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Dicas visuais na aprendizagem motora para aprendizes surdos
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Publicado em 2004
Lecturas: Educación física y deportes, ISSN 1514-3465, Nº. 79, Buenos Aires
Silmara Cristina Pasetto Corrêa
Resumo

Partindo do pressuposto de que o surdo utiliza-se principalmente da visão em sua interação com o meio como forma de comunicação e aprendizagem, nosso objetivo é de discutir a possibilidade de utilização de dicas visuais no processo ensino-aprendizagem de habilidades motoras para os aprendizes surdos: Por quê? Como? Quanto? Quando? e Quais? dicas devem ser utilizadas, enfatizando dois tipos de dicas visuais: através de modelo e através de figura.

Introdução

Durante a intervenção do profissional de Educação Física, existem muitos fatores que interferem no processo de instrução durante as aulas práticas, como o excesso de informações, as quais muitas vezes não são suficientes para dirigir atenção do aprendiz para a informação relevante a tarefas.

A eficiência na realização de uma atividade/tarefa ou na aprendizagem de qualquer habilidade motora está relacionada à capacidade de seleção de informações relevantes ao mesmo tempo em que se negligencia as informações irrelevantes (LADEWIG, 2000; SCHMIDT & WRISBERG, 2001).

A separação das informações relevantes das informações irrelevantes do meio ambiente e a capacidade de dirigir o foco de atenção a esta informação é chamada de processo de atenção seletiva, tendo como estratégia a utilização de dicas (LADEWIG, GALLAGHER & CAMPOS, 1995; CIDADE, 1998; LADEWIG, 2000). Tal dica se caracteriza como sendo frases concisas, muitas vezes uma ou duas palavras, que ou direcionam a atenção do aprendiz a um aspecto relevante da tarefa, ou ressalta elementos chaves do padrão de movimento. São utilizadas como um método alternativo para dar informações sobre a tarefa (MASSER, 1993; LANDIN, 1994; LADEWIG, CAMPOS & GALLAGHER, 1996; CIDADE, 1998, MAGILL, 2000; FRONSKE, 2001). Estas dicas podem ser verbal, cinestésica e/ou visual.

A utilização de dicas no processo ensino-aprendizagem facilitam a aprendizagem de habilidades motoras, por auxiliam os aprendizes a lidarem com as distrações do meio ambiente, focalizando sua atenção nos aspectos relevantes da tarefa, demonstrando efeitos positivos em diversas situações de aprendizagem. É reconhecido também que ambientes auxiliados visualmente podem ser especialmente benéfico para o aprendiz nos primeiros estágios de aprendizagem, além de manter por mais tempo sua atenção (SINGER, 1980).

O indivíduo surdo possui algumas características diferenciadas que podem afetar ou dificultar a aprendizagem, caso a comunicação não seja efetiva, pois na falta da audição, o tato e a visão acabam suprindo e organizando as informações recebidas do meio. Uma das grandes "perdas" para o surdo envolve o processo auditivo de receber e transmitir informações ao meio ambiente, devido ao déficit relacionado a (RUSSO & SANTOS, 1989; GOMES, 1995):

  1. Atenção auditiva (capacidade de apresentar uma resposta voluntária a um estímulo sonoro);
  2. Discriminação auditiva (processo de detectar diferenças e semelhanças nos sons percebidos);
  3. Memória auditiva (envolve habilidade de armazenar e evocar o material auditivo);
  4. Figura-fundo auditivo (capacidade de selecionar um estímulo sonoro significativo dentro de uma gama de sons apresentados simultaneamente);
  5. Análise auditiva (operação que decompõe as informações sonoras recebidas);
  6. Sequênciação auditiva (função que depende da memória, uma vez que é a capacidade de lembrar a ordem dos itens em uma seqüência).

Estando este processo auditivo dificultado ou inexistente, o processo de atenção pode ser afetado, acarretando defasagem na aprendizagem. A vigilância unicamente visual trás distrações, devido à fonte principal de alerta ser a audição. O surdo não fica alerta a sons que ele não percebe, não dispõe dessa função de alerta acústico, substituindo pela visão que é menos universal. Então com a visão o indivíduo explora seu ambiente ficando a espera de modificações que possam acontecer, estando obrigado a forçar sua vigilância na falta de um estado de alerta permanente (a audição). Por este fato, freqüentemente o surdo se distrai, tendo dificuldades em fixar sua atenção de forma mais contínua, sendo necessário em situações de aprendizagem, um ambiente seguro, estável, sem surpresas e de alguém que seja para ele a garantia de alerta para manter sua atenção (LAFON,1989; STRNADOVÁ, 2000).

Desta forma acredita-se na eficiência da utilização de dicas como facilitadora do processo da aprendizagem de habilidades motoras específicas, bem como auxiliadora em atividades recreativas e esportivas, devido a minimização das dificuldades sobre a instrução.

A eficiência na utilização de dicas, já foi comprovada em alguns estudos de aprendizagem motora como o de WINTHER & THOMAS (1980), MASSER (1993), LADEWIG & GALLAGHER (1994) e LADEWIG, et. al. (1994), CIDADE, et. al. (1998), CIDADE (1998). Não só com crianças de diferentes idades como também com adultos as dicas foram eficazes. Porém poucos foram os estudos realizados em ambientes fora de situações de laboratório, bem como indivíduos portadores de alguma deficiência. Sendo assim esse trabalho pode vir a contribuir, na medida em que auxilie o profissional de Educação Física a dar informações/instruções relevantes durante processo de aprendizagem, seja ela de uma determinada habilidade motora, de um esporte ou atividade/tarefa, minimizando de certa forma a distância entre alunos surdos e professores ouvintes.

Por quê? Como? Quanto? Quando e quais dicas utilizar

Por quê, a dica é considerada importante na aprendizagem de habilidades motoras, por (FRONSKE, 2001):

  1. Aumentar a memorização;
  2. Condensar a informação/instrução através da redução do vocábulo;
  3. Promover a focalização em um componente específico da habilidade;
  4. Auxiliar o professor e estudantes a analisar e avaliar a performance;
  5. Reforçar a performance correta;
  6. Auxiliar o professor a dar feedback positivo;
  7. Motivar os aprendizes na aprendizagem e refinamento da habilidade motora.

Na prática, quando se pensa em como, quando, quanto e quais dicas utilizar, deve-se ter em mente primeiramente, quem é a população a ser trabalhada, qual a habilidade a ser ensinada (aberta ou fechada), qual o estágio de aprendizagem que este aprendiz se encontra. Feito isso se sugere ao professor organizar um guia de dicas, o qual dependerá da experiência do professor em selecionar as dicas corretas daquelas disponíveis no ambiente e de sua capacidade de criação. Para tais dicas deverá ser dada uma ordem de prioridade, sendo que para cada componente da habilidade enfoca-se uma dica, três dicas são consideradas suficientes. Entretanto, não mais que uma ou duas dicas por vez devem ser apresentadas aos aprendizes.

Uma lista de dicas alternativas é recomendada caso os aprendizes tenham dificuldades em ligar a primeira dica com a performance. A dica alternativa sugere então, uma conexão mais familiar com o padrão motor. Um exemplo do basquetebol é a frase: "Ponha a sua mão na cesta", cuja intenção é transmitir à arremessadora uma imagem da posição da sua mão depois que ela arremessa a bola.

Como dar as dicas dependerá, por exemplo, se a habilidade ensinada é aberta ou fechada. Se for uma tarefa fechada, orienta-se fazer uso de dicas proprioceptivas (tato) ou exteroceptivas (visão, audição) que direcionam a atenção para o ponto crítico da performance; se for uma tarefa aberta, orienta-se fazer uso de dicas perceptivas que facilitem a leitura do ambiente, proporcionando a antecipação da resposta, direcionando a atenção para o próximo estímulo relevante.

As dicas poderão ser dadas sobre o padrão geral de movimento (dicas do movimento como um todo, como exemplo "desenhar um coração" caracterizando a braçada do nado peito na natação); dicas sobre componentes específicos do padrão de movimento (dica sobre as técnicas propriamente dita); e dicas sobre parâmetros que podem ser dadas pelo professor/instrutor ou pelo ambiente (conhecimento de resultado).

Quanto de dicas deve ser dada, está relacionado ao estágio de aprendizagem (cognitivo, associativo ou autônomo) em que o aprendiz se encontra. Desta forma quanto mais adiantado o aprendiz se encontrar dentro dos estágios de aprendizagem, mais as dicas podem se tornar mais específicas e complexas, podendo ou não diminuir o número de dicas atribuídas, pois no estágio cognitivo o aprendiz pode vir a necessitar de maior número de dicas para melhorar seu padrão de que em estágios mais avançados.

Quando, está relacionado ao momento de usá-las: durante a instrução; durante a ação (dependerá da natureza da habilidade) ou como feedback, e/ou nos três momentos. Quem decidirá quando usar as dicas, será o professor/instrutor durante sua prática.

Quais podem ser estas dicas, dependerá do tipo de população a ser trabalhada (idosos, atletas, deficientes, etc). As dicas podem ser auditivas (verbais, sonoras, com tons de voz, etc...), podem ser visuais (cor, forma, figura, modelo, etc...), podem ser cinestésicas (toque, linguagem corporal, manipuplação, etc...) ou podem ser auto-dicas (própria orientação).

Para o aprendiz surdo o processo é o mesmo o que muda é a ênfase dada às dicas visuais, aqui destacadas apenas as dicas visuais através de modelos e figuras.

Sabe-se que a dica desenvolvida ao redor de uma rica imagem visual permanece mais tempo na cognição, do que um extenso discurso sobre pontos técnicos e ela pode ser utilizada como uma estratégia inicial, para ser retirado depois, ou como um contínuo auxílio à performance. De forma geral as dicas visuais precisas e específicas mantêm por mais tempo a atenção do aprendiz quando comparadas com dicas mais gerais e vagas, melhorando conseqüentemente o aprendizado (SINGER, 1980).

As dicas através de imagens (ilustradas ou reais), tem sido efetivas em experimentos com aprendizagem de tarefas práticas (danças, modos de locomoção, habilidades esportivas, etc...). Em estudos recentes de PASETTO & ARAÚJO (2004) a utilização de figuras associadas ao modelo mostraram-se mais efetivas para o ensino de uma habilidade do nadar (nado crawl) quando comparadas ao uso exclusivamente de modelo.

A imagem, de acordo com REILY (2003) tem uma função de instrumento mediador de aprendizagem para os alunos surdos. A imagem visual, tanto a representação abstrata quanto a figurativa ou pictográfica, tem o potencial de ser aproveitada como recurso na transmissão de conhecimento e no desenvolvimento do raciocínio.

Porém a aplicação de modelo também é aconselhada quando a tarefa motora é difícil de ser verbalizada, podendo ajudar a ensinar aprendizes a coordenação básica do padrão da habilidade motora. As informações através de modelo podem fornecer: a informação sobre como o movimento a ser aprendido poderia ser executado (o que o aprendiz deveria fazer); informações de como o aprendiz executa o movimento (informação do desejado sobre o que foi realizado, sobre o erro); e informação sobre o que o aprendiz deve fazer ou observar para reduzir a discrepância do correto (o que fazer). O modelo é caracterizado assim, como um processo de informação visual tipicamente utilizado na aprendizagem motora (BLISCHKE, et al. 1999).

Quando se utiliza somente figura, deve-se ter cuidado com o excesso de informações. As figuras possuem três graus de abstração visual, que vão de baixo-grau, em caso de fotografias; medio-grau, em casos de contornos; e alto grau de abstração, em casos de traços. O mais indicado é o médio-grau, que tem mostrado bons resultados na aprendizagem de acordo com pesquisas. E apesar desta concepção, as figuras são bastante concretas, comparando-as com palavras, que são bastante abstratas, característica muito importante quando se tratando das dificuldades de abstração do surdo. As figuras num relance podem permitir visualizar aspectos espaciais, assim como, uma larga quantidade de detalhes do movimento, os quais somente com muita dificuldade seriam expressados por poucas palavras (BLISCHKE, et al. 1999).

A utilização de dicas na figura e no modelo quando associados, mostrou-se de muita utilidade como estratégia de aprendizagem motora para alunos surdos como mostrado no estudo de PASETTO & ARAÚJO (2004). De acordo com REILY (2003) o caminho da aprendizagem para o alunos surdo, necessariamente será visual, sendo assim se torna de grande importância para os educadores a compreensão do poder constitutivo da imagem.

Dessa forma evidenciar a utilização de recursos visuais, assim como a utilização de dicas visuais como estratégia, torna-se de fundamental importância para que o surdo tenha maiores possibilidades de compreensão e apreensão sobre o que está sendo ensinado, facilitando assim todo o processo ensino- aprendizagem motora, integrando conteúdo-professor e aluno.

Bibliografia

BLISCHKE, K.; MARSCHALL, F.; MULLER, H. & DAUGS, R. Augmented information in motor skill acquisition. In: AUWEELE, Y.V., BAKKER, F. BIDDLE, S., DURAND, M. & SEILER, R. (eds) Pychology for physical educators. Champaign: Human Kinetics, 1999, p. 257 - 287.

CIDADE, R.E.A. O uso de dicas específicas como estratégia de atenção seletiva em portadores de síndrome de down. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas. São Paulo, 1998.

CIDADE, R.E.A., TAVARES, M.C.G.C.F.; LADEWIG, I. & LEITÃO, T. O uso de dicas no tênis de campo com uma criança portadora de Síndrome de Down. Um estudo de caso. In: Revista da Sociedade Brasileira de Atividade Motora Adaptada - SOBAMA, v.3, n.3, 1998, p. 21 - 24.

FRONSKE, H.A. Teaching cues for sport skills. 2ª ed. Utah State University, 2001.

LADEWIG, I., GALLAGHER, J.D., CAMPOS, W. A utilização de dicas específicas como facilitador do aprendizado em crianças. In: Synopsis-Revista do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, v.6, ano VI, 1995, p. 50 - 53.

LADEWIG, I., CAMPOS, W., GALLAGHER, I.D. Das teorias de atenção às estratégias de atenção seletiva: Uma revisão bibliográfica. In: Synopsis-Revista do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, v.7, ano VII, 1996, p. 81 - 94.

LADEWIG, I., CIDADE, R.E., LADEWIG, M.J. Dicas de aprendizagem visando aprimorar a atenção seletiva em crianças. In: TEIXEIRA, L.A. (ed.). Avanços em comportamento motor. São Paulo: Movimento, 2001, p. 166 - 197.

LAFON, J.C. A deficiência auditiva na criança: incapacidades e readaptações. São Paulo: Manole, 1989.

LANDIN, D. The role of verbal cues in skill learning. In: Quest, v.46, 1994, p. 299-313.

MAGILL, R.A. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. 5ªed. São Paulo: Edgard Blucher, 2000.

MASSER, L.S. Critical cues help first-grade students' achievement in handstands and forward rolls. In: Journal of Teaching in Physical Education, v.12, 1993, p. 301 - 312.

PASETTO, S. C. & ARAÚJO, P. F. Os efeitos da utilização de dicas visuais no processo de ensino-aprendizagem de habilidades motoras para aprendizes surdos. Dissertação de mestrado/ Unicamp, 2004.

REILY, L.H. As imagens: o lúdico e o absurdo no ensino de arte para pré-escolares surdos. In: SILVA, I.R.; KANCHAKJE, S. & GESUELI, Z.M. (orgs) Cidadania, Surdez e Linguagem: desafios e realidades. São Paulo: Plexus, 2003, p. 161-192.

SINGER, R.N. Motor learning and human performance: an application to motor skills and movement behaviors. 3ª.ed. New York: MacMillan Publishing Co., 1980.

STRNADOVÁ, V. Como é ser surdo. Rio de Janeiro: Babel, 2000.

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