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Cláudio Mourão
Cláudio Mourão
Professor e Investigador
Ensinando Educação Física para Surdos: Análise de caso
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Publicado em 2008
In: 3ª Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação, Canoas/RS. Anais do 3ª Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação. Porto Alegre/RS: Plannertec Informática e Sistemas Ltda. p. 01-12
Cláudio Mourão
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Resumo

Nos últimos anos, os estudos surdos e os estudos culturais têm mostrado a importância da cultura surda para a constituição dos sujeitos surdos e em sua educação. Nesse sentido, são importantes as discussões sobre a língua utilizada pelos professores ouvintes e surdos nessa educação e sobre como isso pode ser positivo ou negativo na inserção dos surdos na sociedade. O presente artigo é um recorte de pesquisa com o objetivo de examinar o papel do conhecimento de Língua de Sinais por professores de Educação Física de duas escolas de surdos brasileiros, na interação com os alunos surdos e no desenvolvimento de suas atividades. A pesquisa se desenvolveu através de entrevistas com dois professores da disciplina - um surdo e outro ouvinte - e com quatro alunos surdos do Ensino Médio. Nas entrevistas com os alunos, apareceram referências a dificuldades de comunicação entre alunos surdos e professor com conhecimento restrito de Língua de Sinais, o que resulta no desinteresse pela atividade esportiva por causa dessas dificuldades. Também alunos de professor ouvinte afirmaram que ensinam o professor a usar Libras, mas esse também é um tempo perdido da própria aula. Os professores entrevistados concordaram entre si apenas em que eles adaptam as atividades na aula, pois a faculdade não preparou especificamente para trabalho com surdos. A análise das entrevistas dos dois professores e quatro alunos contribui para uma discussão sobre as relações entre a escola, o uso de Libras, a cultura surda, e sobre os prejuízos que o domínio insuficiente de Libras pode ter para os surdos.

Introdução

Nos últimos anos, os estudos surdos e os estudos culturais têm mostrado a importância da cultura surda para a constituição dos sujeitos surdos e para a possibilidade de seu desenvolvimento em todos os sentidos. Em meio às lutas da comunidade surda, são importantes as discussões sobre a educação dos surdos, sobre a língua utilizada pelos professores ouvintes e surdos nessa educação e sobre como isso pode ser positivo ou negativo na inserção dos surdos na sociedade.

Ao longo da história, existem relatos negativos sobre surdos desde a Antigüidade, mas ainda hoje as pessoas desconhecem o que é ser uma pessoa surda, geralmente a consideram como doente ou portadora de um defeito. O desconhecimento do mundo surdo: seu dia-a-dia, sua língua, seus costumes, sua cultura... pode prejudicar na educação de surdo, transformando-a num ensino “clínico”. O ensino clínico quer normalizar os surdos para tornarem-se iguais aos ouvintes. É comum pessoas falarem que os surdos não sabem, têm falta de conhecimentos; além de já serem rotulados “deficientes”, “doentes” até “incapacitados”. Conforme Skliar (1998, p. 7) diz:

Foram mais de cem anos de praticas enceguecidas pela tentativa de correção, normalização e pela violência institucional; instituições especiais que foram reguladas tanto pela caridade e pela beneficência, quanto pela cultura social vigente que requeria uma capacidade para controlar, separar, e negar a existência da comunidade surda, da língua de sinais, das identidades surdas e das experiências visuais, que determinam o conjunto de diferenças dos surdos em relação a qualquer outro grupo de sujeitos.

Isto é a causa do fracasso de educação de surdos, pois geralmente ao longo dos anos, surdos foram trabalhados na educação clínica, corretiva, que se contrapõe à educação surda, que pretende ensinar o surdo dentro de sua cultura, mostrando a valorização da língua, cultura, identidade, comunidade, etc.

Resolvi realizar este projeto de pesquisa do qual trago aqui um recorte, por minha experiência universitária, cotidiana, e fundamentado nos exemplos e vivências em três universidades que estudei, pois todas me ensinaram diferentemente do que eu vejo e, em sua maioria, não têm nenhuma relação com a comunidade surda.

Entendo, como profissional de Educação Física, que é importante incentivar os futuros profissionais da área a trabalharem com as diferenças, mais especificamente, com as pessoas surdas, entendendo a sua cultura.

Atualmente no Brasil a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é considerada a primeira língua dos surdos, que nela adquirem melhor a linguagem, com estrutura gramatical. Após aquisição de linguagem, os surdos têm melhor desempenho para aprender outras coisas como escrever português, leitura, etc. A língua portuguesa é a segunda língua dos surdos, não é a primeira como a educação clínica costuma afirmar, ao dizer que os surdos necessitam urgentemente aprender português para se integrarem à sociedade ouvinte.

A proposta da pesquisa mais ampla foi de realizar entrevistas com alunos surdos de Ensino Médio procurando identificar aprendizados e experiências nas suas aulas de Educação Física e, também, com professores de Educação Física em escolas de surdos, para conhecer o o que eles aprendem na universidade sobre surdos. Mas o objetivo principal neste artigo é o de examinar o papel do conhecimento de Língua de Sinais por professores de Educação Física de duas escolas de surdos brasileiros na interação com os alunos surdos e no desenvolvimento de suas atividades.

2. Referencial Teórico

Para desenvolver meu trabalho, trago algumas contribuições teóricas atuais e informações sobre “ser surdo”, “educação de surdo” e “língua de sinais”, “educação física para surdos”, quatro temas que considero importantes para a compreensão do artigo.

2.1 Ser Surdo

Ser surdo, ter uma identidade surda, é ser um sujeito humano que usa Língua de Sinais, usa Percepção Visual, participa da Cultura Surda e da Comunidade Surda. Ter identidade significa ter orgulho de ser surdo, assumir ser surdo sem pensar que é deficiente ou incapaz, ser surdo “natural”. A cultura surda foram os próprios surdos que construíram; exemplos: ter escola só para surdos, usar sinalizador luminoso, usar legendas na televisão, filmes e novelas, celular com “torpedos”, messenger (MSN), etc.. A comunidade surda é um grupo onde surdos se encontram para bate-mãos 1, porém existe o povo surdo, que reúne vários surdos diferentes que se encontram num grupo no local em viagens para festas nas associações de surdos nos outros lugares, como estado ou país.

Conforme Quadros (2004, p.4), “surdo é o sujeito que aprende o mundo por meio de experiências visuais e tem o direito e a possibilidade de apropriar-se da língua brasileira de sinais e língua portuguesa, de modo a propiciar seu pleno desenvolvimento e garantir o trânsito em diferentes contextos sociais e culturais”.

Perlin e Miranda (2003, p. 218) explicam o que é ser surdo:

Se vocês nos perguntarem aqui: o que é ser surdo? Temos uma resposta: ser surdo é uma questão de vida. Não se trata de uma deficiência, mas de uma experiência visual. Experiência visual significa a utilização da visão, (em substituição total a audição), como meio de comunicação. Desta experiência visual surge a cultura surda representada pela língua de sinais, pelo modo diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes, no conhecimento científico e acadêmico. A cultura surda comporta a língua de sinais, a necessidade do interprete, de tecnologia de leitura.

Por isso ser surdo é uma diferença humana, não é doença ou deficiência como médicos, fonoaudiólogos e outros clínicos costumam caracterizar. surda é uma doença.

2.2. Educação dos Surdos

No Brasil, existem poucas escolas de surdos. No caso das escolas inclusivas, faz-se necessária a existência da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em sala de aula, bem como um espaço para os surdos.

Segundo o documento elaborado a partir da união da comunidade surda pela luta por uma melhor educação, no ano de 1999, intitulado “A Educação que nós surdos queremos”, existem vários tópicos importantes relativos à educação de surdos, dentre eles: “propor o fim da política de inclusão-integração escolar, pois ela trata o surdo como deficiente e, por outro lado, leva ao fechamento de escolas de surdos e/ou ao abandono do processo educacional pelo aluno surdo”.

Atualmente (2008) tem cinco escolas de surdos em Porto Alegre, nenhuma é de “inclusão”. Todas as escolas de surdos têm alguns professores surdos dando aula, e isto é muito importante, pois traz o modelo surdo-surdo. Mas a maioria é de professores ouvintes, poucos sabem LIBRAS; infelizmente isto prejudica ensino aos alunos surdos pois acaba se refletindo em um ensino deficiente, assim dificultando aos surdos alcançarem o estudo universitário futuramente. Mesmo com essas situações e restrições, observa-se que há uma crescente evolução acadêmica dos surdos e que continuam cada vez mais em busca da garantia dos plenos direitos como cidadãos. Há uma crescente produção acadêmica dos próprios surdos, que já estão alcançando fazer mestrado e doutorado e se dedicando a trabalhos sobre as temáticas surdas.

2.3 LIBRAS

Atualmente já existe no Brasil a lei de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, nº 10.436 de 24 de abril de 2002, que a reconhece como instrumento legal de comunicação e expressão de surdos brasileiros. Conforme Quadros (2003, p.92)

As línguas de sinais, dentre elas, a língua de sinais brasileira, são línguas de fato e representam uma forma completa de comunicação das histórias surdas. (...) A língua de sinais brasileira apresenta uma estrutura gramatical rica, e é usada pelos surdos brasileiros para expressar idéias, pensamentos, sonhos, arte, estórias e reproduzem discursos, assim como qualquer outra língua.

A LIBRAS é a língua própria dos surdos que vivem no Brasil, sendo assim, sua língua materna. Os surdos adquirem a Língua de Sinais de forma natural, esta deve ser sua primeira língua. A Língua de Sinais é uma língua de modalidade gestual-visual, tendo sua estrutura diferenciada da estrutura do português, que tem por base o campo oral-auditivo. Assim como as línguas orais, a LIBRAS possui sua estrutura gramatical própria, contemplando todos os requisitos para a sua oficialização como língua.

Através da LIBRAS, os surdos brasileiros irão adquirir sua linguagem, assim como os ouvintes que vivem no Brasil construirão sua linguagem através da Língua Portuguesa.Também após a aquisição de linguagem, a língua de sinais ajuda os surdos desenvolverem a escrita de português e leitura. Existem filhos surdos de pais surdos que escrevem melhor do que filhos surdos dos pais ouvintes. Conforme Quadros (1997, p. 26),

Alguns surdos que tiveram oportunidade de desenvolver a língua de sinais desde a mais tenra idade (por serem filhos de pais surdos), percebeu-se a qualidade das produções escritas e de suas leituras é superior à produção e compreensão de muitos alunos surdos que não têm acesso à língua de sinais precocemente.

Agora existem decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 que regulamenta o ensino de LIBRAS, devendo estar inserida como disciplina curricular obrigatória em todas as licenciaturas de Instituições de Ensino Superior, justamente para facilitar a comunicação entre os professores ouvintes e seus alunos surdos..

2.4 Educação Física para Surdos

Antigamente o trabalho de profissional de Educação Física com surdos era dificultado pela falta de comunicação e os alunos surdos se limitavam a copiar o professor sem entender por que e para que estavam fazendo aquele exercício físico. Dominando uma Língua de Sinais específica para a Educação Física, o profissional vai facilitar a interação surdo-ouvinte através da Língua de Sinais e, assim, obter a verdadeira interação ensino-aprendizagem com seus alunos surdos.

Entretanto, os alunos ouvintes, na formação universitária, aprendem a educação de surdos apenas do ponto de vista da educação clínica. Se forem trabalhar na escola de surdos, esses alunos estariam preparados para dar aula? Ou, na “inclusão”, se tem um aluno surdo, os professores já sabem como fazer? Penso que faltar atualizar o currículo de acordo com as novas pesquisas de Estudos Surdos.

É comum que os professores quando trabalham com surdos, descubram que é diferente do que aprenderam nas universidades. Como aconteceu quando eu trabalhava em um Programa de Portadores Deficientes (PPD) na Prefeitura do Rio de Janeiro, onde eu fui estagiário como professor de dança de salão, Recreativa e Instrutor de Língua de Sinais para os professores de Educação Física durante 3 anos.

Quadros (2003, p. 84) explica como os surdos sentem-se quando se juntam a outras pessoas com distintas diferenças na mesma aula ou mesmo trabalho.

No começo foi muito difícil, não conhecia nada sobre “necessidades especiais” que alguns alunos possuem, não sabia o que era Língua de Sinais Brasileira, Braille... Com a primeira turma foi uma “jogação” em vez de “inclusão” (...). Comecei a “correr” atrás embasamento teórico, comecei a buscar especialização na área da surdez. Nessa procura em fazer o melhor por meu aluno, comecei a concluir (com muita tristeza) que estava fazendo o pior. Hoje, trabalhando 10 anos com alunos surdos, posso afirmar que a inclusão leva os surdos à evasão escolar ou reprovação constante. Faz com que o surdo se sinta “menor” diante dos outros. (...) (DEPOIMENTO ORAL PROFº MARI LUCI MANTELLI).

3. Realização da pesquisa e resultados

A partir dos conceitos apresentados anteriormente, foi realizada a pesquisa, que é qualitativa que, de acordo com Gil (1996), é apropriada para medir tanto opiniões, atitudes e preferências como comportamentos. Esta técnica de pesquisa também deve ser usada quando se quer determinar a comunicação de LIBRAS, baseando-se em características que os professores e alunos apresentam em comum. A pesquisa se desenvolveu através de entrevistas com dois professores de Educação Física – um surdo e outro ouvinte, trabalhando em escolas de surdos diferentes de Porto Alegre - e com quatro alunos surdos do Ensino Médio, dois rapazes e duas moças, na região da grande Porto Alegre.. Somente dois alunos estudaram do jardim até ensino médio atual na mesma escola.

As entrevistas foram filmadas e transcritas.

Para manter e preservar o anonimato, indica-se aluno A, aluno B, aluno C e aluno D, como também professor A e professor B.

Com relação as entrevistas com alunos surdos e professores de Educação Física obtivemos os seguintes dados que vão ser abaixo resumidos.

O aluno A afirma que participa vários locais com esportes fora da escola. O professor é ouvinte, está aprendendo LIBRAS através de alunos surdos que ensinam durante esportes. Para a pergunta É suficiente o tempo de aprendizado de esportes para alunos e ensino de LIBRAS para professor? responde que alunos têm que ensinar LIBRAS para melhorar a comunicação do professor para poder aprender melhor esportes, o tempo pode ser aumentado mais por comunicação. Na escola, aluno pensava que o professor sabia LIBRAS, mas descobriu que sabia pouco e pede para o professor usar mais LIBRAS.

O aluno B relata uma troca de professor: anteriormente era um professor com experiência com surdos, enquanto o atual sabe pouco LIBRAS, não tem conhecimento da cultura surda ou Educação de Surdos.

O aluno C não pratica esportes fora da escola, mas mostrou que o professor fora da escola não sabe LIBRAS. Informou que o professor na escola precisa melhorar LIBRAS. Aluno não demonstrou grande preocupação sobre a comunicação do professor, porque não gosta muito de Educação Física, mas, mesmo assim, acha que o professor precisa melhorar LIBRAS.

Lembro que, realmente, é difícil encontrar nos locais fora da escola professores que saibam LIBRAS. Atualmente estão crescendo alunos surdos universitários de Educação Física, é possível melhorar no futuro no emprego para trabalhar alunos surdos, pois tem mesma comunicação.

Quanto ao aluno D, o caso dele foi diferente dos outros alunos entrevistados, pois tem boa oralização. Informa que o professor sabe LIBRAS e que eles têm boa comunicação, mas no final, acha professor precisa melhorar LIBRAS para comunicação dos colegas surdos. Com relação aos dados obtidos nas entrevistas com os professores, os apresentamos abaixo.

O Professor A, ouvinte, se formou e não foi preparado para dar aula na Educação de Surdos, foi voluntário para aprender LIBRAS e observando alunos surdos. Apenas adaptou suas estratégias, através de LIBRAS e cultura surda; o ensino é o mesmo.

É um exemplo dele, mas como seria em outra escola de surdos? Será que o professor foi voluntário antes de iniciar trabalho? É comum o professor ficar pedindo que alunos ensinam LIBRAS, mas isso significa tempo perdido entre professor e alunos durante aula de Educação Física por comunicação.

O professor B se formou e também não foi preparado para dar aula na Educação de Surdos. O professor é surdo e já tem experiência, por si próprio, de comunicação e conhecimento sobre surdos. Aprendeu como é ensinar atividades de Educação Física, usou estratégia como explicar, para aprendizagem de alunos surdos. Ele teve aula de Educação Física na Escola de Surdos, com professor de Educação Física que era ouvinte, e esta experiência que aprendeu busca evitar no ensino atual para alunos surdos, pois considera como má comunicação. Demonstra nenhuma dificuldade de comunicação, porque é surdo, tem mesma língua.

4. Discussão de dados

Neste momento, identifica-se claramente o problema que existe na Educação de Surdos, sobre comunicação dos professores e alunos surdos. Todos os alunos entrevistados responderam que o professor precisa melhorar LIBRAS, e essa resposta coincide com resposta do professor A, que, quando entrevistado, afirmou que, se aluno sinaliza rápido, ele não consegue captar LIBRAS.

A diferença entre os dois professores está em que o professor B é surdo, o que resulta que não tem problema de comunicação de alunos surdos.

Para reforçar essa situação, presenciou-se que em algumas escolas os professores ouvintes retiram os conteúdos complexos, simplificando os conteúdos para trabalhar com os alunos surdos, por terem pouco conhecimento de LIBRAS ou achar ser difícil explicar conteúdo por causa da língua.

Sá (2006, p. 292), em sua pesquisa, na qual analisou os professores que trabalham na Educação de Surdos, faz um questionamento: “Mesmo que um professor não saiba a língua de sinais, com amor e dedicação ele pode desenvolver um bom trabalho na educação dos surdos?”

As respostas dadas (transcritas na íntegra), por dez pessoas foram de que:

  • Concordo. Todo trabalho feito com amor e dedicação é bem feito...
  • Com toda certeza!...
  • Concordo. Tudo vai da dedicação, do interesse e da boa vontade.
  • Concordo, a mímica e a encenação ajudam muito o professor.
  • Poucos professores dominam a língua de sinais, mas muitos são os que trabalham por amor, com dedicação e interesse em ajudá-los.
  • Concordo. Não conheço tudo sobre a linguagem dos sinais, mas eu conheço alguns sinais importantes...

E apenas uma resposta discorda:

  • Discordo totalmente. Amor e dedicação ajudam, mas o professor precisa ter conhecimentos técnicos e estar em busca de aprender mais. Na prática, o aluno acaba sendo prejudicado.

A pesquisadora mostrou que os professores acham que mais importante é amor e dedicação do que comunicação. Assim como os alunos surdos podem desenvolver o aprendizado? Só amor e dedicação resolvem? Entendo que os professores precisam buscar mais conhecimento de LIBRAS, ter contato com os surdos, participar de eventos de surdos, etc.

Enfatizo também uma resposta do aluno B, que mostrou que queria aprender as palavras dos esportes, por exemplo: futebol tem regras em que há palavras como impedimento, pênalti, escanteio, etc., será que alguns surdos sabem nome destas regras? Não há só prática, também deve-se ensinar as palavras, correspondentes surdo for praticar esportes fora da escola e ouvinte quiser aprender o sinal e pergunta qual é o sinal “impedimento”, é possível que surdo não entenda ou desconheça a palavra e vai responder assim: “não tem sinal”. Mas existe o sinal “impedimento”. Então, amor e dedicação ajudaram a ensinar a palavra “impedimento”?

Dois professores A e B mostraram semelhança entre o que aprenderam na faculdade sobre Educação Física; mostraram que a faculdade não ensinou como trabalhar com alunos surdos. Eles simplesmente adaptaram, técnicas. Por exemplo, se precisa apitar no futebol, como acontece quando há surdos? Existe outro jeito de apitar.

Mostra-se um exemplo. Há um nadador surdo africano, Terence Parkin, que participou na Olimpíada de Sidney 2000, ganhou a medalha prata, 200 metros de natação. A Olimpíada se organizou colocando a luz que pisca para ele saber quando partir. Está escrito em inglês no site: In the "hearing" Olympics he used strobe light signals to know when to start swimming. Os surdos não podem ser excluídos por falta de audição, eles têm outra experiência que é a visual. Então, os ouvintes, como professores, conhecem como são surdos nos esportes? Será que eles mostram cultura dos surdos nos esportes e conhecem, por exemplo, a história de Comité International des Sports des Sourds (CISS)?

O professor A falou sobre “o aluno misturar suas idéias”. Minha hipótese é de que aluno não mistura as idéias; estava apenas sinalizando alguma coisa do passado e atual, como acontecimento e isso, não é misturar as idéias. Se professor não conseguiu comunicar com naturalidade, como pode avaliar durante as aulas? Vilhalva (2004, p. 1) mostrou o que precisa saber como trabalhar alunos surdos:

Não é suficiente conhecer a Língua Brasileira de Sinais para poder atuar eficazmente escola com o aluno Surdo. É também necessário conhecer a Cultura Surda através da participação e vivência na comunidade Surda, aceitação da diferença e paciência para inteirar – se nela.

Às vezes, o professor foi convidado para trabalhar diretamente sem saber como são surdos, não foi um processo de aprendizagem durante a faculdade de Educação Física ou foi aprendizado em clínica de surdez, que trata o com deficiente auditivo, em que é explicado que o importante é aprender através de leitura labial, olhos nos olhos, prótese auditiva, etc.

Também foi aplicado aos alunos e professores o instrumento de “Avaliação perceptiva de fatores inerentes à prática aula de Educação Física” e os dados analisados e indicados por alunos e professores, são os seguintes. Neste instrumento, se atribuem notas de 0 a 10 a vários fatores.

Observa-se que, para os alunos A,B,C e D, o ponto mais alto foi “Relacionamento com colegas”. Isto foi reforçado por terem a mesma língua, identidade e cultura, como espaço de esportes onde tem comunicação sem barreiras.

Com relação a opinião do alunos sobre o que acham do professor e seu conhecimento sobre Surdos e comunicação de LIBRAS, houve uma grande variação pois foi pontuado de 4 até 8.

Sobre “Conteúdo da aula de fácil entendimento”, os pontos foram baixos, entre 3 até 7, refletindo o possível problema de comunicação, assim sem entendimento fácil dos conteúdos. Afirma Góes (2000, p. 41-42), explicando que algumas pessoas ouvintes que trabalham na Educação de Surdos, usam LIBRAS misturada com o português:

(...) Os interlocutores ouvintes apresentam grande heterogeneidade na capacidade de usar a língua de sinais, mas geralmente constroem, nos diálogos, formas híbridas de linguagem, compostas de elementos das duas línguas, em enunciados subordinados às regras da língua majoritária, além de se apoiarem em vários recursos gestuais. Ocorre, então, uma certa diluição dos sinais numa gestalt de realizações lingüísticas, que interfere na aquisição em processo e na compreensão de que se trata de uma língua, distinta da língua oral.

Como a autora indica, há vezes que professor explica para alunos surdos, utilizando LIBRAS misturada com o Português, por isso os alunos não entendem o conteúdo.

No “Relacionamento com Professor", dois alunos indicam baixa pontuação 2 e 3, outro aluno com ponto médio 6 e um com ponto alto em 9. Pelas observações feitas e enfatizadas nas entrevistas, talvez o problema da comunicação seja uma barreira na falta de relacionar-se com professor.

Na questão de “Motivação na aula de Educação Física”, também os pontos, dados pelos alunos, foram variáveis, um indicou 4, que foi o aluno B, o qual referiu na entrevista ter perdido o interesse nas aulas de EF e, os outros foram dos pontos 7 até 10, que são os que gostam da Educação Física, considerando a aula motivadora.

Quanto a aplicação do mesmo instrumento para os professores A e B, obteve-se seguinte.

Nota-se que os dois professores indicam o mesmo ponto 9 no “Conhecimento sobre Educação de Surdos”; um é ouvinte e outro é surdo e dizer ter mesmo conhecimento. Geralmente a pessoa ouvinte tem menos conhecimento da Educação de Surdos do que pessoa surda, pois este tem uma vivência própria do que é ser surdo. O conhecimento de Educação de Surdos não acontece somente na escola, há muitos e vários elementos para se conhecer. O professor B, que é surdo, tem conhecimento sobre Educação de Surdos, mas ainda há o que aprender e atualizar-se, por vários motivos como mudança da Educação, Tecnologia, etc. É então difícil que o professor ouvinte alcance o mesmo domínio no conhecimento da Educação de Surdos.

Em relação às questões sobre “Domínio de LIBRAS”; “Comunicação de LIBRAS” e “Uso de LIBRAS é fácil?”, o professor A indica sua pontuação em 8; a nossa surpresa é que achou LIBRAS não ser tão difícil. Para aprender LIBRAS, geralmente não é fácil, como já aponta.

Agora veremos o professor B indicou o ponto 10 para as questões de “Domínio de LIBRAS”; “Comunicação de LIBRAS” e “Uso de LIBRAS é fácil?”. A resposta é óbvia, pois é a língua dele, já tem domínio desde adolescente, quando aprendeu aos 12 anos.

Mais uma vez, os dois professores fazem a mesma pontuação em 9, na questão “Alunos compreendem sua comunicação de LIBRAS”. Essa avaliação dos professores, principalmente do professor A, não condiz com a avaliação feita pelos alunos com relação à comunicação, mostrando claramente uma divergência de professor/aluno.

Na questão “Alunos compreendem aula de Educação Física”, professor A pontuou 10, outro pontuou 9. É outra hipótese, de divergência. O aluno B respondeu na entrevista sobre professor que sabe LIBRAS: Pouco LIBRAS, a maioria só apontação, eu só copio o que ele pede, mas aprender nada. Será que alunos só copiam? Não sabemos se professor percebeu se alunos compreenderam. Vilhalva (2004, p. 2) declarou:

O professor ouvinte deverá ficar atento, pois tudo em seu comportamento há uma explicação de construção dialógica quanto a questão de língua, cultura e participação real na educação escolar conforme as exigências.

Última questão com diferenciação é “Relacionamento aluno X aluno”; o professor A deu menos ponto a esse item do que professor B. É possível que professor B avaliou assim, porque sendo surdo, tem sua própria experiência, sabe como acontece quando os surdos se encontram com outros surdos, a tendência é de sempre ser uma boa relação, pois é a mesma identidade, mesma língua, mesma cultura, etc. Coincide também com a avaliação dos alunos surdos, que declararam ponto maior sobre relacionamento dos colegas.

5. Conclusão e Sugestões

Como conclusão, a pesquisa mostrou a importância na relação do professor e alunos surdos, da comunicação através de LIBRAS, que é uma realidade de fundamental relevância.

Também no decorrer da vida acadêmica, não tive professor me explicando como é o surdo. Penso que é importante ter disciplina, em todos os cursos na Universidade, sobre Educação de Surdos para que os alunos possam conhecer a base sobre surdos, para alunos terem preparo em dar aula de Educação Física se for professor na Escola de Surdos. Que as escolas de surdos possam exigir que o professor tenha conhecimento de surdos ou com uma especialização na área. E o mesmo em concursos públicos: seja solicitado como requisito para a Educação de Surdos, que a pessoa quando aprovada comprove seus conhecimentos de LIBRAS ou Educação de Surdos. Considero esse fator de fundamental importância no processo de educação, podendo prejudicar a aprendizagem dos alunos surdos, como é exemplificado pelo aluno B, que declarou que perdeu o interesse na aula de Educação Física por causa da não comunicação com o professor.

Lunardi (1998, p.85) declarou sobre importância da presença do professor surdo na escola:

Nesse sentido, a presença do professor surdo na escola representa muito mais que modelo de linguagem e identidade: ele é um articulador do senso de cidadania que se estabelece num processo de relação social. Essa relação acontece entre professores surdos e alunos surdos, porque essa troca social de conhecimentos se reproduz através da língua de sinais.

Como sugestão, indica-se a continuidade de pesquisar mais ainda nas outras escolas de surdos para verificar como é a comunicação do professor e alunos surdos. Esta foi à primeira tentativa de traçar um perfil de professor de Educação Física na Educação de Surdos, para poder se entender o contexto as respostas das entrevistas.

A análise das entrevistas dos dois professores e quatro alunos, apesar de serem restritas, contribui para uma discussão sobre as relações entre a escola, o uso de Libras, a cultura surda, e para os prejuízos que o domínio insuficiente de uma língua pode ter para os surdos.

Também há a necessidade de analisar o curso Educação Física nas Universidades, se apresentam algum conteúdo que explica como são surdos, não só na visão clinica. Se acontecer um preparo didático pedagógico com ênfase na Educação de Surdos, possibilitando aos futuros profissionais saírem melhores preparados para atender este segmento significativo da população.

Notas

1 Bate-mãos é um termo adaptado da Língua Portuguesa: bate-papo.

Bibliografia

A EDUCAÇÂO QUE NÓS SURDOS QUEREMOS. Porto Alegre, RS, 1999. Documento elaborado pela comunidade surda a partir do pré-congresso ao V Congresso Latino Americano de Educação Bilíngüe para surdos; realizado em Porto Alegre, no Salão de Atos da Reitoria da UFRGS dos dias 20 a 24 de Abril de 1999.

GOÉS, Maria Cecília R. de. Com quem as crianças surdas dialogam em sinais? In: LACERDA, Cristina B.F. de; GÓES, Maria Cecília R. de (orgs.) Surdez – processos educativos e subjetividade. São Paulo: Editora Lovise, 2000.

GIL, Antônio C. Como elaborar projetos de Pesquisa. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1996.

LUNARDI, Márcia. Educação de surdos e currículo: um campo de lutas e conflitos. (Dissertação de mestrado). Porto Alegre: UFRGS/FACED/PPGEDU, 1998.

PERLIN, Gládis; MIRANDA, Wilson. Surdos: O narrar e a Política. Ponto de Vista: Revista de Educação e Processos Inclusivos. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, n.05, p. 217 – 226, 2003.

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