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Aprendizagem matemática por alunos surdos utilizando o AVA Moodle
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Publicado em 2011
XIII Conferência InterAmericana de Educação Matemática, CIAEM-IACME, Recife, Brasil
Solange Hassan Ahmad Ali Fernandes
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Resumo

Este trabalho tem por finalidade apresentar resultados parciais da aplicação de uma atividade baseada na resolução de problemas de matemática, utilizando o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) Moodle (www.moodle.org.br/), por quatro alunas surdas do instituto SELI (www.seli.com.br). O intuito é avaliar a influência da interatividade no processo de resolução de problemas, bem como, o papel da comunicação entre os alunos surdos nas soluções matemáticas, utilizando a ferramenta fórum de discussão do AVA. Os principais resultados evidenciados foram a pouca interação entre os sujeitos envolvidos e principalmente a ênfase na utilização de imagens como recurso de representação nas respostas. Acreditamos que ao fazer uso do AVA, utilizando a metodologia Design Experiments, é possível efetuar (re)formulações no ambiente, buscando uma melhor forma de trabalhar no fórum de discussões, com a resolução de problemas, estimulando a curiosidade e preparando o aluno para lidar com situações novas.

1. Introdução

Um dos fatos motivadores deste trabalho é a possibilidade de explorar o potencial da Educação a Distância (EaD) como modalidade educacional de inclusão para pessoas com necessidades educacionais especiais, em particular para deficientes auditivos. Segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano 2000, o Brasil possuía cerca de 166.000 deficientes auditivos. A modalidade de Educação a Distância pode ser mais um recurso didático para viabilizar aos alunos surdos o acesso a conteúdos matemáticos.

Este trabalho tem como um dos objetivos avaliar a influência da interatividade no processo de resolução de problemas e o papel da comunicação entre os alunos surdos nas soluções matemáticas, utilizando a ferramenta fórum de discussão do AVA Moodle. Para tanto, acreditamos que a diversificação das mídias pode facilitar a apresentação do conteúdo a ser estudado, bem como, a comunicação entre os usuários na resolução de problemas.

2. Fundamentação Teórica

2.1 Ambiente Virtual de Aprendizagem

O conceito de AVA aqui utilizado é de um software que contém uma série de recursos que facilitam (a uma entidade) montar e oferecer um curso pela internet. Segundo Penterich (2010) os primeiros ambientes virtuais de aprendizagem surgiram nas IES 3 há cerca de 10 anos, de forma embrionária como páginas web, que com o passar do tempo foram se sofisticando até chegarem hoje ao que se conhece como Learning and Content Management System - LCMS ou simplesmente AVA. Por sua flexibilidade e por oferecer uma gama de recursos, os AVAs tornaram-se um instrumento ideal para a Educação a Distância (EaD). O AVA é considerado uma sala de aula virtual na qual os participantes podem comunicar-se em tempo real ou não.

O ambiente utilizado neste trabalho é o Moodle, e dele utilizamos algumas ferramentas, dentre elas, destacamos o fórum de discussões. De acordo com Maingueneau (apud SILVA e BRAGA 2009, p.10) “há alternância no discurso quando existe um deslocamento midiológico, ou seja, a tela do computador, não é apenas um acessório, mas uma ferramenta inovadora”. No caso deste estudo, a resolução de problemas ocorre sob condições midiáticas, mais especificamente no Fórum de discussões, que nos permite analisar os elementos textuais que compõem o discurso 4 utilizado pelos alunos e suas estratégias de resoluções. Tal análise realizase sobre as interações entre as alunas e entre alunas/professor.

2.2 Resolução de problemas

A resolução de problemas tem sido utilizada como um método de ensino. De acordo com Lupinacci e Botin (2004, p. 01)

[...] é um método eficaz para desenvolver o raciocínio e para motivar os alunos para o estudo da Matemática. O processo de ensino e aprendizagem pode ser desenvolvido através de desafios, problemas interessantes que possam ser explorados e não apenas resolvidos.

É desejável despertar nos alunos o interesse e curiosidade pelos conhecimentos matemáticos, fazendo com que, ao resolverem problemas descubram novas maneiras e métodos de resolução, motivando-os pela busca de diferentes maneiras de resolver o mesmo problema, desenvolvendo assim a capacidade de resolver qualquer problema que lhe for proposto.

Silveira (2001, p. 01) afirma que,

[...] um problema matemático é toda situação que requer a descoberta de informações matemáticas desconhecidas para a pessoa que tenta resolvê-lo e/ou a invenção de uma demonstração de um resultado matemático dado. O fundamental é que o resolvedor conheça o objetivo a chegar, mas só estará enfrentando um problema se ele ainda não tem os meios para atingir tal objetivo.

Para se resolver um problema é necessário que se crie uma sequência de ações ou operações para se alcançar o resultado desejado. É importante desenvolver nos alunos a capacidade de resolver diferentes problemas utilizando a mesma estratégia e utilizar diferentes estratégias para resolver o mesmo problema.

Nesse contexto, o aluno se configura como sendo o sujeito ativo de sua aprendizagem e o professor assume o papel de mediador, onde deverá propor desafios e questionamentos, fornecendo subsídios aos alunos, para que esses possam interagir com seus colegas com o objetivo de construir seu conhecimento.

2.3 Aprendizagem Matemática de alunos surdos

Professores que têm em suas classes alunos surdos, apontam as dificuldades associadas a linguagem como a principal barreira na hora de aprender Matemática. A pouca correspondência entre a linguagem escrita e a de sinais (LIBRAS) geram conflitos na hora de ler e interpretar enunciados. Assim, essa preocupação com a apresentação dos materiais e do conteúdo ao aluno é essencial para que haja compreensão e comunicação.

Neste sentido, Nogueira e Machado, (apud Gil, 2007, p. 18), destacam que,

[...] os professores de surdos costumam considerar que a matemática é a disciplina que menos apresenta dificuldades para as crianças à exceção dos problemas, cujos entraves são atribuídos, não sem razão, à dificuldade óbvia de interpretação dos enunciados.

Foi em busca dessa quebra de paradigma que resolvemos trabalhar com a resolução de problemas matemáticos.

3. O Estudo

A metodologia empregada na pesquisa é a do Design Experiments (Cobb et al, 2003), assim, a modelagem do AVA Moodle passa por diversas fases de (re)design até que tenhamos um modelo que atenda as necessidades específicas do público a que se destina, e nos propicie uma ampla base de dados. Os dados apresentados aqui foram levantados a partir de um estudo piloto do ambiente, que será submetido, em breve, a alunos com limitações visuais e auditivas. Nesse estudo piloto as atividades propostas foram situações problemas envolvendo diversos conteúdos matemáticos. O público alvo que participou deste estudo piloto foram quatro alunas que apresentavam surdez parcial ou total, adquirida ou congênita surdas do Instituto de Educação para Surdos – SELI, com idades entre 14 e 18 anos. Para essas alunas foram propostos quatro problemas matemáticos apresentados em linguagem escrita e em LIBRAS através de vídeo, dos quais três possuíam mais de uma resposta correta. As soluções aos problemas propostos deveriam ser postadas na ferramenta fórum de discussão, pois segundo Heide (2000), “uma técnica que deve ser explorada quando se trata de aprendizagem é a de criar oportunidades para os alunos compartilharem o que aprendem”, e o fórum de discussão atende a esses objetivos.

A figura 2 apresenta duas soluções distintas apresentadas por duas alunas para a atividade 1 5, uma na forma de figura, disponibilizada no fórum de discussões através do envio de um arquivo e a outra solução descrita no próprio corpo do editor de texto do fórum.

A figura 3 apresenta também uma possível solução para a atividade 4 6, onde a aluna utilizou uma figura para tentar representar a solução para o problema proposto.

As demais atividades seguiram o mesmo padrão, ou seja, as alunas não interagiram entre si na busca de soluções para os problemas e apenas interagiram com o professor quando este as instigavam a uma reflexão sobre o problema proposto ou sobre uma solução apresentada. Devemos destacar que chamou atenção certa recorrência ao padrão visual, ou seja, o número de soluções apresentadas utilizando formas geométricas e “esquemas gráficos” mesmo sem exigência para tal.

4. Conclusões

O presente trabalho procurou avaliar a influência da interatividade no processo de resolução de problemas e o papel da comunicação entre as alunas surdas nas soluções matemáticas com o intuito de se obter resultados que demonstrassem uma construção com participação de todos os envolvidos, e também diversificação no raciocínio e nas representações matemáticas revelados em seus discursos. Mas, ao acompanhar as soluções, entre os dias 05/10/2010 e 16/11/2010, percebemos que a interação que esperávamos não ocorreu. Houve poucos momentos de interação e estes ocorreram apenas entre uma das alunas e o professor que na verdade provocou essa interação. No geral, as alunas mostraram individualidade no processo de resolução, pois cada uma tentava resolver as questões propostas, sem recorrer à ajuda das colegas ou do professor. Do mesmo modo, não demonstraram interesse em ajudar as colegas nos momentos de dificuldades.

No entanto, acreditamos que a diversificação das mídias para a apresentação do conteúdo a ser estudado e para a comunicação entre os usuários na resolução de problemas pode ter sido um elemento motivador para essas alunas.

A apresentação dos enunciados em LIBRAS pode ter facilitado a compreensão das educandas em relação ao que era pedido. Outrossim, podem ter sido motivadas pela possibilidade de apresentar as soluções dos problemas propostos utilizando desenhos, visto que, boa parte dessas soluções, foram apresentadas nestes moldes.

Em relação a pouca interatividade entre as alunas, acreditamos que precisam ser reforçadas e antecipadas as orientações quanto às participações no fórum, deixando claro às aprendizes a importância das discussões e não apenas a apresentação de uma resposta. A comunicação no fórum de discussões através dos feedbacks, comentários, dúvidas e soluções, ocorreu apenas na forma textual, ou seja, os vídeos em LIBRAS foram apresentados apenas nas orientações gerais e nas propostas das atividades. Propõe-se que as mediações do tutor e os comentários dos alunos também possam ser apresentados no formato de vídeo em LIBRAS, conforme sinta necessidade o aluno para esclarecimentos, o que necessitaria de domínio da língua por parte do tutor e de outros recursos tecnológicos dos alunos, como por exemplo, webcam ou câmera digital.

Vimos com a aplicação desta atividade que algumas situações preencheram as expectativas e outras não, sendo necessárias algumas (re)formulações para futuros trabalhos nesta modalidade.

Notas

3 Instituições de Ensino Superior
4 Neste artigo discurso é tomado como uma prática social de produção de textos.
5 Atividade 1: Corte um bolo em 8 pedaços fazendo apenas 3 cortes.
6 Atividade 4: Um viajante precisava pagar sua estadia de uma semana (7 dias) em um hotel, sendo que só possuía uma barra de ouro. O dono do hotel fez um desafio ao viajante para que ele aceitasse o pagamento em ouro: "Aceito o pagamento em ouro. Porém, você terá que pagar uma diária de cada vez, e só poderá cortar a barra duas vezes". Como o viajante deverá cortar a barra para fazer o pagamento?

Bibliografia

Coob, P et al. Design Experiments in Educational Research. Educational Researcher, 2003.

Dante, L. R. Didática da resolução de problemas de matemática. 2 ed. São Paulo: Ática, 1991.

Gil, R. S. A. Educação Matemática dos Surdos: um estudo das necessidades formativas dos professores que ensinam conceitos matemáticos no contexto de educação de deficientes auditivos em Belém/PA. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática). Universidade do Pará. Belém, 2007.

Heide, A. Guia do professor para a internet: completo e fácil. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

Lupincci, M. L. V. e Botin, M. L. M. Resolução de problemas no ensino da matemática. Anais do VIII Encontro Nacional de Educação Matemática. Recife, 2004.

Penterich, E. Ambientes Virtuais de Aprendizagem. Disponível em: www.metodista.br/atualiza/conteudo/material-de-apoio/livros/sala-de-aula-etecnologias/cap05.pdf. Acessado em 20/11/2010.

Silva, S. A. F. e Braga, S. Espaço Virtual de Aprendizagem Unisul: uma análise do discurso acadêmico na ferramenta fórum. Disponível em http://forum.ulbratorres.com.br/2009/mesa_texto/MESA%204%20E.pdf. Acesso 20/11/2010.

Silveira, J. F. P. O que é um problema matemático?, 2001. Disponível em http://www.mat.ufrgs.br/~portosil/resu1.html. Acesso em 23/11/2010.

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