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Ronice Müller de Quadros
Ronice Müller de Quadros
Professora e Investigadora
Inclusão de surdos no ensino superior por meio do uso da tecnologia
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Publicado em 2008
Estudos Surdos III / Ronice Müller de Quadros (organizadora) – Petrópolis, RJ : Arara Azul
Ronice Müller de Quadros
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Resumo

O presente artigo tem por objetivo apresentar o Curso de Licenciatura em Letras Libras, desenvolvido na Universidade Federal de Santa Catarina – Brasil. Este curso está sendo oferecido juntamente com oito instituições conveniadas e com o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação a Distância e a Secretaria de Educação Especial. São nove pólos brasileiros localizados na Universidade Federal do Amazonas, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal da Bahia, Universidade de Brasília, Centro Federal de Educação Tecnológica do Estado de Goiás, Universidade de São Paulo, Instituto Nacional de Educação de Surdos no Rio de Janeiro, Universidade Federal de Santa Maria e Universidade Federal de Santa Catarina. Cada instituição tem 55 alunos e no pólo UFSC são 60 alunos, totalizando 500 alunos. O Curso de Licenciatura em Letras Libras é oferecido na modalidade a distância, prioritariamente para surdos. Apresentamos a metodologia da formação e as tecnologias desenvolvidas para propiciar a acessibilidade dos alunos surdos. O curso está organizado de forma a expressar o conhecimento na Língua de Sinais e privilegiar as formas de ensinar e aprender dos surdos. Além do desafio de buscar traduzir essas formas de ensinar e aprender dos surdos na Língua Brasileira de Sinais, está sendo realizado na modalidade a distância. Para possibilitar o cumprimento desse duplo desafio a participação dos surdos no processo de planejamento e operacionalização tem sido fundamental. Essa proposição está em consonância com as políticas afirmativas que o nosso país vem assumindo nas últimas décadas. Em observância ao Decreto 5626/2005, o curso de Letras Libras busca garantir a inclusão social de surdos na sociedade por meio de formação acadêmica, abrindo espaços para a sua inclusão no mercado de trabalho. Os professores formados neste curso irão atuar na formação de professores em nível universitário, na formação de fonoaudiólogos e na formação básica de alunos surdos e ouvintes. Essa formação passará pela Língua de Sinais que inclui aspectos sociais, culturais e políticos. Assim, os surdos estarão atuando neste mercado de trabalho falando sobre a língua usada por eles mesmos. Para viabilizar a formação foi necessário o desenvolvimento de diversas ferramentas no Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem, que possibilitassem disponibilizar os conteúdos em Libras e favorecer o processo de comunicação.

Introdução

A licenciatura em Letras Língua Brasileira de Sinais – Libras – é um curso de graduação que passa a fazer parte do conjunto de licenciaturas em Letras oferecidas pelo Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina, a saber, Português, Alemão, Espanhol, Inglês, Francês e Italiano que tem por objetivo formar professores qualificados para atuar no ensino de línguas.

Os alunos do Letras Libras receberão a titulação da UFSC como licenciados em Língua Brasileira de Sinais para atuarem como professores desta língua em diferentes espaços educacionais. Esse curso forma o professor para o ensino da Libras como primeira língua ao lecionar para alunos surdos e como segunda língua ao lecionar para falantes de Português. É um curso que está sendo oferecido na modalidade a distância.

A modalidade a distância visa à democratização desse processo de formação. Diferentes regiões do país estão tendo a oportunidade de formar professores de Língua de Sinais dispondo da competência pedagógica e técnica de um grupo de profissionais com excelência na área, o que visa garantir o êxito do programa que atenderá a comunidade surda. O curso está sendo oferecido em nove pólos brasileiros: a Universidade Federal do Amazonas, a Universidade Federal do Ceará, a Universidade Federal da Bahia, a Universidade de Brasília, o Centro Federal de Educação Tecnológica do Estado de Goiás, a Universidade de São Paulo, o Instituto Nacional de Educação de Surdos no Rio de Janeiro, a Universidade Federal de Santa Maria e a Universidade Federal de Santa Catarina. Os convênios foram firmados com todas as instituições de ensino e instaurou-se o processo seletivo. O curso de Letras Libras é uma ação da Universidade Federal de Santa Catarina juntamente com essas instituições conveniadas e com o MEC, por meio da Secretaria de Educação a Distância e a Secretaria de Educação Especial. Cada instituição tem 55 alunos e no pólo UFSC são 60 alunos. O curso está organizado na forma de rede, integrando 9 pólos em diferentes regiões do país, totalizando 500 vagas.

Essa proposição está em consonância com as políticas afirmativas que o nosso país vem assumindo nas últimas décadas. Em observância ao Decreto 5626/2005, o curso de Letras Libras busca garantir a inclusão social de surdos na sociedade por meio de formação acadêmica, abrindo espaços para a sua inclusão no mercado de trabalho. Os professores formados neste curso irão atuar na formação de professores em nível universitário, na formação de fonoaudiólogos e na formação básica de alunos surdos e ouvintes. Essa formação passará pela Língua de Sinais que inclui aspectos sociais, culturais e políticos. Assim, os surdos estarão atuando neste mercado de trabalho falando sobre a língua usada por eles mesmos.

No âmbito da escola, as pesquisas indicam que a aquisição da Língua de Sinais no ambiente escolar é de fundamental importância para as crianças surdas. Quadros (1997) apresenta três papéis diferentes para a Língua de Sinais dentro do ambiente escolar: a Língua de Sinais como uma disciplina independente; a Língua de Sinais usada para ensinar a língua oral-auditiva; e a Língua de Sinais como a língua usada para trabalhar com as demais disciplinas escolares. Cabe salientar que essas funções são assumidas partindo do pressuposto de que a criança surda já domine a Língua de Sinais, ou seja, essa língua passa a ser tratada pedagogicamente após ser garantida a aquisição da mesma de forma natural e espontânea. É imprescindível também a formação de professores que partilhem do mesmo universo referencial das crianças surdas, para que elas possam estabelecer suas identidades e construir suas relações sociais, lingüísticas e culturais com seus pares.

As pesquisas da Língua Brasileira de Sinais têm trazido uma série de evidências quanto ao seu estatuto lingüístico (Ferreira- Brito, 1995; Quadros, 1997; Quadros & Karnopp, 2004). Os lingüistas reconhecem as Línguas de Sinais de diferentes países como línguas naturais, no sentido lingüístico, ou seja, línguas que apresentam as propriedades das línguas humanas. Paralelamente aos avanços científicos, os surdos de diferentes países organizaram-se por meio de instituições representativas para convencer o poder público de que as Línguas de Sinais são línguas de fato que pertencem a grupos sociais que se espalham por diferentes países. No caso do Brasil, a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – FENEIS – desempenhou esse papel. Ao longo dos últimos 20 anos, a FENEIS, representando os movimentos sociais surdos brasileiros, estabeleceu como meta o reconhecimento oficial da Língua Brasileira de Sinais. Esse processo culminou com a Lei 10.436, a chamada lei de Libras, regulamentada pelo Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais. A lei de Libras reconhece a Língua Brasileira de Sinais como a língua dos surdos brasileiros. Nesse sentido, a lei desencadeia os direitos lingüísticos da comunidade surda, que passa a ter o direito de uma educação na sua própria língua.

Considerando-se esses aspectos, o curso de Letras Libras tornou-se uma realidade e se justifica do ponto de vista legal, acadêmico, social e lingüístico. A sua criação é originária do trabalho de um grupo de especialistas da UFSC e da FENEIS, que se reuniram especialmente para este fim. O curso passou por todas as instâncias necessárias para ser aprovado. No momento da sua aprovação, a UFSC, representada pela reitoria, encampou a proposta e a levou ao MEC. A partir daí, iniciou-se um processo no sentido de garantir os recursos necessários para a sua implantação. A Secretaria de Educação Especial junto à Secretaria de Educação a Distância do MEC liberaram os recursos financeiros e o curso se tornou uma realidade.

Organização do curso

Na perspectiva educacional, pensar em educação de surdos é considerar, entre outros aspectos que representam as experiências visuais das pessoas surdas, a sua Língua de Sinais. Os surdos aprendem por meio da sua língua. Há vários relatos de surdos que expressam o quanto o mundo passou a ter significado a partir do momento em que puderam se expressar e ter escutas em sinais. Diante das perspectivas lingüísticas e educacionais, a língua de instrução do Curso de Letras Libras é a Língua Brasileira de Sinais. Nesse sentido, esse curso reflete a política lingüística atual na educação de surdos. O curso está organizado de forma a expressar o conhecimento na Língua de Sinais, bem como, a captar as formas de ensinar e aprender dos surdos. O curso é de Letras, licenciatura em Língua Brasileira de Sinais, assim, é um curso que tem o compromisso de formar professores dessa língua. Além do desafio de buscar traduzir essas formas de ensinar e aprender dos surdos na Língua Brasileira de Sinais, está sendo realizado na modalidade a distância. Para possibilitar o cumprimento desse duplo desafio a participação efetiva dos surdos no processo de planejamento e operacionalização tem sido fundamental, pois consideramos que somente quando os próprios surdos participam do processo de tomada de decisões sobre os caminhos que devem ser seguidos, é possível garantir uma forma diferente de pensar a educação de surdos. Pensar um curso de Letras Libras requer pensar um curso a partir de um jeito surdo de entender os conceitos e processar o conhecimento. O desafio da formação de professores de Língua de Sinais passa pela própria língua e envolve, também, as formas de produzir e visualizar o conhecimento.

Planejar e gerir um curso com estas características torna-se um desafio diário para todas as equipes envolvidas, considerando, em especial, o ineditismo desta formação. O curso de Letras Libras é o primeiro curso da América Latina a ser oferecido prioritariamente a alunos surdos.

Nesta formação o currículo é entendido como processo que envolve uma multiplicidade de relações, abertas ou tácitas, em diversos âmbitos, que vão da prescrição à ação, das decisões administrativas às práticas pedagógicas.

Numa primeira aproximação e concretização do significado amplo que nos sugere, propomos definir currículo como o projeto seletivo da cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada. (SACRISTÁN, 2000, p.34)

Nesta perspectiva, a proposta pedagógica está ancorada nos conteúdos, nos formatos e nas condições da cultura surda. O currículo foi proposto considerando as condições histórico-sociais dos estudantes. Entendemos que é preciso que se busque uma educação que ajude o homem a recuperar os vínculos coletivos, a solidariedade, o respeito pelo outro, a capacidade de se inconformar com as injustiças sociais. Nesse sentido, é necessário que se construa uma concepção multicultural de conhecimentos e de direitos humanos. Na questão curricular isto deve se expressar na ampliação da compreensão dos elementos de poder envolvidos na seleção do conhecimento escolar. As questões do poder e da dominação se expressam em toda a realidade social. Severino (2001, p. 52) afirma que há um elemento que marca a peculiaridade humana: o poder. Segundo este autor:

...a sociedade é impregnada por um coeficiente de poder. Os indivíduos não se justapõem em condições de simétrica igualdade mas se colocam hierarquicamente, uns dominando os outros. Torna-se assim uma sociedade política.

Entendemos que todo conhecimento é político, pois pode servir à promoção da justiça, da liberdade, da melhoria de vida ou pode servir à submissão e à dependência. Se considerarmos o currículo apenas como uma listagem de conteúdos que todos os sujeitos devem saber, deixa-se de lado uma questão fundamental: o encobrimento das realidades de poder e de conflito que fornecem as condições para a existência de qualquer currículo.

O currículo no Curso de Letras Libras é compreendido a partir de uma perspectiva de mundo, de sociedade e de ser humano. Sacristán (2000) nos remete a esta reflexão, argumentando que “não tem sentido renovações de conteúdos sem mudanças de procedimentos e tampouco uma fixação em processos educativos sem conteúdos de cultura”. Afirma, ainda, que o tema central da análise de prática de ensino está em ver como se cumpre a função cultural da escola. Em nosso entendimento, isso significa, compreender que o currículo traduz marcas impressas de uma cultura nem sempre visíveis, mas que estão latentes nas relações sociais de uma época.

Incontestavelmente, existe, entre educação e cultura, uma relação íntima, orgânica. Quer se tome a palavra “educação” no sentido amplo, de formação e socialização do indivíduo, quer se restrinja unicamente ao domínio escolar, é necessário reconhecer que, se toda educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma coisa: conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama precisamente de conteúdo da educação. (FORQUIN, 1993, p.10)

Em síntese, reafirmamos que é necessário pensar o currículo sem esquecer duas questões fundamentais: a cultura e o poder, diretamente imbricados na discussão sobre o currículo. Temos claro, também, que se torna fundamental reconhecer a instabilidade do currículo, pois é da natureza do currículo a instabilidade. Apostar na idéia de currículo instável é acreditar que “as substanciações objetivas da cultura não podem ser consideradas como definitivas e absolutas, mas interpretáveis ou provisórias em relação às circunstâncias nas quais foram construídas.” (SACRISTÁN , 1999, p. 157)

O currículo do Curso de Letras Libras está organizado em períodos, com disciplinas que privilegiam o estudo da Libras. Os conteúdos das disciplinas são disponibilizados em três meios: a) Material didático impresso (Caderno de Estudo); b) Material didático on-line (AmbienteVirtual de Ensino e Aprendizagem – AVEA); c) Material didático em DVD/vídeo. Os materiais didáticos constituem-se em importantes canais de comunicação entre os alunos, a proposta pedagógica e a instituição promotora. Por isso, são dimensionados respeitando as especificidades da realidade sócio-econômica e cognitiva dos alunos e da modalidade de educação.

A carga horária presencial das disciplinas, aproximadamente 30% do total, é desenvolvida a partir das seguintes atividades: a) Aulas por meio de videoconferência: essa ferramenta é utilizada pelo professores para ministrar aulas, apresentar seminários, debater temas, entre outras atividades didático-pedagógicas. b) Encontros obrigatórios entre os alunos e professores tutores nos pólos regionais; c) Avaliações presenciais das disciplinas.

A carga horária a distância, aproximadamente 70% do total, é desenvolvida com o auxílio das seguintes mídias: a) Caderno de Estudo: contempla as orientações de estudo para cada uma das disciplinas; b) Ambiente virtual de ensino-aprendizagem: disponibiliza os conteúdos de cada disciplina em Libras; e c) DVD: aprofunda uma temática específica de cada uma das disciplinas.

A concepção pedagógica parte do princípio que a projeção de um curso à distância requer a consideração das especificidades dessa modalidade de ensino. Em um curso a distância, é necessário utilizar diversas estratégias de ensino que envolvam os atuais meios de comunicação para mediar o processo de ensino-aprendizagem. A escolha das mídias na educação a distância é um ponto chave para o sucesso do curso. Segundo Moore (2007) para termos um programa de educação a distância de qualidade é necessário especialização e tempo na análise das mensagens educacionais a fim de determinar qual a melhor combinação de mídias para chegarmos a um melhor resultado.

No caso específico do Curso de Licenciatura em Letras Libras é necessário considerar, além das características do ensino a distância, as particularidades desta língua. Nesse sentido, a proposta pedagógica deste curso ancora-se em três princípios para a formação na modalidade a distância: a interação, a cooperação e a autonomia. A idéia é de que tais princípios sejam considerados como meta para orientar o percurso teórico-metodológico do curso. Estes princípios demarcam o referencial conceitual para a estruturação dos objetivos, a escolha dos conteúdos, a elaboração dos passos metodológicos das disciplinas e a construção dos instrumentos de avaliação. Além de nortear a organização, o desenvolvimento e a avaliação do processo ensino-aprendizagem são o referencial básico para toda a equipe multidisciplinar, envolvida na construção dos materiais didáticos.

É importante destacar que estes três princípios: cooperação, autonomia e interação estão articulados porque são interdependentes. A cooperação neste projeto é condição básica para o seu funcionamento. A modalidade EaD requer ação conjunta de equipes multidisciplinares, e por sua natureza somente se faz com base nos princípios de interação e autonomia e no caso do Letras Libras contamos com a participação de surdos em todas as etapas do processo.

Nos processos de ensino-aprendizagem os participantes (alunos e professores) desenvolvem habilidades e conhecimento compartilhadamente, uns com os outros, superando suas limitações e dificuldades coletivamente. Nessas situações, operam com os objetos de conhecimentos e com ferramentas e podem, além de observar os efeitos de suas interações, compartilhar o processo, os resultados e as dificuldades. Ou seja, os estudantes precisam ser ativos, criativos e participativos. Ser capazes de estudarem sozinhos, mas também de estudarem em pequenos e grandes grupos.

Partimos do pressuposto que no Curso de Letras Libras todas as ações são constantemente repensadas e geram novos encaminhamentos. Todos os grupos envolvidos participam de fóruns de discussão e a partir das experiências vivenciadas reflete-se sobre as estratégias e conteúdos a serem desenvolvidos.

Equipes Interdisciplinares

A educação a distância exige o trabalho de equipes interdisciplinares. No Letras Libras temos as seguintes equipes: pedagógica, hipermídia, produção gráfica, vídeo, videoconferências, acompanhamento da aprendizagem do aluno (tutores,professores e monitores) e a gestão financeira. Todas estas equipes estão sob a coordenação geral do curso.

A equipe pedagógica está localizada no Centro de Ciências da Educação, parceiro neste projeto. É responsável pelos processos de formação, desenvolvimento dos materiais e avaliação do curso. Esta equipe é constituída por especialistas em educação a distância e pelos designers instrucionais. Os designers são: um aluno, surdo, de mestrado em educação, desenvolvendo sua pesquisa em literatura surda; dois doutorandos, surdos, em educação que desenvolvem pesquisas sobre a formação de professores de Língua de Sinais e a história da educação de surdos no Brasil; uma mestra em educação que desenvolveu sua pesquisa na área da interpretação de surdos e uma doutora, surda, em informática educativa (todos bolsistas da UFSC).

O designer instrucional e os especialistas em EaD atuam como colaboradores na definição das estratégias de aprendizado, criando uma metodologia de ensino baseada no aprendizado “visual” como diferenciador do aprendizado tradicional. Eles participam dos processos que incluem a preparação dos materiais on-line, digital e impresso, ou seja, todos os conteúdos passam por esta equipe que organiza e acompanha a sua implementação e desenvolvimento no curso. Essa equipe trabalha, colaborativamente, junto aos professores autores e equipes de produção (hipermídia, vídeo e produção gráfica) no planejamento e execução das ações didáticas do curso e preparação dos materiais (elaboração de hipertextos, planejamento das atividades de avaliação, aprovação dos roteiros do DVD/vídeo, elaboração dos cadernos de estudo). Participa também do processo de produção dos materiais desde a chegada dos textos elaborados pelos professores até sua implantação no Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem, finalização dos materiais impressos e produção dos DVDs.

Além disso, os designers perceberam a necessidade de incluir no ambiente virtual um dicionário de Libras. Isso se deu, porque, há muitas variantes da Língua Brasileira de Sinais nos diferentes estados envolvidos no curso. Além disso, muitos sinais estão sendo criados ao longo da implementação do curso e o dicionário compartilha entre todos os pólos os significados dos mesmos.

Essa equipe também é responsável pela formação dos professores das disciplinas, os monitores e os professores tutores. Até o momento foram realizadas duas formações de coordenadores locais, duas formações presenciais das equipes de professores tutores, e formação continuada dos professores tutores por meio de videoconferência.

Paralelamente, a coordenação pedagógica está trabalhando no desenvolvimento e aplicação dos instrumentos de avaliação do curso, pois consideramos que pelo ineditismo da ação a avaliação torna-se fundamental, trazendo subsídios para o repensar do processo educativo.

A equipe de hipermídia, composta por professores do Curso de Design do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC, trabalha com o ambiente virtual de Ensino-Aprendizagem do curso de Letras Libras customizando-o e adaptando-o para refletir a Cultura Surda. Desenvolve hipertextos, animações e ilustrações para compor os materiais didáticos digitais que são disponibilizados no AVEA, de acordo com o que foi preparado pela equipe pedagógica, incorporando os vídeos em sinais produzidos pela equipe de vídeo. Além disso, procura implementar o curso na perspectiva visual, incluindo a possibilidade de gravar no ambiente as atividades dos alunos produzidas na sua própria língua.

Os DVDs das disciplinas são produzidos por uma equipe de vídeo do Curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC. Os roteiros se baseiam no material encaminhado pelo professor autor e passa pela aprovação dos designers e dos professores das disciplinas. Depois disso, todas as filmagens são feitas com atores surdos usuários da Língua de Sinais e por tradutores da Língua de Sinais. Esse trabalho envolve vários processos de tradução da Língua Portuguesa para a Língua de Sinais para garantir o acesso ao conhecimento na sua própria língua. Os vídeos são, então, editados e o DVD é gravado e produzido para os 500 alunos.

Sistema de Acompanhamento à Aprendizagem do Aluno

O sistema de acompanhamento à aprendizagem do aluno conta com os professores e monitores das disciplinas e os professores tutores. Cada professor tutor é responsável pelo acompanhamento de até 30 alunos e mantém contato direto com os professores e monitores das disciplinas.

O professor é responsável pelo planejamento e operacionalização de toda disciplina; acompanha, junto com os professores tutores e monitor, o processo de aprendizagem dos alunos; participa dos fóruns de discussão e do bate-papo; realiza os encontros presenciais por meio de videoconferências e planeja as avaliações.

O professor tutor atua como um mediador entre os professores, alunos e a instituição. Cumpre o papel de auxiliar do processo ensino e aprendizagem, ao esclarecer dúvidas de conteúdo, reforçar a aprendizagem, avaliar os alunos e prestar auxílio para manter e ampliar a motivação dos alunos. É licenciado em Letras, com conhecimento em Libras e atua junto ao Pólo Regional, 20h por semana, sendo responsável por até 30 alunos. Mantém contato com seu grupo de alunos via ambiente virtual de ensino-aprendizagem e diretamente ao realizar encontros presenciais obrigatórios com seu grupo ou atender solicitações individuais de alunos que se deslocam até o pólo na procura de orientação para seus estudos. Acompanha o aluno em todas as disciplinas do curso, podendo permanecer com o grupo até a certificação final.

O monitor da disciplina realiza seu trabalho sob a orientação direta do professor. A principal função do monitor é apoiar o professor da disciplina e mediar as informações entre o professor e o professor tutor. Na prática, o processo acontece da seguinte maneira: os alunos entram no ambiente virtual, discutem com os professores tutores sobre temáticas específicas relacionadas com o conteúdo da disciplina. Caso o professor tutor tenha dúvidas sobre algum conteúdo, ele entra em contato com o monitor da disciplina. O monitor faz uma intermediação entre os professores tutores e o professor da disciplina.

Recursos Tecnológicos

O curso está baseado em um Sistema de Gerenciamento de Aprendizagem (SGA) de caráter livre, chamado MOODLE, utilizado por um grande número de países, o que garante seu contínuo desenvolvimento e aperfeiçoamento. Entretanto, este sistema precisou ser customizado e adaptado para incorporar, tanto em sua interface gráfica quanto em sua estrutura de funcionamento, características que refletissem a alma do curso, ou seja, a Cultura Surda. Desta forma, as equipes de design gráfico e de hipermídia trabalharam de forma integrada com as outras equipes de desenvolvimento do curso para criar e implementar o AVEA do curso Letras Libras. A partir da interação de todas as equipes, ressaltando-se a importância da participação dos designers instrucionais surdos, foram definidos os conceitos que deveriam ser transmitidos no AVEA, que consistem em: amigável, interativo, motivante, dinâmico e funcional. Também era necessário expressar a idéia de celebração devido aos surdos brasileiros terem alcançado tão importante feito.

Visando atender esses objetivos foi realizada uma série de desenvolvimentos no AVEA. Inicialmente, foi planejado um site aberto, que chamamos de pré-login, que inicia com uma animação representando a abertura de uma cortina, resgantando a idéia de uma celebração (Figura 1).

Assim que a animação termina, o site pré-login aparece trazendo três diferentes formas de comunicar as informações do curso: em Libras, em escrita de sinais e em Português escrito. Utilizou-se como ícones a própria escrita de sinais devido ao seu aspecto visual e também como forma de divulgar esta nova forma de comunicação (Figura 2). Este site está baseado em HTML, PHP e Flash.

A partir deste site, o usuário do curso entra com os dados de login e senha para acessar o AVEA (Figura 3). A customização da interface gráfica, ou tema, do MOODLE foi guiada pelas definições durante o processo de criação da identidade visual do curso. O uso intenso de ícones em escrita de sinais reflete também um diferencial que o curso traz em introduzir a escrita de sinais além do estudo dos movimentos de sinais. Assim, cada comando de menu tem seu significado equivalente em escrita de sinais.

Para atender as especificidades do curso foram feitas modificações no tema padrão do MOODLE, por meio da edição de arquivos de definição de folha de estilos (CSS) e adição de elementos gráficos. Alguns aspectos gráficos não puderam ser alterados diretamente com as definições do tema, sendo necessária a edição do código-fonte de módulos e outros pontos modificáveis da plataforma. Uma parte específica do AVEA que precisou ser modificada foi a forma de exibição das disciplinas, que de uma exibição em forma de tópicos passou a ser exibida em abas, o que diminui a informação exibida ao aluno em cada etapa de seu estudo. Todo esse processo garante aos alunos surdos a acessibilidade aos materiais.

A lógica de navegação do MOODLE também foi alterada devido à necessidade de criar diferentes espaços colaborativos para garantir a comunicação de usuários específicos e visando garantir a colaboração e troca entre todos os envolvidos. Exemplificando, os estudantes entram no espaço de seus pólos onde encontram seus tutores, professores e também seus colegas de pólo. Os estudantes encontram todos os colegas dos outros pólos quando acessam as disciplinas. Já os coordenadores, ao entrarem no AVEA encontram-se no espaço de coordenadores, tendo privacidade para comunicar-se entre si.

Outra importante modificação foi feita nas ferramentas de comunicação síncrona para incorporar a presença de vídeo como forma de interação. Esta mesma introdução de vídeo foi feita na ferramenta Tarefa para possibilitar o envio de tarefas por vídeo diretamente pelo sistema (Figura 4). Neste caso foi desenvolvida uma ferramenta para gravação e envio de arquivos de vídeo para servidor. Esta adaptação foi feita baseada na tecnologia Flash-Red5.

Desenvolvemos especialmente para este curso a ferramenta denominada de “Hiperlivro”, com modificação do módulo livro do MOODLE original. Esta ferramenta permite o desenvolvimento e edição colaborativa de hipermídias de conteúdo didático, possibilitando a criação, em formato hipermídia, de várias páginas, links, glossários e listas de referências bibliográficas, além de permitir a criação de vários caminhos de visualização do conteúdo (Figura 5).

Uma importante adaptação realizada no AVEA foi guiada pela forma de desenvolvimento das disciplinas, como meio de permitir o trabalho colaborativo entre as diferentes equipes. As disciplinas são planejadas e seus materiais são criados em Núcleos de Estudos Colaborativos, chamados NUVECs. No momento em que as disciplinas estão completamente planejadas e implementadas nos NUVECs, estas são replicadas para o espaço das disciplinas reais, onde são acessadas pelos estudantes, professores tutores, monitores e professores. Desta forma, temos as disciplinas mestres que podem ser replicadas, fazendo-se as modificações necessárias, a cada nova edição do curso. Os NUVECs permitem, também a avaliação dos formatos de disponibilizar o conteúdo durante o processo de implementação.

Assim, com estas adaptações e modificações, o AVEA do curso Letras Libras reflete as características necessárias para permitir a interação de seu público-alvo, os surdos.

Impacto social do curso de Letras Libras

A Lei de Libras 10.436 define que a Língua de Sinais deve ser incluída no currículo dos cursos de Pedagogia e Fonoaudiologia, estendendo a possibilidade de sua inclusão a todas as licenciaturas. A disciplina deve ser ministrada por um profissional que seja competente na Língua de Sinais e tenha habilidade de interagir com os alunos observando o nível lingüístico dos mesmos. Tal profissional deve conhecer profundamente a cultura surda e suas perspectivas históricas, lingüísticas e culturais, em âmbito nacional e internacional. A disciplina deve envolver questões relacionadas à Língua de Sinais, à comunidade surda (aspectos sociais, culturais e políticos) e a relação com o intérprete da Língua de Sinais.

A exemplo do impacto da legislação, no estado de Santa Catarina, por meio da Secretaria de Educação, Ciência e Tecnologia e da Fundação Catarinense de Educação Especial, foi implantada uma política de educação de surdos com o seguinte objetivo: reestruturar a política de educação de surdos no Estado de Santa Catarina, garantindo a utilização da Libras de modo a assegurar a especificidade de educação intercultural e bilíngüe das comunidades surdas, respeitando a experiência visual e lingüística do surdo no seu processo de aprendizagem, contribuindo para a eliminação das desigualdades sociais entre surdos e ouvintes e que proporcione ao aluno o acesso e permanência no sistema de ensino.

A nova política de educação de surdos prevê professores bilíngües (Língua de Sinais e Português) para o ensino de Português como segunda língua, professores surdos de Língua de Sinais para o ensino dessa língua como primeira e segunda língua e intérpretes de Língua de Sinais.

O curso de Letras Libras visa atender as demandas crescentes, em nível federal, estadual e municipal formando professores de Língua de Sinais com qualidade. É um curso de graduação que inclui os surdos brasileiros nas universidades públicas brasileiras, em um Centro Federal de Educação Tecnológica e no Instituto Nacional de Educação de Surdos e apresenta repercussões na inclusão de alunos surdos em todos os níveis educacionais.

Considerações finais

O curso de Letras Libras tem o compromisso de formar professores de Língua de Sinais. Isso acontece da mesma forma que os demais cursos de Letras da UFSC, uma vez que o modelo é de licenciatura única, ou seja, o aluno opta pela língua que estudará no curso de Letras. Assim, o curso de Letras Libras não formará alunos para o ensino de Língua Portuguesa, pois há o curso de Letras Português. Isso é muito importante nesse curso, pois os alunos surdos que o freqüentam não tiveram a oportunidade de um ensino da Língua Portuguesa como segunda língua ao longo de sua escolarização e processam o conhecimento na Língua de Sinais Brasileira. Com essa compreensão histórica e cultural, este curso apresenta-se integralmente na Língua Brasileira de Sinais para garantir que o aluno surdo compreenda e construa seu processo de aprendizagem sem, necessariamente, depender do domínio da Língua Portuguesa. A licenciatura única, neste caso, é oportuna, além de se adequar ao padrão dos cursos de Letras oferecidos pela universidade. Esta é uma forma concreta de inclusão social de minorias lingüísticas e de garantir formação gratuita com qualidade.

O curso de Letras Libras está desenvolvendo um aparato técnico que compreende aspectos da tecnologia visual relacionada às formas lingüísticas das línguas de sinais e aos processos de organização do conhecimento elaborados pelos sujeitos surdos. Desta forma, está se conquistando também, com o curso, uma implementação gradativa de sistemas de complexidade de linguagens tecnológicas que se constituem em fontes nacionais de pesquisa aplicada. A área de design e de hipermídia estão operando com tecnologias de ponta e sistemas de comunicação de extrema importância para o desenvolvimento da educação a distância na UFSC.

Espera-se, através do desenvolvimento deste curso, que se potencialize e dinamize o campo de pesquisa com vistas à melhoria da vida dos surdos e dos cidadãos em geral. O processo atual desencadeará a criação de cursos presenciais espalhados por todo o país. Isso garantirá a formação qualificada de professores de Língua de Sinais, prioritariamente, para surdos, como prevê o Decreto no 5.626. Os surdos trazem consigo a experiência de uma língua visual-espacial, a Língua de Sinais, uma língua não oral-auditiva, manifestação lingüística própria deles mesmos em sua forma mais autêntica de produção. Os direitos lingüísticos dos surdos brasileiros a partir da Lei de Libras no 10.436 e do Decreto no 5.626 passam a garantir a inclusão dos surdos na sociedade brasileira, garantindo-lhes o acesso ao conhecimento em sua própria língua e garantindo-lhes o exercício à cidadania. O curso de Letras Libras inclui os surdos no ensino superior brasileiro com qualidade, direito nunca usufruído antes por essa minoria social, e conseqüentemente possibilita a sua inclusão no mercado de trabalho.

Bibliografia

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