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Passos e descompassos na educação inclusiva: Um olhar para o ensino da língua inglesa
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Publicado em 2008
Revista Icone letras, v. 3, p.53-64
Carlete Fátima da Silva Victor
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Resumo

O propósito desta pesquisa é revisar alguns estudos sobre o ensino de língua inglesa como língua estrangeira para alunos surdos inseridos em uma escola inclusiva. Apresentaremos, de maneira sucinta, como estão sendo realizadas algumas pesquisas sobre o processo de inclusão social efetiva, o qual luta contra o discurso dominante de generalização disfarçada de igualdade.

01 Introdução

A educação de surdos 3 em Goiás passa por um processo de desconstrução de conceitos naturalizados socialmente, nos quais prevalecia a abordagem oralista 4. Dessa forma, as propostas pedagógicas estão sendo desconstruídas e reconstruídas. Com isso, a aprendizagem da leitura e da escrita adquire um importante valor juntamente com a aprendizagem da língua brasileira de sinais (LIBRAS).

Devido a essa mudança de paradigma do oralismo para o bilingüismo 5, as escolas precisam sofrer transformações pedagógicas e estruturais com a finalidade de atender as diversas necessidades educacionais dos alunos. Dessa maneira, os professores devem adotar práticas pedagógicas flexíveis que lhes possibilitarão construir abordagens educacionais dinâmicas e inclusivas.

Entretanto, sabemos que existem vários fatores que dificultam o sucesso na educação dos surdos. Dentre eles podemos citar a dificuldade de comunicação entre professores ouvintes e alunos surdos causada pela perseverante corrente oralista de educação. Outro fator relevante neste processo é a ausência de uma formação acadêmica e continuada dos professores que os possibilitem adquirir habilidades para trabalhar com a diversidade das necessidades educacionais dos alunos. Segundo Cavalcanti (1999), os cursos de formação de professores, em especial os de Letras, não preparam os professores para enfrentar um complexo contexto sociolingüístico, mas continuam formando profissionais para trabalharem em uma comunidade homogênea.

Neste turbulento contexto, os alunos surdos encontram-se inseridos em classes regulares sem adaptações necessárias para uma aprendizagem significativa. Assim, notamos que um grande número de surdos termina o Ensino Fundamental e o Ensino Médio sem ser capaz de ler e escrever fluentemente ou de ter domínio sobre os conteúdos pertinentes a estes níveis (SILVA, 2008).

Atualmente, essas questões têm sido levantadas por vários pesquisadores (Kelman, 2008; Pereira, 2008; Quadros, 2008; Santos, 2008; Silva, 2008) com relação ao ensino-aprendizagem de língua portuguesa (LP) no nosso país. No entanto, encontram-se limitadas no tocante ao ensino-aprendizagem de língua inglesa (LI). Somente alguns estudiosos (Oliveira, 2007; Silva, 2005) atentaram-se ao tema. Dessa forma, existem várias lacunas sobre a prática pedagógica de professores de LI que abrangem as perspectivas dos valores surdos.

Este trabalho tem como objetivo propor uma revisão dos estudos sobre o ensino de LI como língua estrangeira (LE) 6 para alunos surdos inseridos em uma sala regular. É preciso antes discutir como estão sendo realizadas pesquisas sobre o processo de inclusão social efetiva, o qual luta contra o discurso dominante de generalização disfarçada de igualdade.

Assim, as escolas abrem caminhos para uma revolução nos processos de ensino-aprendizagem, “pois o que se propõe é o rompimento das fronteiras entre as disciplinas, ou melhor, entre o saber e a realidade; a multiplicidade e integração de saberes e das redes de conhecimento que daí se formam” (MANTOAN, 2006, p.30). Dessa maneira, os professores de LI buscam nas teorias educacionais e na lingüística aplicada (LA) subsídios para a criação de novos conceitos e novas alternativas teórico-metodológicas o que implica em mudanças na vida social (BOAVENTURA SANTOS, 2001 apud MOITA LOPES, 2006).

As mudanças, porém, têm sido lentas e superficiais, já que a escola e os professores sofrem pressões do sistema educacional como um todo. O currículo escolar precisa focar as necessidades dos alunos, não alienando a realidade do surdo de sua proposta, de sorte que, a aula de LI deve proporcionar oportunidades de inserção social e laboral, uma vez que esta língua é, na atualidade, a língua internacional 7. No entanto, essas oportunidades precisam estar inseridas em uma proposta educativa que respeite a individualidade e o interesse do aluno surdo.

02 A Escola Inclusiva

Atualmente, o termo inclusão difundiu-se no cenário político, social e educacional com o intuito de propiciar condições e oportunidades a todos. A escola inclusiva caracteriza-se pela inserção de um novo projeto pedagógico que favorece a interação social e utiliza práticas heterogêneas. Dessa forma, a inclusão escolar fundamenta-se no princípio de desenvolver atividades que possibilitem aos alunos conquistar a sua autonomia educacional, o que promoverá a sua cidadania política e social.

Beyer (2006, p.75) afirma que a abordagem educacional inclusiva evita a categorização do seu alunado em “alunos com e sem deficiência, com e sem distúrbios, com e sem necessidades especiais”. Segundo o autor, a comunidade escolar é formada por aprendizes, sejam elas crianças, adolescentes ou adultos, com características específicas. Dessa maneira, observamos a existência de um grupo de alunos que necessitam de procedimentos metodológicos apropriados para o seu processo de ensino-aprendizagem. Alunos que foram excluídos do processo educacional devido às situações sociais e culturais marginalizadas e que podem levá-los ao fracasso escolar. No entanto, sabemos que esse aluno é, segundo Charlot (2000, p.33), “um sujeito confrontado com a necessidade de aprender e com a presença, em seu mundo, de conhecimentos de diversos tipos”.

Nesse sentido, os alunos surdos constroem uma comunidade cultural e lingüística. Quadros (2008, p.32) relata que “os surdos estão se afirmando como grupo social com base nas relações de diferença. Como diferentes daqueles que se consideram iguais, ou seja, os ouvintes. Os surdos buscam estratégias de resistência e de auto-afirmação”.

Assim, ao se integrarem na escola regular, os surdos necessitam compartilhar as práticas culturais do contexto ouvinte sem menosprezar a sua própria cultura. Para que isso ocorra, é importante que tanto os ouvintes quanto os surdos decodifiquem os símbolos que impregnam a cultura dos dois grupos. Dessa forma, eles conseguirão manter interações sociais e comunicativas significativas.

Outro aspecto relevante que a escola inclusiva para surdos possui é o “compromisso com a formação do cidadão participativo, responsável, crítico e criativo” (SANTOS, 2005, p.56). Nesse sentido, a aquisição da leitura e da escrita passa a ser o caminho para a participação ativa na sociedade.

03 A desconstrução e reconstrução de abordagens educacionais para surdos

Para construir as bases filosóficas do bilingüismo, é necessário tecer, de forma sucinta, um breve histórico da educação dos surdos no Brasil, o qual desconstrói o método oralista e reconstrói a identidade da língua brasileira de sinais por meio do uso da abordagem bilíngüe.

Segundo Goldfeld (2002), a educação de surdos em nosso país teve início em 1855 com a chegada do professor surdo francês Hernest Huet. No ano de 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), o qual utilizava a língua de sinais para se comunicar.

O método oral foi estabelecido pelo INES no Brasil em 1911, seguindo a tendência mundial. No entanto, a língua de sinais conseguiu se manter até o ano de 1957 quando houve a sua proibição oficial em sala de aula. De acordo com a abordagem oralista, a surdez é uma deficiência do indivíduo que deve ser minimizada pela estimulação auditiva. Dessa forma, essa abordagem almeja integrar o surdo na comunidade de ouvintes.

Devido às tensões, conflitos e opressões que se instauraram na educação de surdos com a abordagem oralista, surgiu na década de 70 uma abordagem que defendia a utilização de “qualquer recurso lingüístico, seja a língua de sinais, a linguagem oral ou códigos manuais, para facilitar a comunicação com as pessoas surdas” (GOLDFELD, 2002, p.40). Esta abordagem foi denominada de Comunicação Total. A autora acrescenta que, no Brasil, além da língua de sinais, esta abordagem utiliza códigos visuais 8 que auxiliam a comunicação do surdo com a sociedade em geral.

A autora acrescenta que o bilingüismo teve início na década de 80 por meio das pesquisas da professora lingüista Lucinda Ferreira Brito. Esta abordagem tem como “pressuposto básico que o surdo deve ser bilíngüe, ou seja, deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país” (GOLDFELD, 2002, p.42).

Goldfeld (2002, p.33) relata que “atualmente, essas três abordagens convivem no Brasil, e pode-se dizer que todas têm relevância e representatividade no trabalho com surdos”. Entretanto, sabemos que já existem estados brasileiros que empregam a abordagem bilíngüe e outros estão em um processo de implantação dessa abordagem.

Lima (2004, p.37) afirma que

A educação bilíngüe para o surdo despontou no cenário educacional como uma abordagem que visa não somente modificar a escolarização para surdos que era norteada pelo visível fracasso escolar, mas também para ir de encontro às práticas pedagógicas assumidas em abordagens educacionais anteriores que permearam (e de certa forma ainda permeiam) a educação de surdos (oralismo e comunicação total). Dito de outro modo, como uma “salvadora da pátria” que seja capaz de minorar as dificuldades escolares vivenciadas pelos alunos surdos, sobretudo, na aquisição da língua portuguesa, em sala de aula.

Dessa maneira, o bilingüismo surge como uma abordagem apropriada para a educação de surdos, visto que esta teoria prima pela aceitação da língua brasileira de sinais como a primeira língua (L1) a ser adquirida pelo surdo. Assim, o surdo adquire a LP como segunda língua (L2) 9 e a LI como LE. Para que isso ocorra, é necessário que o surdo esteja exposto o mais precocemente possível a língua de sinais. (LACERDA, 2000 apud LIMA, 2004).

Quadros (2005, p.31) reconhece a necessidade dos pais ouvintes conhecerem as particularidades da língua de suas crianças surdas a fim de que pais e crianças compartilhem um sistema bilíngüe. A autora acrescenta que, ao adquirir um sistema lingüístico, as crianças surdas terão “um desenvolvimento mais consistente do seu processo escolar.”

Dorziat (2004) discute sobre a “importância das relações humanas, dos processos de formação de identidade e do estabelecimento de conexão entre os conteúdos escolares e as formas particulares (visuais) de apreensão e de construção de conhecimento.” A autora acrescenta sobre a necessidade de inserir os surdos na sala de aula de maneira que tanto professores, intérpretes e alunos se comuniquem efetivamente. Nesse sentido, é importante que, ao ingressar na escola, o aluno surdo compartilhe de pelo menos uma língua em comum com o professor. Para que isto ocorra, é preciso que este domine a língua daquele, ou seja, a língua brasileira de sinais. No entanto, vários professores ouvintes não dominam esta língua.

Giordani (2006, p.79) caracteriza os professores-ouvintes como “estrangeiros” ao se aproximarem da língua de sinais e da cultura visual, visto que eles privilegiam a cultura oral-auditiva e utilizam a fala como instrumento de comunicação. Dessa maneira, surgem “diferenças no uso da linguagem que tendem a ser e a continuar sendo os maiores focos de preocupação”.

Ao amenizar esses focos de preocupação, estaremos oportunizando um ensino de LP de maneira significativa, o que possibilitará ao aluno uma melhor compreensão em outras disciplinas. Este processo de aquisição da LP o ajudará no aprendizado de LI como LE.

Pelo fato do professor de LI desconhecer a língua de sinais, o ensino de LI encontra-se desligado da realidade educacional dos surdos e centra-se na oralidade. Desconsidera-se o conhecimento lingüístico dos alunos, ou seja, a LIBRAS. Nesse sentido, o professor despreza o fato de a LI ser pouco conhecida por eles e valoriza um ensino baseado em vocábulos isolados e em técnicas de memorizar regras gramaticais. No entanto, sabemos que este tipo de aprendizado pouco contribui para um aprendizado significativo.

Diante desses fatos, faz-se necessário que o professor de LI estabeleça um intercâmbio lingüístico com o surdo, a fim de que haja uma relação entre a construção de aprendizagem de LI e a língua de sinais. Dessa maneira, o ensino de leitura e escrita de LI caracterizar-se-á como uma “prática cotidiana de estabelecer pontes entre o texto escrito e a língua de sinais, mediante a tradução” (BOTELHO, 2002 apud SILVA, 2005, p.64) de diversos textos que possibilitarão aos alunos uma reflexão sobre o seu uso social e pessoal. Assim, a LI deixará de ser LE para ser L2.

No entanto, sabemos que todo o processo de

reconstrução de conhecimentos consagrados implica persistências e descontinuidades, pois, ao longo da nossa história, quebra de moldes e derretimento de grilhões tendem a coexistir com cânones, às vezes revestidos de outras roupagens, configurando um território multifacetado no qual convivem múltiplas vozes (FABRÍCIO, 2006, p.49).

Dessa forma, verificamos que, mesmo conhecendo os princípios da abordagem bilíngüe, existem, ainda, professores que mesclam os fundamentos desta abordagem com os de outras abordagens, como o Oralismo e a Comunicação Total.

04 Os caminhos pedagógicos dos professores-ouvintes com alunos surdos

As discussões sobre os caminhos pedagógicos dos professores-ouvintes com os alunos-surdos encontram-se espalhadas por todo o território brasileiro e mundial. Autores como Freitas e Castro (2004), Quadros (2006, 2008), Santos (2008), Pereira (2008) e outros questionam sobre a prática do professor-ouvinte, dado que esta prática precisa ser ressignificada de acordo com as necessidades educacionais do alunado.

Santos (2008) aponta a importância dos profissionais que compõem o grupo escolar em avaliar o projeto político-pedagógico coletivamente. Dessa forma, eles estarão promovendo momentos de reflexão e de discussões sobre o processo de aprendizagem dos alunos-surdos, o que viabiliza a “formação sociocultural do cidadão surdo” (p.60).

Freitas e Castro (2004) afirmam que os educadores inclusivos devem se capacitar efetivamente por meio de uma prática pedagógica composta de todos os profissionais da educação a fim de que haja o desenvolvimento do sujeito/aluno autônomo. Este processo de capacitação tem como objetivo a reflexão constante da prática pedagógica dos professores. Dessa maneira, estes profissionais levantam questionamentos com os colegas e compartilham experiências para amenizar os possíveis problemas.

Sabe-se que diferentes áreas educacionais interagem entre si e promovem um aprendizado interdisciplinar. Moita Lopes (2006) afirma que, apesar da interdisciplinaridade ser um modo de produção de conhecimento cada vez mais presente nas ciências sociais e humanas, esse processo caminha timidamente na LA. Ele caracteriza a teoria interdisciplinar como a capacidade de uma teoria permear outra teoria sem que uma interfira no conhecimento da outra. Assim, a equipe docente e gestora das escolas inclusivas buscam em outras disciplinas (fonoaudiologia, psicologia, intérpretes de LIBRAS e outras) subsídios que as auxiliem.

Ao analisar o termo interdisciplinaridade, Pennycook (2006, p.72) indaga as suas limitações já que as disciplinas mantêm-se como instituições estáticas, contrapondo-se às teorias da LA, que constituem “espaços abertos e dinâmicos de investigação intelectual, especialmente no espaço aberto pela virada lingüística e cultural das ciências sociais”.

A adoção de uma prática pedagógica interdisciplinar é somente uma das atitudes apontadas por Sassaki (1998, p.4) pertencentes ao professor comprometido com a educação inclusiva. Segundo o autor, esse profissional da educação,

  • Respeita o potencial de cada aluno e aceita todos os estudantes igualmente;
  • adota uma abordagem que propicie ajuda na solução de problemas e dificuldades;
  • acredita que todos os educandos conseguem desenvolver habilidades básicas;
  • estimula os educandos a direcionarem seu aprendizado de modo a aumentar sua autoconfiança, a participar mais plenamente na sociedade, a usar mais o seu poder pessoal e a desafiar a sociedade para a mudança;
  • é flexível nos métodos de avaliação pois sabe-se que os testes, provas e exames provocam medo e ansiedade nos alunos;
  • é um bom ouvinte para que os alunos possam falar sobre a realidade da vida que levam;
  • adota a abordagem centrada-no-aluno e ajuda os estudantes a desenvolverem habilidades para o uso do poder pessoal no processo de mudança da sociedade.

Por este viés, o professor assume um papel essencial na construção de escolas
inclusivas visto que ele pode ou não adotar posturas que favoreçam ou não a prática pedagógica inclusiva. Segundo Mantoan (2006), um obstáculo que merece uma análise minuciosa consiste no uso inadequado de métodos e técnicas do ensino tradicional. A autora acrescenta que muitos profissionais da educação refutam a idéia dos paradigmas inclusivos devido ao modelo pedagógico-organizacional conservador que ainda permanece presente em nossas escolas.

Boaventura Santos (2001 apud Moita Lopes, 2006, p.91) relata que

O conhecimento tem de ser novo não simplesmente porque o mundo está diferente, mas porque tais mudanças requerem processos de construção de conhecimento que devem, necessariamente, envolver implicações de mudança na vida social.

Mudanças essas que transformam os papéis tradicionais da equipe gestora e docente. Para que isto ocorra, é necessário criar e colocar em prática no ambiente escolar uma pedagogia que respeite as necessidades educacionais de cada aluno.

Diante das transformações que acontecem diariamente nas escolas, surgem questionamentos sobre a prática pedagógica do professor de LI, visto que ao adquirir uma língua, o aprendiz não deve se ater somente à aquisição de habilidades lingüísticas, mas, também ao seu uso. Dessa forma, Pennycook (2006), Kleiman (2006), Moita Lopes (1998, 2006) e outros, sugerem que o estudo de línguas encontra-se interligado com os problemas sociais e políticos em que a língua está inserida.

Conforme os estudos feitos por Karnopp e Pereira (2006), essa não é a prática pedagógica exercida por professores que trabalham com alunos-surdos, visto que estes dependem integralmente daqueles no processo de aquisição de uma segunda língua. As autoras acrescentam que “a aprendizagem da leitura e escrita é vista não como um processo ativo, mas meramente receptivo, de dependência do outro” (p.37). Dessa forma, os professores não estimulam os alunos a conquistarem a sua autonomia.

05 Considerações finais

Um caminho foi percorrido até aqui por professores-ouvintes diante da inserção dos alunos-surdos na escola regular. Em um primeiro momento, os professores-ouvintes desconstroem conceitos internalizados no seu cotidiano. Conceitos estes baseados na abordagem oralista que prima pelo uso de estímulos auditivos nos alunos-surdos e que os considera como sujeitos deficientes.

Em seguida, os professores-ouvintes buscam em qualquer recurso lingüístico formas para se comunicarem com os alunos-surdos. Entretanto, o problema de comunicação entre professor e aluno perdura nesta abordagem e gera problemas no processo escolar dos surdos. Observa-se, nesta abordagem, que o discurso da cultura ouvinte continua predominante nas salas de aula e discrimina a identidade dos surdos.

Eis que surge de maneira cautelosa uma nova abordagem que propõe o uso da língua de sinais como primeira língua e que se diz como “salvadora da pátria” do fracasso escolar dos surdos (LIMA, 2004). Esta abordagem bilíngüe propõe a valorização da cultura surda e a adoção de atitudes de professores que primam pela diversidade e especificidade do alunado.

No entanto, sabemos que muitos profissionais da educação sentem-se inseguros diante dessa abordagem e preferem utilizar métodos e técnicas baseadas no ensino tradicional.

Assim, o ensino de língua inglesa encontra-se desvinculado do conhecimento de mundo e do conhecimento lingüístico dos alunos-surdos.

Nesse sentido, entendemos que a prática pedagógica do professor de língua inglesa com alunos-surdos necessita abrir novos caminhos para facilitar a comunicação entre professor e aluno e buscar nos cursos de formação inicial e continuada princípios que valorizem a heterogeneidade escolar.

Notas

3 O termo surdo será utilizado neste trabalho para se referir às pessoas que apresentam deficiência auditiva que interfere na comunicação via oral-auditiva. Em oposição a este termo usaremos o termo ouvinte.
4 A abordagem oralista fundamenta-se no pressuposto que os surdos tinham que se submeter a um “processo de reabilitação que inicia com a estimulação auditiva precoce, ou seja, que consiste em aproveitar os resíduos auditivos que quase a totalidade dos surdos possuem” (GOLDFELD, 2002, p.35). Dessa maneira, os surdos poderão compreender a fala, fato que, possivelmente, os levariam à oralização.
5 De acordo com a filosofia bilíngüe, os surdos adquirem a língua de sinais como língua materna e língua oficial de seu país como segunda língua. Dessa forma, os surdos formam uma comunidade com cultura e língua próprias.
6 Segundo Richards e Schmidt (2002, p.206), a língua estrangeira é tipicamente ensinada nas escolas como uma matéria escolar com o objetivo de levar o aluno a se comunicar com estrangeiros ou de ler textos nesta língua. (Tradução minha).
7 Richards e Schmidt (2002, p.269) afirmam que a língua internacional é aquela usada para a comunicação internacional, podendo ser uma língua estrangeira ou segunda língua para uma determinada nação. (Tradução minha).
8 Segundo Goldfeld (2002, p.102), “esses códigos podem ser uma língua artificial, o português sinalizado, os sinais que representam fonemas (Cued-speech), letras (alfabeto manual) ou ainda gestos espontâneos que não caracterizam uma língua.”
9 De acordo com Richards e Schmidt (2002, p.472), caracteriza a segunda língua como qualquer língua adquirida após o aprendizado da língua nativa. Os autores acrescentam que, quando contrastada com a língua estrangeira, a segunda língua refere-se a uma língua usada por uma grande parte da população de um país, porém não é a primeira língua. (Tradução minha).

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