir a palavra do Cristo, logo, os surdos não teriam acesso à salvação da alma (“Ergo fides ex audito, auditur autem per verbum Christi”).

De acordo com Sacks (1998, p. 28): “O status sub-humano dos mudos era parte do código mosaico e foi reforçado pela exaltação bíblica da voz e do ouvido como o único e verdadeiro modo como o homem e Deus podiam falar ("No princípio, era o verbo")”. A crença de que a pessoa surda era primitiva e não-educável persistiu até o século XV.

Esse ideário negativo, constituído na antiguidade, acerca do indivíduo surdo, levou a sociedade a percebê-los de diversas formas: pessoas punidas, seres "não-humanos", "não-educáveis" e dignas de receberem sentimentos de pena e de compaixão. Concepções que persistiram por mais de dois mil anos (até o século XV), conduzindo o surdo a longos períodos de sofrimento, de privações e de pobreza extrema. O surdo não conseguia promover sua própria sobrevivência, pois, sem acesso à educação, ele era impossibilitado de adentrar no mercado de trabalho. Nesse sentido Sacks (1998) nos diz que

A situação das pessoas com surdez pré-lingüística antes de 1750 era de fato uma calamidade: incapazes de desenvolver a fala, e portanto "mudos", incapazes de comunicar-se livremente até mesmo com seus pais e familiares, restritos a alguns sinais e gestos rudimentares, isolados, exceto nas grandes cidades, até mesmo da comunidade de pessoas com o mesmo problema, privados de alfabetização e instrução, de todo o conhecimento do mundo, forçados a fazer os trabalhos mais desprezíveis, vivendo sozinhos, muitas vezes à beira da miséria, considerados pela lei e pela sociedade como pouco mais do que imbecis - a sorte dos surdos era evidentemente medonha.

Em meados do século XVI começam a surgir movimentos iniciais para educar o surdo. E para tal os pioneiros Girolamo Cardano e Pedro Ponce de Leon se apoiavam em métodos que visavam a ensinar o surdo a falar, ler e escrever. Segundo Sacks (1998, p. 29) "a noção de que a compreensão das idéias não dependia de ouvir palavras era revolucionária".

Girolamo Cardano (1579), matemático, médico e filósofo italiano, contraria as idéias do sábio Aristóteles e abre os caminhos na educação dos surdos declarando que a audição e o uso da fala não são indispensáveis à compreensão das idéias e que a surdez é mais uma barreira à aprendizagem do que uma condição mental. Dessa forma Cardano tornou sem efeito a idéia de que o surdo não poderia ser ensinado. Cardano (apud SACKS, 1998, p. 29) revela que

É possível dar a um surdo-mudo condições de ouvir pela leitura e de falar pela escrita [...] pois assim como diferentes sons são usados convencionalmente para significar coisas diferentes, também podem ter essa função as diversas figuras de objetos e palavras. [...] Caracteres escritos e idéias podem ser conectados sem a intervenção de sons verdadeiros.

Na Espanha, o monge beneditino, Pedro Ponce de Leon (1520-1584), é considerado o primeiro professor de surdos. Ele instituiu, no mosteiro de Valladolid, uma escola onde se dedicava a educar os surdos que eram filhos de nobres. Ele os ensinava a falar, ler, escrever, a rezar e apresentou aos surdos os dogmas da igreja Cristã. Concebeu uma metodologia de ensino de surdos que incluía datilologia 5, escrita e oralização, e também fundou uma escola de professores surdos. Vale ressaltar que em 1620, Juan Bonet, outro espanhol, publicou o primeiro livro de educação de surdos, intitulado “Redução das Letras e a Arte de Ensinar a Falar os Mudos” (Reducción de las letras y arte de enseñar a hablar a los mudos) (REILY e REILY, 2003).

Nos séculos que se sucederam, surgiram “professores” (em vários países do mundo) dedicados à educação dos surdos. Os entraves encontrados no processo de educação desses sujeitos estavam relacionados à discordância quanto aos métodos de ensino a serem aplicados. Enquanto alguns defendiam que o ensino deveria priorizar o oralismo (língua falada), outros apregoavam a utilização da língua de sinais (língua viso-espacial) e, também, o ensino da fala (Método Combinado).

No século XVIII (1750), na França, o abade Charles Michel De l‘Epée passa a ser considerado o pioneiro a utilizar a língua de sinais na educação dos surdos. O abade aprendeu a língua de sinais estabelecendo contato com grupos de surdos que vagavam pelas ruas de Paris (SACKS, 1998). Ele obtém um grande sucesso quando inicia a instrução formal de duas crianças surdas, baseando-se na utilização de sinais, em um sistema que incorporava a língua falada, gerando os "Sinais Metódicos 6”. O principal objetivo desse método era aproximar o surdo da língua francesa. Nesse sentido Sacks (1998, p. 29) relata:

O que muda a história, o que desencadeia revoluções, é o encontro das duas coisas. Uma mente grandiosa - a do abade De l‘Epée - teve de encontrar um uso humilde - a língua de sinais nativa dos surdos pobres que vagavam por Paris - para possibilitar uma transformação significativa.

Nesse contexto podemos considerar o encontro de De l‘Epée com os surdos como o marco zero da língua de sinais na educação de surdos. E devido aos relevantes resultados obtidos com sua metodologia, em 1755 De l‘Epée transforma sua própria residência na primeira escola para surdos a receber auxílio do poder público, o “Instituto de Surdos e Mudos de Paris”, utilizando, no trabalho pedagógico, uma abordagem gestualista (LIMA, 2004).

No entanto, essa realidade estava longe de ser vivenciada em todos os países. Enquanto a França difundia o método manual para a educação do surdo, em outros países da Europa ganhava força o método oral (principalmente Alemanha e Inglaterra). Segundo Marchesi (1987) as discussões realizadas entre De l‘Epée (método gestualista) e Heinicke (método oralista), no final do século XVIII, configurariam o início da polêmica sobre os métodos educacionais para educar o surdo.

Essas divergências, entre métodos de ensino, fomentaram grandes discussões durante o II Congresso Internacional sobre Instrução de surdos ocorrido em 1880 em Milão, na Itália. Quando o movimento pró oralismo, liderado por Alexander Graham Bell, desqualificou a utilização simultânea da fala e dos sinais, apontando como uma desvantagem, pois impedia o desenvolvimento da fala, da leitura labial e da precisão das idéias. Nesse congresso, é declarado que o uso da língua de sinais deve ser banido, de forma oficial e definitiva, das escolas (SACKS, 1998).

Segundo Lima (2004, p. 20) "o Congresso de Milão é considerado um marco na história da política institucional de erradicação da língua de sinais, e também da exclusão radical dos profissionais surdos do ambiente educacional".

Vale ressaltar que nesse Congresso internacional foram reunidos profissionais ligados à educação de surdos e, dentre eles, apenas um era surdo! O Congresso comemora, então, a vitória do oralismo sobre a “inferioridade” da língua de sinais.

Reportando ao Congresso de Milão, Sacks (1998, p. 40) ressalta que

Os próprios professores surdos foram excluídos da votação, o oralismo saiu vencedor e o uso da língua de sinais foi “oficialmente” abolido. Os alunos surdos foram proibidos de usar sua própria língua “natural” e, dali por diante, forçados a aprender, o melhor que pudessem, a (para eles) “artificial” língua falada. E talvez isso seja condizente com o espírito da época, seu arrogante senso da ciência como poder, de comandar a natureza e nunca se dobrar a ela.

As atas finais do Congresso de Milão (1880), configuraram documentos que nortearam as propostas educacionais para os surdos no final do século XIX até aproximadamente 1970, ou seja, por quase um século, influenciaram diretamente as políticas públicas da educação desses sujeitos, e indicavam o que se segue:

O Congresso, considerando a incontestável superioridade da palavra sobre os signos para devolver o surdo à sociedade e para dar-lhe um melhor conhecimento da língua, declara que o método oral deve ser preferido ao da mímica para a educação e instrução dos surdos-mudos... O Congresso, considerando que os usos simultâneos da palavra e dos signos mímicos têm a desvantagem de inibir a leitura labial e a precisão das idéias, declara que o método oral puro deve ser preferido. (GRÉMION, apud LIMA, 2004, p. 21).

Nas escolas e institutos de surdos foram usadas algumas medidas "preventivas" para coibir a prática da língua de sinais, tais como: obrigavam os alunos surdos a sentarem sobre suas mãos, retiraram as pequenas janelas de vidro das portas das salas de aula para impedir a comunicação por meio da língua de sinais entre os alunos, além de demitirem os professores surdos e seus monitores.

Como destaca Lulkin (1998, p. 38):

Para estabelecer uma nova pedagogia e promover a educação das novas gerações de pessoas surdas, criaram-se sistemas reabilitadores altamente refinados na regulação e controle do corpo. Retirou-se a língua de sinais de circulação no espaço escolar e demitiram-se os professores surdos, eliminando, também, o papel do adulto surdo, produtor e reprodutor de aspectos culturais da comunidade de surdos. No seu lugar, a balança dos poderes pende para as técnicas de treinamento e para as práticas e aparelhos ortopédicos: as próteses, os implantes, as cirurgias, o treinamento auditivo, a leitura labial, a articulação dos fonemas, as audiometrias, os exercícios respiratórios, a aquisição de vocabulário, etc.

Nesse sentido, toda a educação acadêmica e, muitas vezes familiar, estava relacionada às habilidades individuais do aluno surdo em desenvolver a oralidade, o que, geralmente, não acontecia com êxito. O produto dessa educação, que subordinava o currículo escolar ao desenvolvimento da oralidade, foi uma população de surdos que cresceram e, com raras exceções, transformavam-se em "analfabetos funcionais". O oralismo e a proibição da língua de sinais trouxeram consigo desgastes e prejuízos históricos para o processo educacional das crianças surdas, deixando as mesmas sem condições efetivas de interação e participação social Sacks (1998).

Finalmente, fazendo um passeio pela história da educação dos surdos, podemos dividi-la em duas fases: na primeira fase (Antiguidade), o surdo é concebido como "não-humano" e, portanto, não-educável; já na segunda fase (a partir de século XVI), o surdo é visto como humano e educável.

Após evidenciarmos os principais fatos e seus atores que contribuíram, nos últimos quatro séculos, para o processo de educação do surdo, iremos agora abordar os acontecimentos mais significativos, que colaboraram para a implantação do processo educacional do surdo no Brasil.

8 A história da educação do surdo no Brasil

O processo educacional dos surdos no Brasil tem o seu início no segundo império, na década de cinqüenta do século XIX, com as idéias trazidas da França por Edward Huet, momento no qual foi criado pela Lei no. 839, de 26 de setembro de 1857, no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto de Surdos Mudos - IISM, que ficou conhecido como a primeira escola de surdos no Brasil. Em 1956 a instituição passou a se chamar Instituto Nacional de Surdos Mudos - INSM e também mais tarde Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES, em 1957 (DÓRIA, apud MAGALHÃES 2006, p. 18).

O Instituto teve como primeiro professor Edward Huet, cidadão surdo francês, que trouxe a Língua de Sinais Francesa para auxiliar no processo de educação do surdo, portanto sendo considerado como o introdutor da Língua de Sinais francesa no Brasil, provocando uma fusão da Língua de Sinais utilizada pelos surdos em nosso país com a Língua de Sinais Francesa (GOLDFELD, 1997).

O fragmento do Relatório Anual de 1993 da Federação Nacional de Integração e Educação de Surdos - FENEIS retrata muito bem esse contexto:

Em 1855 chegou ao Brasil o francês Ernest Huet 7, portador de surdez congênita. O ex-diretor do Instituto de surdos de Paris trouxe sua experiência de mestrados e cursos, a fim de comprovar a capacidade do surdo na área da Educação. Seus trabalhos contaram com o apoio de D. Pedro II, que ajudou a colocar em funcionamento o Instituto de Surdos-Mudos, a princípio instalado no Centro do Rio. Mas o francês só alcançou seu objetivo em 26 de setembro de 1857, com a fundação do Instituto Nacional de Educação do Surdo (INES), atualmente em Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Através dos ensinamentos de Huet, a Língua de Sinais se difundiu e desenvolveu no Brasil (FENEIS, 1993, p. 5).

O método adotado por Huet para a educação de surdos, naquela época, supõe-se que era a “didática especial dos surdos-mudos”. E segundo Perlin (2002, p. 72): “Tratava-se do mesmo processo utilizado por De l‘Epée no Instituto de surdos de Paris. Huet também se interessou pela formação de professores de surdos, porém o pouco tempo de permanência no Brasil não foi suficiente para que essa profissão pudesse se desenvolver”.

Em 1911 o IISM segue a tendência mundial (Congresso de Milão), e estabelece o oralismo puro em todos os conteúdos focalizados do currículo como metodologia de ensino, entretanto; no Brasil a Língua de Sinais sobreviveu na sala de aula até 1957, e nos pátios e corredores da escola a partir desta data, quando foi severamente proibida. A metodologia De l‘Epée, como assinala Perlin (2002, p. 75): “continuou no Brasil até 1901. Nos anos seguintes, o Instituto caminhou para a concepção oralista na educação de surdos e, em 1930, instaurou-se definitivamente a visão clínica, quando o Instituto passou a fazer parte do Ministério da Educação e Saúde”.

O forte movimento de "repressão" à língua de sinais que punia o surdo que insistisse em utilizar essa forma de linguagem, não conseguiu abolir totalmente o seu uso, pois os surdos não "calaram os sinais". E como uma forma de reação dos próprios surdos, eles continuavam a se comunicar por meio de sinalizações, não nas salas de aula do Instituto, mas fora delas e de forma intensa nas "comunidades" que começaram a surgir nos centros urbanos do país.

Do final do século XIX até o final da década de 60 do século XX, o método oralista predominou na educação do surdo. Por meio desse método, que "excluía" a língua de sinais, os professores acreditavam que os Surdos, primeiramente, deveriam "falar", para que pudessem ser integrados (transformados) juntos aos ouvintes. Nesse sentido Perlin (2002, p. 42), relata que os alunos surdos educados por meio do método oralista nas instituições/internatos, entre 1921 e 1960, falam sobre os horrores e as perseguições sofridas durante o apogeu do oralismo.

No auge do oralismo, o uso da língua de sinais foi banido e proibido nos recintos tanto das instituições educativas ou da família como nas organizações de surdos. Os surdos eram submetidos, às vezes, a castigos pesados caso utilizassem a língua de sinais. Houve histórias de impedimento de contato pessoal entre surdos, repressões e outros. Até os dias de hoje, esses surdos continuam com estranhos receios. Também existem casos de surdos que se voltaram contra a própria língua de sinais considerando-a como não-motivadora da convivência social, além de outros estereótipos contra a sua própria língua.

No início da década de 1970 psicólogos, professores e pais de crianças surdas começaram a avaliar os resultados pouco significantes obtidos por meio do método oral na educação dos surdos. Nesse sentido Sacks (1998, p. 41), afirma que

Nada disso teria importância se o oralismo funcionasse. Mas o efeito, infelizmente, foi contrário ao desejado - pagou-se um preço intolerável pela aquisição da fala. Os alunos surdos da década de 1850 que haviam passado pelo Asilo Hartford ou por outras escolas desse tipo tinham um alto nível de alfabetização e instrução - plenamente equiparável ao de seus equivalentes ouvintes. Hoje em dia ocorre o inverso. O oralismo e a supressão da língua de sinais acarretaram uma deterioração marcante no aproveitamento educacional das crianças surdas e na instrução dos surdos em geral.

E é nesse clima de insatisfação que é introduzida, no Brasil, no final da década de 70, a Comunicação Total, após a visita de Ivete Vasconcelos, professora de surdos na Universidade Gallaudet 8.

A Comunicação Total é um método que, no trabalho escolar, traduz-se por uma “completa liberdade... de quaisquer estratégias, que permitem o resgate de comunicações, total ou parcialmente bloqueadas” (CICCONE, 1996, p. 7).

Dessa forma, o aluno é "livre" para utilizar todas as formas possíveis - mímica, gestos, língua de sinais, leitura labial e leitura escrita para se comunicar. Caberá à criança surda “escolher” os recursos comunicativos apropriados a uma dada situação interlocutiva (CICCONE, 1996).

Vale registrar alguns questionamentos: como uma criança surda que chega à escola desprovida do conhecimento de língua de sinais, fala, leitura labial e leitura-escrita será capaz de “eleger” um destes recursos comunicativos para interagir com alguém? Ainda que ela saiba alguns gestos, muitas vezes criados no ambiente familiar, eles são compartilhados apenas naquele contexto. Esses gestos, por não serem entendidos por uma outra pessoa, causam estranhamento.

Marchesi (1987) posicionando-se, contrário à Comunicação Total, argumenta que não é importante somente apresentar ao aluno surdo diferentes formas de se comunicar (diferentes códigos) para que este faça a sua escolha. É necessário, além disso, saber se o conhecimento e a incorporação de tais códigos, por parte do aluno, estão se dando de modo eficiente.

Diante das críticas a respeito à adoção da Comunicação Total na educação de surdos surgem, na década de 1980, as discussões iniciais sobre a implantação do bilinguismo 9, enquanto proposta educacional a ser utilizada na educação de surdos.

A proposta de uma educação bilíngüe trouxe para o contexto educacional uma abordagem que tem como objetivo modificar o processo de escolarização dos alunos surdos, marcado fortemente pelo fracasso escolar; suas práticas pedagógicas vão de encontro às praticadas em abordagens educacionais anteriores - oralismo e comunicação total - que norteavam (e de certa forma ainda norteiam) a educação de surdos. Ou seja, a abordagem bilíngüe surge com a responsabilidade de minimizar os entraves vivenciados pelos alunos surdos, sobretudo, na aquisição da língua portuguesa, em sala de aula (LIMA, 2004).

O objetivo da Educação Bilíngue, é que a criança surda possa ter um desenvolvimento cognitivo-linguístico equivalente ao verificado por parte da criança ouvinte, tendo acesso às duas línguas: a língua de sinais e a língua majoritária (LACERDA, 1998). Segundo a autora, esta perspectiva, preconiza o estímulo, o mais precoce possível, ao aprendizado da língua de sinais como primeira língua (L1), que não demanda "condições especiais de aprendizagem” e, posteriormente, o ensino da língua da comunidade ouvinte, como segunda língua (L2), utilizando a Língua de Sinais (L1) como língua de instrução.

A perspectiva educacional bilíngue prioriza o desenvolvimento da língua de sinais pelo contato das crianças com adultos surdos usuários desta língua e participantes ativos do processo educacional de seus pares e, a partir dela, devem ser expostos ao ensino da escrita da língua portuguesa. Do ponto de vista teórico, estudos apontam o bilinguismo como a modalidade mais adequada na educação escolar de crianças surdas, visto que a língua de sinais é usada como a primeira língua (L1), e a língua portuguesa como segunda língua (L2), partindo da língua de sinais para a língua portuguesa escrita. (FERREIRA BRITO 2001; QUADROS 1997).

Nesse sentido Brito (1989, p. 91) afirma que “o bilinguismo, uso da língua de sinais e oral em suas especificidades, em situações diferentes, é condição sine qua non para a integração psico-social e para o sucesso educacional do surdo”.

Contudo, a implantação de projetos educacionais bilíngues demandam modificações internas das escolas, pois não basta por a Libras em circulação, nem utilizá-la nas salas e espaços da escola, é preciso rever processos didáticos e pedagógicos, além de fomentar uma mudança na perspectiva social de percepção da surdez, que tire estes alunos do lugar de inferioridade para a vivência real de sua diversidade linguística.

Considerações finais

Ao analisarmos esse processo histórico, verificamos que avanços até ocorreram, porém de forma lenta, desde a antiguidade, na qual se acreditava que o indivíduo surdo não era capaz de aprender, um “não-humano”, até os dias atuais quando buscamos formas de garantir seu acesso à língua, à educação e à sociedade.

Quanto às três principais abordagens de educação de surdos - oralista, comunicação total e bilingüismo - não é difícil verificar que elas coexistem no processo de educação do aluno surdo. Porém, vale ressaltar que, na atualidade, é o bilinguismo que assume o lugar de destaque nas reflexões por parte dos profissionais que se empenham nas discussões para a implementação das abordagens educacionais para o aluno surdo.

E nessa perspectiva, considerando os elementos já expostos, percebemos que, se de um lado o processo histórico traz consigo fatos que expressam morosidade nos avanços inerentes ao processo educacional da pessoa surda, por outro lado o processo de inclusão está posto, e, com isso, novos desafios são impostos.

Notas

4 As referências às pessoas com deficiência feitas diretamente como "deficientes" dá-se pelo período histórico a que se referem os dados, visto que as mudanças de designação são mais atuais, tendo passado, inclusive, por "portadores de deficiência", que foi contestado visto que ter uma deficiência é algo que constitui, faz parte da pessoa e, ainda, que a pessoa não porta sua deficiência, portar nos remete a uma situação na qual se tem escolha, o que não é o caso.
5 Alfabeto manual da língua de sinais.
6 Sistema gestual artificial que mesclava elementos da língua de sinais (francesa) com outros inventados por ele para marcar características lingüísticas da língua francesa como flexões, conectivos, sufixos etc.
7 Existem divergências em relação ao primeiro nome de Huet. Nas suas produções em seus anos de permanência no Brasil, assina simplesmente “E. Huet”. Em vários documentos e publicações sobre a história do INES é usado o nome Ernest. Recentemente, em artigo da Revista da FENEIS foram apresentados indícios de que seu nome seria Eduard (FENEIS, 2002).
8 Foi a primeira instituição de ensino superior especificamente para surdos, fundada em 1864 em Washington nos Estados Unidos.
9 A perspectiva bilíngue considera a língua de sinais como a primeira língua do surdo e a língua portuguesa como segunda língua (no Brasil).

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