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Sugestões docentes para melhorar o ensino de surdos
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Publicado em 1999
Cadernos de Pesquisa, São Paulo, nº 108, p.183-198
Ana Dorziat Barbosa de Mélo
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Resumo

Este artigo trata de uma pesquisa realizada junto a professoras de surdos, numa perspectiva de valorização das percepções docentes sobre temas relacionados ao seu fazer pedagógico, visando a sua melhoria. Teve por objetivo investigar o tipo e o nível de reflexão dessas professoras. Para tanto, foram entrevistadas 13 professoras de duas grandes escolas para surdos que trabalhavam sob a concepção da Comunicação Total. Os dados obtidos foram analisados a partir de quatro eixos temáticos, os quais emergiram dos próprios depoimentos. Evidenciou-se, nos relatos, uma preocupação com as questões pedagógicas, inseridas numa visão de "normalidade" e de "adaptação social". Persiste, portanto, uma concepção clínica de surdez e de pessoa surda.

Ouvindo o professor: Em busca de uma mudança efetiva

O entendimento da prática pedagógica do professor não é algo linear e unidirecional. Por isso, essa prática não pode ser tomada como um fim em si mesma no processo educacional, mas inserida num emaranhado de relações que envolvem a compreensão histórica concreta, presente na sociedade, em consonância com as situações de ensino. Isso quer dizer que para qualquer fato social ser compreendido em suas raízes, é preciso procurar entendê-lo na sua totalidade. Weber explicita essa idéia, afirmando:

...a docência consiste no produto reestruturado de influências presentes ou passadas de múltiplos agentes que são mediadas pelas características mais gerais do contexto social em que as mesmas ocorrem, produto esse que vai sendo incorporado à experiência pessoal, sob a forma de quadro de referência e de esquema de avaliação do real. (1996, p.36)

A prática pedagógica é construída, portanto, a partir das concepções de sociedade, indivíduo e ensino dos sujeitos que apreendem, interpretam e atuam sobre essa prática. A sua compreensão está, pois, estreitamente vinculada ao ser e ao fazer de seus principais agentes: os professores.

A tentativa de entender melhor o ato educativo tem levado a diferentes enfoques sobre o professor no processo de ensino. Segundo Nóvoa (1992), dois estudos recentes (Ball, Goodson, 1989; Woods,1991) evocam esse processo de forma distinta, referindo-se aos anos 60 como um período em que os professores são "ignorados"; aos anos 70 como uma fase em que os professores são "esmagados"; e aos anos 80 como uma década em que se multiplicam as instâncias de controle dos professores.

Em meados de 80 para início de 90, ressurge de modo muito forte a figura do professor, não apenas como mero reprodutor de teorias criadas, sugeridas e implementadas por outros, mas como potencialmente capaz de refletir sobre sua prática e de transformá-la, a partir da tomada de consciência, inclusive, sobre seu próprio percurso de vida pessoal. Rompe-se com a dicotomização profissional versus pessoal, para uma visão de influências recíprocas das várias esferas de vida do professor na sua prática educacional.

Em termos de pesquisa em educação, nota-se, por um longo período, a negação dessas influências recíprocas. Os fenômenos são considerados isoladamente e marcados pela objetividade e neutralidade, refletindo e, ao mesmo tempo, contribuindo para a ratificação de uma visão dicotômica do processo educacional e, conseqüentemente, para segmentações estanques (ou variáveis) a serem estudadas.

Atualmente, cai por terra a hegemonia dessa ciência positivista, pelo menos em educação. Outras tendências metodológicas têm procurado dar um tratamento ou mais subjetivo (fenomenologia) ou mais dialético (materialismo histórico) às questões educacionais, tratando o homem, como objeto da pesquisa educacional, de forma mais apropriada.

A busca de compreensão do fenômeno na sua totalidade exige, entretanto, uma focalização de partes que delineiem um problema a ser investigado. Por isso urge buscar formas de entender a dinâmica envolvida nas práticas educacionais, sem perder de vista as condições concretas de existência. Nesse contexto, há o resgate, também nas pesquisas, da figura do professor.

Tratando sobre a necessidade de as pesquisas científicas em educação contemplarem a figura do professor, Goodson (1992) recomenda projetos que respeitem a reconceitualização da investigação educacional, "de modo a assegurar que a voz do professor seja ouvida, ouvida em voz alta e ouvida articuladamente". Para tanto, a maneira mais plausível de avançar, segundo ele, seria começar a edificar as noções de professor auto-regulador, investigador e profissional de competências alargadas.

Nessa perspectiva, o estudo da prática pedagógica e a consolidação de iniciativas no ensino que visem a políticas de mudança do sistema educacional, nos diferentes âmbitos de atuação, só é possível com a participação do professor.

Relação pensamento-linguagem: A importância da Língua de Sinais

Nos últimos anos tem sido possível conhecer os estudos, desenvolvidos por Vygotski, que enfocam a importância da relação pensamento-linguagem para o desenvolvimento humano. Apesar da preocupação presente nesses estudos com as questões educacionais, pouco foi desenvolvido sobre as implicações de sua teoria no espaço escolar. Atualmente, alguns grupos de estudiosos da educação têm procurado traduzir para o âmbito escolar os fundamentos conceituais, a visão dialética presente nesses estudos. Essa visão, que enxerga o homem como um ser historicamente construído, percebe os fenômenos na sua totalidade, considera as relações biológicas e sociais, a aprendizagem e o desenvolvimento, o pensamento e a linguagem.

Ao tratar especificamente sobre a relação pensamento-linguagem, Vygotski (1993) considera a importância da linguagem para a comunicação entre as pessoas e, sobretudo, para o desenvolvimento do indivíduo, como ser pensante. Para ele, linguagem e pensamento são considerados unidade expressa nos significados da fala e, como tal, são indissociáveis. Sendo assim, a manifestação concreta da linguagem transmitida-assimilada, basicamente, pelo sentido oral-auditivo, adquire um estatuto privilegiado no estudo do desenvolvimento humano.

Paradoxalmente, considerando a afirmação de Vygotski de que a linguagem não depende da natureza do meio material que utiliza, essa tendência é perfeitamente adequada também aos estudos sobre surdez. Ela toca no ponto crítico de todos os esforços dos profissionais envolvidos nessa área: o desenvolvimento lingüístico humano. Após diversas e constantes tentativas de fazer os surdos expressarem-se oralmente (Método Oral ou Oralismo), atualmente, vários estudos consideram a importância de valorização da linguagem natural dos surdos: a língua de sinais. Funcionalmente essa língua é o único meio capaz de substituir a língua oral, utilizada pelos ouvintes.

Na prática pedagógica existem ainda poucas experiências de uso da língua de sinais na sua forma genuína, ficando o seu emprego restrito a práticas bimodais (articulação simultânea dos sinais e da fala oral 1). O bimodalismo está freqüentemente associado à Comunicação Total, uma ampla proposta educacional para o surdo. Ela surge em resposta à ineficácia da tradição oralista e prescreve o uso de diversos recursos de comunicação (oralidade, sinais, leitura labial, soletração manual, escrita, desenho, gestos convencionais etc.).

O argumento de que há necessidade de prover os surdos de todos os recursos comunicacionais possíveis é utilizado pelos seguidores da filosofia da Comunicação Total. Nessa filosofia, os sinais são vistos, sobretudo, como meio de promover uma comunicação mais eficiente entre professor e aluno, levando em conta as dificuldades do professor (a grande maioria deles ouvintes) de se apropriar da língua de sinais. Por isso, a sinalização é realizada na estrutura gramatical das línguas orais majoritárias, como é o caso do Português Sinalizado.

Na Comunicação Total, o estabelecimento de uma comunicação eficiente entre professor e aluno assume lugar privilegiado, em detrimento de outros pontos importantes, para o processo do desenvolvimento cognitivo dos surdos. Entre esses pontos está a necessidade de aquisição, pelos surdos, de sua primeira língua – a de sinais –, a qual dará suporte a todas as suas aquisições futuras, incluindo-se a Língua Portuguesa (Brito, 1990).

Por trás dessa desvalorização da língua de sinais está a noção de normalização e de adaptação dos surdos à sociedade, persistindo uma concepção mais clínica de educação. Não se tem considerado a importância da relação entre pensamento e linguagem para o seu desenvolvimento. Desconsidera-se, também, que não basta ensinar o suficiente para uma convivência adequada entre grupos, mantendo uma superioridade daqueles que tiveram todas as condições possíveis de desenvolvimento, mas é preciso ensinar visando a superação desse estado de coisas. É pela preservação e pelo respeito às idiossincrasias humanas que se pode pensar em aproximar grupos diferentes, desde que sejam considerados em pé de igualdade. Essa igualdade de condições pode ser promovida pela escola, na medida em que o conhecimento, sem restrições, seja possível a todos. Só pelo acesso ao conhecimento, ou, no dizer de Saviani (1994), ao saber sistematizado, pode-se pensar no ensino como meio para a participação democrática na sociedade.

Para os surdos, o critério básico e essencial para o acesso a esse saber sistematizado, sem restrições, é a apropriação da sua língua natural: a língua de sinais. Contudo, ela só não é solução para todos os problemas educacionais, assim como não são as línguas orais, por si só, no ensino dos ouvintes.

Como as professoras de surdos que trabalham sob uma filosofia da Comunicação Total enxergam essas questões? Quando solicitadas a sugerir iniciativas de melhoramento do trabalho, elas contemplam esses aspectos? Há uma superação, em termos de discurso, de uma visão mais clínica de ensino de surdos ou ainda persistem as questões de ordem reabilitacional?

Baseada nessas questões fundamentais para qualquer iniciativa de melhoria do ensino dirigido às pessoas surdas, realizei uma pesquisa, visando investigar o tipo e o nível de reflexão de professoras de surdos sobre o papel da educação para esses alunos.

Percurso metodológico

O estudo foi desenvolvido em duas grandes instituições especiais de ensino para surdos, na cidade de São Paulo. Foram entrevistadas 13 professoras de surdos que tinham experiência de 1 a 23 anos no Oralismo e de 3 a 8 anos na Comunicação Total. Todas elas possuíam curso superior (Licenciatura Plena em Pedagogia), com Habilitação em Educação dos Deficientes da Audiocomunicação – Edac. No momento da coleta de dados, as professoras atuavam na educação infantil e na 1ª a 4ª séries do ensino fundamental. Para garantir a privacidade das entrevistadas, cada professora foi identificada pela letra P e por um número, correspondente à ordem dada às entrevistas.

As entrevistas foram feitas individualmente, em ambientes da própria instituição (sala de aula, sala de reuniões, sala de orientação), e transcorreram num clima de diálogo entre entrevistadora e entrevistada. Houve apenas um encontro com cada professora, aproveitando, em geral, os momentos de horário escolar em que os alunos realizavam atividades com outros professores (Educação Física, Educação Artística etc) ou encontravam-se no horário de recreio. Durante as entrevistas as participantes eram instigadas a emitir sua opinião sobre os aspectos que deveriam ser repensados ou aprimorados para melhorar sua prática.

Todos os depoimentos foram gravados e transcritos na íntegra. A partir de leituras apuradas de cada resposta, foi possível apreender alguns eixos temáticos e, com base neles, dar início a análise dos dados.

Sugestões das professoras: Entre o discurso de valorização da surdez e a visão etnocêntrica de homem

As participantes apontaram algumas sugestões que poderiam contribuir para o aprimoramento do trabalho docente. Essas sugestões foram sistematizadas em quatro temas, ou seja, Ação Docente, Recurso de Ensino, Assistência ao Aluno e Habilidade Docente, como exposto no quadro a seguir.

Temas Sugestão Profªs
1a) Ação Docente
  • estudar metodologias relativas à alfabetização
  • trocar experiências com os diversos setores
  • manter contato com surdos adultos
  • manter contato com alunos menores de 3 anos
  • estudar os sinais
 P10-P11
P2-P9
P5-P6
P6
P12
2a) Recurso de Ensino
  •  ter sistema de amplificação sonora coletiva
  • usar textos variados em sala de aula
  • usar recursos de ensino apropriado ao surdo
 P3-P8
P1
P13
3a) Assistência ao Aluno
  • assegurar ao aluno acompanhamento fonoaudiológico
 P4
4a) Habilidade Docente
  • ter domínio dos sinais
 P7

Quadro I: Sugestões para o aprimoramento do trabalho docente

1ª) O tema referente à Ação Docente, ou seja, ao que o professor deveria realizar para melhorar sua atuação em sala de aula, foi citado por oito professoras. Entre elas, duas participantes sugeriram o estudo de metodologias relativas à alfabetização. Essas sugestões caracterizam uma nova tendência no ensino de surdos, considerando que a visão predominante na educação especial, como um todo, sempre foi a de que essa constituía-se em um sistema à parte. Esse modo de pensar a educação especial foi fortemente assimilado na educação de surdos, prevalecendo na prática escolar técnicas reabilitadoras de fala. Os conteúdos programáticos foram minimizados no currículo e foi conferido ao professor o papel de terapeuta da fala. O estudo de metodologias de ensino, baseado nos moldes utilizados no ensino regular, coincide com a posição de Mazzotta (1993), segundo a qual a visão estática e linear de educação especial, como algo à parte do sistema de ensino comum, contribui para práticas preconceituosas e discriminatórias no contexto escolar.

Vários estudiosos da área (Sanchez, 1990; Skliar, 1996) têm tentado redimensionar as questões relativas ao ensino de surdos. Ao invés de restringir o fenômeno da surdez aos problemas que envolvem a audição e a fala, procurando-se alertar o professor para a necessidade de desenvolver uma visão mais global. Além de possuir um conhecimento específico sobre seu público-alvo e saber direcionar os procedimentos adequados a tal público, o professor deve estar mais atento às suas funções que se relacionam a questões de ensino.

Com a valorização e incentivo do uso de sinais no ensino, os depoimentos das professoras que fizeram essa sugestão mostram que já existe uma inclinação em não ver os sinais como a solução de todos os problemas da educação dos surdos. Seria preciso também rever as questões metodológicas, principalmente as relacionadas ao ensino da leitura e da escrita.

Os depoimentos a seguir ilustram essa afirmação:

Agora, aqui na escola, a gente está estudando o construtivismo, porque a gente viu que do jeito que estava indo estava complicado para as crianças aprender. Os sinais não resolvem todos os problemas da educação dos surdos, tem a metodologia por trás que precisa ser vista (...) no fim, melhorou a comunicação, mas na hora da escrita estava ficando do mesmo jeito. (P10)

Eu acho que a gente deve continuar estudando. A gente está mais voltada agora para a parte de alfabetização, está tendo toda uma mudança em leitura e escrita. A gente está tentando fazer com que as crianças sejam mais estimuladas, porque a linha de evolução passa igual para crianças surdas e ouvintes. A gente está tentando aproximar isso deles. Por isso que eu insisto na parte da leitura orofacial, porque quando se faz uma criança pensar como é que se escreve "sapato", ela tem que pegar alguma pista, que lembre como fica aquela palavra. (P11)

Esses depoimentos alertam para a necessidade de o professor atualizar-se, considerando as novas produções de conhecimento em educação, especificamente às relacionadas à leitura e à escrita. É indispensável, nessa busca de novos conhecimentos e de novas metodologias, os professores não perderem de vista as particularidades das pessoas sob sua responsabilidade. A realização de uma transposição teórico-metodológica linear pode contribuir para a adoção de procedimentos que são, para uns, adequados e aconselháveis, e para outros, prejudiciais, acentuando o desnivelamento entre o ensino regular e o especial. Um exemplo disso é a ênfase colocada pela professora (P10) numa prática construtivista. O aproveitamento no ensino de surdos de modelos desenvolvidos com ouvintes, para compreender a evolução de escrita de crianças, deve ser cauteloso. Algumas questões merecem reflexão, como: estão sendo respeitadas as formas de assimilação de mundo das crianças surdas? Esta maneira está sendo vista como aspecto essencial do processo ensino-aprendizagem? Os sinais ocupam o lugar de destaque que merecem, durante o processo de aquisição de escrita? Ou são vistos como simples recurso comunicativo do ensino?

Essas indagações decorrem do conhecimento de que o construtivismo utiliza, basicamente, pistas da oralidade da criança para formular hipóteses sobre a evolução da escrita. Tais hipóteses foram formuladas, considerando todas as possibilidades de uma fala natural e do feedback auditivo próprio das crianças ouvintes. Fazer o mesmo com os surdos, seria apoiar os procedimentos na sua dificuldade, e não no seu potencial.

Essa observação não pretende reduzir a importância do construtivismo, como concepção de educação relevante e merecedora de estudos aprofundados. Pretende apenas alertar para a necessidade de considerar-se as características particulares (visuais) de aquisição e elaboração de conhecimentos dos surdos.

Outro ponto que mereceu destaque nos depoimentos foi a constatação, por uma das professoras, da persistência dos problemas de leitura e de escrita, evidenciando as limitações do Português sinalizado, apesar das justificativas iniciais de que esse tipo de comunicação viria facilitar o aprendizado dessas habilidades. Começam a surgir indicativos, assim, de que Brito (1993) tem razão ao afirmar que o ajuste dos sinais à estrutura de outra língua, nesse caso a portuguesa, é prejudicial à aquisição e ao desenvolvimento de escrita dos surdos. Segundo a autora, o conhecimento razoável da língua de sinais, como língua construída, é mais importante para a aquisição do Português pelos surdos do que o conhecimento parcial do Portu-guês falado ou sinalizado.

Outra sugestão feita por duas professoras foi a troca de experiências com diversos setores. Isso envolveria tanto profissionais da mesma área do conhecimento (professoras de igual e diferentes níveis) como de diferentes áreas (psicologia, fonoaudiologia etc). Elas expõem sua idéia assim:

Seria a participação de todos, psicóloga, fono, todo mundo trabalhando junto para ter um crescimento do aluno. (P2)

...é no dia-a-dia que a gente vai descobrindo as coisas novas. A gente conversa com a coordenadora, as quatro professoras das primeiras séries estão sempre conversando e discutindo formas de melhorar o trabalho. Então, a gente vai tentando aprimorar no dia-a-dia. Eu acho a troca algo maravilhoso. De repente, eu tenho uma idéia e minha amiga tem outra idéia e as duas idéias juntas melhoram aquela idéia inicial. (P9)

Essa sugestão remete para um aspecto importante que existe sobretudo nas grandes instituições voltadas para o ensino especial: a existência de diferentes profissionais. Embora seja uma condição essencial para o desenvolvimento pleno das pessoas que as freqüentam, isso tem contribuído, algumas vezes, para o desmembramento ainda maior do aluno. Ele não é considerado na sua totalidade, como um ser integral, mas dividido em partes problemáticas. Esse tipo de atendimento é conseqüência, em geral, de formação profissional muito espe-cializada. A participação inter e multidisciplinar, embora esteja tão em voga em debates acadêmicos, na prática apresenta limitações. Muitas vezes, é designada ao professor a responsabilidade por vários assuntos de competência alheia ou é-lhe tirada a chance de participar do desenvolvimento do aluno nas diversas áreas. A sugestão da professora (P2) reflete esse estado de coisas e chama a atenção para a necessidade de um trabalho em que haja o envolvimento de todos os segmentos da escola com a participação ativa do professor.

Duas professoras sugeriram, ainda, o contato com o surdo adulto, para aprender sinais retirados da língua de sinais usada nas comunidade de surdos e para estabelecer vínculos entre os alunos surdos menores e os surdos adultos. Afirmaram elas:

Atualmente, o que a gente está fazendo é tendo contato com surdo adulto para a gente pegar realmente os sinais da comunidade, que foi, talvez, uma falha nossa. Um aprendizado que foi para nós, a gente acabou pegando informantes de diversos locais e que não estava batendo com a comunidade daqui. Então, atualmente, nós estamos mudando neste sentido. (P5)

A gente participa de encontros, de congressos, então a gente fica muito contente de saber que está no caminho certo. Mas, tem uma coisa que falta que a gente sempre fala em reunião que é o contato maior com o surdo adulto, porque por mais que a gente peça para os pais ir até lá... (alguns pais até vão), mas você mexe com culpa, com o medo, a insegurança desse pai, então muitos não procuram e se a escola pudesse fazer com que isso pudesse acontecer aqui dentro, eu acho que seria um ganho muito grande. (P6)

O contato dos surdos adultos com os alunos surdos é o meio mais adequado para estabelecer as bases da estruturação da identidade social e do fortalecimento da auto-estima. De acordo com Johnson, Lidel e Erting (1989) os surdos adultos deveriam estar presentes em todas as situações educativas, uma vez que, como todas as línguas naturais, a língua de sinais existe dentro de um contexto cultural. Segundo tais autores, sem a presença de adultos que possam entender e transmitir com propriedade todas as noções que surgem nessas situações, a aquisição da língua não será completa. A participação do surdo adulto como interlocutor, nas escolas de surdos, deve ser propiciada, sobretudo nas fases iniciais de aquisição de linguagem, quando as crianças a usam com a função comunicativa.

Além disso, é importante a participação dos surdos no estudo dos professores ouvintes sobre a língua de sinais. Embora deva haver um trabalho de parceria entre professores ouvintes competentes nessa língua, na orientação didática, e os surdos, como usuários diretos da língua, é imprescindível que os surdos assumam a responsabilidade do processo pelo fato de a língua não se constituir em um simples acréscimo lexical, mas caracterizar-se por ser um transmissor essencial de cultura, de idéias e de opiniões. Sendo assim, ao passar a responsabilidade pela divulgação e ensino da língua de sinais aos surdos, está-se contribuindo para o aumento de conhecimento sobre seus próprios usuários: como pensam, como se relacionam etc.

A mesma professora (P6) colocou como ação docente importante o contato com os alunos menores de 3 anos, antes de ingressassem na escola. Segundo ela, o professor poderia auxiliar no fortalecimento do vínculo entre mãe e filho e na aquisição de habilidades próprias da faixa etária de 1 a 3 anos. Disse ela:

Eu acho que, com um trabalho anterior com as crianças, as coisas fluiriam muito mais depressa (...) nesse tempo, de 1 a 3 anos, quando a criança está pronta para aprender a gente perde. Eu acho que precisa de atendimento educacional nessa faixa de idade para a melhoria do meu trabalho. Com esse trabalho, a gente teria condições de eliminar um grande problema que é a interação mãe-criança, que quase inexiste. (P6)

A preocupação da professora anterior com o trabalho educacional em uma fase da vida da criança que deveria ser rica em interação (entre 1 e 3 anos) foi bastante pertinente. Essa fase, em que a criança adquire linguagem é prejudicada devido à falta de comunicação na interação mãe ouvinte e filho surdo. Tais problemas têm sua origem na descoberta pela mãe, da surdez do filho. Para Bouvet (1990), durante o primeiro ano de vida, as crianças surdas de pais ouvintes são capazes de usufruir da mesma riqueza comunicativa das crianças ouvintes, baseadas em estímulos multissensoriais. Entretanto, diferente dos ouvintes, os surdos não utilizam, como ponto de referência dessa comunicação multissensorial, a linguagem vocal. Mesmo os surdos não ouvindo as palavras faladas que acompanham tudo o que a mãe comunica juntamente com os olhos, expressão facial, gesto etc, podem participar ativamente em suas primeiras trocas comunicativas.

Esse jogo de signos, tão importante na interação mãe e filho, dura o primeiro ano de vida, em que todas as crianças dominam e entendem a mensagem muito mais pelo que vêem. A vantagem da criança ouvinte é a de que ela, durante esse tempo, é também estimulada com informações lingüísticas, baseadas no sentido do som, essencial para adquirir fala vocal. A interrupção nessa troca entre mãe e filho se dá, segundo Bouvet (1990), quando a criança surda está entre o sexto e o décimo segundo mês. Nessa época, a mãe começa a perceber que seu bebê não mostra interesse pelo jogo vocal. Diagnosticada a surdez do filho, há uma interrupção na comunicação entre mãe e criança, não ocorrendo mais as trocas que aconteciam, quando a mãe não tinha idéia que seu filho era surdo. Por isso, é indispensável o apoio dos profissionais da área à mãe e à criança, para que esse vínculo entre mãe e filho permaneça, seja reestabelecido, e a criança não perca essa fase essencial para seu desenvolvimento futuro.

Além da preocupação em se manter o vínculo entre mãe ouvinte e criança surda, Skliar (1996) chama a atenção para a necessidade de a escola estar preparada para dar subsídios a fim de que a criança aproveite plenamente essa fase de sua vida. Uma das principais providências nesse sentido seria procurar formas de suprir as crianças de todo o potencial comunicativo, próprio da idade, pelo uso significativo da língua de sinais, em situações lúdicas. Essas atividades teriam a presença e a supervisão do surdo adulto, como interlocutor potencialmente adequado. A fase a que muitos autores têm chamado "estimulação precoce", "estimulação essencial", Skliar (1996) denomina "intervenção comunicativa".

Essa é uma fase essencial para todo o desenvolvimento futuro do aluno, se se considerar que é pela sua interação com o meio social (pessoas, acontecimentos etc) que o ser humano constrói sua individualidade e independência intelectual (Vygotski, 1993). A interação só é plena, com o suporte de uma linguagem rica em significado. Para os surdos, a língua de sinais.

Por último, uma professora, ao mencionar a ação docente, ressaltou a necessidade de estudo constante dos sinais, visando a deixar o professor sempre atualizado, sobre as mudanças que ocorrem com a língua.

Apesar de a professora ressaltar a atualização na língua de sinais, o bimodalismo que pratica não tem contemplado, na realidade, o estudo da língua de sinais, na sua forma genuína. A atualização em sinais fica restrita ao vocabulário sinalizado, adaptado à estrutura da Língua Portuguesa. É imprescindível que haja maior aprofundamento nas questões lingüísticas, referentes à importância da aquisição e desenvolvimento de uma língua natural para a vida social, afetiva e cognitiva do ser humano.

2ª) O tema Recurso de Ensino, sobre os meios materiais pelos quais o professor poderia melhorar sua atuação, foi tratado por quatro professoras. Duas delas indicaram a necessidade de amplificação sonora coletiva, para facilitar o trabalho do professor. Uma delas expressou-se assim: "Se tivesse amplificação sonora em sala e aula ia facilitar porque a gente tira água de pedra, como dizem. É o trabalho do professor, uma lousa muito ruim e o aluno com boa vontade" (P8).

O depoimento é coerente com os princípios da Comunicação Total, que acentua o desenvolvimento oral dos surdos, como ponto importante para o desenvolvimento de suas habilidades lingüísticas (Marchesi, 1987). Os sinais, nesse contexto, são mais um recurso facilitador do processo de ensino e aprendizagem, inclusive, da aquisição da Língua Portuguesa falada e escrita. Nessa perspectiva, o uso tecnológico dos aparelhos de amplificação sonora ainda é decisivo para o desenvolvimento dos surdos. A linguagem que se adquire de forma espontânea, base para todas as aquisições, é colocada como sinônimo de oralidade ou de sinalização baseada na oralidade. As reflexões sobre a importância da língua de sinais ainda são incipientes.

Na verdade, apesar de, na Comunicação Total estar presente um discurso de valorização dos sinais, existem pontos bastante controversos em termos de concepção de surdez. Ainda é contundente a importância atribuída à oralidade, sendo o uso dos sinais justificado pelos professores, muitas vezes, devido à carência da realidade brasileira, em termos de atendimento especializado e de aparelhagem destinada à amplificação sonora (Mélo, 1995). Na verdade, países que proporcionam todas essas condições materiais aos seus cidadãos, como a Suécia, têm direcionado seu ensino para o uso efetivo da língua de sinais. Isso mostra que o uso de sinais não é uma alternativa para solucionar carências econômicas e/ou biológicas. O seu uso parte do princípio de que uma língua é um instrumento de pensamento, um meio eficaz para o conhecimento da cultura e para a recriação dessa cultura. Segundo Wallin (1992, p.27), um sueco surdo: "a atitude para com as crianças surdas e para com a língua de sinais é vital no desenvolvimento da linguagem. A língua de sinais dar-lhes-á base estável para seu posterior desenvolvimento e para sua autoconfiança".

Outra professora considerou que o professor precisava melhorar o seu trabalho, trazendo para sala de aula textos variados que favorecessem a entrada do aluno no mundo da escrita. Para ela, o professor deveria explorar todo tipo de leitura, sem ficar circunscrito a uma cartilha ou livro didático e propiciar a prática da expressão, também, escrita. Ela se expressou da seguinte forma:

Eu acho que eles têm que aprender a ler. Ler coisas, ler notícias, ler livros, saber decifrar quem é o personagem. E isso de muitas maneiras, mesmo vendo um filme. Eles têm que saber contar um filme (...) deve-se dar textos, textos variadíssimos, como por exemplo, eles escreverem sobre um desenho ou desenharem sobre uma estória que você contou. Isso eu acho fundamental. (P1)

Os estudos sobre a aquisição de leitura e de escrita dos surdos sempre ocuparam lugar privilegiado nas discussões sobre surdez. Várias estratégias, independentes da prática metodológica, são usadas para solucionar essa dificuldade. Como não existe escrita correspondente à língua de sinais, todos os esforços são direcionados para promover a aquisição da Língua Portuguesa. Na Comunicação Total, o uso do Português Sinalizado busca, também, facilitar a aquisição da Língua Portuguesa pelos surdos. Com o avanço dos estudos psicolingüísticos, revelando que escrita e fala possuem características próprias (Kato, 1987) e do aprofundamento nos estudos sobre a importância da linguagem no processo de desenvolvimento humano (Vygotski, 1993), passou-se a ter argumentos suficientes, para justificar a importância da aquisição da língua de sinais, como primeira língua e da Língua Portuguesa como segunda língua (bilingüismo). Em diferentes lugares do Brasil, estudos estão sendo realizados, com a intenção de implementar o bilingüismo.

A idéia de proporcionar todo tipo de leitura à criança surda é importante, porque é pela leitura que a criança pode conhecer objetos, seres humanos com características variadas, animais, e pode viver situações que lhes foram, muitas vezes, limitadas, devido à inacessabilidade de informações auditivas. Volto a ressaltar a importância de um critério básico e essencial para que essa leitura tenha propriedade: a necessidade de poder pensar e elaborar conceitos, primeiramente, na língua de sinais. Não basta material didático riquíssimo em situações e opiniões, se lhes forem impostos sistemas alheios de interpretação. É isso que a Comunicação Total tem feito.

Outra professora enfatizou a ausência de material didático de leitura específico, principalmente, para os maiores que já vêm num processo defasado em relação ao ouvinte. Ela relatou sua dificuldade em selecionar textos adequados aos interesses dos surdos:

Eu não acho textos muito condizentes com o nível de interesse deles e o nível de idade. Apesar de eles terem uma idade já avançada, os textos são muito grandes, exige um nível de interpretação grande, exige um conhecimento de vocabulário bom, coisas que eles não têm. Então, minha dificuldade é selecionar material que se adapte ao interesse deles. Os textos pequenos que a gente vê, de bom tamanho para eles, são textos bobos, muito infantilizados. Eles se desinteressam, não querem saber, porque falam que é coisa de criança pequena. (P13)

Esse depoimento ilustra muito bem a análise anterior. A dificuldade apontada por essa professora é conseqüência de um trabalho de leitura e de escrita estéril. Na verdade, o problema não está centrado nos materiais didáticos disponíveis nas escolas, nem especificamente no aluno surdo. Esses alunos são produto de anos de um trabalho oralista, que desvalorizou as formas particulares de assimilação (visual) de mundo dos surdos. Infelizmente, é nessa situação caótica descrita pela professora, que se encontra a maioria dos educandos surdos. Ainda que jovens, são, muitas vezes, levados a trabalhar com material didático infantilizado, porque não conseguem acompanhar textos mais elaborados, que lhes proporcionem as condições de desenvolvimento de pensamento mais complexo.

3ª) A Assistência ao Aluno, referente a variados tipos de acompanhamento profissional, foi mencionada por uma professora. Para ela o trabalho docente poderia melhorar, se o aluno tivesse um acompanhamento fonoaudiológico. Ela considera que com esse acompanhamento o surdo iria falar melhor e o seu trabalho seria mais enriquecido com subsídios que a fonoaudióloga pudesse oferecer a cada aluno. O atendimento fonoaudiológico foi o único citado como assistência ao aluno. Diz ela:

Eu acho que seria interessante ter alguém que trabalhasse com o grupo toda essa parte de colocação de fonemas, essa coisa de mobilidade. Eu acho que ia melhorar muito em relação à fala deles, que seria importante até para passar mais subsídios, para a gente poder enriquecer o trabalho. Acho que seria muito bom. (P4)

Essa colocação deixa clara a preocupação presente na Comunicação Total com o aspecto reabilitador, clínico do aluno surdo. É constatada uma incoerência entre os princípios filosóficos da Comunicação Total, que prega um respeito às particularidades do aluno, ao seu mundo visual, ao mesmo tempo em que se apóia em técnicas que os dota de mecanismos de assimilação igual ao ouvinte.

Assim, como considera Brito (1993), acredito também que a Comunicação Total, na verdade, amenizou uma situação insustentável, de total repressão, presente no oralismo, mas conservou os mesmos princípios, baseados numa concepção de normalização. Neles, o trabalho fonoaudiológico sempre teve papel destacado. Na verdade, sem a presença de um fonoaudiólogo, não se poderia imaginar qualquer instituição de "ensino" para surdos. Era ele que ditava grande parte dos procedimentos a serem adotados em sala de aula. Ao professor cabia seguir as orientações e tentar substituí-lo à altura nas tarefas terapêuticas aplicadas, uma vez que na maioria das escolas existia apenas um fonoaudiólogo para atender toda a instituição.

Atualmente, com a nova tendência de resgate dos direitos lingüísticos e de cidadania dos surdos e, conseqüentemente, com as reivindicações de uma maior presença do caráter pedagógico (o que, por que, para que ensinar) nas instituições voltadas para essas pessoas, tem-se revisto o papel do fonoaudiólogo nessas escolas. Cabe aos próprios profissionais envolvidos redimensionarem esse papel, em consonância com as exigências de uma nova postura em relação à surdez e com as aspirações da classe diretamente envolvida.

4ª) Por último, uma professora referiu-se à Habilidade Docente, alertando para um critério de competência do professor de surdos. Ela disse que, embora não domine totalmente os sinais, considera que essa habilidade deveria ser pré-requisito para um trabalho satisfatório do professor junto a surdos. "Eu acho que isso é uma coisa que o professor precisa: dominar os sinais. Isso não impede que eu tenha um relacionamento excelente com meus alunos, mas acho que impede em relação a minha pessoa, de eu me sentir bem à vontade" (P7).

Sem dúvida, é importante a habilidade do professor na língua de sinais e não apenas no domínio de um amplo vocabulário, adaptado às regras da Língua Portuguesa. Por mais habilidoso que seja o professor, ele sempre irá imprimir sua visão de ouvinte à língua de sinais, por isso é indispensável, como já disse anteriormente, a parceria entre professor ouvinte e monitor surdo, no processo de ensino e aprendizagem.

Além disso, a formação do professor de surdos necessita ser revista. As habilitações voltadas a esse tipo de formação não contemplam em sua grade curricular disciplinas que tenham como finalidade ensinar os princípios da língua de sinais. Nessa nova perspectiva, entendo que, o professor de surdos como futuro professor de uma língua estrangeira (como francês, inglês) precisa dominar os princípios básicos da língua que irá lecionar.

Já está em tempo de passar de um discurso em defesa dos direitos lingüísticos dos surdos, para a busca de soluções práticas, visando a esses direitos.

Desvelando concepções sobre surdez e a pessoa surda

As informações obtidas configuraram-se em sugestões valiosas para maior reflexão sobre o ensino de surdos em geral, e o papel do professor de surdos, em particular. Por meio de tais informações, as professoras expuseram suas preocupações, ora centrando-se nos aspectos pedagógicos, ora atendo-se nos aspectos de ordem clínica. Na verdade, mesmo quando se reportam às questões educacionais, surge como pano de fundo em suas falas uma visão muito orientada pelo parâmetro do que seja normal. Essa visão "etnocêntrica", no dizer de Skliar (1996), de que os padrões de normalidade são aqueles estabelecidos pela maioria e tudo deve girar em torno deles, parece guiar as reflexões das professoras entrevistadas.

As sugestões das professoras sobre a melhoria no ensino de surdos, em concordância com essa perspectiva de normalidade, podem, apesar do aparente discurso de valorização dos surdos, colocá-los numa posição de desvantagem diante dos padrões exigidos socialmente. Não pretendo, com isso, desmerecer o valor de cada sugestão em si. Pelo contrário, muitas delas poderiam ser valiosas e viáveis, se consideradas sob essa ótica, em que fosse destacada a diferença dessas pessoas, não como algo menor, que devesse ser reabilitado para adaptar-se aos padrões pré-estabelecidos, mas como outra via de desenvolvimento humano.

Nesse sentido, acredito firmemente que é preciso haver uma inversão de valores na visão de surdez. Enquanto persistir a noção de "deficiência", mesmo velada, persistirá a desvalorização e desconsideração desse grupo cujo potencial cultural e cognitivo encontra-se em fase de latência, esperando para desabrochar.

As inovações e preocupações pedagógicas, que marcam alguns depoimentos, ainda que se constituam em passo importante para a adoção do caráter pedagógico no ensino de surdos, superando a visão clínica de até bem pouco tempo, estão claramente norteadas pelo princípio da "normalidade" e "adaptação à sociedade", e não pelo respeito à diferença e pela necessidade de participação ativa dos surdos na sociedade, visando a contribuir para sua transformação.

Portanto, pareceu-me não ser possível, para as professoras, desvencilharem-se de valores socialmente construídos que, mesmo aparentemente superáveis no terreno do discurso acadêmico, estão presentes e de modo muito forte nas relações sociais informais, influenciando decisivamente na construção de sua prática.

Isso reforça a noção de que não adiantam planos mirabolantes de reforma no ensino impostos aos professores. É preciso ouvi-los, entendê-los e envolvê-los numa nova perspectiva de educação, em que não existam parâmetros estáticos de homem e de sociedade, mas respeito ao indivíduo e às suas condições de desenvolvimento como ser humano pleno.

Notas

1 Apesar de parecer redundante o termo fala oral, diferentemente de teorias lingüísticas mais tradicionais, acredito que o termo fala não se refere somente à articulação oral, mas ela está presente em muitas manifestações em que não são articuladas palavras vocalmente. Sendo assim, os surdos falam com as mãos, o corpo... os gestos, enfim.

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